MUSEUS – UMA QUESTÃO DE VISÃO Sibele Mussak “Rever o velho para torná-lo novo ou tornar novo o velho. O velho sempre pode tornar-se novo, e em todo novo sempre existe algo de velho. Novo e velho - faces da mesma moeda - dependem da ótica de quem lê, da atitude disciplinar ou interdisciplinar de quem examina” (Ivani Fazenda) Resumo: Os museus são por excelência, espaços pedagógicos, de divulgação do discurso, da formalização e consolidação das identidades. Museus são espaços de prazer, de descoberta, de gosto pelo saber. Querem provocar o visitante, instigar a pesquisa. Museus, como as escolas, são espaços dedicados ao ensinar e ao aprender, são escolas informais e, as escolas têm a autonomia de transformá-lo numa sala de aula, reproduzindo ali os mesmos métodos de ensino que reproduziriam na instituição real. A interdisciplinaridade no espaço museal. Palavras Chaves: Museu. Escola. Interdisciplinaridade. Educação. Cultura Abstract: Museums are par excellence, teaching spaces, disclosure of the discourse, the formalization and consolidation of identities. Museums are places of pleasure, discovery, passion for knowledge. They want to provoke the visitor, instigating the survey. Museums such as schools, are spaces dedicated to teaching and learning are informal schools, and schools have the autonomy to make it a classroom, playing there the same teaching methods that would replicate at the royal institution. Interdisciplinarity in the museum space. Keywords: Museum. School. Interdisciplinarity. Education. Culture INTRODUÇÃO A questão da educação em museus possui um importante foco de interesse na atualidade, tanto no que diz respeito ao seu papel social, quanto no que se refere às práticas realizadas nesse espaço e suas possíveis reflexões. O presente artigo aborda a estrita relação Museu x Escola; o museu como um recurso educacional no processo ensino-aprendizagem. Como um espaço de interação entre o aluno e o mundo onde está inserido. A visão das nossas próprias raízes culturais definidas e representadas num espaço museológico é importante para o educando, principalmente porque, cada vez mais se vive sobre a influência dos particularismos nacionais, regionais e locais. Porque o papel dos Museus é mesmo este: informar, atualizar, conhecer, estudar, instigar e investigar. Cultura diz respeito ao modo de ser e de viver de diferentes grupos que formam uma sociedade: a língua, as regras de convívio, o gosto, o que se come, o que se bebe, o que se valoriza, o que se veste, vão formando o que é próprio de um povo, de uma sociedade ou de parte dela. Por estes motivos a educação não pode estar separada da questão cultural. Ela é resultado das práticas culturais de um grupo social. O próprio processo de ensinar e aprender revela essas práticas. Até mesmo o como se ensina é uma das dimensões da cultura. A cultura é o que ampara, dá forma e conteúdo à educação. Em sala de aula, experiências, vivências e singularidades estão coligadas. É como uma micro-sociedade onde tantos jeitos de ser, de ver, de ouvir, de vestir, de falar, de brincar, de rezar e festejar se confrontam e se misturam. Alunos e professores trazem em suas bagagens muitas histórias. Trocas, negações e reafirmações de culturas pulsam o tempo todo nesse convívio. E não é possível ignorar essas diferenças, até porque as vivências e os saberes de cada aluno é que vão construir novos saberes e gerar outros conhecimentos. É preciso estar atento ao que cada um traz de contribuição pessoal e tirar partido para o trabalho cotidiano do professor com sua turma. Educação e cultura são práticas indissociáveis, estão extremamente interligadas no processo ensino-aprendizagem, educação é uma prática sociocultural, neste sentido é que podemos falar no caráter inseparável entre educação e patrimônio. A educação deve perceber a escola não como uma realidade em si mesma, pelo contrário, precisa inseri-la com suas particularidades em um contexto sociocultural específico e, ao mesmo tempo, entendê-la como partícipe dos grandes objetivos unificadores e reguladores do processo de aprendizagem dos agentes educativos direta e indiretamente envolvidos. HISTÓRIA DAS HISTÓRIA HOJE CONTADAS Museu é uma palavra de origem latina proveniente do termo Museum, que por sua vez deriva do grego mouseion. Inicialmente, faz referência ao templo dedicado às nove Musas, filhas de Zeus com Mnemosine, a deusa da Memória. No entanto, foi só a partir do Renascimento que este termo passou a ser aplicado em relação a coleções de objetos de valor histórico e artístico. O primeiro museu criado de acordo com a moderna acepção da palavra, no entendimento da maioria dos historiadores desta área, foi o Museu do Louvre, em 1793, em Paris, na França. Na década de 60 a revolução cultural estendeu-se da França por boa parte do mundo, era comum na Europa e nos Estados Unidos prever-se a morte dos museus, acusados de consistir em templos que armazenavam e sacralizavam os valores burgueses. Deveriam por esta razão serem substituídos pelo fórum, a praça pública que serviria de discussão, ao confronto, à criação do novo. Em Paris, a palavra de ordem “é preciso queimar o Louvre” quase chegou às vias de fato. Felizmente, nenhum museu foi incendiado e hoje, mais de 40 anos depois, é possível incorporar às atribuições dos museus inúmeras e complexas funções, que nem por serem diferentes, se excluem umas às outras, como é o caso da ação educativa. O museu antes visto como um todo, em que coleções e funções não possuíam definições precisas, começa a destacar seus papeis, tanto na guarda quanto na utilização e aquisição de seu acervo e peregrina também, no sentido de reconhecer sua dimensão educativa. A partir da segunda metade do século XIX, contrapondo-se aos museus que difundiam exclusivamente a cultura clássica, surgiam e ampliavam-se outros, que se propunham ao serviço de divulgação das coleções baseados em propósitos mais populares. Em parte o fato é justificado na manifestação de interesse da sociedade pelas grandes exposições internacionais da época. A continuidade desses eventos foi assumida pelos museus, que tomaram para si a responsabilidade pela preservação das peças de exposições, mostrando em suas práticas a utilidade social do museu público. Já no início do século XX a preocupação era apresentar um museu mais agregado aos critérios e aos modos de desenvolvimento da ciência e das exigências ideológicas predominantes. O embate entre as sociedades tradicional e capitalista emergente fornece a época um cenário fervilhantemente contraditório. A tendência de abertura dos museus a público maior e mais amplo quanto à categoria social esbarrou ainda nas primeiras décadas do século, nas ideias predominantes que acreditavam na desigualdade entre os homens e superioridade de alguns. Essas ideias estavam amoldadas as formas colonialistas profundamente enraizadas, o que pode ser observado no movimento dos museus, com exibições que, em essência, defendiam valores puramente tradicionais e se mostravam avessas a transformações. Entretanto, em paralelo com estes pensamentos excludentes, convivia uma vanguarda radicalmente crítica e opositora da perspectiva historicista que impulsionou a renovação, passando a caracterizar o museu numa perspectiva que considerava o público uma prioridade, ao contrário de antes, visto como um lugar de privilegiados. Essa destinação ao público é enfatizada no plano educativo, que se estende de forma mais ampla depois da Primeira Guerra Mundial, embora a realização de congressos e reuniões no início do século já indicasse iniciativas de organizações. O museu passou a ampliar seu espaço público para experimentação e explorar temáticas diversas. O esforço pela democratização, com a participação de um público cada vez mais numeroso, e o favorecimento do conhecimento pelo uso de métodos dinâmicos, populares e lúdicos, que contavam com a participação mais direta do público leigo. A partir de 1852, com a fundação do Deutsches Museum, na Alemanha, o destaque no papel educativo do museu e a preocupação da relação com o público podem ser conferidos mais intensamente. Esse e outros espaços deram origem aos museus interativos que, usando modelos mecânicos, permitiam ao público interagir com a exposição, movimentando-a, manuseando manivelas e apertando botões. Assim, ao mesmo tempo, que consolidava definitivamente a abertura do museu a todo tipo de público, afirmava a preocupação educativa da instituição. O museu pode ser considerado como uma instituição intrinsecamente educativa se considerarmos a educação enquanto um processo abrangente de socialização, do qual participam diversas instituições e atores sociais. Todavia, o museu “ideal” do século XIX era um espaço de promulgação, de difusão e de aculturação inserido na modernização da sociedade. Demonstrando uma grande diferença entre conceber-se como instituição intrinsecamente educativa e desenvolver o atendimento específico necessário para atender aos diferentes públicos explicitando objetivos pedagógicos precisos. Naquele instante, a visita era ainda praticada por uma minoria, pois suponha, de seus visitantes, o domínio de saberes e referências que condicionavam a compreensão dos objetos expostos. A ação educativa, neste período, consistia em visitas guiadas e no empréstimo de alguns objetos às instituições de ensino. Apenas na virada do século, o museu começou a interessar-se pelas hipóteses de exposições acessíveis a um público heterogêneo, introduzindo, então as questões sobre a comunicação com seus visitantes. A partir daí, a instituição torna-se mais atuante e, com a finalidade de facilitar a relação entre suas exposições e seus visitantes, desenvolve ações específicas na intenção do público escolar e instaura o principio do ensino dentro da exposição. A parceria educativa entre o ensino formal e o museu encontra justificativa dentro da política de democratização da cultura e da educação. Tal parceria implica na construção de permanentes relações entre os envolvidos, enfatizando a importância do caráter dinâmico de cada equipe, beneficiando ambas as partes. A FUNÇÃO EDUCATIVA DO MUSEU O museu caracteriza-se por ocupar um espaço, possuir uma coleção e estar aberto ao público. O museu é um espaço vivo, carregado de memórias e significações; nutrido de sentimentos, entretanto, na maioria das vezes não ocorria o entendimento do público visitante sobre as coleções expostas. Era consenso entre os estudiosos a idéia de que museu como meio de comunicação, deve ser útil ao público, tornando possível um encontro não verbal entre pessoas e objetos, tendo em vista que o museu se constrói a partir das diferentes perspectivas de ver os objetos das coleções integradas ao movimento da sociedade. Esta questão está densamente conecta a função educativa do museu. O processo educativo, não somente no que se refere a cultura, mas em qualquer processo de ensino-aprendizagem, tem como objetivo levar o educando a utilizar suas capacidades intelectuais para a aquisição de conceitos e habilidades, bem como para o uso desses conceitos e habilidade na prática tanto no processo educacional quanto em sua vida diária. A aquisição é reforçada pelo uso dos conceitos e habilidades, e o uso leva a aquisição de novas habilidades e conceitos. A ação educativa consiste em provocar situações que despertem nos alunos o interesse de aprendizado sobre o processo cultural, seus produtos e manifestações fazendo com que adquiram conhecimentos significativos para a sua vida pessoal e coletiva, tem por finalidade auxiliar o visitante a compreender e apropriar-se do espaço que observa; fazer com que saiba utilizar deste espaço com prazer, proporcionando um maior contato com a criação cultural que é um fazer contínuo da sociedade. A atividade educativa deve oferecer, por meio de seu acervo e sua apresentação, possibilidades para recriar, transformar, usar e desfrutar do patrimônio cultural da sua região. A questão da educação em museus possui um importante foco de interesse na atualidade, tanto no que diz respeito ao seu papel social, quanto no que se refere às práticas realizadas nesse espaço e suas inúmeras reflexões. O interesse não está apenas na organização e preservação de acervos, mas também na ênfase da compreensão, desenvolvimento e promoção da divulgação, bem como na formação de público como forma de disseminar conhecimentos por meio de uma ação educativa. O MUSEU E A ESCOLA O museu pode e deve estar a serviço do trabalho do educador. É um bom instrumento para apoiar pesquisas e referenciar estudos que estão sendo desenvolvidos em sala de aula. Quer contribuir para o que deve ser o mais importante no trabalho do professor – fazer o aluno aprender a pensar. Bem como escolhe um livro ou um capítulo dele para leitura da turma, assim também o museu, ou parte dele, pode ser uma escolha para iniciar um assunto, complementar uma atividade, ou até mesmo ajudar a provocar uma discussão. O objetivo de uma política de cultura não deverá (...) resumir-se à proteção de um patrimônio e de um espaço cultural. Deverá ser o de pôr os indivíduos e os grupos em condições de recompor uma personalidade, uma identidade (DOMENACHE, 1987, p. 35). A educação na museologia deve ser considerada como um processo, o processo da ação de avançar, com o objetivo de alcançar o conhecimento de algo. Neste contexto, educação deve estar em constante observação, pensamento crítico, criativo e dinâmico. A educação, portanto, deve ser compreendida como o “processo de formação da competência humana, com qualidade formal e política, encontrando no conhecimento inovador a alavanca principal da intervenção ética” (DEMO, 1996, p.1). Tanto museologia, quanto educação assumem em cada período histórico características resultantes da ação humana no mundo, podendo ser consideradas como possibilidades e não como determinações, surgindo a necessidade de contextualiza-las, situando-as no tempo e no espaço compreendendo-as como ação social e cultural. Cultura e educação devem sempre seguir em paralelo. A educação deve ter o patrimônio cultural como referencial, considerando-o suporte fundamental para aplicar a ação educativa. O museu vem carregado de diversidade, resultado de uma relação em que cultura, ciência e tecnologia são construídas e reconstruídas em cada momento histórico pela ação do homem. Neste sentido compreende-se que a instituição escola faz parte, e é representada pelo patrimônio cultural, alimentada pelo conhecimento produzido e acumulado no decorrer dos períodos. A educação alimenta-se de tradição, base fundamental para a construção e reconstrução do conhecimento. A questão da educação em museus possui um importante foco de interesse na atualidade, tanto no que diz respeito ao seu papel social, quanto no que se refere às práticas realizadas nesse espaço e suas possíveis reflexões. Percebe-se o interesse não apenas na organização e preservação de acervos, mas também na ênfase da compreensão, desenvolvimento e promoção da divulgação, bem como na formação de público como forma de disseminar conhecimentos por meio de uma ação educativa. (CAZELLI, 2005) Os museus são espaços propícios a interação entre estudantes, professores e fontes diversificadas de aprendizagem porque o papel dos museus é mesmo este: informar, atualizar, conhecer, estudar e investigar. Um museu ajuda a compreender os legados da humanidade e a continuar buscando explicações para esse mistério chamado vida: propósitos que por caminhos diferentes museus e escolas se aproximam. A Cultura é uma construção diária e permanente. Assim sendo, o intercâmbio entre “visitados” e “visitantes” é frutuoso porque se vai complexando e crescendo diariamente. As trocas são assíduas e muito positivas, na medida em que, se dá e se recebe simultaneamente. Os museus são de igual modo excelentes “ferramentas” para a educação multicultural e a preservação sócio cultural. CONSIDERAÇÕES FINAIS Almeja-se captar muito do que os espaços museológicos evidenciam e é percebível também o quanto há de “invisível” neles e o quanto seria enriquecedor para os professores saber um pouco mais sobre o que não é visto nos museus. O objetivo das visitas a museus não é apenas mostrar esses lugares de interesse histórico, mas captar nestes locais momentos de interação entre estudantes, professores e fontes diversificadas de aprendizagens. O museu, além de patrimônio cultural histórico, é um centro de aprendizagem, onde professores, alunos e cultura museal podem interagir, rumando em paralelo a um interesse comum, o saber histórico. Deve-se refletir sobre os museus como espaços diferenciados, como locais privilegiados de experimentação e de outras formas de sociabilidade, espaços de cidadania, que nos oferecem a possibilidade de vivenciar diferentes práticas culturais. Nesse enfoque, a integração dos conhecimentos, teóricos e práticos, no espaço museal, desafia os alunos a vivenciar situações-problema, de forma a permitir-lhe atuar e fazer parte da resolução da situação em que se encontra. O processo de aprendizagem torna-se atrativo, resultando alunos ativos, autônomos e capazes de enfrentar as diversas situações reais do cotidiano. Os museus não são mais redomas de vidro, fechados. São espaços abertos a todo público, livres para ser visitados por quaisquer grupos culturais. São espaços que possibilitam o encontro com a arte, a história, a ciência, o saber, um conhecimento novo, uma admiração, uma lembrança, uma emoção. E, acima de tudo, é isso que se espera que aconteça, os museus como centro de conhecimento, não apenas para alunos em fase educacional, mas para todo e qualquer publico. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS TV escola. Salto para o futuro. Disponível em: http://www.tvbrasil.org.br/salto/153511MuseueEscola. Acesso em: 20 de julho de 2011 DOMENACHE, Jean Marie. Soberania, política e identidade cultural – a nova política de Cultura. Economica, 1987 CAZELLI, Sibele. Ciência, Cultura, Museus, Jovens e escola: quais as relações. 2005 FRONZA-MARTINS, A. S. Ação Educativa em Museus: da fruição à educação não - formal. Campinas: UNICAMP, 2004 SOUZA, Celso de O. Oficinas do saber – apoio didático para trabalhar com educação patrimonial. Orleans: FEBAVE, 2002 RAMPUNELI, Edina Furlan. Museu: perspectiva interdisciplinar para as séries iniciais do ensino fundamental. UDESC. Florianópolis/SC, 2004 VIGOTSKI, Lev Semenovich, et al. Linguagem aprendizagem. 3ed. São Paulo: Ícone, 1988 e desenvolvimento da FAZENDA, Ivani C. A. Metodologia da pesquisa educacional. 3ed. São Paulo: Cortez, 1994 FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia – Saberes necessários a prática educativa. 17ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2001