1 Pró-Reitoria de Graduação Curso de Direito Trabalho de Conclusão de Curso Pró-Reitoria de Graduação Curso de Direito Trabalho de Conclusão de Curso Pró-Reitoria de Graduação Curso de Direito CONSIDERAÇÕES Trabalho de Conclusão de Curso SOBRE AS LIMITAÇÕES DOS DIREITOS DOS TRABALHADORES DOMÉSTICOS NO BRASIL Pró-Reitoria de Graduação Curso de Direito Trabalho de Conclusão de Curso CONSIDERAÇÕES SOBRE AS LIMITAÇÕES DOS DIREITOS DOS TRABALHADORES DOMÉSTICOS NO Pró-Reitoria deBRASIL Graduação Curso de Direito Trabalho de Conclusão de Curso Tânia Maria Nascimento Costa CONSIDERAÇÕES SOBRE ASAutor: LIMITAÇÕES DOS DIREITOS DOS TRABALHADORES DOMÉSTICOS NO Pró-Reitoria deBRASIL Graduação Curso de Direito Orientadora: Profª. MSc. Maria de Fátima Martins da Silva Santos Trabalho de Conclusão de Curso CONSIDERAÇÕES SOBRE AS LIMITAÇÕES DOS DIREITOS DOS TRABALHADORES DOMÉSTICOS NO Pró-Reitoria deBRASIL Graduação Curso de Direito Trabalho de Conclusão de Curso CONSIDERAÇÕES SOBRE AS LIMITAÇÕES DOS DIREITOS DOS TRABALHADORES DOMÉSTICOS NO Pró-Reitoria deBRASIL Graduação Curso de Direito Trabalho de Conclusão de Curso CONSIDERAÇÕES SOBRE AS LIMITAÇÕES DOS DIREITOS DOS TRABALHADORES DOMÉSTICOS NO Pró-Reitoria deBRASIL Graduação Curso de Direito Brasília - DF 2012 TÂNIA MARIA NASCIMENTO COSTA CONSIDERAÇÕES SOBRE AS LIMITAÇÕES DOS DIREITOS DOS TRABALHADORES DOMÉSTICOS NO BRASIL Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Direito da Universidade Católica de Brasília, como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Direito Orientador: Profª MSc. Maria de Fátima Martins da Silva dos Santos Brasília 2012 Monografia de autoria ―CONSIDERAÇÕES de SOBRE Tânia AS Maria Nascimento LIMITAÇÕES DOS Costa, intitulada DIREITOS DOS TRABALHADORES DOMÉSTICOS NO BRASIL‖, apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito, da Universidade Católica de Brasília em _____, de junho de 2012, defendida e aprovada pela banca examinadora abaixo assinada. ______________________________________________ Profª. MSc. Maria de Fátima Martins da Silva dos Santos ______________________________________________ [Nome do Professor] ______________________________________________ [Nome do Professor] Dedico este trabalho em homenagem a minha amada mãe, Dona Neusa, mulher de fibra, que com muito sacrifício se dedicou a patrocinar o estudo básico aos sete filhos, ao meu querido marido Geraldo, que essas poucas linhas não seriam suficientes para expressar em palavras o que ele significa na minha vida, a meus filhos amados, Thais e Geraldo Junior que me incentivaram e me deram possibilidades de prosseguir nos estudos até chegar à conclusão deste curso aos 44 anos. E a minha querida irmã Núbia, meu braço forte, meu amor. 5 Agradeço primeiramente a Deus, que na sua infinita bondade me permitiu chegar até aqui. À minha querida orientadora Profª. Fátima, exemplo de força e competência que pretendo seguir. Aos meus queridos irmãos, que sempre me incentivaram, a minha fiel companheira Edna, amiga de toda hora e Kênia, minha cunhada querida. 6 “O Direito do Trabalho surge como conseqüência de uma desigualdade: a decorrente da inferioridade econômica do trabalhador. Essa é a origem da questão social e do Direito do Trabalho”. (Américo Plá Rodriguez) 7 RESUMO COSTA, Tânia Maria Nascimento. Considerações Sobre as Limitações dos Direitos dos Trabalhadores Domésticos. 2012. 142 fls. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Direito) – Universidade Católica de Brasília, 2012. Este trabalho tem como escopo discorrer sobre as limitações de direitos imposta aos empregados domésticos. É um tema que gera polêmicas, tendo em vista a ausência de regulamentação clara e específica de vários institutos. A problemática dos empregados domésticos começou com a Consolidação das Leis Trabalhistas, que excluiu esses trabalhadores da proteção desse diploma, conforme disposto no art. 7º, alínea ―a‖. Com o advento da Constituição Federal de 1988, o legislador pátrio, ao redigi-la, dispôs sobre os direitos trabalhistas dos trabalhadores em geral, conforme o art. 7º, porém limitou os direitos dos domésticos, restringindo a sua proteção, o que acabou criando uma categoria de trabalhadores à margem da Lei. O legislador não pensou nos problemas que a limitação disposta no parágrafo único do referido artigo pudesse ocasionar a essa categoria. Dentre os maiores questionamentos estão a possibilidade de afronta aos princípios e garantias constitucionais da Igualdade e da Dignidade da Pessoa Humana. Ademais, ante a ausência de regulamentação de institutos, como a jornada de trabalho, horas extras, salário-famíla, entre outros na legislação, acabou provocando entendimento dúbio por parte da doutrina e jurisprudência sobre vários aspectos. Na certeza de que essa separação de classes de trabalhadores é, no mínimo, amoral, atualmente vêm sendo feita várias medidas para sanar os problemas jurídicos desses trabalhadores por meio de Projetos de Lei que visam revogar o parágrafo único do art. 7º da Constituição Federal. Palavras-chave: Exclusão, Limitação, Doméstico. 8 ABSTRACT COSTA, Tânia Maria Nascimento. Considerations on limitations of housekeepers rights. 2012. 142 pages. End-of-the-course assignment (graduation in law) – Universidade Católica de Brasília, 2012. This work has as its scope going through the limitations imposed to housekeepers. It is a controversial issue, due to the lack of clear and specific regulation of several institutes. The problem for housekeepers started with the consolidation of working laws which has excluded these workers from protection of this law as it is expressed in the article 7th paragraph 1. With the advent of the Constitution of 1998, the legislator referred to working rights of workers in general as it is in article 7th, limiting, however, the rights of housekeepers, imposing restrictions to their protection, which has created a category of workers marginal to the law. The legislator did not consider that the limitation expressed in this article would bring upon this category. Amidst the questioning is the possibility of going against the constitutional principles and guarantees of equality and dignity of human beings. Furthermore, before the lack of regulation of institutes, such as working hours, extra time of work, family wages, among others, in the legislation it is regarded a dubious understanding for the doctrine and jurisprudence on many aspects. Knowing that this separation of working classes is, at least immoral, many measures have been taken to solve the juridical problems of these workers through bills that aim at cancelling the paragraph of article 7th of the Constitution. Key-words: exclusion, limitation, housekeeping. 9 SUMÁRIO INTRODUÇÃO................................................................................................................... 13 CAPÍTULO I 1. OS DIREITOS TRABALHISTAS NO BRASIL E NO MUNDO........................................ 17 1.1. Evolução Histórica dos Direitos Trabalhistas no Mundo.......................................... 17 1.1.1 Evolução Histórica dos Direitos Trabalhistas no Brasil.................................... 24 1.1.1.1. A Consolidação das Leis Trabalhistas – CLT.................................... 27 1.1.1.2. As Constituições Brasileiras.............................................................. 30 1.2. Os Direitos dos Trabalhadores em Geral Segundo a Constituição de 1988........... 31 1.3. Os Direitos dos Trabalhadores Domésticos............................................................ 33 1.4. Breve Histórico do Empregado Doméstico.............................................................. 34 1.5. Requisitos e Características da Relação de Emprego Comum............................... 36 1.5.1. A Pessoa Física.............................................................................................. 36 1.5.2. O Empregador................................................................................................ 36 1.5.3. Não Eventualidade......................................................................................... 37 1.5.4. Subordinação....................................................................................... 38 1.5.5. Onerosidade........................................................................................ 39 1.5.6. Pessoalidade........................................................................................ 39 1.6. Requisitos e Características da Relação de Emprego Doméstica.......................... 40 1.6.1. Pessoalidade........................................................................................ 41 1.6.2. Serviço de Natureza Contínua........................................................................ 42 1.6.3. Pessoa Física ou Família............................................................................... 43 1.6.4. Recinto Residencial........................................................................................ 44 10 1.7. Espécies e Classificação dos Trabalhadores Domésticos..................................... 45 CAPÍTULO II 2. O TRABALHADOR DOMÉSTICO NO BRASIL............................................................ 48 2.1. Evolução dos Direitos dos Trabalhadores Domésticos no Brasil e as Leis Esparsas................................................................................................................ 48 2.1.1. A Lei 5.859/1972 - Lei dos Domésticos........................................................ 56 2.1.2. O Papel da Constituição Federal de 1988.................................................... 57 2.2. Os Principais Direitos Atribuídos ao Trabalhador Doméstico de Acordo com a Lei dos Domésticos e a Constituição Federal de 1988.............................. 58 2.2.1. Salário Mínimo.............................................................................................. 59 2.2.2. Irredutibilidade do Salário............................................................................. 60 2.2.3. Décimo Terceiro Salário................................................................................ 60 2.2.4. Repouso Semanal Remunerado................................................................... 61 2.2.5. Férias Anuais Remuneradas......................................................................... 61 2.2.6. Licença Maternidade..................................................................................... 62 2.2.7. Licença Paternidade..................................................................................... 62 2.2.8. Aviso Prévio.................................................................................................. 63 2.2.9. Aposentadoria............................................................................................... 63 2.3. Outros Direitos - a Lei 7.418/1985.......................................................................... 64 2.4. A Lei 10.208/2001.................................................................................................. 65 2.4.1. O Fundo de Garantia Por Tempo de Serviço................................................ 66 2.4.2. O Seguro Desemprego................................................................................. 68 2.5.6 As Recentes Conquistas da Lei 11.324/2006...................................................... 70 11 2.5.1. Descanso Remunerado em Feriados........................................................... 71 2.5.2. Férias com 30 Dias Corridos Acrescido de mais um terço........................... 72 2.5.3. Estabilidade à Empregada Gestante............................................................ 73 2.5.4. Vedação de Descontos................................................................................. 75 2.5.5. Incentivos Fiscais.......................................................................................... 76 CAPÍTULO III 3. CONSIDERAÇÕES SOBRE A LIMITAÇÃO DOS DIREITOS DOS TRABALHADORES DOMÉSTICOS NO BRASIL........................................................ 78 3.1. O Papel do Trabalhador Doméstico na História do Brasil...................................... 78 3.2. Direitos e Garantias Comuns aos Demais Trabalhadores não Garantidos aos Trabalhadores Domésticos: Uma Questão de Violação aos Princípios Fundamentais da Constituição Federal.................................................................. 84 3.3. A Valorização do Trabalho Doméstico no Sistema Jurídico Brasileiro................... 93 3.3.1. A Questão Social.......................................................................................... 94 3.4. A Limitação dos Direitos Atribuídos ao Trabalhador Doméstico no Brasil............. 96 3.5. Críticas aos Motivos da Limitação dos Direitos...................................................... 101 3.5.1. O Princípio da Isonomia................................................................................ 106 3.5.2. O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.............................................. 107 3.5.3. O Princípio da Proteção................................................................................ 108 3.5.4. Outros Princípios Abordados........................................................................ 110 3.6. A Corrente Favorável – Principais Argumentos..................................................... 111 3.7. A Questão Política e Econômica............................................................................ 114 3.8. O Posicionamento da Doutrina............................................................................... 116 3.9. O Posicionamento da Jurisprudência..................................................................... 118 12 3.10. A Opinião dos Profissionais que Atuam na Área.................................................. 121 3.11. A Perspectiva para o Futuro................................................................................. 123 CONCLUSÃO................................................................................................................ 124 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................................. 129 ANEXOS........................................................................................................................ 131 13 INTRODUÇÃO O presente trabalho tem por tema as ―Considerações Sobre as Limitações dos Direitos dos Trabalhadores Domésticos no Brasil‖, sua escolha se deve à afinidade com a disciplina do Direito do Trabalho e por compartilhar de um profundo sentimento de solidariedade com essa categoria de trabalhadores, que é tão pouco prestigiada na nossa sociedade. Os trabalhadores domésticos são a categoria de trabalhadores mais antiga do mundo. E, se considerarmos as mudanças na legislação, diríamos que é a categoria que mais evoluiu nos últimos tempos. Contudo, visto desta forma, faríamos uma análise muito simplista dos problemas pelos quais passam esses trabalhadores. Se avaliarmos, sob o ponto de vista da igualdade entre as classes de trabalhadores, facilmente concluiremos que, embora tenha havido muitas alterações na legislação trabalhista no tocante aos direitos dos empregados domésticos, os direitos concedidos a esta categoria não atingiram o seu objetivo maior, qual seja, a equiparação com as demais categorias de trabalhadores. A proposta desse trabalho é mostrar, de forma clara e sucinta, em que contexto social, econômico e político, se deu a exclusão/limitação de direitos imposta a esses trabalhadores. A discriminação sentida por essa classe já era marcante antes da aprovação do Decreto-Lei 5.452/43 (Consolidação das Leis do Trabalho CLT), e foi acentuada com a promulgação da Constituição Federal de 1988. A CLT consiste em um conjunto de Leis que visa proteger os empregados nas relações de emprego. No entanto, foi o primeiro diploma legal a discriminar os empregados domésticos. O art. 7º, alínea ―a‖ dispôs que este diploma não se aplica aos trabalhadores domésticos. Com o advento da Lei dos Domésticos (5.859/72), pode-se até pensar que finalmente os empregados domésticos estão protegidos. Ocorre que essa Lei, 14 embora tenha sido considerada muito importante, pouco acrescentou ao combalido direito dos empregados domésticos. Finalmente, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, foram ampliados mais alguns direitos. Contudo, a Constituição impôs aos empregados domésticos uma limitação de direitos fundamentada no art. 7º, § único. Todavia, os direitos dessa categoria lentamente vêm sendo alterados. Depois da Lei 11.324/06, aprovada no governo do então Presidente Luis Inácio Lula da Silva, a situação desses trabalhadores melhorou consideravelmente. Essa lei concedeu alguns direitos já exercitados no nosso ordenamento jurídico pelos demais trabalhadores. Observe que a Lei 11.324/06, não inovou, não instituiu nenhum direito novo, somente foram concedidos, aos empregados domésticos, direitos comuns às demais categorias. O método de abordagem utilizado foi o dedutivo. Partiu-se da teoria geral acerca dos problemas relacionados à categoria de trabalhadores domésticos, em busca de uma solução, tendo em vista a falha da legislação, que limita os direitos desses trabalhadores. A pesquisa foi predominantemente bibliográfica, baseada em livros, materiais obtidos na internet, reportagens de jornais, jurisprudências, bem como pesquisas de campo realizadas no sindicato dos trabalhadores domésticos e com um advogado atuante em causas trabalhistas. O primeiro capítulo discorre sobre a evolução dos direitos trabalhistas no Brasil e no mundo. Esse capítulo está subdividido no estudo das Constituições brasileiras, da Consolidação das Leis Trabalhistas – CLT, do direito dos trabalhadores domésticos e faz um apanhado minucioso das características da relação de emprego comum e suas especificidades, confrontando-as com as características da relação de emprego doméstico. No segundo capítulo, será feita uma análise detalhada da evolução dos direitos dos trabalhadores domésticos no Brasil, em conjunto com o estudo das leis 15 esparsas. De acordo com a Lei 5.859/72, conhecida como a Lei dos Domésticos, e a Constituição Federal de 1988, ampliam-se os direitos trabalhistas dos empregados domésticos, concedendo, a partir desse momento, direito ao salário mínimo, irredutibilidade do salário, décimo terceiro salário, repouso semanal remunerado, licença maternidade, licença paternidade, aviso prévio e aposentadoria. Também apresenta a Lei 7.418/85, que institui o direito ao vale transporte, a Lei 10.208/01, que dispõe sobre o FGTS, e, finalmente, a Lei 11.324/06, que torna a ampliar os direitos dos empregados domésticos, concedendo-lhes outros direitos, tais como: descanso remunerado em feriados, férias de 30 dias, estabilidade para empregada gestante, vedação de descontos no salário e incentivos fiscais para o empregador. O terceiro e último capítulo tem a finalidade de apresentar o papel do trabalhador doméstico no Brasil e o seu valor nas relações de trabalho no cenário nacional. Neste ponto, começa a problemática do trabalhador doméstico. A limitação de direitos imposta pela Constituição Federal de 1988 aos empregados domésticos criou uma verdadeira celeuma no tocante aos direitos dessa categoria. Desse momento em diante, doutrinariamente, se discute a constitucionalidade dessa limitação. Procura-se demonstrar que são garantidos vários direitos aos trabalhadores comuns, que não são concedidos ao trabalhador doméstico. Somente na metade desta última década é que os operadores do direito têm procurado fazer uma analogia com os princípios, mesmo assim costumam julgar com base na letra seca da lei. Por meio de entrevista anexa a este trabalho, veremos qual a opinião dos profissionais que atuam na área. A proposta desse trabalho é mostrar que a limitação de direitos contida no § único do art. 7º da Constituição Federal ocasionou uma violação aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da igualdade, nos quais se fundamenta a nossa Constituição. E fere também os princípios que regem o Direito do Trabalho, que visam à proteção e à aplicação da lei mais benéfica para o trabalhador. 16 Por esta razão, compartilhamos o posicionamento adotado pelos Deputados que, através de Projetos de Emendas à Constituição, objetivam revogar o § único do art. 7º da Carta Maior, por considerá-lo uma afronta aos princípios norteadores da Carta Magna. . 17 CAPÍTULO I 1. OS DIREITOS TRABALHISTAS NO BRASIL E NO MUNDO As relações de trabalho sempre estiveram presentes em todas as sociedades e em todos os períodos da história. Cairo Jr.1 disciplina que, na Europa, o Direito do Trabalho surgiu com o advento da primeira Revolução Industrial, entre os séculos XVIII e XIX, e que o Direito laboral tem como objetivo a relação de trabalho subordinada, que apareceu conjuntamente com aquela Revolução. E, em razão dessa colocação, se faz necessário apresentar algumas formas de trabalho no decorrer da história, como veremos a seguir. 1.1. Evolução Histórica dos Direitos Trabalhistas no Mundo Conforme o autor acima citado, o trabalho escravo foi a primeira forma de trabalho conhecida. No entanto, o escravo era considerado coisa, sem possibilidade sequer de se equiparar a sujeito de direito, podendo até ser comercializado pelo seu dono. Por essa condição, não era possível vislumbrar direitos trabalhistas para eles. O autor continua afirmando que o servo devia obediência ao senhor feudal; sua relação com o senhor não decorria de contrato de trabalho, mas de um estado de submissão, pois embora fosse livre, estava preso à terra, e, em troca dessa proteção e terra para trabalhar, cedia parte da sua produção ao senhor feudal, entre outras obrigações. 1 CAIRO JUNIOR, José. Direito do Trabalho (Vol. I). Salvador: JusPODIVM, 2006, p. 14. 18 Para Ivan Alemão2, as primeiras noções de Direito do Trabalho são observadas no período anterior à Revolução Francesa. Neste período, ainda na Idade Média, bem antes da sociedade pré-industrial, já existiam as corporações de ofício. Segundo o autor, estas corporações existiram durante séculos e nelas era possível verificar certa organização trabalhista. Possuíam, inclusive, um estatuto com normas disciplinando as relações de trabalho, sendo que cada associação tinha três categorias de profissional: o mestre, que era o proprietário da oficina e chegava a essa condição depois da confecção de uma obra aprovada; o companheiro, que eram trabalhadores livres que ganhavam salários do mestre; e o aprendiz, que eram menores e recebiam do mestre os ensinamentos para aprender um ofício, tudo segundo o regulamento da corporação. De acordo com o raciocínio do autor acima citado, as corporações de ofício fazem as primeiras normas do trabalho: [...] É nesse contexto que surge a regulamentação do trabalho. Não necessariamente via Estado, mas por meio das corporações, ainda que estas fossem aceitas por aqueles. [...] Na Idade Média, as corporações estavam voltadas para a regulamentação e a reserva de mercado, aglutinado na mesma estrutura os tomadores de serviços e os prestadores, o que por analogia poderíamos chamar de empregadores e empregados. A luta de classes tradicional ainda era incipiente e desorganizada e os conflitos de interesses eram resolvidos pela imposição do mais forte dentro da corporação [...] A par das corporações, existiam outros empresários e trabalhadores. Na grande indústria, o capital e o trabalho separam-se gerando rotatividade. [...] Assim, os operários da grande indústria formavam uma classe à parte no meio dos artesãos, uma classe semelhante à dos proletariados modernos. [...] Essa estrutura corporativista sofre seu primeiro grande impacto no Renascimento. As companhias de navegação, financiadas por comerciantes em parceria com a coroa, apontam o surgimento das sociedades anônimas. As descobertas de novos mundos e de novos produtos criam um choque cultural talvez maior do que o provocado pelo o que hoje chamamos de globalização. O regime corporativista ainda sobrevive durante longo tempo, mas com restrições. Ao seu lado crescem as indústrias e o grande comércio, a burguesia e o 2 ALEMÃO, Ivan. Direito Constitucional do Trabalho. Rio de Janeiro, Editora Lumen, 2010, p. 35. 19 proletariado [...]. Amauri Nascimento3 explica que o advento da I Revolução Industrial, nos idos de 1750, atraiu os trabalhadores do campo, devido à falta de emprego, para as grandes cidades em busca de trabalho, formando, a partir daí, um grande contingente de mão-de-obra. Neste período, as fábricas já possuíam várias máquinas mecanizadas, movidas a vapor e produziam em série, abandonando a atividade artesanal característica das corporações de ofício. Para o autor supracitado, a partir desse momento, surgem, então, as figuras do proletariado e da burguesia, esta última detentora do capital, que visava somente o lucro e o acúmulo de riqueza, pouco se importando com as condições de trabalho do operário. O proletário, segundo o autor: [...] é um trabalhador que presta serviços em jornadas que variam de 14 a 16 horas, não tem oportunidades de desenvolvimento intelectual, habita em condições subumanas, em geral nas adjacências do próprio local de atividade, tem prole numerosa e ganha salário em troca disso tudo. Segundo o autor, o trabalhador era inserido dentro da linha de produção, onde eram exigidas extensas horas de trabalho, realizado, muitas vezes, em condições subumanas, provocando fadiga mental e muscular, o que colaborava para aumentar os acidentes de trabalho, muito deles fatais. Além da baixa remuneração, não havia sequer distinção entre o trabalho realizado pelo homem, mulher ou criança. Pelo contrário, preferia-se a mão-de-obra das mulheres e das crianças, por ser mais barata. De acordo com o autor, embora tenham ocorrido avanços no conhecimento científico, decorrendo daí vários inventos, estes necessariamente não melhoravam a vida do trabalhador. Exemplo disso é o lampião a gás, creditado a William Murdock, em 1792. Antes do lampião a gás, trabalhava-se até que a luz do sol assim o permitisse. No entanto, após esse invento, várias fábricas passaram a funcionar no período da noite, sem necessariamente contratar mais operários para executar as 3 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho: história e teoria geral do direito do trabalho: relações individuais e coletivas do trabalho. 21 ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 12. 20 tarefas, mas estendendo ainda mais a jornada de trabalho. Ainda segundo o autor, neste ínterim, acontece a Revolução Francesa, com o lema de ―liberdade, igualdade e fraternidade‖, que pouco contribuiu para o avanço do direito dos trabalhadores. A idéia de liberdade absoluta do homem na procura de seus próprios interesses, sem qualquer interferência do Estado, trouxe como consequência imediata a supressão das corporações de ofício, que embora deficitárias, ainda eram quem fazia algumas regulamentações no âmbito dos direitos trabalhistas, mediante seus estatutos, tais como, duração do trabalho, descanso nos feriados etc... O autor continua disciplinando que esta nova classe social, formada por comerciantes, chamada de burguesia, também via nas corporações de ofício um entrave ao seu crescimento. As corporações não correspondiam ao ideário de liberdade da Revolução Francesa, pelo contrário, foram consideradas instituições arbitrárias, e a causa do encarecimento dos preços. Algumas leis foram editadas visando extinguir as corporações, embora outras tenham sido reconstruídas depois. A esse respeito, veja o que leciona o autor supracitado: [...] Depois da promulgação da Lei de 1790, o Decreto Dallarde, todas as corporações deveriam desaparecer, porém muitos tinham interesse na sua manutenção, daí nova resistência organizada, partida dos mestres que queriam continuar dirigindo a profissão. Visando dar o golpe de misericórdia nas corporações clandestinas, surge a Lei Le Chapelier (...) que formulou as seguintes conclusões: a) as corporações que se formaram tiveram por fim aumentar ―o preço da jornada de trabalho‖, impedir as livre-convenções entre os particulares, fazendo-os concordar com contratos de adesão em ameaça à ordem pública; b) não deveria existir mais corporações no Estado e no seu lugar deveria existir apenas o interesse particular de cada individuo; c) impunha-se a necessidade de uma convenção livre de indivíduo para individuo para fixar a jornada de trabalho de cada trabalhador; d) indispensável se tornava uma lei para coibir esses abusos (...) a Lei Le Chapelier declarou: 1) A eliminação de toda espécie de corporação de cidadãos do mesmo estado ou profissão é uma das bases essenciais da Constituição Francesa, ficando proibido o seu restabelecimento sob qualquer pretexto e sob qualquer forma; 2) Os cidadãos do mesmo estado social ou profissão, os obreiros e 21 companheiros de uma arte qualquer, não poderão, quando se reunirem, designar presidente, secretário ou síndico, lavrar registros, tomar resoluções, sancionar regulamentações sobre pretensos direitos comuns; 3) Fica proibida a todas as corporações administrativas ou municipais receber qualquer solicitação ou petição sob o nome de um estado social ou profissão, nem poderão respondê-la; estão obrigadas a declarar nulas as resoluções que forem tomadas. Diante do que foi exposto, é possível verificar que a Revolução Francesa, sob o falso pretexto de liberdade individual do homem, pregava, na verdade, o seu isolamento, o que consequentemente causaria o enfraquecimento dos trabalhadores. Pois, isolados, não teriam forças para provocar as mudanças necessárias na estrutura vigente. Ainda segundo o raciocínio de Amauri Nascimento, o liberalismo da França rapidamente expandiu-se para os outros países, mas a falta de intervenção do Estado para regulamentar as relações de trabalho, acabou servindo para surgir novas associações e posteriormente os sindicatos. Para o autor, a ideia dos sindicatos como forma de luta pelo direito dos trabalhadores tomou a Inglaterra e este foi considerado, a princípio, um movimento clandestino e marginalizado. As reuniões eram realizadas em pequenos clubes, com o objetivo de assegurar as leis trabalhistas. No entanto, a França que se opunha ao movimento sindical desde a Lei Chapelier, continuou a proibição mantida inclusive por outros estatutos jurídicos posteriores. O autor continua disciplinando que, na Inglaterra, ocorreram sucessivas greves entre 1824 e 1825, depois da aprovação e revogação do projeto que legalizava os sindicatos, Em 1834, fundou-se a união dos Grandes Sindicatos Nacionais Consolidados. De 1830 a 1840, a França gradativamente consolidou o movimento sindical, com as Sociétés de Resistence. Em 1850, foi organizado o The Almagamated Society of Engineers, sindicato de âmbito nacional. A Inglaterra reconheceu oficialmente os sindicatos em 1871, com a Lei dos Sindicatos, e a França, em 1884, com a Lei de Waldeck-Rousseau, conhecida como a carta fundamental das associações trabalhistas. 22 O autor afirma que as primeiras leis trabalhistas surgiram para tratar da regulamentação da redução da jornada de trabalho, da proibição do trabalho do menor e mulheres em locais insalubres, da fixação de um salário mínimo etc. A esse respeito, veja o que disciplina Grijalbo Fernandes Coutinho4: [...] é forçoso concluir que a formação, assim como o avanço do Direito do Trabalho, é proporcioal ao grau de mobilização da classe trabalhadores e de suas organizações. Nenhum direito foi concedido sem uma luta que o antecedesse. No século XIX, as lutas foram intensificada por sindicatos e partidos operários, com extensa agenda não só para obter melhores condições de trabalho, como também para aniquilar o regime econômico capitalista. Destaca-se nesse cenário, a obra de Karl Max e de Friederich Engels, com a publicação do Manifesto do Partido Comunista. A conclamação feita em defesa da revolução comunista ganha adeptos no mundo inteiro, entre trabalhadores e intelectuais. O Estado não mais ignora a existência das reivindicações obreiras e as concede na medida exata da força dos operários. O Papa Leão XIII, sensibilizado pelas mazelas pelas quais passavam os trabalhadores e na tentativa de frear os movimentos contrários ao capitalismo, na sua Carta de Encíclica denominada Rerum Novarum5, em 15 de maio de 1891 trata da condição dos operários, julgando ser a cobiça, a usura, e a ganância a causa do conflito nas relações de trabalho. Neste importante documento para o direito do trabalho, o Papa Leão XIII critica a posição do movimento socialista no tocante às funções centralizadoras do Estado, dizendo que tal postura é injusta, por violar os direitos legítimos dos proprietários, viciar as funções do Estado e tender para a subversão completa do edifício social. E que o fim imediato visado pelo trabalhador é conquistar um bem que possuirá como próprio, assim como conseguir prover a sua sustentação e as necessidades da vida. O operário espera do seu trabalho não só o direito ao salário, mas ainda um direito estrito e rigoroso para usar dele como bem entender. 4 COUTINHO, Grijalbo Fernandes. O direito do trabalho flexibilizado por FHC e Lula. São Paulo: LTr, 2009. p. 23 5 Igreja Católica. Papa Leão XIII. Rerum novarum: carta encíclica de sua Santidade – sobre a condição dos operários. 8ª ed. Edições Paulinas. 2001. 23 Continua afirmando que, se o operário, às custas de algumas economias, conseguiu fazer aquisição de uma propriedade, torna-se evidente que essa propriedade não é outra coisa senão o salário transformado. E que: [...] esta conversão da propriedade particular em propriedade coletiva, tão preconizada pelo socialismo, não teria outro efeito senão tornar a situação dos operários mais precária, retirando-lhes a livre disposição do seu salário e roubando-lhes, por isso mesmo, toda a esperança e toda a possibilidade de engrandecerem o seu património e melhorarem a sua situação. Neste documento, o Papa Leão XIII, foi além da defesa do direito do homem ao trabalho livre e da propriedade privada; ele também sugeriu regras, o que, de certa forma, acabou por ser o primeiro documento a tratar de assunto pertinente ao direito do trabalho, como por exemplo: jornada de trabalho, fixaçao de um salário justo de acordo com atividade desempenhada, proibição ou prevenção à greve (com intuito de evitar a violência, o tumulto e o nascer dos conflitos entre operários e patrões), compensação com horário reduzido para trabalho exercido em ambiente insalubre visando à proteção da saúde do trabalhador, proibição do trabalho infantil, proibição de trabalho que não se adapte à condição da mulher, direito ao descanso como condição expressa ou tácita nos contratos de trabalho e, finalmente, a importância do direito do trabalhador às associações. Conforme leciona Amauri Nascimento 6, o direito do trabalho, embora seja um fenômeno recente, rapidamente se espalhou e passou a fazer parte de várias constituições, como foi o caso do México (1917 e 1962), Weimar (1919) - atual Alemanha -, Áustria (1925), Rússia (1918 e 1935), Itália (1927), Peru (1933), Brasil (1934/1937/1946/1967/1969 e 1988), entre outras. O autor acima referido ensina que, embora vários países tenham intitucionalizado as garantias dos trabalhadores em suas constituições, alguns utilizaram outros códigos, como a França com a sua Code du Travail (1901). Em 6 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Op. Cit., p. 41. 24 outros, as leis trabalhistas estão no Código Civil, exemplo da Itália (no Código das Obrigações), da Suiça (em leis especiais), do México e de Portugal, e em Consolidações, exemplo do Brasil. Desta forma, no entendimento do autor acima citado, ―o direito do trabalho ganhou consistência e autonomia, impondo-se na ciência jurídica como ramo do direito que traduz as aspirações da época que vivemos”. E ainda afirma que, nem só por meio de leis, constituições, códigos e consolidações, positivaram-se o direito do trabalho. Exemplo disto são os Estados Unidos, que regulam as relações trabalhistas através das Convenções Coletivas de Trabalho, fruto de negocições diretas entre os sindicatos interessados. Da mesma maneira, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) promulga convenções que, quando ratificadas pelos países membros, têm força de lei federal. Na Europa, são frequentes os tratados internacionais, bilaterais ou multilaterais, especialmente sobre a previdência social. 1.1.1. Evolução Histórica dos Direitos Trabalhistas no Brasil O direito do trabalho no Brasil teve grande influência dos trabalhadores imigrantes europeus, na sua maioria italianos, portugueses e espanhóis, os quais já vivenciavam essa mudança de paradigma em seus países de origem e aqui ajudaram a difundir esses novos ideais voltados para a construção de uma sociedade mais igualitária e justa. O Direito do Trabalho no Brasil, segundo Cairo Jr.7, Não nasceu das reivindicações sociais promovidas pelas entidades representativas dos trabalhadores, em que pese ter havido a deflagração de alguns movimentos derivados da luta de classes patrocinadas por alguns sindicatos. Amauri Nascimento8 leciona que, embora o momento fosse propício para que o 7 CAIRO JUNIOR, José. Op. Cit., p. 16. 25 Poder Público estipulasse as condições para que o trabalho subordinado fosse regido por leis de proteção, nada fez, manteve-se alheio a qualquer reivindicação. Atesta isso o número elevado de greves e o movimento político anárquico. Para o autor, nos primeiros anos da República, as greves eram esporádicas, atingindo principalmente São Paulo. Mas a partir de 1900 até 1920 explodiram as greves inspiradas no movimento anarquista, que pregava “uma sociedade sem governos, sem leis, constituída por federações de trabalhadores que produzam segundo suas capacidades e consumam segundo suas necessidades[...]‖. De qualquer forma, o anarquismo não progrediu, mas impulsionou o movimento sindical brasileiro. De acordo com o autor acima citado, o advento do Código Civil de 1916 iniciou a fase civilista do período liberal, com os dispositivos legais sobre locação de serviços, antecedente histórico do contrato de trabalho. Mas, embora o Código Civil tenha revolucionado o direito brasileiro ao reunir e uniformizar os procedimentos e concentrar os dispositivos normativos em um só texto, não conseguiu atender as principais exigências sociais. O autor explica que, em 1923, surgem duas importantes normas: a Lei 4.682, conhecida como Lei Elói Chaves, que trata da aposentadoria, pensão e estabilidade para os ferroviários; e o Decreto 16.027, que cria o Conselho Nacional do Trabalho, órgão consultivo dos poderes públicos em assuntos referentes à organização do trabalho e da previdência social. Ainda segundo o autor, a Lei 4.982, de 25 de dezembro de 1925, dispõe sobre a concessão de 15 dias de férias aos trabalhadores, e só em 1927 foi instituído o Código dos Menores, por meio do Decreto 17.934-A. De propósitos mais abrangentes, com cunho propriamente trabalhista, introduziu medidas de assistência e proteção ao trabalho dos menores de 18 anos. E, a partir da política trabalhista de Getúlio Vargas, passou-se a ter maior aceitação das idéias de intervenção estatal nas relações de trabalho. Embora não se tenha certeza se as intenções de Getúlio eram de elevação 8 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Op. Cit., p. 65. 26 ou dominação da classe trabalhadora, a ele foi creditada a reestruturação da ordem trabalhista em nosso país, adquirindo os contornos atuais. O autor continua explicando que a primeira fase da era Vargas começou em 1930, com o governo provisório, e foi até 1934. A segunda fase foi de 1934 a 1937, como presidente eleito, e, a terceira, de 1937 a 1945, como ditador. Embora tenha sido um período conturbado, foi de intensa movimentação política e modificação nacional, devido à industrialização e ao crescimento das cidades. Para o autor, Getúlio Vargas inaugurou uma nova relação com os trabalhadores brasileiros, valorizando-os com várias medidas de proteção, instituiu a carteira profissional, a jornada de trabalho no comércio, indústria, farmácias, casas de diversões, casas de penhores etc. Todos por meio de decretos do Poder Executivo. O trabalho das mulheres, dos menores e dos serviços de estiva também mereceu textos especiais. Importante ressaltar que o Estado por si só não chegaria a esse consenso. Foi necessária a ação conjunta dos trabalhadores, por meio de sindicatos ou associações em prol de um objetivo único, e este esforço conjunto forçou o Poder Público a buscar medidas que visassem à melhoria das condições dos trabalhadores. Entretanto, ainda conforme o autor supracitado, o sindicalismo no Brasil, ao contrário do que aconteceu na Europa, não foi um sindicalismo de luta, já nasceu da liberalidade do governo, conforme é possível observar da instituição dos Decretos 19.770/31 e 24.694/32. Veja o que disciplina o autor: [...] Os sindicatos foram considerados não só órgãos de defesa dos interesses da profissão e dos direitos dos seus associados, como também entidades de coordenação dos direitos e deveres recíprocos de trabalhadores e empregadores, bem como órgãos de colaboração do Estado. Conforme o autor acima citado, a Constituição de 1934 previu o sistema de pluralidade sindical; no entanto, a de 1937, baseou-se no corporativismo italiano, que tinha por principio “tudo dentro do Estado, nada fora do Estado, nada contra o Estado”. 1.1.1. 27 E, devido a essa influência, instituiu o Conselho de Economia Nacional. A partir de 1937, o nosso sistema legal baseou-se, então, numa forma autoritária de organização sindical, na qual, para o sindicato existir, deveria ter autorização do Estado, devendo ser único. Foi estipulada a contribuição sindical, a intervenção e o poder punitivo do Estado sobre este. Proibiu-se a solução dos conflitos coletivos de trabalho mediante pressões diretas dos interessados, declarando-se a greve e o lockout recursos antisociais e nocivos ao trabalho e ao capital. De acordo com a análise do autor, o art. 139 da Carta de 1937 instituiu a Justiça do Trabalho, apesar de já prevista na Constituição de 1934. A Justiça do Trabalho resulta de uma evolução que é iniciada com os Conselhos Permanentes de Conciliação e Arbitragem, criados em 1907, para decidir controvérsias entre o trabalho e o capital, seguidas das Comissões Mistas de Conciliação, sendo criadas 38 comissões de 1932 a 1937, com a finalidade de tentar composição entre trabalhadores e empregadores quanto aos conflitos coletivos. Para os conflitos individuais, o governo criou as Juntas de Conciliação e Julgamento. No entanto, o autor afirma que esta estrutura foi duramente criticada pelos doutrinadores, pois as juntas e comissões foram consideradas fracas e sem poder para impor decisão, sendo suas tarefas resumidas às tentativas de conciliação. Somente em 1º de maio de 1939, através do Decreto 1.237, foi instituída a Justiça do Trabalho, instalada oficialmente no dia 1º de Abril de 1941, tendo como órgãos as Juntas, os Conselhos Regionais do Trabalho e o Conselho Nacional do Trabalho, estes últimos alterados em 1946, para Tribunais Regionais do Trabalho e Tribunal Superior do Trabalho. A Consolidação das Leis Trabalhistas – CLT Anterior à CLT, as leis trabalhistas eram esparsas e cada profissão era disciplinada com norma específica, causando, por vezes, prejuízos a algumas profissões, que ficavam de fora da proteção legal, caso que se aplica aos empregados domésticos, por exemplo. 28 De acordo com Amauri Nascimento9, o primeiro diploma geral a tratar dos direitos dos trabalhadores foi a Lei 62, de 1935, sendo a mesma aplicável aos industriários e comerciários, assegurando-lhes diversos direitos, quais sejam: [...] a) indenização de dispensa sem justa causa (art. 1º); b) garantia da contagem do tempo de serviço na sucessão de empresas (art. 3º) ou na alteração da sua estrutura jurídica; c) privilégios dos créditos trabalhistas na falência (art. 4º); d) enumeração das figuras de justa causa (art. 5º); e) efeitos da força maior nos créditos trabalhistas (art. 5º, §§ 1º e 2º); f) transferência para o governo da responsabilidade de indenizar quando der causa à cessação da atividade (art. 5º, § 3º); g) aviso prévio (art. 6º); h) rescisão antecipada de contratos a prazo (art. 7º); i) suspensão do contrato (art. 9º); j) estabilidade decenal (art. 10); l) redução do salário (art. 11); m) nulidades das estipulações contratuais contrárias às normas legais (art. 14); n) exclusão dos aprendizes da proteção legal (art. 15); o) responsabilidade solidária do sindicato ou associação que der causa ao inadimplemento das obrigações contratuais, pelas respectivas indenizações (art. 16); p) prescrição de um ano para reclamar indenização. E continua afirmando que outro exemplo de lei geral foi a de nº 185, de Janeiro de 1936, que instituiu o salário mínimo. Para o autor, a iniciativa de reunir, em um só texto, todos os diplomas legais que tratassem do direito do trabalho foi do governo. No entanto, a CLT foi além de uma simples compilação de textos, pois embora tenha sido denominada Consolidação, a sua publicação acrescentou várias inovações aproximando-a de um Código. Foram reunidas leis sobre o direito individual, coletivo e processual do trabalho. Contudo, para Cairo Jr.10, já existiam leis esparsas que regulamentavam as relações de determinadas categorias profissionais e, de forma geral, atribuíam alguns direitos a esses trabalhadores, além de já existirem algumas convenções da Organização Internacional do Trabalho ratificadas pelo Brasil. O mérito de Getúlio Vargas foi a idéia de sistematizar todo o arcabouço legislativo em um único Diploma Legal, criando a Consolidação das Leis do Trabalho, 9 10 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Op.Cit., 75/76. CAIRO JUNIOR, José. Op. Cit., p. 17. 29 através do Decreto-Lei 5.452, de 1º de Maio de 1943, muito se assemelhando a Carta Del Lavoro italiana. Veja que Amauri Nascimento11 já disciplinava que “Não seria a CLT o instrumento de cristalização dos direitos trabalhistas que se esperava”. No seu entendimento ―a mutabilidade e a dinâmica da ordem trabalhista exigiam constantes modificações legais, como fica certo pelo número de decretos, decretos-leis e leis que depois foram elaborados, alterando-a”. Observe que o direito é muito dinâmico, a todo momento surgem novas situações que necessitam de alterações para se adequar à nova realidade do cotidiano, e o direito do trabalho não foge à regra, conforme é possível verificar com o surgimento de inúmeras leis após a promulgação da CLT, todas com a finalidade de buscar solucionar o direito individual e coletivo e apaziguar os conflitos. Conforme o autor acima, surgiram várias leis que dispunham sobre os mais variados aspectos do direito do trabalho, quais sejam: Lei n. 605, de 5 de janeiro de 1949, dispondo sobre o repouso semanal remunerado e feriados; Decreto n. 31.546, de 6 de outubro de 1952, aplicável a menores aprendizes; Lei n. 2.573, de 15 de agosto de 1955, sobre adicional de periculosidade; Lei n. 2.959, de 17 de novembro de 1956, sobre contrato por obra certa; Lei n. 3.207, de 18 de julho de 1957, disciplinando as relações de emprego do vendedor viajante e pracista; Lei n.5.584, de 26 de junho de 1970, sobre homologação do recibo de quitação nas rescisões contratuais do empregado com mais de um ano de serviço no mesmo emprego; Lei n. 4.090, de 13 de julho de 1962, dispondo sobre o 13º salário; Lei 4.266, de 3 de outubro de 1963, dispondo sobre salário-família; Lei 4.214, de 2 de março de 1963, sobre trabalho rural etc. (negritei) O autor disciplina que, em vista de todos esses diplomas legais, que alteravam substancialmente a CLT, foi proposta a sua primeira revisão em 1955; sem obter êxito, contudo. Nova tentativa foi feita em 1961, e novamente não logrou êxito. Em 1975, surgiu nova tentativa de revisão da CLT. Por iniciativa do governo, foi composta uma 11 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Ob. Cit., p.77. 30 comissão denominada de Comissão Interministerial de Atualização da CLT, que concluiu os seus estudos em 29 de setembro de 1976. Esta comissão entregou os seus trabalhos aos Ministros da Justiça e do Trabalho, sob a forma de Anteprojeto da nova CLT, contendo originalmente 920 artigos, seguidos de anexos que reúnem as normas profissionais especiais. Afirma ainda que a Lei 6.514/77 modificou o Cap. V do Título II da CLT sobre Segurança e Medicina do Trabalho, acompanhada de ampla regulamentação; e o Decreto-Lei 1.535/77 alterou o regime de férias. 1.1.2. As Constituições Brasileiras Todas as constituições brasileiras - a começar pela a de 1934, passando pela de 1937, 1946, 1967, Emenda Constitucional de 1969, até chegar à Constituição vigente de 1988 - tiveram normas de direito do trabalho. Segundo Amauri Nascimento12, dentre os diferentes aspectos que caracterizam as Constituições do Brasil, destacam-se, na de 1934, o pluralismo sindical, autorização para criação, na mesma base territorial, de mais de um sindicato da mesma categoria profissional ou econômica, enquanto as demais adotariam o princípio do sindicato único. Para o referido autor, a Constituição de 1937 expressou a concepção política do Estado Novo. Impôs restrições ao movimento sindical, seguindo uma ideia de organização da economia pelo Estado, adotou um Conselho Nacional de Economia, e enquadrou os sindicatos em categorias declaradas pelo Estado, nas quais foi proibido mais de um sindicato representativo dos trabalhadores, proibindo-se também a greve, definindo-a como recurso anti-social, nocivo à economia e à continuidade da elaboração de leis trabalhistas de modo amplo. Conforme disciplina o autor, a Carta Magna de 1946 acolheu os princípios liberais na ordem política, mas conservou, embora restabelecendo, o direito de greve, 12 Nascimento, Amauri Mascaro. Iniciação ao direito do trabalho .36 ed. São Paulo, LTr., 2011, p. 50/51. 31 nas mesmas diretrizes, na medida em que não respaldou o direito coletivo do trabalho. Destaca-se, na mesma Constituição, a transformação da Justiça do Trabalho, até então de natureza administrativa, em órgão do Poder Judiciário. Para ele, a Constituição de 1967 exprimiu os objetivos dos governos militares iniciados em 1964, e introduziu o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, que havia sido criado pela lei ordinária de 1966. E, por último, a nossa Carta Magna atual de 1988 instituiu os direitos trabalhistas como direitos e garantias fundamentais, diferentemente do que ocorreu nas Constituições anteriores em que as normas regulamentadoras do trabalho era prevista no âmbito da ordem econômica e social. 1.2. Os Direitos dos Trabalhadores em Geral Segundo a Constituição de 1988 Ao todo foram 34 direitos trabalhistas inseridos no art. 7º da nova Carta Magna, direitos que vieram ao encontro dos anseios dos trabalhadores conforme se observa no rol do art. 7º abaixo transcrito: Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: I - relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos; II - seguro-desemprego, em caso de desemprego involuntário; III - fundo de garantia do tempo de serviço; IV - salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim; V - piso salarial proporcional à extensão e à complexidade do trabalho; VI - irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo; VII - garantia de salário, nunca inferior ao mínimo, para os que percebem remuneração variável; VIII - décimo terceiro salário com base na remuneração integral ou no valor da 32 aposentadoria; IX – remuneração do trabalho noturno superior à do diurno; X - proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa; XI – participação nos lucros, ou resultados, desvinculada da remuneração, e, excepcionalmente, participação na gestão da empresa, conforme definido em lei; XII - salário-família pago em razão do dependente do trabalhador de baixa renda nos termos da lei; XIII - duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho; XIV - jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva; XV - repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos; XVI - remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em cinquenta por cento à do normal XVII - gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal; XVIII - licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias; XIX - licença-paternidade, nos termos fixados em lei; XX - proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei; XXI - aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de trinta dias, nos termos da lei; XXII - redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança; XXIII - adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei; XXIV - aposentadoria; XXV - assistência gratuita aos filhos e dependentes desde o nascimento até 5 (cinco) anos de idade em creches e pré-escolas; XXVI - reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho; XXVII - proteção em face da automação, na forma da lei; XXVIII - seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem 33 excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa; XXIX - ação, quanto aos créditos resultantes das relações de trabalho, com prazo prescricional de cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho; XXX - proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil; XXXI - proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência; XXXII - proibição de distinção entre trabalho manual, técnico e intelectual ou entre os profissionais respectivos; XXXIII - proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos; XXXIV - igualdade de direitos entre o trabalhador com vínculo empregatício permanente e o trabalhador avulso. Os Direitos dos Trabalhadores Domésticos Os direitos dos empregados domésticos, garantidos pela constituição de 1988, são encontrados no art. 7º, § único, in verbis: Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: Parágrafo único: São assegurados à categoria dos domésticos os direitos previstos nos incisos IV, VI, VIII, XV, XVII, XVIII, XIX, XXI e XXIV, bem como a sua integração à previdência social. Observe, pelo rol de direitos abaixo, que serão detalhados em capitulo próprio, quais foram os direitos trabalhistas que a Constituição Federal estendeu aos empregados domésticos: salário mínimo (art. 7º, IV); irredutibilidade do salário (art. 7º, VI); décimo terceiro salário (art. 7º, VIII); repouso semanal remunerado (art. 7º, XV); férias anuais remuneradas, com mais um terço constitucional (art. 7º, XVII); licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de 34 cento e vinte dias (art. 7º, XVIII); licença-paternidade (art. 7º, XIX); aviso-prévio (art. 7º, XXI); aposentadoria (art. 7º, XXIV). Destaca-se que, dos trinta e quatro direitos garantidos aos demais trabalhadores, somente nove foram estendidos aos empregados domésticos. 1.4. Breve Histórico do Empregado Doméstico A Lei 5.859/72, que regulamenta o trabalho doméstico, apresenta, no seu art. 1º, o conceito de empregado doméstico como sendo: Art. 1º. Ao empregado doméstico, assim considerado aquele que presta serviços de natureza contínua e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família, no âmbito residencial destas [...]. Para Pamplona Filho e Villatore13, este conceito foi confirmado pela Lei 8.212/91, em seu art. 12, inciso II, ao indicar como um dos segurados obrigatórios da Previdência Social ―aquele que presta serviço de natureza continua à pessoa ou à família, no âmbito residencial desta, em atividades sem fins lucrativos‖. Amauri Nascimento14 afirma que: [...] A característica do empregado doméstico resulta da inexistência de fins econômicos no trabalho que exerce para pessoa ou família... Porém, se na residência há atividade econômica e o empregado nela colabora, não será doméstico, mas empregado com todos os direitos da CLT. Para melhor exemplificar esta situação, Sergio Pinto15 disciplina que não será doméstica a cozinheira da pensão, por existir atividade lucrativa nesta função, ou seja, se o empregado prestar serviços na residência e, ao mesmo tempo na atividade lucrativa que por ventura o empregador mantenha em sua casa, deixa de existir a relação de trabalho doméstico e a norma a ser aplicada à nova relação de trabalho é a 13 PLAMPLONA FILHO, Rodolfo /MARCO ANTONIO Cesar Villatore. Direito do trabalho doméstico: doutrina, legislação, jurisprudência, prática . 4 ed. São Paulo, LTr, 2011, p. 29. 14 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Op. Cit., p. 994. 15 MARTINS, Sergio Pinto. Manual do trabalho doméstico. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2012, pp. 8-11. 35 CLT, que rege as demais relações de trabalho. Aplica-se, neste caso, o Principio da Proteção, da norma mais favorável e mais benéfica para o trabalhador. De posse desse posicionamento é necessário compreender as três expressões contidas no art. 1º da Lei 5.859/72: a) finalidade não lucrativa, b) âmbito residencial e c) natureza contínua, para melhor compreender o trabalho doméstico. O autor acima citado explica da seguinte forma: a) Finalidade não Lucrativa – significa dizer que a função que o empregado exerce irá caracterizá-lo ou não como doméstico, pois certas funções são desempenhadas tanto em empresas comuns como em relação ao empregado doméstico, como as cozinheiras, faxineiras etc. Necessariamente, não é a natureza do trabalho do empregado que irá definir se ele é ou não doméstico, mas a existência ou não de lucratividade do empregador, ou seja, a atividade do empregado doméstico não pode gerar lucros para o empregador, pouco importa a sua atividade. b) Âmbito Residencial – esta expressão deve ser interpretada num sentido mais amplo, pois, do contrário, somente o empregado que prestasse serviços dentro da casa, seria considerado doméstico. Tal situação deixaria desprotegidos aqueles que prestassem serviços externos a casa, caso do motorista e do jardineiro por exemplo. Daí ser incorreto, quando o art. 1º da Lei 5.859 determina que ―o serviço deve ser prestado no âmbito residencial desta”, pois o motorista não presta serviço no âmbito residencial, mas para o âmbito residencial. Desta forma, visando abranger também a situação dos domésticos que prestam serviços externos, segundo Amauri Nascimento16, melhor seria usar a expressão para o âmbito residencial desta. c) Natureza Contínua – um dos requisitos do contrato de trabalho é a continuidade na prestação do serviço, pois esse é um pacto de duração sucessiva, por prazo indeterminado. Os serviços devem ser prestados na forma continua e ininterrupta. Para Sergio Martins17, o contrato de trabalho é um pacto de trato sucessivo, de duração, que não se exaure numa única prestação, como ocorre com a compra e 16 17 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Op. Cit., p. 178. MARTINS, Sergio Pinto. Manual do trabalho doméstico. 11 ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 9. 36 venda, onde é pago um preço e recebe a coisa. 1.5. Requisitos e Características da Relação de Emprego Comum O contrato de trabalho regido pela CLT, disposto no art. 3º, tem alguns requisitos obrigatórios e características, a saber, que são: o caráter da pessoalidade, da não eventualidade, da subordinação e da onerosidade a seguir expostos. 1.5.1. A Pessoa Física Pessoa física, segundo a CLT, é ―toda pessoa que presta serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário‖, conforme disposto no art. 3º. Veja a análise que Amauri Nascimento18 fez da figura da pessoa física: [...] B – PESSOA FÍSICA. Empregado é pessoa física natural. Não é possível empregado pessoa jurídica. A proteção da lei é destinada ao ser humano que trabalha, à sua vida, saúde, integridade física, lazer. Não é preciso ressaltar que esses valores existem em função da pessoa natural. Não são bens jurídicos tuteláveis nas pessoas jurídicas. De posse desse posicionamento, é possível concluir que, empregado é a pessoa física que, através do contrato de trabalho e mediante pagamento de salário, empresta sua força física, sob a direção do empregador para desempenhar pessoalmente determinadas tarefas. 1.2.1. 1.5.2. O Empregador O art. 2º em seu § 1º da CLT define o que vem a ser o empregador: Art. 2º - Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a 18 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Op. Cit., p. 163. 37 prestação pessoal do serviço. § 1º equiparam-se a empregador, para os efeitos exclusivos da relação de emprego, os profissionais liberais, as instituições de beneficência, as associações recreativas ou outras instituições sem fins lucrativos, que admitirem trabalhadores como empregados. E acrescenta, ainda de acordo com o § 2º do art. 2º, que as empresas que tiverem características de grupo industrial ou comercial ou de qualquer outra atividade, serão solidariamente responsáveis pelos seus empregados, embora o trabalhador exerça as atividades em uma empresa e o controle seja feito por outra empresa pertencente ao grupo. O Código Civil também conceitua a figura do empregador conforme disposto no art. 966, in verbis: ―Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou de serviços‖. Diante dos dispositivos citados, podemos concluir então que empregador é toda pessoa física ou jurídica que exerce atividade com fins lucrativos, que contrata, dirige, subordina e remunera o serviço prestado pelo empregado. 1.2.2. 1.5.3. Não Eventualidade Através da teoria do evento, dos fins, da descontinuidade e da fixação, Amauri Nascimento19 explica e demonstra a diferença entre empregado, protegido pela CLT, e trabalhador eventual: [...] B – TEORIA DO EVENTO. Primeiro, a teoria do evento, segundo a qual eventual é o trabalhador admitido numa empresa para determinado evento. (...) Nesse caso, o eventual vai cumprir na empresa algo que ficou estabelecido e que não será de longa duração. Terminada a sua missão, automaticamente estará desligado. C – TEORIA DOS FINS. Segundo, a teoria dos fins da empresa, para a qual empregado é o trabalhador cuja atividade coincide com os fins normais da empresa e eventual é o trabalhador que vai desenvolver numa empresa serviços não coincidentes com os seus fins normais. D 19 – TEORIA DA DESCONTINUIDADE. NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Op. Cit. , p. 168-169. Terceiro, é a teoria da 38 descontinuidade, segundo a qual eventual é o trabalhador ocasional, esporádico, que trabalha de vez em quando, ao contrário do empregado, que é trabalhador permanente. E – TEORIA DA FIXAÇÃO. Quarto, a que nos parece melhor, a teoria da fixação na empresa, segundo a qual eventual é o trabalhador que não se fixa a uma fonte de trabalho, enquanto empregado é o trabalhador que se fixa a uma fonte de trabalho. Eventual não é fixo. Empregado é fixo. A fixação é jurídica. Diante do exposto acima, conclui-se, então, que o trabalho pode ser prestado de forma eventual e não eventual, sendo que o que diferencia o empregado celetista do empregado eventual é questão da continuidade. O empregado eventual é aquele sem patrão, que presta serviço de acordo com as suas necessidades, sem nenhum vinculo de permanência ou de continuidade. Ele dirige a si próprio, exerce suas atividades onde bem entende. Já o celetista é fixo, é contratado. 1.5.4. Subordinação Um dos requisitos para a qualidade de ser empregado é a subordinação, que significa dizer estar sob as ordens de alguém através de um contrato de trabalho. Amauri Nascimento20 disciplina que: [...] subordinação e poder de direção são verso e reverso da mesma medalha. A subordinação é a situação em que fica o empregado. O poder de direção é a faculdade mantida pelo empregador, de determinar o modo de execução da prestação do trabalho para que possa satisfazer o seu interesse. Devido à falta de definição legal para subordinação, a doutrina vem preencher essa lacuna. E embora pareça fácil o entendimento sobre o tema, muitas são as controvérsias. Amauri Nascimento informa que: [...] os casos mais comuns na Justiça do Trabalho referem-se a vendedores externos, muitos considerados, pelas empresas para as quais vendem, como autônomos. Porém, se estão sujeitos a ordens seguidas de serviço, não têm autonomia. São subordinados, portanto empregados. Para o autor, subordinação é a condição em que se mantém o empregado mediante o poder de direção do empregador, devendo, para tanto, cumprir 20 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Op. Cit., p. 164. 39 determinadas tarefas a ele designadas com o objetivo de satisfazer o interesse deste último. Sergio Martins21 entende que: ―A subordinação é o estado de sujeição em que se coloca o empregado em relação ao empregador, aguardando ou executando suas ordens‖. 1.5.4. Onerosidade A onerosidade é mais uma das características da relação de trabalho. Amauri Nascimento22 afirma que: [...] F – SALÁRIO. Empregado é um trabalhador assalariado, portanto, alguém que, pelo serviço que presta, recebe uma retribuição. Caso os serviços sejam executados gratuitamente pela sua própria natureza, então se configurará a relação de emprego. (...) Uma freira que gratuitamente presta serviços num hospital, levando lenitivo religioso aos pacientes, não será considerada empregada do hospital porque a sua atividade é exercida sem salário, por força da sua natureza e fins. (...) O dever do empregado é prestar os serviços. O dever do empregador é pagar os salários. O empregado é um trabalhador que presta determinados serviços ao empregador e, em contrapartida, recebe um salário previamente acertado pela execução do serviço. 1.5.6. Pessoalidade O contrato de trabalho é firmado entre duas pessoas, o empregado e o empregador, devendo a prestação do serviço ser de única e exclusiva responsabilidade daquele que foi contratado para exercer a função. Daí se dizer que é pessoal e intransferível a obrigação assumida pelo trabalhador no momento da contratação. 21 22 MARTINS, Sergio Pinto. Op. Cit., p. 10. NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Op. Cit., p. 166. 40 Observe-se o posicionamento adotado pelo autor acima citado: [...] O contrato de trabalho é ajustado em função de determinada pessoa. Nesse sentido é que se diz que o contrato de trabalho é intuitu personae. O trabalho com o qual o empregador tem o direito de contar é o de determinada e específica pessoa e não de outra. Assim não pode o empregado, por sua iniciativa, fazer-se substituir por outra pessoa, sem o consentimento do empregador. Em não havendo pessoalidade, fica descaracterizada a relação de emprego. O autor acima citado exemplifica a situação mediante apresentação de um julgado do Tribunal Regional do Trabalho (Ac. 1698/62): [...] Ocasionalmente, a prestação pessoal de serviços pode ser deferida a outrem, que não o empregado. Desde de que haja pactuação expressa, o empregado com o consentimento do empregador, pode se fazer substituir na prestação pessoal do serviço contratado. No entanto, quando a substituição se tornar regra, passando o pretenso empregado a ser substituído de forma permanente, não há que se falar mais em nexo empregatício. Falta a pessoalidade do exercício. Finalmente, o autor supracitado afirma que, embora seja uma das exigências do contrato de trabalho, a exclusividade é um requisito complementar não absolutos, ―[...]A exclusividade não é exigência legal. Pode perfeitamente estar caracterizada a relação de emprego mesmo sem exclusividade, uma vez que nada impede que alguém tenha mais de um emprego‖. Conclui-se, então, que a exigência é do caráter da pessoalidade e não da exclusividade, a não ser que tal exigência esteja expressa no contrato de trabalho. 1.6. Requisitos e Características da Relação de Emprego Doméstico Ao contrário do que ocorre com o contrato de trabalho regido pela CLT, o contrato de trabalho do empregado doméstico tem especificidades e características próprias. 41 Claudia Cavalcante23 explica as características da seguinte forma: [...] A relação de emprego doméstico caracteriza-se, então, pela prestação de serviços, de natureza contínua, à pessoa física ou à família, para o âmbito residencial, sem que sejam aproveitados diretamente pelo empregador com o fim lucrativo, mediante remuneração e subordinação, em decorrência de um contrato de emprego doméstico. Observe que além de presentes todos os pressupostos da relação de emprego, foi acrescentada uma característica peculiar ao emprego doméstico: a questão da não lucratividade do empregador. 1.6.1. Pessoalidade Característica comum à relação de emprego, a pessoalidade, conforme disposto acima, é pressuposto da relação de trabalho. Tal prerrogativa é específica e essencial a todas as relações trabalhistas, sendo encontrado seu fundamento jurídico no art. 3º da CLT. Pamplona Filho e Villatore24 afirmam que necessariamente para ser considerado empregado, o doméstico deve ser pessoa física. Não sendo possível admitir, sob qualquer hipótese, que a pessoa jurídica venha a desempenhar a função de empregado doméstico. Claudia Normando25 disciplina que ―A pessoalidade é o atributo pelo qual o empregado, investido de individualidade, exerce as atividades estabelecidas no contrato de trabalho.” Conclui-se, então, que a pessoalidade é uma prerrogativa comum entre as categorias de empregados domésticos e dos demais trabalhadores regidos pela CLT. 23 NORMANDO, Cláudia Cavalcante. Trabalho Doméstico: valores jurídicos e dignidade humana .Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Ed., 2005, p. 34. 24 PLAMPLONA FILHO, Rodolfo; VILLATORE, Marco Antonio Cesar. Direito do trabalho doméstico: doutrina, legislação, jurisprudência, prática. 4 ed. São Paulo: LTr, 2011, p. 36. 25 NORMANDO, Cláudia Cavalcante. Trabalho Doméstico: valores jurídicos e dignidade humana . Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Ed., 2005, p 55. 42 1.6.2. Serviço de Natureza Contínua O serviço prestado pelo doméstico, assim como o prestado pelo empregado comum, deve ser contínuo. A questão da continuidade, assim como nas relações de emprego comum, é causa de grande controvérsia. Principalmente no que se refere à condição das diaristas que exercem as mesmas atividades que as domésticas, mas que não são assim consideradas. Veja o posicionamento de Claudia Normando 26: [...] O serviço desempenhado por um trabalhador com vinculo constitui uma necessidade permanente do empregador, ou seja, não se trata de uma atividade acidental, cuja repetição somente ocorre face a outras situações especiais; ao contrário, é parte das atividades normais, constantes do âmbito laboral. [...] A continuidade contrapõe-se, então, à eventualidade ou ocasionalidade. Desse modo, a relação de emprego deve ser contínua, criando-se o enlace permanente, enquanto quiserem as partes; a prática da atividade é ininterrupta, realizada de forma periódica. [...] Não há o que se confundir atividade ininterrupta com atividade diária. A relação trabalhista assevera a liberdade de disposições contratuais, cujas tarefas podem ser de exercício diário, semanal, quinzenal, mensal etc. O período não afeta o vinculo contínuo. Uma grande variedade de autores tem posição contrária, pois entende ser a diarista uma trabalhadora não doméstica, devido ao fato de a mesma exercer a sua atividade somente em alguns dias da semana e, na maioria das vezes, atendendo a vários patrões. Ocorre que o requisito da exclusividade não é pressuposto essencial para o reconhecimento do vínculo trabalhista. E, assim, ter dois ou mais patrões não obsta o reconhecimento dos direitos trabalhistas do empregado. Segundo a autora supracitada, ―entendimento diverso acaba por criar uma ilicitude‖. Desse modo, deve ser reconhecido o vínculo trabalhista da diarista, que pessoalmente exerce o serviço, adentrando no ambiente familiar em dias determinados, recebendo contraprestação pelo serviço prestado, subordinada à empregadora, a qual a dirige e determina o serviço a ser executado. 26 NORMANDO, Cláudia Cavalcante. Op. Cit., p 59. 43 A título de exemplo, observe-se o julgado do Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais, abaixo transcrito: [...] Empregado doméstico – Não-caracterização. Empregado doméstico é aquele que presta serviços de natureza contínua, de finalidade não lucrativa, no âmbito residencial. Está excluído deste conceito o trabalhador que labora de forma intermitente e/ou eventual, isto é, o diarista, que labora, de forma concomitante, para diversas famílias (Lei nº 5.859/72). (TRT – 3ª R – 4ª T – RO nº 18951/97 – Rel. Fernando Antônio de M. Lopes – DJMG 13.06.98. E o posicionamento contrário do Tribunal do Trabalho de São Paulo: EMENTA: DOMÉSTICA. VÍNCULO EMPREGATÍCIO. SERVIÇO DE NATUREZA CONTÍNUA E SERVIÇO DIÁRIO. DISTINÇÃO. Descontinuidade não se confunde com intermitência para os efeitos de incidência da legislação trabalhista. A referência a serviços de natureza contínua, adotada pelo legislador ao esculpir o artigo 1º da Lei 5.859, de 11 de dezembro de 1972, diz respeito à projeção da relação no tempo, ou seja, ao caráter continuado do acordo de vontades (tácito ou expresso), que lhe confere feição de permanência, em contraponto à ideia de eventualidade, que traz em si acepção oposta, de esporadicidade, do que é fortuito, episódico, ocasional, com manifesta carga de álea incompatível com o perfil do vínculo de emprego. Desse modo, enquanto elemento tipificador do contrato de emprego, a continuidade a que alude a legislação que regula o trabalho doméstico não pressupõe ativação diária ou ininterrupta e muito menos afasta a possibilidade de que em se tratando de prestação descontínua (não diária), mas sendo contínua a relação, torne-se possível o reconhecimento do liame empregatício. Vale dizer que mesmo se realizando a prestação laboral em dias alternados (não sequenciais), porém certos, sem qualquer álea, de acordo com o pactuado entre as partes, é de se reconhecer o vínculo da empregada doméstica que prestou em residência familiar, mormente estando presentes os demais elementos tipificadores tais como a pessoalidade, onerosidade e subordinação. Inteligência do artigo 1º da Lei 5.859/72. RO 01552.2004.044.02.00-0. 4ª. TURMA PROCESSO TRT/SP NO: 01552200404402000(20050381258) A continuidade é uma das muitas questões polêmicas e controversas no direito dos empregados domésticos e deve ser analisada com muito cuidado, de acordo com cada caso, para evitar prejuízos ao trabalhador. 1.6.3. Pessoa Física ou Família A pessoa jurídica é absolutamente incompatível com o trabalho doméstico. Não pode a pessoa jurídica contratar os serviços do empregado doméstico. Para efeitos 44 legais, só será considerado doméstico o trabalhador que prestar serviço para a entidade familiar. Dessa forma, independente de quem na família assine a carteira do empregado doméstico, todos, ou qualquer um da família, responderá no pólo passivo pelo empregado. Sobre a questão, leciona Pamplona Filho e Villatore27: ―[...] quem efetivamente está no polo passivo da relação empregatícia doméstica é a coletividade familiar, não como pessoa jurídica, mas, sim, como um sujeito passivo plúrimo‖. Neste sentido já decidiu o TRT da Paraíba. Vejamos: [...] A prestação de serviços no espaço residencial, para pessoa física, em benefício próprio e ou de sua família com habitualidade e ausência de finalidade lucrativa, constitui requisitos para a caracterização do trabalho doméstico, nos termos do art. 1º da Lei nº 5.859/72. Sentença que se confirma. (TRT – 13ª R – Ac. nº 20925 – Rel. Juiz Aluísio Rodrigues – DJPB 05.05.95) Entendemos que essa é uma das questões menos controversas no tocante aos direitos do empregado doméstico. 1.6.4. Recinto Residencial Conforme já disposto acima, o trabalhador doméstico deve prestar o serviço para o âmbito residencial da família, assim abrangendo todos os trabalhadores que prestem serviços para a entidade famíliar, tal como, o motorista, o jardineiro, a copeira, a cozinheira etc. Contudo, tal atividade, também como já disposto acima, não deve gerar lucro para o empregador, sob pena de serem aplicadas as regras da CLT e não as dos domésticos. Neste sentido, tem decidido o TRT do Estado de Minas Gerais: O que caracteriza o empregado doméstico não é a natureza do serviço que ele presta, mas o contexto em que o mesmo é feito. Se trabalha no âmbito residencial de uma pessoa ou família, é doméstico, não importando a tarefa por ele desempenhada, sendo regido pela Lei nº 5.859/72. (TRT – 3ª R – 4ª T 27 PLAMPLONA FILHO, Rodolfo; VILLATORE, Marco Antonio Cesar. Op. Cit., p. 34. 45 – RO nº 14205/94 – Rel. Pinheiro de Assis – DJMG 21.01.95) Este também é um ponto já pacificado na doutrina e na jurisprudência. Não importa a atividade que o profissional vai exercer, o que importa é que exerça a atividade para a família, no âmbito residencial desta. 1.7. Espécies e Classificação dos Trabalhadores Domésticos São várias as espécies de trabalhadores que são considerados empregados domésticos. Dentre eles o caseiro, a diarista, o motorista, a enfermeira doméstica etc. Conforme já fora demonstrado acima, empregado doméstico é toda pessoa física que presta serviço sem fins lucrativos para o âmbito da família. Pamplona Filho e Villatore28 afirmam que: [...] as atividades do empregado doméstico não se limitam aos afazeres residenciais de limpeza, cozinha, arrumação de quartos e lavagem de roupas. Há, sem sombra de dúvida, uma variada gama de trabalhadores, também domésticos, que exercem, porém, outras atividades distintas das que usualmente nos lembramos quando nos referimos ao labor doméstico. Observe-se abaixo a classificação de algumas espécies de trabalhadores considerados empregados domésticos. Sergio Martins29 leciona que: a) Caseiro – é a pessoa que toma conta da casa, principalmente quando o patrão não está no local. Para tanto é importante observar se, na chácara, sítio, casa de praia ou similar, não tem atividade lucrativa envolvida, se a residência se destina apenas ao recreio ou lazer do empregador. Não deve existir no local nenhuma plantação ou criação com finalidade de comercialização. Observe-se que no caso do caseiro, a subordinação deste é bem menor, pois o patrão não exerce uma fiscalização tão ostensiva, em função de utilizar a propriedade de forma esporádica. Todavia, o que caracteriza o trabalho doméstico é a natureza do serviço prestado. 28 29 PLAMPLONA FILHO, Rodolfo; VILLATORE, Marco Antonio Cesar Op. Cit., p. 37. MARTINS, Sergio Pinto. Op. Cit., pp. 19-31. 46 b) Diarista – é a pessoa que trabalha por dia e recebe também por dia, ao final do trabalho. Observe-se que um dos pressupostos para a caracterização do trabalho doméstico é a continuidade, inconfundível com a não eventualidade. Questão de grande divergência é saber se a faxineira presta ou não serviço continuo. A lei não usa a expressão trabalho cotidiano ou diário, o que implica dizer que o trabalho prestado pode ser diário, em alguns dias da semana ou até mesmo periódico. O que se conclui é que inexiste eventualidade na prestação de serviço de uma faxineira que presta serviço toda semana, por longos anos, à residência de uma mesma família. Sendo considerada diarista, a faxineira que aleatoriamente escolhe os dias da semana que pretende trabalhar, mudando-os de acordo com a sua necessidade ou conveniência, de modo a não coincidir com os horários que já tenha agendado em outras residências. c) Motorista – para ser considerado doméstico, o motorista deve prestar serviço à pessoa ou família, e para o âmbito residencial desta. Se o motorista doméstico faz entregas para a empresa do patrão, não será considerado doméstico, mas empregado sujeito às regras da CLT. As atividades exercidas pelo motorista devem ser unicamente relacionadas à casa, por exemplo, levar a o patrão ao local de trabalho, a patroa ao cabeleireiro, os filhos do patrão ao colégio, etc. d) Enfermeira doméstica – se este profissional trabalha apenas no âmbito da residência cuidando de pessoa com problemas relacionados à saúde, será considerada doméstica, embora tenha diploma de curso superior. O que importa é que a atividade desse profissional não caracterize lucro para o empregador. Neste capítulo foi abordada a evolução do Direito do Trabalho no Brasil e no mundo, como surgiram as relações de trabalho e em qual contexto histórico se deu o direito dos trabalhadores. Observamos que o Direito do Trabalho não nasceu da liberalidade do empregador, nem tampouco da concessão do governo. Surgiu em meio à exploração da força de trabalho dos operários pela classe dominante, ocasionando a partir daí as lutas de classe. Posteriormente adentramos na diferenciação das características e dos pressupostos da relação de trabalho das categorias normais, regidas pela 47 Consolidação das Leis Trabalhista – CLT e a dos empregados domésticos, regidos por legislação própria. 48 CAPÍTULO II 2. O TRABALHADOR DOMÉSTICO NO BRASIL Pamplona Filho e Villatore30 ressaltam que, embora a tendência atual seja a de continuar a considerar o empregado doméstico como um empregado especial elaborando, inclusive, legislação específica para ele, inserindo os seus direitos em códigos do trabalho e até mesmo na constituição, caso que se aplica ao Brasil, por exemplo -, gradativamente os domésticos vêm adquirindo alguns dos direitos regulados pela CLT, que protegem os demais trabalhadores, tais como: o direito às férias de 30 dias, seguro-desemprego (facultado aos optantes do FGTS), estabilidade para a gestante etc. 2.1. Evolução dos Direitos dos Trabalhadores Domésticos no Brasil em Conjunto com as Leis Esparsas Os autores acima citados disciplinam da seguinte forma sobre o início do trabalho doméstico no Brasil: [...] o marco inicial do trabalho doméstico no Brasil surgiu com a chegada dos primeiros escravos africanos, capturados para trabalhar nas lavouras e, também, nos grandes casarões dos senhores de engenho. [...] com o fortalecimento de movimentos contrários à escravidão, os grandes senhores passaram a trazer meninas e jovens para trabalhar em suas residências nas funções de cozinheiras e criadas, ainda como escravas, mas com o status diferente, superior aos dos escravos negros da lavoura, por partilharem da intimidade da família do senhor de engenho. Ainda de acordo com os autores, a Lei 1830 de 13 de setembro anterior à abolição da escravatura fez a primeira previsão legal aplicada aos locadores de serviços no Brasil. Esta lei regulou o contrato escrito sobre prestações de serviços feitos por brasileiros ou estrangeiros dentro ou fora do Império. Eram normas relativas às Ordenações do Reino, de caráter genérico. Também compreendia as relações de trabalho doméstico. 30 PLAMPLONA FILHO, Rodolfo; VILLATORE, Marco Antonio Cesar. Op. Cit., p. 49-50. 49 Para os autores, em 1886, o município de São Paulo regulamentou, em seu ―Código de Postura Municipal‖, as regras para a atividade dos ―criados e amas-deleite‖. Observa-se a expressão ―condição livre‖, exigida para ser contratado como empregado doméstico. O artigo 263 determinava: Art. 263. Toda pessoa de condição livre que, mediante salário convencionado, tiver ou quiser ter ocupação de moço de hotel, hospedaria ou casa de pasto, cozinheiro, copeiro, cocheiro, hortelão, de ama-de-leite, ama-seca, engomadeira ou costureira e, em geral, a de qualquer serviço doméstico. Os autores disciplinam que a abolição da escravatura aconteceu de forma definitiva somente em 1888, com a assinatura da Lei Áurea, e que não foi dado aos negros recém-libertos nenhum meio de sobrevivência, por isso muitos ex-escravos acabaram permanecendo nas terras dos senhores de engenho, pois não tinham local para morar e comida para poderem sobreviver, e, em troca, pagavam com o único ofício que eles conheciam, ou seja, a lavoura e o trabalho doméstico. Desta feita, para os autores, agora os ex-escravos trabalhavam não mais na condição de escravos e sim como empregados domésticos. Para os autores, devido à nossa herança histórica de Portugal, é importante destacar que o Código Civil português de 01 de julho de 1867, em seus artigos 1.378 a 1.390, foi o primeiro texto legal a trazer, com detalhes, o contrato de trabalho doméstico, sendo seguido por vários países. Observem-se os artigos, conforme site da Biblioteca Nacional de Portugal 31 ARTIGO 1370º - Diz-se serviço domestico o que é prestado temporariamente a qualquer individuo por outro, que com elle convive, mediante certa retribuição. ARTIGO 1371º - O contracto de prestação de serviço domestico, estipulado por toda a vida dos contrahentes, ou de algum delles, é nullo, e póde a todo o tempo ser rescindido por qualquer delles. ARTIGO 1374º - Na falta de convenção expressa acerca da retribuição, que o serviçal deva receber, observar-se-ha o costume da terra, segundo o sexo, a edade e o mister do serviçal. 31 BIBLIOTECA NACIONAL DE PORTUGAL. Código civil português : aprovado por carta de lei de 1 de Julho de 1867. 7a ed. Coimbra : Imp. da Universidade, 1920. Disponível em: HTTP://www.bnportugal.pt/index.phd?option=com_content&view=article&id=226&Itemid=54&lang=pt. Acesso em: 02 de maio 2012. 50 Dessa forma, é possível extrair da leitura dos artigos que, a partir do art. 1.370, conheceu-se a primeira definição de empregado doméstico. Já o art. 1.371 discorreu sobre o contrato de trabalho que parece ter tido o intuito de evitar um falso entendimento sobre o prazo de duração, visando a evitar a hipótese de escravidão camuflada por um contrato de trabalho. E o art. 1.374, por sua vez, que esclareceu como proceder em caso de divergências quanto à remuneração do empregado, sugerindo aplicar-se o direito costumeiro do local. Pamplona Filho e Villatore32 lecionam que, em 1º de janeiro de 1916, foi promulgado o Código Civil Brasileiro, que determinava expressamente no seu art. 1.807 a revogação de todas ―as ordenações, alvarás, leis, resoluções, usos e costumes concernentes às matérias de direito civil reguladas neste código‖, ficando em vigor até 11 de janeiro de 2003, quando começou a vigorar outro texto legal, vigente até esta data. Para os autores, o Código Civil de 1916 foi um marco na evolução legislativa brasileira, pois buscou uniformizar os procedimentos e concentrar os dispositivos normativos em um só texto. No seu Livro III, Capítulo IV, Seção II, tratou da ―locação de serviços‖, dispondo, em seu artigo 1.216 (atual art. 594 do Código Civil de 2002), que ―toda espécie de serviço ou trabalho lícito, material ou imaterial, pode ser contratado mediante retribuição‖. Os autores ainda observaram que, embora o Código Civil de 1916 tenha regulado por 25 anos todos os contratos trabalhistas, não fez qualquer ressalva direta ao trabalho doméstico. Dispôs sobre as relações de trabalho de forma genérica, inclusive a dos domésticos, até o advento da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em 1º de maio de 1943. A partir de 1923, foram surgindo alguns decretos, decretos-leis e leis, normas que, embora algumas com âmbito limitado, são de importante citação para demonstrar a tendência progressiva à regulamentação do trabalho doméstico. 32 PLAMPLONA FILHO, Rodolfo; VILLATORE, Marco Antonio Cesar. Op. Cit., p. 51. 51 A esse respeito, Pamplona Filho e Villatore33 lecionam que o Decreto 16.107, de 30 de junho de 1923, estabelecia expressamente a locação de serviços domésticos no Distrito Federal (Rio de Janeiro, à época), com menção minuciosa dos seguintes empregados: cozinheiro e ajudante, copeiro, arrumadores, lavadeiras, engomadeiras, jardineiros e hortelões, porteiros ou serventes, enceradores, amassecas ou amas de leite, costureiras, damas de companhia e, em geral, a de qualquer serviço doméstico em hotéis, bares, restaurantes, escritórios e consultórios, além de casas particulares. Para Claudia Normando34, o decreto 24.637, de 10 de julho de 1934, previu a exclusão do benefício da proteção da lei de acidentes do trabalho aos domésticos. Pamplona Filho e Villatore35 explicam que, embora o Decreto-Lei 3.078 de 27 de fevereiro de 1941 tenha trazido algumas inovações no campo da regulamentação do direito do empregado doméstico – como, por exemplo, o conceito de empregado doméstico, a obrigatoriedade da anotação em carteira profissional, o aviso prévio de oito dias após seis meses de trabalho, segurança quanto ao pagamento pontual de salários (sem determinar limite de salário, podendo ser qualquer valor), respeito à honra e à integridade física etc. -, sequer foi regulamentado, pois o art. 15 desse Decreto-Lei condicionava a aplicação do decreto a um regulamento a ser expedido pelo Ministério do Trabalho e pelo Ministério da Justiça, que jamais foi feito. Conforme os autores, o Decreto-Lei 5.452, de 1º de maio de 1943, deu origem à Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, tornando o direito do trabalho um ramo autônomo em relação ao Direito Civil. Entretanto, para eles, embora tenha sido um momento tão importante para todos os trabalhadores brasileiros, infelizmente não o foi para os empregados domésticos que ficaram de fora, excluídos da proteção das normas consolidadas. 33 34 35 PLAMPLONA FILHO, Rodolfo; VILLATORE, Marco Antonio Cesar. Op. Cit., p. 52. NORMANDO, Cláudia Cavalcante. Op. Cit., p 69. PLAMPLONA FILHO, Rodolfo; VILLATORE, Marco Antonio Cesar. Op. Cit., p. 52. 52 Conforme é possível se observar no art. 7º, alínea a, que determina: Art. 7º - Os preceitos constantes da presente Consolidação, salvo quando for, em cada caso, expressamente determinado em contrário, não se aplicam: a) aos empregados domésticos, assim considerados, de modo geral, os que prestam serviços de natureza não econômica à pessoa ou à família, no âmbito residencial destas. (grifo nosso) Os autores continuam explicando que, com a publicação do supracitado diploma legal, o que houve foi “[...] a demonstração cabal da marginalização expressa do empregado doméstico, afastando-o definitivamente da proteção devida aos demais trabalhadores”. No entendimento deles, o que ocorria era a primeira situação de discriminação pois, enquanto os demais trabalhadores subordinados eram regidos por regras próprias, as relações domésticas continuaram a ser disciplinadas pelo Código Civil de 1916. Sobre o Decreto-Lei 7.036 de 10 de novembro de 1944, os autores acima citados afirmam que este dispôs sobre a proteção acidentária dos empregados em geral. Apesar de não ter expressamente incluído os domésticos, tal situação ficou subentendida devido definição abrangente do empregado e a inclusão do empregador doméstico no rol das pessoas responsáveis pelo cumprimento do decreto conforme se observa nos arts. 8º, parágrafo único, e 9º, § 1º, in verbis: Art. 8º Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste mediante salário. Parágrafo único. Não haverá distinções relativas à espécie de emprego e à consideração de trabalho nem entre trabalho intelectual, técnico e manual. Art. 9º Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva que, assumindo os riscos das atividades econômicas, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços. § 1º Equiparam-se ao empregador, para os efeitos desta lei, as instituições de beneficência, as associações recreativas e demais instituições sem fins lucrativos, assim como o empregador doméstico. 53 Para Claudia Normando36, a Lei 605, de 5 de janeiro de 1949, decreta, no art. 1º, o direito ao repouso remunerado. No entanto, exclui a aplicabilidade desta lei aos domésticos, conforme determinado no art. 3º, alínea ―a‖, abaixo transcrito: Art 1º. Todo empregado tem direito a repouso remunerado, num dia de cada semana, perfeitamente aos domingos, nos feriados civis e nos religiosos, de acordo com a tradição local, salvo as exceções previstas neste regulamento. Art 3º O presente regulamento não se aplica: a) aos empregados domésticos, assim considerados os que prestem serviço de natureza não econômica a pessoa ou a família, no âmbito residencial destas; (grifo nosso) No entendimento de Pamplona Filho e Villatore37, a Lei 2.757, de 23 de abril de 1956, excluiu da condição de empregados domésticos algumas espécies peculiares de empregados como porteiros, zeladores, faxineiros e serventes, desde que estejam a serviço da administração do condomínio. Sobre esse assunto, os autores teceram o seguinte comentário: [...] sobre esses tipos de empregados, que definitivamente não são domésticos (apesar de, por vezes, confundidos), é de se salientar que possuem todos os direitos previstos na Consolidação das Leis do Trabalho e no art. 7º e incisos da Constituição da República Federativa do Brasil, como é o caso da jornada de oito horas diárias, 44 horas semanais. O que se conclui é que, embora esta categoria preste serviço para um condomínio onde supostamente todos os moradores poderiam ser considerados patrões - pois todos, através do pagamento da taxa de condomínio contribuem para o pagamento dos salários desses funcionários -, não o são, porque esses funcionários não prestam serviços no âmbito da residência do condômino. O trabalho é prestado para uma coletividade de pessoas, o que descaracteriza o trabalho doméstico. 36 37 NORMANDO, Cláudia Cavalcante. Op. Cit., p. 70. PLAMPLONA FILHO, Rodolfo; VILLATORE, Marco Antonio Cesar. Op. Cit., p. 55. 54 Então, para os autores, resta claro que, mesmo tendo todos os direitos que o empregado normal, o empregado de condomínio possui característica própria. Claudia Normando38 disciplina que a Lei 3.807, de 26 de agosto de 1960, aprovou o Regulamento da Previdência Social e propiciou aos domésticos a filiação como segurado facultativo na Previdência Social, conforme é possível observar nos artigos colacionados abaixo: Art.20. Filiação é o vínculo que se estabelece entre pessoas que contribuem para a previdência social e esta, do qual decorrem direitos e obrigações. Parágrafo único. A filiação à previdência social decorre automaticamente do exercício de atividade remunerada para os segurados obrigatórios e da inscrição formalizada com o pagamento da primeira contribuição para o segurado facultativo. Art.28. O período de carência é contado: [...] II - para o segurado empregado doméstico, empresário, trabalhador autônomo ou a este equiparado, especial, este enquanto contribuinte individual na forma do disposto no § 2º do art. 200, e facultativo, da data do efetivo recolhimento da primeira contribuição sem atraso, não sendo consideradas para esse fim as contribuições recolhidas com atraso referentes a competências anteriores, observado, quanto ao segurado facultativo, o disposto nos §§ 3º e 4º do art. 11. De acordo com a autora, no dia 2 de março de 1963, foi sancionada a Lei 4.212, que dispõe sobre o Estatuto do Trabalhador Rural, uma lei especial que excluía os empregados domésticos do âmbito do estatuto, conforme se observa na determinação do art. 8º, alínea ―a‖, abaixo relacionado: Art. 8º Os preceitos desta lei, salvo determinação expressa em contrário, em cada caso, não se aplicam: (grifo nosso) a) aos empregados domésticos, assim considerados, de modo geral, os que prestem serviços de natureza não econômica a pessoa ou à família, no âmbito residencial destas; (grifo nosso) A autora continua lecionando que a Lei 5.316 - de 14 de setembro de 1967, regulamentada pelo Decreto 61.784, de 28 de novembro de 1967 - dispõe sobre o 38 NORMANDO, Cláudia Cavalcante. Op. Cit., p. 71. 55 acidente de trabalho, que passa a integrar como matéria previdenciária. No entanto, os empregados domésticos foram excluídos do seguro por acidente de trabalho, pois a lei considerou empregado somente aquele definido pela CLT, a qual não ampara o empregados doméstico. Finalmente, segundo Pamplona Filho e Villatore, em 11 de dezembro de 1972, é promulgada a Lei 5.859, que foi regulamentada pelo Decreto 71.885 de 9 de março de 1973. Estas leis são específicas dos domésticos, ambas vigentes até hoje, que trazem a previsão expressa de alguns importantes direitos trabalhistas, mas que, nem de longe, conseguem solucionar a falta de regulamentação de alguns institutos pertinentes aos outros trabalhadores e negados aos trabalhadores domésticos. Segundo os autores, em 1984 foi sancionada a Lei 7.195, que dispõe sobre a responsabilidade civil das agências de empregados domésticos, atribuindo a eles a obrigação de reparar os danos porventura sofridos pelo empregador, conforme disposto no art. 1º e 2º da lei: Art. 1º As agências especializadas na indicação de empregados domésticos são civilmente responsáveis pelos atos ilícitos cometidos por estes no desempenho de suas atividades. Art. 2º No ato da contratação, a agência firmará compromisso com o empregador, obrigando-se a reparar qualquer dano que venha a ser praticado pelo empregado contratado, no período de 1 (um) ano. Ainda de acordo com os autores a Lei 7.418, alterada pela Lei 7.619 e regulada pelo Decreto 95.247 de 17 de novembro de 1987, reconhece-se o direito dos domésticos à concessão do vale-transporte. Tal prerrogativa está disposta no art. 1º, inciso II do Decreto. Art. 1º São beneficiários do Vale-Transporte, nos termos da Lei nº 7.418, de 16 de dezembro de 1985, os trabalhadores em geral, tais como: (Redação dada pelo Decreto nº 2.880, de 1998) I – {...} 56 II - os empregados domésticos, assim definidos na Lei n° 5.859, de 11 de dezembro de 1972; Os autores afirmam que a Constituição Federal de 1988, denominada ―Constituição Cidadã‖, foi assim chamada porque trouxe no seu escopo inúmeros direitos sociais individuais e coletivos, visando à proteção, à educação, à segurança e ao bem estar de todo cidadão brasileiro e tendo como garantidor desses direitos o próprio Estado brasileiro. Para eles, embora cheia de boas intenções, a Constituição Federal de 1988 também ficou bem aquém do esperado no tocante à ampliação dos direitos dos trabalhadores domésticos. Com a justificativa de que haveria mais prejuízo do que benefício para os domésticos, caso a eles fossem dados os mesmos direitos dos demais trabalhadores, novamente fora negado aos domésticos a equiparação com os empregados em geral. Desta feita, continuou a não lhes ser assegurado o tratamento igualitário dispensado às demais categorias de trabalhadores já protegidos pela CLT. 2.1.1. A Lei nº 5.859/72 – Lei dos Domésticos O empregado doméstico é regido pela Lei 5.859/72 e pela Constituição Federal, sendo que esta definiu e limitou os direitos e deveres dessa categoria, tanto na área trabalhista como previdenciária. A Lei 5.859/72 foi o passo mais importante que os legisladores nacionais deram no sentido de unificar em um só documento tudo o que já se dispunha em relação aos direitos dos empregados domésticos. Esta Lei e o Decreto 71.885/73, que a regulamentou, tiveram grande importância para os empregados domésticos, pois regularam as relações de trabalho dessa categoria. Embora não tenham trazido grandes avanços, definiram o que vinha a ser empregado e empregador doméstico (art. 1º da Lei 5.859/72), como deveria ser o contrato de trabalho e quais os direitos dos empregados domésticos. Mas deixaram a desejar no aspecto da evolução dos direitos trabalhistas. 57 Assim discorria Cláudia Cavalcante Normando39 [...] com a entrada, em vigor, da Lei dos Domésticos, o Decreto nº 3.078/41 foi revogado, permanecendo o entendimento de que a CLT é fonte subsidiária quanto aos direitos dos domésticos salvo os casos expressamente determinados em contrário, como ocorre com as férias aplicadas aos domésticos nos termos da CLT. E continua explicando a respeito da exclusão imposta pelo legislador: O legislador da CLT excluiu os empregados domésticos de sua proteção face às peculiaridades do serviço doméstico bem como pela dificuldade de enquadramento do empregador doméstico que somente pode ser pessoa física, além da relação não objetivar o lucro. Todavia, tais justificativas não são suficientes para alijar os domésticos da importante legislação de proteção trabalhista. O trabalho doméstico poderia ter sido incluído na CLT em capítulo particular, quanto às situações em que não seria possível o tratamento genérico. Importante observar que o ramo do direito do trabalho que mais evoluiu nas últimas décadas foi o do direito dos domésticos, todavia tal evolução ainda não conseguiu sequer igualar os direitos dos domésticos aos das demais categorias. 2.1.2. O Papel da Constituição Federal de 1988 Conforme a autora acima citada, a Constituição de 1988 assevera - conforme disposto no art. 7º, parágrafo único - a concessão de parte dos direitos sociais nela previstos. A autora entende que, em nenhum momento, o texto constitucional proíbe a concessão de outros direitos não exarados no referido texto legal. E continua afirmando que, para os trabalhadores domésticos, além da observância dos direitos sociais, é imprescindível a exigência e aplicação dos princípios fundamentais previstos na nossa ordem constitucional, entre os quais, os princípios da liberdade, da igualdade e da proteção ao trabalho. A autora ressalta que a Constituição é posterior às leis que regulam o trabalho doméstico e, naquilo que forem incompatíveis com os princípios que fundamentam a Carta Maior, devem ser desconsideradas. 39 NORMANDO, Cláudia Cavalcante. Op. Cit., p. 74. 58 Tendo como base a Constituição de 1988 é possível verificar o quanto a Carta Magna foi importante no tocante à ampliação e regulamentação dos direitos dos trabalhadores a partir da análise do art. 6º até o art. 11. Veja que, no art. 6º, são definidos os direitos sociais: à educação, à saúde, ao trabalho, à moradia, ao lazer, à segurança, à previdência social, à proteção à maternidade e à infância, e à assistência aos desamparados. O art. 7º relaciona detalhadamente todos os direitos sociais constitucionais concedidos aos trabalhadores, o art. 8º prevê a criação de sindicatos sem a intervenção do Estado, o art. 9º assegura o direito de greve, o art. 10 garante a participação dos empregados e empregadores nos órgãos públicos de interesse profissional e previdenciário e, finalmente, o art. 11 determina a eleição de representantes dos trabalhadores para entendimento com as empresas quando estas tiverem mais de 200 empregados. Em capitulo próprio, serão analisados mais detalhadamente os direitos dos empregados domésticos, garantidos pela Constituição de Federal de 1988, e encontrados no art. 7º, § único, que limitou dos direitos dos domésticos. 2.2. Os Principais Direitos Atribuídos ao Trabalhador Doméstico de acordo com a Lei dos Domésticos e a Constituição Federal de 1988 Se compararmos os empregados em geral, protegidos pela Consolidação das Leis do Trabalho, com os empregados domésticos, veremos que, embora tenha havido constantes alterações trabalhistas com relação a estes, estas lhes foram restritas e que ainda não foi obtido o êxito pretendido, qual seja, a igualdade de direitos. A seguir serão dispostos os direitos dos domésticos de acordo com a Constituição de 1988 e a Lei dos Domésticos. 59 2.2.1. Salário Mínimo Para Claudia Normando40, o salário mínimo, como se sabe, está previsto na Constituição Federal de 1988, no art. 7º, IV, e é uma obrigação iniludível dos empregadores domésticos. A determinação do salário mínimo visa à proteção mínima do trabalhador, de modo a atender às suas necessidades básicas como moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, tendo reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim. Veja o que determina a convenção nº 95 da Organização Internacional do Trabalho41 sobre salário e sobre a proibição do pagamento de salário in natura, nos artigos 1º, 2º e 3º abaixo descritos: Art. 1 — Para os fins da presente Convenção, o termo ‗salário‘ significa, qualquer que seja a denominação ou o modo de cálculo, a remuneração ou os ganhos suscetíveis de serem avaliados em espécie ou fixados por acordo ou pela legislação nacional, que são devidos em virtude de um contrato de aluguel de serviços, escrito ou verbal, por um empregador a um trabalhador, seja por trabalho efetuado, ou pelo que deverá ser efetuado, seja por serviços prestados ou que devam ser prestados. Art. 2 — 1. A presente convenção se aplica a todas as pessoas às quais um salário é pago ou pagável. Art. 3 — 1. Os salários pagáveis em espécie serão pagos exclusivamente em moeda de curso legal; o pagamento sob forma de ordem de pagamento, bônus, cupons, ou sob qualquer outra forma que se suponha representar a moeda de curso legal, será proibido. A Convenção da OIT assim determina devido ao costume de alguns empregadores efetuarem pagamento dos salários de seus empregados in natura (conhecido por salário utilidade, ou a parcela, bem ou vantagem fornecida pelo empregador nos limites de 20 a 25% do salário, conforme disposto nos artigos 82 e 458 da CLT). 40 NORMANDO, Cláudia Cavalcante. Op. Cit., p. 125. CONVENÇÃO da OIT - Proteção do Salário, adotada em 1949 e ratificada em 25/04/1957. Disponível em: http://www.oitbrasil.org.br/convention. Acesso em: 25 de maio 2012 41 60 2.2.2 Irredutibilidade do Salário Igualmente ao salário mínimo, a irredutibilidade do salário está expressa na Constituição Federal de 1988, no art. 7º, VI, que veda a irredutibilidade do salário, salvo disposto em convenção ou acordo coletivo. Para Claudia Normando42, as exceções são pouco prováveis no que se refere aos domésticos, pois a convenção coletiva, acionada por um ajuste entre sindicatos de empregadores e de empregados, é de difícil realização para os empregados domésticos, apesar de possível. Devido ao caráter descentralizado da categoria, face ao isolamento e individualismo do labor, é que é difícil vislumbrar o fortalecimento do sindicato, e sem esse corporativismo a categoria continuará sem força. 2.2.3. Décimo Terceiro Salário Trata-se de preceito constitucional disposto no art. 7º, VIII, que garante a todos os trabalhadores o direito ao décimo terceiro salário com base na remuneração integral ou no valor da aposentadoria. De acordo com Sergio Martins43, a Lei 4.090/62 e Lei 5.859/72 não tratavam sobre do 13º salário em relação ao empregado doméstico. Assim, tal verba não era devida ao doméstico. Com a Constituição de 1988, segundo o autor, desapareceu a celeuma sobre o tema. Todos os trabalhadores fazem jus ao décimo terceiro salário integral ou proporcional ao tempo trabalhado, devendo ser pago de forma compulsória pelo empregador em duas parcelas, a primeira no período entre fevereiro até o dia 20 de novembro ou por ocasião das férias a ser solicitado pelo empregado e, a segunda parcela, até o dia 20 de dezembro. 42 43 NORMANDO, Cláudia Cavalcante. Op. Cit., p. 127. MARTINS, Sergio Pinto. Op. Cit., p. 45. 61 2.2.4. Repouso Semanal Remunerado Também previsto na Constituição Federal de 88, no art. 7º, XV, determina que todos trabalhadores têm direito ao repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos. Este artigo constitucional revoga o que determinava a Lei 605/49, que determinava não se aplicar aos domésticos o repouso semanal remunerado. Pamplona Filho e Villatore44 lecionam que esse direito não visa somente a proteção da capacidade física, mas também a vida social do trabalhador; por isso é que se determina que esse repouso recaia preferencialmente aos domingos, por ser tradicionalmente um dia de descanso e lazer dos povos ocidentais. No entanto, os autores não pretenderam afirmar que não se possa trabalhar aos domingos. Isto é plenamente possível desde que haja uma folga compensatória pelo dia de trabalho despendido ou a compensação financeira. 2.2.5. Férias Anuais Remuneradas Os autores supracitados disciplinam que a Lei 5.859/72 determinou, no seu art. 3º, in verbis: Art. 3º. O empregado doméstico terá direito a férias anuais remuneradas de 20 (vinte) dias úteis, após cada período de 12 (doze) meses de trabalhado, prestado à mesma pessoa ou família. Continuam os autores afirmando que, embora este dispositivo tenha sido alterado pelo art. 7º, XVII da Constituição Federal de 88 - que estendeu aos domésticos ―gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal‖ - continuava a discussão acerca da quantidade de dias referentes às férias a serem concedidas aos domésticos, se 20 ou 30 dias. Já que a própria Constituição não regulou o tema, o assunto somente foi pacificado após a promulgação da Lei 11.324/2006, que determinou, expressamente, que o período de gozo das férias remuneradas, com pelo menos um terço a mais que o salário normal, é de 30 dias. 44 PLAMPLONA FILHO, Rodolfo / VILLATORE, Marco Antonio Cesar. Ob. Cit., p. 97 62 2.2.6. Licença Maternidade Conforme disposto no art. 7º, XVIII, é assegurado à empregada doméstica ―licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com duração de cento e vinte dias‖. Claudia Normando45 ressalta que o pagamento do salário-maternidade não é de responsabilidade do empregador, sendo pago diretamente pela Previdência Social à empregada doméstica em valor correspondente ao último salário de contribuição (art. 73 da Lei 8.213/91). É devido a partir dos 28 dias antes do parto até os 92 dias após o parto, fazendo o total de 120 dias. A autora afirma, ainda, que a licença maternidade é um direito que visa proteger a maternidade. 2.2.7. Licença Paternidade Este direito está previsto na Constituição Federal de 1988, no art. 7º, XIX, que determina: Art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: [...] XIX – licença-paternidade, nos termos da lei Sendo também assegurada aos empregados domésticos, conforme disposto no § único do art. 7º da Constituição. A autora supracitada assegura que, embora não haja ainda lei específica que regulamente a licença-paternidade, prevalece o que está disposto no art. 10, § 1º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que determina que ―até que a Lei venha a disciplinar o disposto no art. 7º, XIX, da Constituição, o prazo da licençapaternidade a que se refere o inciso é de cinco dias‖. 45 NORMANDO, Cláudia Cavalcante. Op. Cit. , p. 133. 63 2.2.8. Aviso Prévio A Lei 5.859/72 e o Decreto 71.885/73 ficaram silentes em relação ao direito do empregado doméstico ao aviso prévio e, segundo Pamplona Filho e Villatore46, esta garantia só ficou assegurada com a Constituição Federal de 1988. De acordo com o art. 7º, XXI, a Constituição estendeu a todos os trabalhadores o direito ao ―aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de 30 dias, nos termos da lei.‖ Só para efeito de curiosidade, ressaltam os autores que o aviso prévio é um direito recíproco, pois tanto o empregador deve concedê-lo - no caso de dispensa por sua vontade-, como o empregado - na hipótese de demissão voluntária. Tal direito tem a finalidade de possibilitar ao empregado despedido dispor de mais tempo para uma recolocação. Claudia Normando segue a mesma linha de raciocínio que os autores acima citados, de que - embora seja discutida a aplicação integral desse dispositivo para os domésticos levando-se em conta a natureza específica da prestação do serviço para uma pessoa ou família, e o local da prestação do serviço, que é a casa - uma dispensa sem justa causa é efetivamente uma situação desagradável, considerandose que o empregado partilha da intimidade do lar. Entretanto, esta é uma questão menor, pois ainda existe a possibilidade de pagamento indenizado do período correspondente, cumprindo então o mandamento constitucional. 2.2.9. Aposentadoria A aposentadoria está prevista no art. 7º, XXIV da Constituição Federal de 1988, sendo estendida aos empregados domésticos. A autora supracitada afirma que o empregado doméstico, como segurado obrigatório da Previdência Social, tem garantidos os benefícios previdenciários 46 PLAMPLONA FILHO, Rodolfo ; VILLATORE, Marco Antonio Cesar. Op. Cit., p. 95. 64 conforme a Lei 8.213/91, alterada pela Lei 9.032/95. O beneficio pode ser concedido por qualquer dos motivos: invalidez, tempo de serviço - 35 anos de contribuição para o homem e 30 anos de contribuição para a mulher -, ou idade - com 65 anos, se homem, ou 60 anos, se mulher. Ressalta, ainda, que a aposentadoria venha a ser prevista, inclusive, no texto constitucional (art. 201, § 7º). 2.3. Outros Direitos - A Lei 7.418/1985 A Lei 7.418/85, que institui o vale-transporte, foi regulamentada pelo decreto 95.247/87, e alterada pela Lei 7.619/87, que reconheceu o direito do empregado doméstico ao benefício. Conforme se verifica no art. 1º, II do Decreto 95.247/87 que diz: Art. 1º. São beneficiários do Vale-Transporte, nos termos da Lei nº 7.418, de 16 de dezembro de 1985, os trabalhadores em geral, tais como: (Redação dada pelo Decreto nº 2.880, de 1988) [...] II - os empregados domésticos, assim definidos na Lei n° 5.859, de 11 de dezembro de 1972; Claudia Normando47 destaca que o empregador doméstico pode descontar até 6% do salário básico do empregado, a título de sua contribuição, devendo suportar o restante conforme determina o art. 9º do mencionado decreto, sendo vedada, porém, a substituição do vale-transporte por antecipação em dinheiro ou qualquer outra forma de pagamento, a não ser no caso de falta ou insuficiência de estoque de vale-transporte. Sobre este assunto discorrem Pamplona Filho e Villatore48, que entendem: [...] essa impossibilidade de pagamento em quantia equivalente tem por finalidade evitar caracterização de uma natureza salarial na concessão do benefício, medida das mais salutares para que seja alcançada a sua finalidade social. Todavia, levar ao extremo essa regra seria consagrar o brocardo latino summum jus, suma injuria, pois implicaria no próprio desvirtuamento do instituto. 47 48 NORMANDO, Cláudia Cavalcante. Op. Cit.., p. 134. PLAMPLONA FILHO, Rodolfo ;VILLATORE, Marco Antonio Cesar. Op. Cit., p. 100. 65 Veja a posição de Claudia Normando49 sobre o assunto: [...] o benefício deverá exclusivamente atender ao objetivo de custeio gasto em transporte público, devendo o empregador, por precaução, elaborar um termo, no qual o empregado declarará seu endereço residencial e a quantidade de vales necessários para o transporte ao trabalho. Deve constar do instrumento, ainda, a hipótese de o empregado não necessitar de transporte coletivo para o percurso residência-trabalho. Segundo a autora, o empregador deve elaborar uma declaração e um termo de compromisso para que o empregado faça a utilização do benefício do valetransporte, uma vez que, com o referido documento, é possível comprovar a eventual situação fática de opção do empregado em receber ou não o referido benefício por motivos particulares, além da utilização ilícita do benefício. 2.4. A Lei 10.208/2001 Assim como vários outros diplomas legais no tocante à legislação para os domésticos, esta lei já nasceu confusa. Somente por meio de reedições de Medidas Provisórias foi publicado o Decreto Regulamentador 3.361/2000. O Decreto regulamentava as Medidas Provisórias e somente no dia 23 de março de 2001, pouco mais de um ano de vigência, é que foi estabelecida a Lei 10.208/00. Pamplona Filho e Villatore50 ainda lecionam que: [...] a controvertida legislação veio a estabelecer a possibilidade do ingresso do empregado doméstico ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e, também, por conseqüência do referido ingresso, ao programa do segurodesemprego, por faculdade do empregador doméstico. Este decidirá se deve incluir ou não o empregado no FGTS, mas, após concretização de tal opção, não poderá retornar à situação anterior‖. [...] ―Vale destacar, porém, que a referida legislação, na verdade, tem uma feição muito dúbia, pois, no Brasil, “direitos facultativos” não são uma prática muito respeitada, o que se constatou, de forma muito clara, com a visão cotidiana de que tal previsão normativa é “mais uma lei que não pegou” (no Brasil, as leis parecem ser como vacinas: ou pegam ou não pegam). (grifo nosso) O art. 1º da Lei 10.208/01 dispõe sobre a profissão de empregado doméstico, para facultar o seu acesso ao FGTS e ao seguro-desemprego, in verbis: 49 50 NORMANDO, Cláudia Cavalcante. Op. Cit. 134. PLAMPLONA FILHO, Rodolfo; VILLATORE, Marco Antonio Cesar. Op. Cit., p. 58. 66 Art. 1o. A Lei no 5.859, de 11 de dezembro de 1972, fica acrescida dos seguintes artigos: o Art. 3 -A. É facultada a inclusão do empregado doméstico no Fundo de o Garantia do Tempo de Serviço - FGTS, de que trata a Lei n 8.036, de 11 de maio de 1990, mediante requerimento do empregador, na forma do regulamento. (grifos nossos) Esta é só mais uma das várias questões controversas no tocante aos direitos dos empregados domésticos. A posição do autor acima citado reflete a impressão do sentimento de profundo desrespeito dos nossos legisladores com essa categoria. No nosso ordenamento jurídico, só pegam as Leis impositivas, 2.4.1. O Fundo de Garantia Por Tempo de Serviço Para Pamplona Filho e Villatore51, esta regra está disposta no art. 7º, III da Constituição Federal de 1988, e, por não ter previsão para os domésticos, acabou gerando a interpretação de que eles não teriam qualquer direito nesse sentido. Segundo os autores, o direito do empregado doméstico sempre foi muito confuso e controverso, prova disso é que, em 11 de maio de 1990, foi promulgada a Lei 8.036/90, que determinava as regras sobre o FGTS. Esta lei praticamente nada acrescentou ao já combalido direito dos domésticos, veja o que dispõe o § 3º, do art. 15 da referida lei: Art. 15. [...] [...] § 3º Os trabalhadores domésticos poderão ter acesso ao regime do FGTS, na forma que vier a ser prevista em lei. A Medida Provisória 1.986/99 e suas reedições, o Decreto 3.361/2000, seguido da Lei 10.208/01 estabeleceram, por fim, a faculdade do empregador de incluir o empregado doméstico no FGTS. 51 PLAMPLONA FILHO, Rodolfo ;VILLATORE, Marco Antonio Cesar. Op. Cit., p. 124/126. 67 Os autores compartilham da ideia de que a característica da facultatividade do direito tem esvaziado a sua aplicação, sendo insignificante o número de trabalhadores domésticos atendidos. A Lei determina a facultatividade da inclusão para o empregado doméstico a critério do empregador, mas afirma que após adesão ao programa do FGTS, esta se torna irretratável. No entanto, Sergio Martins52 não concorda com a posição do caráter irretratável da adesão, pois sendo o depósito do FGTS facultativo e não obrigatório, nada impede que o empregador deixe de pagar o FGTS no curso do contrato de trabalho, pois a Lei não determina penalidades, que só podem ser fixadas por lei e não por decreto. Sobre o mesmo tema, o autor continua lecionando; [...] É a aplicação do principio da legalidade, contido no inciso II do art. 5º da Constituição. Neste ponto, o decreto é ilegal, por dispor além da norma legal. Efetivado o primeiro depósito, o empregador poderá deixar de fazer outros, pois o regime é facultativo e não há penalidade na lei determinando multa por descumprimento. A Lei nº 5.859 também não fixa multa por descumprimento de regras de direito material. Em Direito uma coisa não pode ser e deixar de ser ao mesmo tempo. Ou é ou não é. Não existe meio termo. (grifo nosso) Este é o mesmo posicionamento adotado por Claudia Normando 53 que, entendendo ultrapassado o argumento da inconstitucionalidade da concessão em questão, afirma merecer criticas o caráter facultativo da concessão do FGTS aos domésticos. A autora acredita que deixar a opção da concessão nas mãos do empregador é como tornar ineficaz a possibilidade da concessão. Nesta esteira, Claudia Normando faz a seguinte análise: Não podemos negar a forte desvalorização do trabalho doméstico, devido o caráter cultural que se impõe nesta relação. O empregador preferirá gastar o valor que poderia ser destinado ao depósito do FGTS com o seu próprio lazer ou de sua família. Estamos em uma sociedade neoliberal, na qual o 52 53 MARTINS, Sergio Pinto. Op. Cit., p. 61. NORMANDO, Cláudia Cavalcante. Op. Cit., p. 137. 68 indivíduo é induzido a pensar em si próprio ou a somente pensar no outro quando nada vier a prejudicá-lo. Onde se conclui que leis facultativas dependem de um alto grau de civilidade e solidariedade, ainda não alcançadas pela nossa sociedade. 2.4.2. O Seguro Desemprego Este dispositivo também consta na Constituição Federal de 1988, no art. 7º, II, também sem previsão para os domésticos. Pamplona Filho e Villatore54 explicam que, antes do advento da Constituição Federal de 1988, o Decreto 2.284/86 instituiu o benefício que determinava expressamente no art. 26, caput: ―Terá direito à percepção do benefício o trabalhador conceituado na forma do artigo 3º da Consolidação das Leis do Trabalho‖. Tal prerrogativa excluía os domésticos da possibilidade desse direito. Todavia, segundo os autores, com a entrada em vigor da Lei 10.208/01 - que alterou a Lei 5.859/72, a Lei dos Domésticos -, passaram estes a terem direito ao seguro-desemprego na medida em que o empregador aderisse ao pagamento do FGTS. A Lei 10.208/01, que facultou o acesso ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e ao seguro-desemprego, dispôs da seguinte forma: o o Art. 1 A Lei n 5.859, de 11 de dezembro de 1972, fica acrescida dos seguintes artigos: [...] o Art. 6 -A. O empregado doméstico que for dispensado sem justa causa fará o jus ao benefício do seguro-desemprego, de que trata a Lei n 7.998, de 11 de janeiro de 1990, no valor de um salário mínimo, por um período máximo de três meses, de forma contínua ou alternada. § 1o O benefício será concedido ao empregado inscrito no FGTS que tiver trabalhado como doméstico por um período mínimo de quinze meses nos últimos vinte e quatro meses contados da dispensa sem justa causa. [...] "Art. 6o-B. Para se habilitar ao benefício, o trabalhador deverá apresentar ao órgão competente do Ministério do Trabalho e Emprego: 54 PLAMPLONA FILHO, Rodolfo ; VILLATORE, Marco Antonio Cesar. Op. Cit., p. 127. 69 I - Carteira de Trabalho e Previdência Social, na qual deverão constar a anotação do contrato de trabalho doméstico e a data da dispensa, de modo a comprovar o vínculo empregatício, como empregado doméstico, durante pelo menos quinze meses nos últimos vinte e quatro meses; II - termo de rescisão do contrato de trabalho atestando a dispensa sem justa causa; III - comprovantes do recolhimento da contribuição previdenciária e do FGTS, durante o período referido no inciso I, na condição de empregado doméstico; IV - declaração de que não está em gozo de nenhum benefício de prestação continuada da Previdência Social, exceto auxílio-acidente e pensão por morte; e V - declaração de que não possui renda própria de qualquer natureza suficiente à sua manutenção e de sua família. "Art. 6o-C. O seguro-desemprego deverá ser requerido de sete a noventa dias contados da data da dispensa. o "Art. 6 -D. Novo seguro-desemprego só poderá ser requerido a cada período de dezesseis meses decorridos da dispensa que originou o benefício anterior. Art. 2o . As despesas decorrentes do pagamento do segurodesemprego previsto nesta Lei serão atendidas à conta dos recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT. (grifo nosso) Visando sanar a falha decorrente do caráter facultativo da Lei, a Deputada Almerinda de Carvalho (PMDB-RJ), protocolou Projeto de Lei – PL nº 2619/2003, com intuito de alterar a Lei 5.859/72, para assegurar a todos os trabalhadores domésticos o direito ao beneficio do seguro-desemprego, de forma a desvincular a concessão do beneficio da inscrição no regime geral do FGTS (anexo 1). A referida Deputada sustenta o seu posicionamento com base no art. 2º da Lei 10.208/01, pois, no seu entendimento, não se justifica condicionar o segurodesemprego à existência de conta vinculada do FGTS em nome do empregado doméstico, pois os recursos para pagamento do seguro-desemprego provêm do Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT. Prova da atual postura de alguns legisladores, que atualmente buscam igualdade de direitos a esses trabalhadores, é que outro Projeto de Lei com a mesma finalidade, da Senadora Ana Rita (PT-ES), é o que a Comissão de Assuntos Sociais do Senado acaba de aprovar. Tal Projeto de Lei dá aos empregados 70 domésticos demitidos sem justa causa o direito de receber seguro-desemprego pelo prazo de três meses, mesmo que não tenha conta vinculada no FGTS. Conforme é possível verificar na manchete do Jornal Correio Braziliense, abaixo (anexo 2): Projeto prevê seguro-desemprego para empregados domésticos mesmo sem FGTS Publicação: 10/05/2012 08:00 Atualização: A Comissão de Assuntos Sociais (CAS) do Senado Federal aprovou ontem projeto de lei que dá aos empregados domésticos demitidos sem justa causa o direito de receber seguro-desemprego pelo prazo de três meses, mesmo que não tenham conta vinculada no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Antes de chegar ao Palácio do Planalto para sanção, o projeto, apresentado no ano passado pela senadora Ana Rita (PT-ES), tem que ser aprovado pela Câmara dos Deputados. Para receber o benefício, os domésticos precisarão comprovar vínculo de emprego por, no mínimo, 15 meses ao longo dos últimos dois anos e estar em dia com as contribuições previdenciárias. Impedimento Atualmente, apenas os empregados cujos patrões depositem o FGTS — o que não é obrigatório — têm esse direito. Essa condição é um impedimento para a maioria ter acesso ao seguro. Embora sejam 7 milhões, apenas 2 milhões deles têm carteira assinada. E é bem menor o número dos inscritos no FGTS. No ano passado, segundo dados do Ministério do Trabalho, somente 12 mil empregados domésticos receberam seguro-desemprego. (grifo nosso) 2.5. As Recentes Conquistas da Lei 11.324/2006 De acordo com Pamplona Filho e Villatore55, a Lei 11.324, de 19 de julho de 2006, foi resultado da Medida Provisória 284 de Março de 2006 e modificou consideravelmente artigos da 9.250/95, 8.212/91, 8.213/91, 5.859/72 e ainda revogou dispositivo da Lei 605/49. Embora esta Lei não tenha solucionado a problemática dos direitos dos empregados domésticos, deu um grande passo nesta direção. De acordo com os autores, sucintamente, a referida norma operou as seguintes modificações: o descanso remunerado em feriados, férias de 30 dias corridos, estabilidade para a 55 PLAMPLONA FILHO, Rodolfo; VILLATORE, Marco Antonio Cesar. Op. Cit., p. 58/60. 71 gestante, vedação de descontos referentes à alimentação, vestuário, higiene, moradia e incentivos fiscais. Parece absurdo, mas antes do advento dessa lei, embora todos esses direitos citados acima já fossem incorporados às demais categorias, ainda eram fonte de discussão e divergência em relação aos domésticos e geravam um enorme desgaste nas relações de trabalho dessa categoria. Se a Lei 11.324/06 ainda não resolveu todos os problemas em relação às lacunas e limitações de direito dos domésticos, ao menos pacificou o entendimento sobre alguns ponto, conforme veremos a seguir ao analisarmos as principais alterações da nova lei. 2.5.1. Descanso Remunerado em Feriados A Lei nº 11.324/06, acima citada, revogou, no seu art. 9º, a alínea ―a‖ do artigo 5º da Lei nº 605/49, que excluía os domésticos do gozo dos feriados civis e religiosos. Conforme é possível verificar no artigo abaixo transcrito Art. 9º. Fica revogada a alínea a do art. 5º da Lei nº 605, de 5 de janeiro de 1949. No entendimento de Pamplona Filho e Villatore56, na doutrina e na jurisprudência havia alguns entendimentos no sentido de que os feriados seriam aplicados aos empregados domésticos sob o argumento de que o espírito da Constituição fora o de ampliar os direitos domésticos e de que a alínea ―a‖ também se aplicava aos servidores públicos, sendo que nem por isso eles deixaram de gozar desse direito. Para os autores, tal controvérsia teve fim com a edição da Lei em comento, pois o seu art. 9º revogou a alínea ―a‖ da Lei 605/49, determinando o direito ao descanso em feriados e dias santos para os empregados domésticos, pacificando, dessa forma, essa questão. 56 PLAMPLONA FILHO, Rodolfo ; VILLATORE, Marco Antonio Cesar. Op. Cit., p. 103-104. 72 2.5.2. Férias com 30 dias corridos acrescidas de mais um terço Pamplona Filho e Villatore57 explicam primeiramente o que determina o art. 3º, da Lei 11.324/06, que alterou a Lei 5.859/72, in verbis: Art. 3o O empregado doméstico terá direito a férias anuais remuneradas de 30 (trinta) dias com, pelo menos, 1/3 (um terço) a mais que o salário normal, após cada período de 12 (doze) meses de trabalho, prestado à mesma pessoa ou família. Continuam explicando que o decreto 71.885/73 determina, em seu art. 2º, in verbis: [...] Art. 2º. Excetuando o capítulo referente a férias, não se aplicam aos empregados domésticos as disposições da Consolidação das Leis do Trabalho. Segundo os autores, em função dessa disposição, foi gerada muita polêmica, até a nova Lei estabelecer que os números precisos dos dias de férias são de 30 dias corridos de gozo, remunerados com, pelo menos, um terço a mais que o salário normal após cada período de 12 meses trabalhados para uma mesma pessoa ou família, equiparando, assim, os domésticos aos demais trabalhadores, e confirmando a tendência adotada pela jurisprudência. Importante destacar que os autores, ao fazerem uma análise da previsão original das férias do trabalhador regido pela CLT, lembram que eram determinados 20 dias úteis de gozo, o que foi modificado para o atual sistema de 30 dias corridos, com previsão expressa de escalonamento (art. 130, CLT) e possibilidades de férias proporcionais (art. 146, CLT) ou de pagamento em dobro (art. 137, CLT) por meio do Decreto-Lei 1.535/77. Portanto, se houve alteração na CLT - passando de 20 para 30 dias e, conforme disposto no art. 2º do decreto acima, os domésticos, no tocante às férias, eram regidos pela CLT-, a divergência não fazia sentido, era só aplicar a Lei. 57 PLAMPLONA FILHO, Rodolfo ; VILLATORE, Marco Antonio Cesar. Op. Cit., p. 91-94. 73 2.5.3. Estabilidade à Empregada Gestante A Lei 11.324/06 concedeu à empregada doméstica gestante estabilidade no emprego desde a confirmação da gravidez até 5 meses após o parto, alterando a Lei 5.859/72, conforme disposto no art. 4º-A, que determina: Art. 4º-A. É vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa da empregada doméstica gestante desde a confirmação da gravidez até 5 (cinco) meses após o parto. Anterior a 2006, destacam Pamplona Filho e Villatore58, o empregado doméstico não possuía direito a qualquer espécie de estabilidade provisória. No entanto, em se tratando da doméstica gestante, era só uma questão de interpretação lógico-formal do texto constitucional, pois a estabilidade da trabalhadora gestante está prevista no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT, no art. 10, inciso II, letra ―b‖, in verbis: Art. 10 - Até que seja promulgada a lei complementar a que se refere o Art. 7º, I, da Constituição: [...] II - fica vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa: [...] b) da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto. Ainda de acordo com os autores, o referido inciso I - cuja redação assegura ―relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos da Lei complementar, que preverá indenização compensatória entre outros direitos‖-, por não estar incluído no parágrafo único do art. 7º da Constituição, não se aplicaria aos domésticos. Esse é o entendimento jurisprudencial. 58 PLAMPLONA FILHO, Rodolfo ; VILLATORE, Marco Antonio Cesar. Op. Cit., p. 105. 74 Na contramão desse entendimento, Guilherme Augusto Barros e Sebastião Pinheiro Neto59 lecionavam, mesmo antes da Lei 11.324/06, e destacavam que: [...] os argumentos que negam à empregada doméstica gestante a garantia contra a despedida arbitrária ou sem justa causa são sedutores, isto porque sedimentados sob a lógica formal, tão apreciada pelos que cultivam o apego demasiado ao texto legal. Esses argumentos, contudo, por se basearem na interpretação isolada da norma contida no art. 7º, inciso e parágrafo único, da Constituição da República Federativa do Brasil, mostram-se equivocados. A boa hermenêutica jurídica ensina que, em primeiro lugar, deve-se buscar a razão de ser do direito e de seus princípios, conjugandoos com a interpretação sistemática das normas que se mostrem consentâneas com os institutos em estudo. Assim data maxima venia daqueles que entendem divergentemente, pensamos que o reconhecimento da garantia no emprego da gestante doméstica, ao contrário do que possa parecer, encontra asilo sólido dentro da própria Constituição da República Federativa do Brasil, e está em consonância com os princípios protetivos do Direito do Trabalho. O constituinte, ao estabelecer a garantia em questão, visou amparar a gestante, bem como o nascituro, dando-lhes segurança econômica pelo menos até cinco meses após o parto. Fere portanto o princípio da razoabilidade entender que a condição de doméstica tira dela e do nascituro a proteção que a Constituição definiu para a empregada gestante em geral. (negrito, sublinha nossos) Sergio Martins60 entende que o empregado doméstico não pode ter celebrado contrato de experiência, pois a ele não se aplica a CLT. Entretanto, caso seja outro o entendimento, aplica-se o inciso III da Súmula 244 do Tribunal Superior do Trabalho, no sentido de que não há estabilidade provisória na hipótese de admissão mediante contrato de experiência, visto que a extinção da relação de emprego, em face do término do prazo, não constitui dispensa arbitrária ou sem justa causa. Súmula Nº 244 Do TST Gestante. Estabilidade Provisória (Incorporadas As Orientações Jurisprudenciais Nºs 88 E 196 Da Sbdi-1) - Res. 129/2005, Dj 20, 22 E 25.04.2005 I - O desconhecimento do estado gravídico pelo empregador não afasta o direito ao pagamento da indenização decorrente da estabilidade (art. 10, II, "b" do ADCT). II - A garantia de emprego à gestante só autoriza a reintegração se esta se der durante o período de estabilidade. Do contrário, a garantia restringe-se aos salários e demais direitos correspondentes ao período de estabilidade. (ex-Súmula nº 244 – alterada pela Res. 121/2003, DJ 21.11.2003) 59 BASTOS, Guilherme Augusto Caputo; PINHEIRO NETO, Sebastião. Garantia no emprego da gestante doméstica. In: Revista Jurídica Trimestral Trabalho e Doutrina. São Paulo: Saraiva, n. 9, jun. 1996. p. 41. 60 MARTINS, Sergio Pinto. Op. Cit., pp. 101-102. 75 III - Não há direito da empregada gestante à estabilidade provisória na hipótese de admissão mediante contrato de experiência, visto que a extinção da relação de emprego, em face do término do prazo, não constitui dispensa arbitrária ou sem justa causa. (ex-OJ nº 196 da SBDI-1 - inserida em 08.11.2000) Embora tenha sido levantada essa questão com a finalidade de demonstrar mais uma das tantas polêmicas do direito dos domésticos, tal discussão não tem mais razão de ser, em vista da vigência da Lei 11.324/06, que expressamente garantiu o direito à estabilidade às empregadas domésticas gestantes. 2.5.4. Vedação de Descontos De acordo com Sergio Martins61, a partir da vigência da Lei 11.324/06, não podem mais ser feitos descontos de utilidades no salário do empregado doméstico, ainda que eles estivessem sendo feitos diante da regra imperativa da Lei. Uma das grandes vantagens desta lei foi a proibição do empregador de realizar descontos no salário do empregado doméstico em razão do fornecimento de alimentação, vestuário, higiene ou moradia. Visando uma melhor compreensão sobre o tema, observe o que determina o art. 2º-A abaixo transcrito: Art. 2º-A. É vedado ao empregador doméstico efetuar descontos no salário do empregado por fornecimento de alimentação, vestuário, higiene ou moradia. (grifo nosso) O parágrafo 1º do art. 2º determina, referente à moradia, em quais condições é possível o desconto e que tal possibilidade depende de acordo entre as partes contratadas, o que definitivamente não era praticado, pois o empregador doméstico fazia descontos que julgava serem necessários. Abaixo o § 1º, in verbis: § 1º. Poderão ser descontadas as despesas com moradia de que trata o caput deste artigo quando essa se referir a local diverso da residência em que ocorrer a prestação de serviço, e desde que essa possibilidade tenha sido expressamente acordada entre as partes. 61 MARTINS, Sergio Pinto. Op. Cit., p. 54-56. 76 O parágrafo 2º do art. 2º é auto-explicativo. O legislador vedou a incorporação na remuneração do empregado, para quaisquer efeitos, dos valores despendidos com as despesas citadas acima, negando às mesmas natureza salarial, conforme é possível observar com a transcrição do § 2º abaixo: § 2º As despesas referidas no caput deste artigo não têm natureza salarial nem se incorporam à remuneração para quaisquer efeitos. Essa é mais uma questão resolvida no direito do trabalho doméstico. Com vigência da Lei 11.324/06, ficaM proibidoS os descontos dos salários destes empregados a critério único e exclusivo do empregador. 2.5.5. Incentivos Fiscais Por último, a lei 11.324/06 modificou o art. 12 da Lei 9.250/95 e o art. 30 da Lei nº 8.212/91, que passa a vigorar acrescido do § 6º, todas modificações de cunho fiscal. Segundo a exposição de Plamplona Filho e Villatore62, esta Lei instituiu alterações de ordem fiscal, que possibilitaram ao empregador, até o exercício de 2012 (ano calendário de 2011), deduzir a contribuição patronal paga à Previdência Social, incidente sobre o valor da remuneração do empregado, desde que limitada a um empregado doméstico por declaração, aplicando-se o mesmo às declarações em conjunto e ao valor recolhido no ano calendário a que se referir a declaração. Ainda segundo os autores, esta dedução deve ser calculada sobre 01 (um) salário mínimo nacional mensal, sobre o 13º salário e sobre a remuneração adicional de férias (1/3). Esta declaração fica condicionada à comprovação da regularidade do empregador doméstico perante o regime geral de previdência social, quando se tratar de contribuinte individual. Neste capítulo, foi demonstrada a evolução dos direitos dos trabalhadores domésticos e em que contexto histórico surgiu o trabalho doméstico no Brasil. 62 PLAMPLONA FILHO, Rodolfo ; VILLATORE, Marco Antonio Cesar. Op. Cit., p. 59. 77 Analogamente, apresentamos as Leis esparsas que já disciplinavam os direitos dessa categoria antes da aprovação de legislação específica, a Lei 5.859/72, conhecida como a Lei dos Domésticos. Foi abordada a importância do papel da Constituição Federal para os empregados em geral e para os empregados domésticos. Discorremos que, embora o texto legal seja fundamentado nos princípios da igualdade e dignidade da pessoa humana, violou esses princípios ao impor aos empregados domésticos uma limitação de direitos, conforme disposto no art. 7º, § único. Foram citados os direitos pertinentes à categoria dos empregados domésticos de acordo com a Constituição e a Lei dos Domésticos, assim como foram relacionados outros direitos decorrentes de outros diplomas legais, incluindo aí a Lei 11.324/06, que ampliou os direitos dos trabalhadores domésticos. Ademais, foi demonstrada, neste trabalho, a dificuldade dos empregados domésticos em terem seus direitos trabalhistas reconhecidos. Sendo muitos dos pontos controversos questão de pura interpretação literal da lei sem considerar os princípios norteadores do Direito. No próximo capitulo adentramos na discussão propriamente dita sobre a limitação de direitos dos domésticos, foco principal da nossa pesquisa, abordando especialmente a questão da violação dos princípios constitucionais de igualdade e da proteção da pessoa humana. 78 CAPÍTULO III 3. CONSIDERAÇÕES SOBRE A LIMITAÇÃO DOS DIREITOS DOS TRABALHADORES DOMÉSTICOS NO BRASIL O trabalho doméstico é uma das atividades laborais mais antigas existentes no mundo, mas, embora componham uma categoria muito antiga, os domésticos sempre foram excluídos, assim como sempre estiveram às margens da legislação trabalhista mundo afora. Nosso país não fugiu à regra. O direito dos empregados domésticos no Brasil é proveniente de uma cultura escravocrata, que utilizou a mão-de-obra dessa categoria de forma exploratória, utilizando, por vezes, como contraprestação pelos serviços prestados, somente a comida e a casa para morar. Infelizmente, a nossa legislação, em muito contribuiu para fincar as raízes do preconceito contra essa classe de trabalhadores. 3.1. O Papel do Trabalhador Doméstico na História do Brasil Plamplona Filho e Villatore63 lecionam que, no Brasil, vários foram os fatores sociológicos e econômicos que contribuíram para que esta gama de trabalhadores tivesse essa característica tão desvalorizada. Diversos foram e são, até hoje, os argumentos utilizados para justificar a diferença imposta entre a classe de trabalhadores comuns e os trabalhadores domésticos. Para os autores, a diferença começa pela relação de confiança, fator essencial ao emprego doméstico. Relação que garantiria ao empregador e ao doméstico um tratamento diferenciado por parte do legislador, que talvez por esse motivo tenha sido tão econômico, mitigando os direitos outorgados a essa classe de trabalhadores. 63 PLAMPLONA FILHO, Rodolfo ; VILLATORE, Marco Antonio Cesar. Op. Cit., p. 48. 79 Continuam afirmando que outro fator importante é a questão do local de trabalho. De acordo com o art. 1º da Lei 5.859/7264 abaixo transcrito, a prestação do trabalho deve ser feita no âmbito familiar. Art. 1º Ao empregado doméstico, assim considerado aquele que presta serviços de natureza contínua e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família no âmbito residencial destas, aplica-se o disposto nesta lei. (sublinhei) Ainda segundo os autores, tal imposição, novamente dificulta a correta aplicação do direito do doméstico, pois sendo o lar, por força de lei constitucional, local inviolável, fato que impede qualquer forma de fiscalização do poder público, é sem dúvida um obstáculo a transpor, pois na impossibilidade de fiscalizar, é inviável ao poder público proteger o contrato de trabalho do doméstico. Os autores confirmam seu posicionamento incluindo o ponto de vista de Mozart Victor Russomano, extraído da obra ―Comentários à CLT‖65, sobre a questão da fiscalização. [...] Mozart Victor Russomano entende, inclusive, que constitucional da garantia inviolabilidade do domicílio, impedindo qualquer forma de fiscalização do Poder Público (Delegacia Regional do Trabalho, atualmente Superintendência) é o maior obstáculo para uma melhor proteção legal ao contrato de trabalho doméstico, Complementa afirmando que de nada adianta existirem leis protetoras se o Estado não pode fiscalizá-las e, consequentemente, fazer cumpri-las. Para traçar o perfil atual da situação dos empregados domésticos no Brasil, no quesito sexo, salário, raça, escolaridade, formalidade, jornada de trabalho etc, fizemos uso de dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE66, por meio da Pesquisa Mensal de Emprego – MPE. A pesquisa foi realizada em 26 de abril de 2006 e apresenta os seguintes dados: 64 Lei 5.859/72, que dispõe sobre o empregado doméstico. RUSSOMANO, Mozart Victor. Comentários à CLT (Vol. 1).13 ed. Rio de Janeiro, Editora Forense, 1990, pág. 32. 66 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. Disponível em: <HTTP//www.ibge.com.br/.home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=586&id_pagina =. Acesso em:10 de maio 2012 65 80 A Pesquisa Mensal de Emprego do IBGE estimou em 1,6 milhão o número de trabalhadores domésticos nas seis principais regiões metropolitanas do País. Entre eles, a predominância de mulheres (94,3%) e de pretos e pardos (61,8%) é evidente, bem como a de pessoas com menos de oito anos de estudo (64%). Esta participação, no entanto, chegava a 71% em 2002. Em média, os trabalhadores domésticos recebem 35% do rendimento médio da população ocupada nas áreas investigadas e somente 34,4% deles têm carteira de trabalho assinada. Apenas 3,4% daqueles trabalhadores moravam no domicílio em que trabalhavam e 81,9% deles trabalhavam em apenas um domicílio. A pesquisa (anexo 3) mostra que a predominância de trabalhadores domésticos no Brasil é de mulheres. Entre eles, 94,3% são mulheres e tal predominância ocorre em todas as regiões pesquisadas. Conforme tabela fornecida pelo IBGE : Fonte: Internet WWW.ibge.gov.br E que o trabalho doméstico é uma das mais precárias formas de inserção no mercado de trabalho devido aos baixos rendimentos auferidos, sendo que as regiões de Recife e Salvador apresentaram as maiores discrepâncias no quesito rendimento/hora. Conforme se visualiza na tabela abaixo: 81 Fonte: Internet WWW.ibge.gov.br Mostra, ainda, que quase um terço (27,5%) dos trabalhadores domésticos recebem menos de um salário mínimo, e entre os sem carteira assinada essa parcela chega a 40,4%. No entanto, 79,9% dos trabalhadores domésticos com carteira assinada recebem entre um salário mínimo e menos de dois salários Fonte: Internet WWW.ibge.gov.br No quesito raça, a pesquisa confirma que os trabalhadores domésticos negros ou pardos representavam uma proporção maior da população ocupada. No agregado das seis regiões metropolitanas pesquisadas, os negros e pardos representavam 61,8% dos trabalhadores domésticos, contra 38% dos domésticos brancos. Fonte: Internet WWW.ibge.gov.br Quanto à escolaridade, em março de 2006, apenas 7,8% dos trabalhadores 82 domésticos frequentavam a escola e apenas 2,7% frequentavam curso supletivo ou de alfabetização. Fonte: Internet WWW.ibge.gov.br A pesquisa ressalta que houve alteração no grau de escolaridade entre os anos de 2002 a 2006, sendo que o número médio de anos de estudo passou de 5,4 para 5,9 anos. Neste período, para a população ocupada esta estimativa saiu de 8,7 anos para 9,2 anos. Fonte: Internet WWW.ibge.gov.br Quanto ao quesito formalidade, a pesquisa mostra que, no agregado das seis regiões metropolitanas, o percentual de trabalhadores domésticos trabalhando sem carteira assinada chegou a quase dois terços (65,6%). E ressalta que, em comparação com os empregados no setor privado, esta desigualdade torna-se mais evidente visto que aqueles sem carteira de trabalho assinada equivaliam a 26,0% dos empregados no setor privado. 83 Fonte: Internet WWW.ibge.gov.br Em relação à jornada de trabalho, a pesquisa apresenta dados que demonstram que os trabalhadores domésticos cumpriam uma jornada média inferior à da população ocupada, ou seja, no total das seis regiões pesquisadas as outras categorias ocupadas trabalhavam em media 41,9% de horas habituais e 39,7% de horas efetivas, contra 39,7% de horas habituais e 36% de horas efetivas dos trabalhadores domésticos. Figura 19 Fonte: Internet WWW.ibge.gov.br A pesquisa ainda traz outros importantes dados no tocante aos trabalhadores domésticos, que podem ser verificados no anexo 3. Importante destacar que todas essas questões fazem do direito do trabalhador doméstico assunto controverso e, por este motivo, merece ser melhor avaliada do ponto de vista histórico, sociológico e legislativo, com o intuito de explicar os fatores que levaram ao tratamento de desigualdade desses trabalhadores com relação às demais categorias. 84 3.2. Direitos e garantias comuns aos demais trabalhadores não garantidos aos trabalhadores domésticos: uma questão de violação aos princípios fundamentais da Constituição Federal De acordo com pesquisa realizada, apresentamos, a seguir, alguns direitos e garantias não assegurados aos trabalhadores domésticos, tendo por base a Constituição Federal e a análise da legislação específica pertinente a essa categoria. Esta classe de trabalhadores, conforme demonstramos anteriormente, foi, e continua sendo, uma classe desprestigiada pela legislação, pela sociedade, e também pela Constituição Federal vigente. Veremos, a seguir, que a nossa Constituição é fundamentada em vários princípios, dentre eles o princípio da igualdade e o principio da dignidade da pessoa humana, sendo que o primeiro assegura que ―todos são iguais perante a lei‖ e o segundo garante que o fundamento da nossa República ―[...] é a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana e o pluralismo político‖. Todavia, no tocante aos trabalhadores, observamos, constantemente, direitos básicos serem violados e, para outras categorias de trabalhadores, em especial os trabalhadores domésticos, esses mesmos direitos nem sequer são assegurados, sendo tal situação uma verdadeira afronta aos princípios basilares da Constituição. Claudia Normando67 disciplina que dois aspectos são relevantes para entender o fundamento jurídico da concessão dos direitos abaixo relacionados. O primeiro é que o parágrafo único do art. 7º da Constituição Federal não é taxativo, pois não proíbe aos domésticos outros direitos além dos que estão ali relacionados. Para a autora, o que se deve questionar é a interpretação feita de forma restritiva e limitada do dispositivo, pois este não pode ser visto isoladamente no texto constitucional. De acordo com a autora, o segundo aspecto a ser avaliado trata da supremacia dos direitos humanos diante da legislação nacional. A esse respeito ela assegura: 67 NORMANDO, Cláudia Cavalcante. Op. Cit., pp. 142-143. 85 [...] O Brasil, quando ratifica tratados internacionais, compromete-se a introduzir no âmbito interno o raciocínio, a interpretação mais favorável ao ser humano. Isso no Direito do Trabalho é individualizado por inúmeros princípios de proteção ao empregado, dentre os quais o da interpretação das disposições trabalhistas de forma a conceder maiores benefícios à parte hipossuficiente na relação laboral. Dessa forma, a autora conclui não ser mais permitido aos juízes se apegarem somente à letra seca da lei; afinal, a eles é dado o poder da discricionariedade, e, ao fazer a análise do caso concreto, os mesmos têm a possibilidade de aplicar os princípios constitucionais, construindo, assim, jurisprudência capaz de fomentar uma verdadeira mudança na legislação, reforçando o caráter dinâmico do direito. a) Jornada Limitada de Trabalho e Adicional de Horas Extraordinárias Veja que a CLT excluiu os domésticos da aplicação desta consolidação do trabalho, conforme disposto no art. 7º, ―a‖, Dessa forma, não pode ser aplicada a estes trabalhadores a regra da jornada de trabalho. A Lei 5.859/72 (Lei dos Domésticos) também não determinou a jornada de trabalho. E, finalmente, a Constituição Federal de 1988, segundo o art. 7º, inciso XIII, prevê que a duração do trabalho não pode ser superior a 8 horas diárias e 44 horas semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho. Contudo, infelizmente, a Constituição Federal não estendeu esse direito aos domésticos. E, em decorrência disso, segundo Claudia Normando68, o entendimento quase unânime é de que se a lei não estipula a jornada de trabalho dos domésticos, não há que se falar em horas extraordinárias, muito menos em adicional de 50%, por absoluta falta de previsão legal. Entretanto, partilhamos da posição adotada por Claudia Normando, entendendo ser errônea essa posição. Pois o fato de não haver previsão legal com abrangência aos domésticos não pode servir de desculpas para o poder público deixar desprotegida uma classe de trabalhadores. 68 NORMANDO, Cláudia Cavalcante. Op. Cit., p. 143. 86 Claudia Normando69 afirma que o Brasil, no intuito de evitar conflitos entre a norma interna e a internacional, assinou ―[...] a Convenção Americana de Direitos Humanos que prevê o principio da prevalência dos direitos mais vantajosos para a pessoa humana‖ e que, na vigência simultânea de vários normativos, quando tratar-se de matéria de direitos humanos, deve ser aplicada a norma mais favorável, que proteja o ser humano. A autora concluiu afirmando que, embora as normas internacionais não estabeleçam o limite máximo da jornada de trabalho, a Constituição prevê esse direito aos trabalhadores urbanos e rurais, então por ‖[...] analogia devemos aplicar o respectivo dispositivo aos domésticos [...]‖. b) Adicional Noturno, de Periculosidade e de Insalubridade São acréscimos ao salário em vista de trabalho exercido em condições especiais, tais como o trabalho exercido no turno da noite, o trabalho exercido em ambiente que possa causar perigo a integridade física do trabalhador e o trabalho exercido com materiais nocivos à saúde do trabalhador. Esses adicionais, assim como as horas extraordinárias, não têm previsão legal para os empregados domésticos. Segundo a autora supra citada, na Lei 5.859/72 não há previsão de pagamento desses adicionais. E a Constituição elencou os adicionais no rol do art. 7º, incisos IX e XXIII, porém não os incluiu no parágrafo único, como direitos estendidos aos domésticos. Para a autora, a finalidade do adicional noturno é proteger o trabalhador, em razão do desgaste físico e mental que exige o labor noturno, além da privação do descanso e da companhia da sua família. Quando o doméstico trabalhar além do horário normal em evento que exija a sua presença para servir a família além das 22 horas, deve o empregador fazer a compensação das horas ou, então, pagar o adicional noturno, sob pena de estar praticando ato ilícito, tendo em vista o princípio da igualdade e da busca da norma mais benéfica para o trabalhador. No entanto, de acordo com a autora, não é devido adicional noturno para o 69 NORMANDO, Cláudia Cavalcante. Op. Cit., pp. 145-146. 87 empregado só porque ele dorme na residência, o que deve existir neste caso é o bom senso, para saber discernir que, embora o empregado durma na residência isso não o obriga a exercer atividades além do horário estritamente acertado com o empregador. Só será considerado trabalho noturno do doméstico se este estiver cumprindo ordens do empregador com intuito de cumprir determinadas tarefas. A autora finaliza informando que o adicional de periculosidade e de insalubridade não são devidos aos domésticos, pois não se admitem condições que não as naturais num ambiente familiar, sendo uma situação impensável a situação de perigo excepcional e insalubridade para a família e para o empregado doméstico também. c) Salário-Família Conforme disciplina a autora em comento, o salário família é um direito previdenciário, instituído com o objetivo de ajudar o empregado no sustento da família, é devido quando o empregado tem dependentes menores de 14 anos ou inválidos. O fundamento da concessão deste benefício é a proteção da criança e do adolescente. No entanto, a Lei dos Domésticos (Lei 5.859/72) não previu esse beneficio. Plamplona Filho e Villatore70 asseguram que a Constituição Federal de 1988, embora tenha previsto esse beneficio, não o estendeu aos domésticos, sendo seguida pela legislação infraconstitucional nº 8.213/91, que dispõe sobre os Planos de Benefício da Previdência Social, conforme se verifica no dispositivo do art. 65, que assegura: Art. 65. O salário- família será devido, mensalmente, ao segurado empregado, exceto o doméstico, e ao segurado trabalhador avulso, na proporção do respectivo número de filhos ou equiparados nos termos do § 2º do art. 16 desta Lei, observado o disposto no art. 66. (grifo nosso) Claudia Normando ressalta que este benefício não é uma adicional de salário. Trata-se de um valor concedido pela Previdência Social, através do trabalhador 70 PLAMPLONA FILHO, Rodolfo / VILLATORE Marco Antonio Cesar. Ob. Cit., p. 118/119 88 empregado, contribuinte do sistema previdenciário, destinado a ajudar no cuidado com os filhos menores, e, excluir os trabalhadores domésticos desse benefício seria descriminá-los em relação aos empregados comuns. d) Indenização por Despedida Arbitrária ou Sem Justa Causa Claudia Normando71 ensina que a Constituição Federal - no art. 7º, inciso I prevê a proteção do trabalhador contra a despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, prevendo indenização compensatória. A autora cita dois normativos para reforçar a tese de que esse direito deve ser garantido aos empregados domésticos. Conforme é possível extrair da análise dos dispositivos abaixo relacionado: O Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) art. 10, I dispõe: Art. 10 - Até que seja promulgada a lei complementar a que se refere o Art. 7º, I, da Constituição: I – fica limitada a proteção nele referida ao aumento, para quatro vezes, de percentagem prevista no art. 6º, ―caput‖ e § 1º da Lei nº 5.107, de 13 de setembro de 1966; Na Lei 8.036/90, os §§ 1º e 2] do art. 18 prevêem: [...] Art. 18. [...] § 1º. Na hipótese de despedida pelo empregador sem justa causa, depositará este , na conta vinculada do trabalhador no FGTS, importância igual a 40% (quarenta por cento) do montante de todos os depósitos realizados na conta vinculada durante a vigência do contrato de trabalho, atualizados monetariamente e acrescido de juros. § 2º. Quando ocorrer despedida por culpa recíproca ou força maior, reconhecida pela Justiça do Trabalho, o percentual de que trata o § 1º será de 20% (vinte por cento). Entretanto, a autora entende que o cálculo da indenização tem por base os depósitos realizados na conta vinculada do trabalhador ao FGTS, e como o acesso ao FGTS, no caso do empregado doméstico, é um direito facultativo, depende da vontade do empregador em aderir ao sistema do FGTS, por esse motivo muitos entendem que essa categoria não faz jus à indenização. Todavia, na opinião da autora, esse entendimento contraria os princípios de 71 NORMANDO, Cláudia Cavalcante. Op. Cit., p. 148. 89 igualdade e de proteção do trabalhador. A legislação referente ao FGTS deve ser modificada no sentido de obrigar o empregador ao pagamento do FGTS, e garantir o direito à indenização ao empregado doméstico. Conforme já citamos acima, as leis que facultam deveres tradicionalmente não pegam em nosso país. Sobre a responsabilidade civil decorrente do dano, disciplina Luciane Berzotto72: [...] a posse e a propriedade de bens materiais ou imateriais, o direito à vida, à saúde, à qualidade de vida são valores incorporados ao acervo patrimonial do ser humano e assegurados por normas de direito natural e direito positivo. A ninguém é lícito subtrair bens da esfera jurídica de outrem. A ofensa a tais bens caracteriza o dano que necessita ser reparado ou indenizado, restituindo-se ou compensando-se ao titular as perdas sofridas. Os danos a serem indenizados, a que a autora se refere, são os de atos ou fatos lesivos diversos, decorrentes ou relacionados à ação humana prevista ou não. Para Pamplona Filho e Pablo Gagliano 73, a natureza jurídica da responsabilidade civil será sempre sancionadora. Sendo a sanção a consequência lógico-jurídica de um ato ilícito que, de acordo com os autores, tem três funções: retornar as coisas ao status quo anterior, punir o ofensor e a terceira, de cunho sócioeconômico, tornar público que condutas semelhantes não serão toleradas. e) Multa por atraso no pagamento das verbas rescisórias A esse respeito, Claudia Normando74 entende que o direito à multa pelo atraso no pagamento das verbas rescisórias tem previsão no art. 477, § 8º, da CLT, e, conforme já foi dito, a CLT não se aplica aos domésticos, por força do art. 7º, ―a‖. A Constituição não dispôs sobre a multa em questão, e, em decorrência disso, a doutrina e a jurisprudência entendem não se aplicar ao doméstico esse direito. 72 BARZOTTO, Luciane Cardoso; STÜMER, Gilberto; STÜMER, Amélia Elisabeth Baldoino da Silva [et al.]. Questões controvertidas do Direito do Trabalho e outros estudos. Porto Alegre, Livraria do Advogado Ed., 2006. p. 119. 73 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil (Volume III – Responsabilidade Civil ). 8 ed. São Paulo: Saraiva, 2010, pp. 62-63. 74 NORMANDO, Cláudia Cavalcante. Op. Cit., p. 149-150. 90 Para efeito de esclarecimento, a multa é devida quando o empregador não observa os prazos para pagamento das verbas rescisórias, conforme disposto no art. 477, § 6º, alíneas ―a‖ e ―b‖,in verbis: Art. 477. [...] [...] § 6º. O pagamento das parcelas constantes do instrumento de rescisão ou recibo de quitação deverá ser efetuado nos seguintes prazos: a) Até o primeiro dia útil imediato ao término do contrato imediato ao termo do contrato, ou b) Até o décimo dia contado da data de notificação da demissão, quando da ausência do aviso prévio, indenização do mesmo ou dispensa do seu cumprimento. Entretanto, para a autora, a omissão da legislação doméstica não pode servir de fundamento para praticar ato lesivo ao trabalhador, as verbas rescisórias trabalhistas são de caráter alimentar, dessa forma não pode o empregador dispor das quantias devidas ao trabalhador quando bem quiser, sob o risco de desproteger não só o trabalhador, mas também os seus dependentes. Não podemos esquecer também o caráter obrigacional da relação trabalhista, onde o trabalhador presta determinado serviço, e, em contrapartida, deve receber um pagamento pelo serviço prestado. Nesta situação, continua a autora, quando o serviço já foi executado e o contrato de trabalho desfeito, não pode o empregador reter, mesmo que provisoriamente, os valores devidos ao empregado, sob risco de estar praticando apropriação indébita, podendo inclusive ter que indenizar o empregado. Com base no art. 927 do Código Civil, tal atitude deve ser combatida. O pagamento da multa, neste caso, é uma forma de inibir tal postura por parte do empregador, obrigando-o a fazer a contraprestação pelo serviço prestado no tempo hábil. Em decorrência disso, conclui a autora, não é aceitável a posição da doutrina e da jurisprudência, por força dos princípios constitucionais de igualdade, de proteção da pessoa humana e do principio de proteção ao trabalho. 91 f) Auxílio-Acidente, Aposentadoria por Invalidez Acidentária e Estabilidade por Acidente de Trabalho Como bem disciplina Plamplona Filho e Villatore75, a legislação sobre acidentes de trabalho ―[...] é um bom exemplo do vaivém que se tornou a proteção legal do doméstico, com inclusões e exclusões da tutela estatal, ao sabor dos ventos governamentais‖. Para os autores, atualmente os institutos acima não são aplicáveis aos empregados domésticos por força do art. 18, § 1º da Lei 8.213/91, nos seguintes termos: Art. 18. [...] § 1º. Só poderão beneficiar-se do auxílio-acidente e das disposições especiais relativas a acidentes de trabalho os segurados e respectivos dependentes, mencionados nos incisos I, IV e VII do art. 11 desta Lei, bem como os presidiários que exerçam atividade remunerada. Ocorre que, para os autores, os domésticos estão inseridos no inciso II desta Lei, o que fundamenta a não aplicação aos domésticos das regras relativas ao acidente de trabalho. No entanto, para alguns doutrinadores, como por exemplo Sergio Martins 76 , além da impossibilidade acima citada, ainda resta a do art. 19 desta mesma lei. O referido artigo estabelece regras à empresa e, em hipótese alguma, o empregador doméstico pode ser considerado empresa. Para embasar ainda mais esse entendimento, Claudia Normando77 assegura que a Constituição Federal, no art. 7º, inciso XXVIII dispõe sobre o acidente de trabalho e não estende esses direitos aos empregados domésticos. A estabilidade por acidente de trabalho é também considerada inaplicável aos domésticos, primeiro porque esse benefício não está incluso no art. 7º, § único, e, depois, devido ao art. 18, 75 76 77 PLAMPLONA FILHO, Rodolfo; VILLATORE, Marco Antonio Cesar. Op. Cit., pp. 119-120. MARTINS, Sergio Pinto. Op. Cit., p. 124. NORMANDO, Cláudia Cavalcante. Op. Cit., p. 152. 92 § 1º da Lei 8.213/91. Contudo, conforme já citado no capitulo II deste trabalho, a legislação referente aos domésticos - no tocante a vários aspectos, inclusive em relação aos direitos sobre acidentes de trabalho - é muito controversa, sofre um verdadeiro vai e vem, ao sabor da vontade do legislador. O Decreto 3.724/19 foi o primeiro a tratar do trabalhador acidentado, sendo substituído pelo Decreto 24.637/34, que excluiu os domésticos do benefício da Lei de Acidentes do Trabalho. Já o Decreto 7.036/44, dispôs sobre a proteção acidentária, e embora não tenha expressamente incluído os domésticos, isto ficou subentendido pela narração do art. 8º, e art. 9º, § 1º, que consideram empregador, para o efeito da Lei: a empresa, individual ou coletiva, as instituições de beneficência, as associações recreativas e demais instituições sem fins lucrativos, assim como o empregador doméstico. Todavia, para a autora, atualmente, em vista do art. 18, § 1º, esse direito não é mais aplicado aos domésticos, o que, no mínimo, deveria ser considerado inconstitucional em vista de infringir o princípio da Igualdade, que, além de previsto na Constituição, é unânime nos principais documentos reguladores dos direitos humanos. Tal impossibilidade de concessão fere de morte os princípios mais elementares de proteção do trabalho humano. g) Estabilidade à Gestante Claudia Normando78, disciplinando sobre a estabilidade à gestante, explica que a Constituição estabeleceu garantia de emprego à mulher em razão da maternidade, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto, conforme art. 10, ‖b‖, do ADCT. A autora apresenta a polêmica em torno das duas posições doutrinárias: A primeira entende que às domésticas é garantida a estabilidade devido ao fato de a gravidez ser fato idêntico para qualquer mulher, de qualquer profissão. A estabilidade quer proteger a maternidade, tanto que o legislador constitucional estendeu às empregadas domésticas o direito à licença78 NORMANDO, Cláudia Cavalcante. Op. Cit., p. 153. 93 materidade. A posição contrária esclarece que a análise da igualdade fática não interessa à problemática de concessão de direitos e garantias. O que importa é a previsão legal, e esta não garante às domésticas a estabilidade prevista no texto constitucional, pois o art. 10, II, ―b‖, do ADCT, reporta-se ao art. 7º, inciso I, da Carta, segundo o qual o benefício não foi estendido à categoria dos domésticos, por força do parágrafo único do mesmo Artigo (7º). Para Plamplona Filho e Villatore79, a doutrina era praticamente unânime no entendimento de que não era possível a aplicação da estabilidade à gestante doméstica por falta de dispositivo legal. No entanto, atualmente, essa discussão já está superada. Depois da Lei 11.324/06, a empregada doméstica gestante ganhou estabilidade, sendo vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa desde a confirmação da gravidez até 5 (cinco) meses após o parto. 3.3. A Valorização do Trabalho Doméstico no Sistema Jurídico Brasileiro Diante do exposto, é possível verificar que o trabalho do empregado doméstico nunca foi e continua não sendo valorizado no sistema jurídico brasileiro, prova disso é a legislação que regulamenta os direitos dessa categoria e o entendimento que boa parte da doutrina e da jurisprudência faz dessa legislação. A legislação que trata dos direitos dos empregados domésticos é confusa, desconexa, omissa e falha. E deixa a desejar sob vários aspectos, principalmente no tocante à proteção, fiscalização, seguridade e garantias dos direitos mais elementares dispensados a qualquer trabalhador. Esta categoria de trabalhadores sofre as mais variadas discriminações, mas o que gera discussão sobre a controvertida temática dos direitos trabalhistas dos domésticos é a própria legislação em vigor, que criou uma classe de trabalhadores à parte, chamada de ―especial‖, considerada por muitos ―uma extensão da família‖. O que não deixa de ser uma hipocrisia, pois se assim fossem considerados seriam tratados de maneira diversa da atual. 79 PLAMPLONA FILHO, Rodolfo ;VILLATORE, Marco Antonio Cesar. Op. Cit., p. 121. 94 Embora já tenha sido comentado, é importante frisar que, anteriormente à CLT, as leis de proteção do trabalho eram esparsas e que o advento da CLT foi um avanço comemorado por todos os trabalhadores brasileiros, com exceção dos empregados domésticos, que, ao contrário, nada tiveram a comemorar, pois foram excluídos da proteção dessa Lei. Mais adiante foi aprovada a Lei 5.859/72, conhecida por Lei dos Domésticos, dispondo sobre alguns direitos, mas que pouco contribuiu para resolver a situação de desigualdade dos empregados domésticos em relação aos demais trabalhadores. A Constituição Federal de 1988 gerou euforia para os trabalhadores, pois, no seu no art. 7º, elencou um rol de direitos a todos os empregados. Nossa Carta Magna tem por fundamento o da igualdade, que afirma sermos ―todos iguais perante a Lei‖, no entanto contrariou a própria norma ao limitar os direitos dos empregados domésticos. Somente em 2006, com a Lei 11.324, houve estipulação de mais alguns direitos referentes os empregados domésticos. Entretanto, é importante ressaltar que não se trata de nenhum avanço. O que a referida Lei fez foi conceder alguns direitos já comuns às outras categorias. Os nossos legisladores, no decorrer dos últimos trinta e seis anos, vêm mitigando a concessão de direitos para os empregados domésticos. Daí conclui-se que o nosso sistema jurídico não tem dado o devido valor a esta importante e necessária categoria de trabalhadores, 3.3.1 A Questão Social Em torno deste importante tema, dos direitos dos empregados domésticos, há uma questão social, envolvendo um relevante aspecto, que é a discriminação, gerado pelo preconceito ao qual é submetida essa classe de trabalhadores. Primeiramente, se faz necessária a distinção entre a palavra ―preconceito‖ e a palavra ―discriminação‖. Segundo Brito Filho80, ―[...] damos ao vocábulo discriminação 80 BRITO FILHO, José Cláudio Monteiro de. Discriminação no Trabalho. São Paulo: Ed. LTr, 2002. P. 40 95 a definição restrita da forma de exteriorização do preconceito, ou seja, entendemos a discriminação como o preconceito em sua forma ativa‖. Para Cláudia Normando81, a diferença entre estes vocábulos é relevante, posto que a proteção jurisdicional efetiva-se a partir do momento em que o preconceito se exterioriza causando uma lesão à parte discriminada, daí não ser possível, segundo a autora, aceitar mecanismos ou situações que deem margem à discriminação. Ainda de acordo com a autora, ―A discriminação é fruto da desigualdade, podendo ocorrer quando o próprio legislador trata desigualmente os clientes das leis, violando o princípio da igualdade e criando situações discriminatórias. [...]‖ Para a autora, trazendo essa questão para o trabalho doméstico, veremos que esse labor é impregnado por situações de preconceito, violando vários princípios, entre eles, o principio constitucional da igualdade, que diz sermos ―todos iguais perante a lei sendo vedada qualquer distinção‖, e o principio do Direito do Trabalho, principio da não-discriminação que determina a aferição se a justificativa da diferenciação é legítima ou não. Observe a continuação do posicionamento da autora acima citada sobre a questão da discriminação do empregado doméstico de acordo com a legislação vigente: [...] A legislação obreira doméstica, condicionada por elementos históricos, formalmente discrimina o trabalhador doméstico quando estabelece reduzidos direitos à categoria. Não se trata de situações peculiares do emprego doméstico. A Lei estabelece tratamento desigual, como por exemplo, a ausência de garantia aos domésticos de uma jornada limitada; de estabilidade de emprego à gestante; de pagamento de adicional noturno; de horas extras, etc. Constantemente observamos, na nossa sociedade, situações que discriminam essa categoria de trabalhadores das mais variadas formas, inclusive em situações que a nossa sociedade julga ser absolutamente normais. 81 NORMANDO, Cláudia Cavalcante. Op. Cit., p. 11-117. 96 Exemplo disso, segundo a autora, é a distinção do elevador de serviço e do elevador social em alguns prédios residenciais ou comerciais. O condomínio determina que empregados domésticos utilizem o elevador de serviço, mesmo quando não estejam carregando materiais de limpeza ou compras que possam justificar o uso do elevador de serviço. Tal situação foi matéria do Projeto de Lei do Deputado Federal Roberto Lucena (PV-SP), que tramita na Câmara dos Deputados sob o nº 607 desde o dia 25/02/2011 (anexo 4). Tal projeto visa acabar com essa prática discriminatória - imposta a todos os empregados, em especial os empregados domésticos - de usarem o elevador social, mesmo quando não estão transportando material de trabalho. Importante ressaltar que a desvalorização dessa atividade praticada pela legislação e pela sociedade acabou por atingi-los. Constantemente temos noticia de casos de patrões que se recusam a assinar a CTPS do empregado. Mas também, na maioria das vezes, de que é o próprio empregado que não quer sua carteira de trabalho assinada como empregado doméstico, primeiro porque não vê vantagens trabalhistas, depois por sentir vergonha da profissão. Sabemos que a escolha da profissão de doméstico no Brasil não é uma questão de opção, mas uma falta de opção. A falta de estudo e, consequentemente, de qualificação, empurra muitas pessoas, na sua maioria mulheres, para a profissão de doméstico. 3.4. A Limitação dos Direitos Atribuídos ao Trabalhador Doméstico no Brasil Aqui começa a problemática proposta neste trabalho monográfico. Primeiramente trataremos da exclusão da proteção trabalhista imposta aos empregados domésticos pela CLT. Conforme já fora dito anteriormente, a CLT nasceu da vontade do governo de reunir todos os diplomas que tratassem do direito do trabalho. Não se limitando a compilar textos, foram reunidas leis sobre os direitos individuais, coletivos e processuais do trabalho, causando uma verdadeira revolução no Direito do Trabalho. 97 Para Vicentino e Dorigo82, durante o governo ditatorial de Getúlio Vargas, o principal instrumento de fortalecimento de poder do Estado foi a aproximação de Vargas dos trabalhadores urbanos, configurando a prática do populismo, que se trata de uma política de manipulação do proletariado urbano, na qual um líder carismático assume as reivindicações dos trabalhadores e acaba por satisfazê-las dentro de certos limites impostos pela burguesia nacional. Abaixo descreve-se a posição de Vargas frente às reivindicações dos trabalhadores, conforme relata Claudio Vicentino e Gianpaolo Dorigo: [...] A satisfação das reivindicações populares, por meio de uma legislação trabalhista cada vez mais completa, por um lado aproximava o presidente das massas, mas por outro acabava por desmobilizá-las. Não parecia ser necessária uma organização sindical, uma vez que Vargas atendia às reivindicações mais imediatas dos trabalhadores. Aliás, o próprio Vargas ajudou a desmobilizar os trabalhadores com sua política sindical, que atrelava fortemente os sindicatos ao Estado, sendo os lideres sindicais meros funcionários estatais, e as sedes dos sindicatos, locais de exercício de propaganda oficial do governo. [...] (grifo nosso) Ainda segundo os autores acima citados, Vargas usava o apelo popular com a massa trabalhadora para camuflar uma sociedade dividida em classes sociais antagônicas, as desigualdades e a dominação social. Neste contexto social e político é que foi introduzido no Brasil o salário mínimo, a semana de trabalho de 44 (quarenta e quatro) horas, a carteira profissional, as férias remuneradas e, finalmente, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). No entendimento dos autores, Vargas via, na distribuição de renda, uma forma de atenuar as tensões sociais. O Brasil passava por um processo de industrialização desde os anos 30 (trinta) e esse processo poderia levar a uma tensão social entre a burguesia e o proletariado urbano, conforme se verifica no texto abaixo. [...] As saídas para tal conflito se encontravam na distribuição de renda (atenuando as tensões sociais) ou em uma revolução socialista (fruto de tensões crescentes). O populismo criava uma terceira via, com o Estado obrigando a transferência de recursos da burguesia para o 82 VICENTINO, Claudio/DORIGO, Gianpaolo. História do Brasil. São Paulo, Ed. Scipione, 1997, p. 367/368 98 proletariado, embora num nível bastante limitado. Assim, o Estado, através do seu chefe carismático, administrava a tensão social falando em nome do povo, diminuindo seu potencial revolucionário e, portanto, indiretamente, agindo em beneficio da burguesia. Importante ressaltar, ainda de acordo com os autores, que esse foi um período de grande efervescência social e política no Brasil. Lá fora acontecia a 2ª Guerra Mundial e o avanço das ideais comunista de Hitler e do fascismo de Mussoline eram a desculpa perfeita que Vargas precisava para praticar o golpe do Estado Novo. No fundo a sua intenção era de se perpetuar no poder. Vargas praticamente não teve opositores, pois teve o apoio dos militares, da burguesia e dos trabalhadores; estes últimos, embora crescentes, devido à campanha populista, aceitaram passivamente o golpe. Esse breve relato histórico é importante para compreendermos em qual contexto político, social e econômico foi implantada a CLT. Conclui-se, a partir destes textos, que a política social de Getúlio Vargas alcançou os seus objetivos: enfraqueceu os trabalhadores desmobilizando-os através da sua política sindical, manteve intactas as classes sociais, protegeu aparentemente os interesses dos trabalhadores - sendo que, na verdade, agia em beneficio da burguesia – e, finalmente, levou o presidente a aprovar a CLT, não como forma de resolver os problemas sociais advindos da exploração dos trabalhadores pela burguesia, mas sim como forma de aplacar os ânimos da classe trabalhadora, dando-lhe alguns direitos, evitando, assim, uma explosão social, o que em muito prejudicaria os interesses da classe dominante. Desta forma, é possível entender, de acordo com o contexto histórico relatado por Claudio Vicentino e Gianpaolo Dorigo, o porquê da exclusão dos domésticos da proteção das Leis do Trabalho fundamentada no art. 7º, alínea ―a‖ da CLT. Partindo de uma análise do contexto histórico, observa-se que essa exclusão imposta aos domésticos visou a atender os interesses da classe dominante composta de ricos fazendeiros, cafeicultores, industriários e, até mesmo, a classe política. Essa exclusão foi de cunho puramente discriminatório e econômico, pois esses senhores não queriam mexer nos próprios bolsos, o que fatalmente 99 aconteceria caso os empregados domésticos fossem abrangidos pela proteção da nova Lei. Conforme foi dito acima, a idéia da construir uma Consolidação de Trabalho foi do governo, mas Getúlio Vargas não tinha o menor interesse em mexer na estrutura social vigente. Ao não incluir os empregados domésticos na CLT, atendeu tão somente os interesses da classe dominante, detentora de boa parte das empresas e propriedades onde trabalhava essa mão-de-obra. Esta situação de desproteção perdurou por 29 (vinte e nove) anos, até a aprovação da Lei 5.859 de 1972, que pouco acrescentou à parca legislação existente para os domésticos. A referida lei deixou de regular vários institutos, o que gerou muitas controvérsias e polêmicas até a promulgação da nova Carta Magna em 1988. A nova Constituição Federal de 1988, denominada de Constituição Cidadã, foi considerada inovadora, fundamentada nos princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana, entre outros. Embora tenha sido assim considerada, a Carta Magna foi contraditória ao diferenciar as classes de trabalhadores, como fez com os domésticos. Tendo em vista toda a argumentação acima relatada sobre a problemática do empregado doméstico, a falta de regulamentação, a exclusão da proteção das Leis trabalhistas, a Constituição Federal infelizmente em quase nada contribuiu para solucionar essa questão. Muito pelo contrário, piora a situação desses trabalhadores ao constitucionalizar, decretar, através do art. 7º, § único, a limitação dos direitos trabalhistas dos empregados domésticos. A partir desse momento, a Constituição Federal cria uma classe de trabalhadores à parte. Quando afirmamos que a Constituição impôs a limitação dos direitos dessa categoria, afirmamos também que ela decretou a exclusão praticada pelo CLT. De 100 acordo com Pedro Lenza83, a Constituição é a Lei Maior, é quem diz se tal norma é válida ou não, como é possível extrair do texto abaixo colacionado: [...] No direito percebe-se um verdadeiro escalonamento de normas, uma constituindo o fundamento de validade de outra, numa verticalidade hierárquica. Uma norma de hierarquia inferior busca o seu fundamento de validade na norma superior e esta na seguinte, até chegar-se à Constituição, que é o fundamento de validade de todo o sistema infraconstitucional. Nesse sentido é que dizemos ser a Constituição Federal contraditória. Pois de um lado afirma que somos todos iguais, por outro lado privilegia uma classe em detrimento de outra. Tal postura é contrária a todos os princípios nos quais ela se fundamenta. Em razão de a nossa Carta Maior ter adotado o sentido formal, onde só é possível qualquer modificação através de emendas à Constituição, é que essa limitação continua intacta, faltando interesse político para modificá-la. Atualmente esse tema é motivo de vários projetos de lei e de emendas à Constituição. Neste sentido é que estão tramitando no Congresso Nacional dois Projetos de Lei que visam revogar ou dar nova redação ao art. 7º, § único, em vista de tal artigo ser considerado um atraso, segundo os Deputados, uma nódoa na nossa história, a prova da discriminação e do preconceito praticado contra uma categoria de trabalhadores pela nossa própria Lei Maior, a Constituição Federal. O Deputado Carlos Bezerra (PMDB-MT), mediante Proposta de Emenda à Constituição - PEC nº 478/2010, propõe a revogação do parágrafo único do art. 7º da Constituição Federal, para estabelecer a condição de igualdade de direitos trabalhistas entre os empregados domésticos e os demais trabalhadores urbanos rurais (anexo 5). Na sua argumentação, o Deputado Carlos Bezerra afirma não ser mais possível convivermos com essa iniquidade, que ,embora a equalização do tratamento jurídico entre os empregados domésticos e os demais trabalhadores 83 LENZA, Pedro. Direito Constitucional esquematizado. 8. ed. São Paulo: Ed. Método, 2005, p. 37. 101 eleve os encargos sociais e trabalhistas, o nosso sistema não permite mais a existência de trabalhadores de segunda categoria. A Deputada Gorete Pereira (PR-CE) propõe, através da PEC nº 114/2011, nova redação ao parágrafo único do art. 7º da Constituição Federal, garantindo aos trabalhadores domésticos os mesmos direitos trabalhistas conferidos aos trabalhadores urbanos e rurais (anexo 6), in verbis: Art. 1º O caput do art. 7º da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação: Art. 7º são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, inclusive os domésticos, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: Art. 2º Fica revogado o parágrafo único do art. 7º da Constituição Federal. (grifos nossos) A Deputada justifica que a relação de trabalho no Brasil ainda hoje tem um ranço do nosso passado escravocrata. E que, para a categoria dos domésticos, são sempre concedidas migalhas do espaço e da alimentação familiar e, lamentavelmente, também migalhas da proteção estatal e que o fundamento para essa discriminação encontra-se na própria Constituição Federal. 3.5. Críticas aos Motivos da Limitação dos Direitos A questão da limitação de direitos imposta aos trabalhadores domésticos é fonte inesgotável de controvérsias entre a doutrina e a jurisprudência. Muitos doutrinadores são contra a postura adotada no texto no tocante à limitação de direitos, outros entendem que o texto constitucional deve ser aplicado. Para Claudia Normando84, a Constituição Federal de 1988 assegura que, no art. 7º, § único, aos domésticos é estendida parte dos direitos sociais ali previstos. A autora afirma que o texto constitucional, em nenhum momento, proíbe a concessão de outros direitos não exarados no referido parágrafo único. 84 NORMANDO, Cláudia Cavalcante. Op. Cit., p. 75-78. 102 Segundo a autora, é notória a limitação dos direitos dos domésticos antes da promulgação da Constituição em 1988, e esta simplesmente afirmou que os domésticos teriam a proteção legal quanto aos direitos relacionados no parágrafo único. Entretanto, tal disposição não impede que a categoria possa receber de legislações diversas outros benefícios, pois se assim o fosse, os trabalhadores somente poderiam pleitear os direitos e garantias dispostos na Constituição. A autora disciplina ainda que o texto constitucional, ao determinar os direitos sociais, ―[...] engrandeceu a dimensão dos direitos e garantias, acolhendo o principio da indivisibilidade e da interdependência dos direitos humanos, conjugando liberdade com dignidade‖. E continua afirmando: [...] Para os trabalhadores domésticos, além da observância dos direitos sociais, é imprescindível a exigência dos princípios fundamentais previstos em nossa ordem constitucional, entre os quais os da liberdade, da igualdade e da proteção ao trabalho, sustentados pela dignidade humana, base da aplicabilidade dos direitos humanos . (grifo nosso) Para a autora, embora o texto constitucional tenha disposto a limitação no art. 7º, § único, esta não é taxativa, é exemplificativa, pois não proíbe aos domésticos de terem garantidos outros direitos. A autora disciplina que o texto constitucional deve ser interpretado de modo que os princípios fundamentais sejam reconhecidos e cumpridos. Sergio Martins85 entende que os direitos do empregado doméstico não são tão simples quanto à primeira vista poderiam parecer. Existem, segundo o autor, várias questões polêmicas, havendo tanto pontos de vista em um sentido como em outro. Para ele, se faz necessária a elaboração de nova legislação substituindo a Lei 5.859/72, dada a vigência da nova Constituição, evitando, assim, as dificuldades de interpretação de tal norma em face da CLT. Afirma o autor que a CLT continua a não 85 MARTINS, Sergio Pinto. Op. Cit., p. 142. 103 ser aplicada aos domésticos, salvo em algumas hipóteses, que são, porém, discutidas na doutrina e na jurisprudência. Para Pamplona Filho e Villatore86, a CLT determinou expressamente a exclusão dos domésticos da garantia da proteção dos seus preceitos (salvo quando forem determinados em contrário), conforme disposto no art. 7º, ―a‖. Os autores não concordam com a grande maioria da doutrina brasileira que vem considerando que o dispositivo acima citado foi tacitamente revogado pela nova Constituição. Para eles, por força da Lei de Introdução ao Código Civil, no art. 2º, está disposto que a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue, o que não aconteceu. Para os autores, a Constituição de 1988 não revogou a exclusão dos domésticos da CLT, portanto não é possível uma aplicação direita dos seus preceitos a estes. Afirmam que a Constituição previu vários direitos aos domésticos, porém não os igualaram às demais categorias. Observa-se, no entendimento de Sergio Martins, Pamplona Filho e Villatore, a postura de aplicadores da norma de acordo com o caso concreto, sem muita análise dos princípios norteadores da Constituição e do Direito do Trabalho. Ao contrário da postura assumida por Claudia Normando, que assegura que, na análise do caso concreto, devem ser observados o princípio da proteção da dignidade humana, da igualdade, da proteção do trabalho, entre outros. Ainda que toda a exposição acima não conseguisse demonstrar o absurdo dessa limitação de direitos imposta aos domésticos, poderíamos ainda discutir a aplicação dessa limitação com base na leitura seca que a jurisprudência e a doutrina fazem do artigo 7º da Constituição. É importante transcrever o artigo 7º para melhor explicar a sua leitura e demonstrar o caráter discriminatório do parágrafo único da Constituição Federal, in verbis: 86 PLAMPLONA FILHO, Rodolfo ;VILLATORE, Marco Antonio Cesar. Op. Cit., pp. 25-26. 104 Art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem a melhoria de sua condição social: (grifo nossoi) Primeiramente, na leitura que se faz do art. 7º, vemos que todos os direitos do referido artigo são para os trabalhadores ditos urbanos e rurais. Mas o que são trabalhadores urbanos? Sabemos que o trabalhador rural é a pessoa física que presta serviço não eventual ao empregador rural, conforme disposto no art. 2º da Lei 5.889/73, in verbis: Art. 2º Empregado rural é toda pessoa física que, em propriedade rural ou prédio rústico, presta serviços de natureza não eventual a empregador rural, sob a dependência deste e mediante salário. De acordo com a legislação, empregado urbano é toda a pessoa física que presta serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário. Além dessas características que definem a figura do empregado, deve ser acrescida a pessoalidade, consistente na impossibilidade do empregado se fazer substituir por outro trabalhador, pois o contrato de trabalho é personalíssimo (artigos 2º e 3º da CLT). Considerando os aspectos da não eventualidade, da subordinação, da pessoalidade e da onerosidade, simplesmente não vemos distinção na figura do trabalhador urbano e do trabalhador doméstico, já que o trabalhador rural está bem definido e, mesmo assim, equiparado foi ao urbano. Esses trabalhadores prestam serviço com as mesmas características, o que nos leva a concluir que essas categorias são iguais na sua essência. Dessa forma, não faz sentido qualquer distinção entre elas. Mesmo que considerássemos diferença na parte contratante, não seria possível sustentar o posicionamento da doutrina e da jurisprudência, que se apegam à letra seca da Lei, desprezando os princípios constitucionais e o principio da proteção da lei mais benéfica para a parte hipossuficiente. 105 Esta leitura simplista da lei tem unicamente o intuito de perpetuar a exclusão da proteção das Leis Trabalhistas imposta pelo governo, que sabemos ser originada da imposição de uma classe econômica e socialmente dominante para manter os seus interesses, e confirmada pela Constituição Federal, que limitou os direitos de toda uma categoria de trabalhadores. Veja a leitura sequencial dos artigos 2º, § 1º e art. 3º, § único da CLT, que definem, sucessivamente, o empregador e o empregado, in verbis: Art. 2º Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço. § 1º Equiparam-se ao empregador, para os efeitos exclusivos da relação de emprego, os profissionais liberais, as instituições de beneficência, as associações recreativas ou outras instituições sem fins lucrativos, que admitirem trabalhadores como empregados. (grifo nosso) Observe que a definição de empregador, para a CLT, não se limita à pessoa jurídica da empresa, podendo assumir a qualidade de empregador também os profissionais liberais, as instituições de beneficência, as associações recreativas ou outras instituições sem fins lucrativos. Nesta categoria, também se encaixaria o empregador doméstico, pois ele também admite, assalaria e dirige a prestação de serviço, que não tem finalidade lucrativa. Art. 3º Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob dependência deste e mediante salário. Parágrafo único. Não haverá distinções relativas à espécie de emprego e à condição de trabalhador, nem entre o trabalho intelectual, técnico e manual. Para finalizar esse entendimento, diante da leitura do art. 3º da CLT, extraímos que o empregado doméstico tem a mesma definição de empregado urbano, de onde asseguramos que não existe na nomenclatura diferença entre essas duas categorias, há é um desinteresse da classe política em alterar a estrutura vigente. Essa mudança de postura tem que ser cobrada pelos empregados domésticos de todo o país e pela sociedade civil organizada. 106 Dessa forma, em vista de toda a exposição acima relacionada, melhor proposta seria que não houvesse distinção entre os trabalhadores, já que, conforme fora demonstrado de acordo com a doutrina e a legislação, o trabalhador urbano é igual ao trabalhador doméstico, que, por sua vez, é igual ao trabalhador rural; pois que então sejam considerados “trabalhadores nacionais”, já que, do direito do estrangeiro, o nosso ordenamento regula por Lei própria. Neste caso, a Lei nº 6.815 de 1980 (Estatuto do Estrangeiro), que dispõe no seu art. 2º, in verbis: Art. 2º. Na aplicação desta Lei atender-se-á precipuamente à segurança nacional, à organização institucional, aos interesses políticos, sócioeconômicos e culturais do Brasil, bem assim à defesa do trabalhador nacional. À nossa sociedade não é mais permitido manter essa ―separação‖ de direitos entre categorias de trabalhadores, onde determinadas categorias são mais protegidas que outras, o mercado de trabalho já se encarrega de selecionar o trabalhador através das suas qualificações, melhores oportunidades terão aqueles mais preparados, a distinção não pode vir por força da lei. Melhor seria, então, a seguinte redação para a alteração do art. 7º, que consequentemente revogaria o parágrafo único. Art. 1º O caput do art. 7º da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação: Art. 7º são direitos dos trabalhadores nacionais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: Art. 2º Fica revogado o parágrafo único do art. 7º da Constituição Federal. (grifos nossos) 3.5.1. O Princípio da Isonomia O art. 5º, caput da Constituição Federal de 1988 determina serem ―todos iguais perante a lei‖, não permitindo qualquer interpretação extensiva, em face da restrição contida na segunda parte do dispositivo, que proíbe a ―distinção de qualquer natureza‖. 107 Mauricio Barbosa dos Santos87 disciplina que ―o significado da palavra por si só o interpreta. Igualdade significa ‗principio da identidade de condições para todos, com mesmos direitos e deveres‘ ou ‗semelhança total‘ ―. Ainda segundo o autor supracitado, ―diante da lei não devem existir ressalvas, salvo quando tratar-se de normas especiais mais favoráveis‖. Todavia, a própria Constituição Federal, balizadora dos direitos individuais e coletivos, se encarrega de aprofundar as condições de desigualdade, ao conceder direitos para algumas classes de trabalhadores em detrimento de outra classe, conforme é possível verificar no art. 7º, § único do dispositivo Constitucional, que determina quais os direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, para em seguida impedir o acesso a alguns desses mesmos direitos aos empregados domésticos. Diante desse fato, Pedro Lenza88 asseguira que ―além dessas e outras hipóteses previstas na CF88, a grande dificuldade consiste em saber até que ponto a desigualdade não gera inconstitucionalidade‖. Que consiste dizer que determinados preceitos constitucionais ferem de morte a própria Constituição, pois, embora o art. 5º determine a igualdade entre todos sem distinção, vários outros dispositivos se encarregam de diferenciar uma classe da outra, conforme o exemplo acima citado. 3.5.2. O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana A dignidade da pessoa humana, juntamente com o direito à vida e à liberdade, são garantias individuais asseguradas pela Constituição Federal de 1988, disposto no art. 1º. A dignidade e a liberdade são fins que cabem ao Estado propiciar a todo ser humano. Entretanto, a dignidade humana, por diversas vezes, é violada mediante várias situações concretas e com a permissividade do poder público. 87 BARBOSA DOS SANTOS, Mauricio. O Trabalhador Doméstico Direito de Igualdade da Empregada Doméstica. Ed. LED – Editora de Direito Ltda. 2001. p. 16 88 LENZA, Pedro. Direito Constitucional esquematizado. 8 ed. São Paulo: Ed. Método, 2005, p.473. 108 Dessa forma, liberdade e dignidade são direitos fundamentais, inerentes à pessoa humana. O compromisso de assegurar a dignidade humana vem expresso em vários documentos, conforme sabiamente demonstra Amauri Nascimento89 [...] A Carta das Nações Unidas (1945) proclama a sua ―fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor da pessoa humana‖. A Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948) diz que ―o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e dos direitos iguais e inalienáveis constituem o fundamento da liberdade, da justiça e da paz mundial‖ e que ―todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos‖. A Lei fundamental da Alemanha (1949) declara que ―a dignidade do homem é intangível‖. A Constituição da Espanha (1978) dispõe que ―a dignidade da pessoa, os direitos invioláveis que lhes são inerentes, o livre desenvolvimento da personalidade (...) são o fundamento da ordem política e da paz social‖. A Constituição da Itália (1947) declara que ―todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei‖. [...] A Constituição do Brasil (1988), art. 1º, declara, que ―a República tem como fundamento a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana e o pluralismo político‖. O autor acima citado conclui afirmando que a dignidade é valor que se sobrepõe a numerosas regras do direito e que A proibição de toda ofensa à dignidade da pessoa humana é uma questão de respeito ao ser humano, o que leva o direito positivo a protegê-la, a garanti-la e a vedar atos que podem de algum modo levar à sua violação, inclusive na esfera dos direitos sociais. 3.5.3. O Princípio da Proteção Talvez um dos princípios mais importantes para o trabalhador seja o Princípio da Proteção, pois tal princípio não visa somente assegurar a igualdade jurídica entre as partes, como ocorre na relação civil. No direito do trabalho, a preocupação central é proteger uma das partes, o trabalhador, com o objetivo de que, com essa proteção, se alcance uma verdadeira igualdade entre as partes. Plá Rodrigues90 assegura que: 89 90 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Op. Cit., pp. 386- 387. PLÁ RODRIGUEZ, Américo. Princípios de Direito do Trabalho. 3 ed. São Paulo: LTr, 2000, p.83. 109 [...] o fundamento deste principio está ligado à própria razão de ser do Direito do Trabalho. O legislador não pode mais manter a ficção de igualdade entre as partes do contrato de trabalho e inclinou-se para uma compensação dessa desigualdade econômica desfavorável ao trabalhador com uma proteção jurídica a ele favorável.[...] O Direito do Trabalho responde fundamentalmente ao propósito de nivelar as desigualdades. Para Claúdia Normando91, o empregado, devido a sua hipossuficiência, deve receber proteção jurídica. Sendo que ―O principio da proteção recepciona os princípios da aplicação da norma mais favorável ao trabalhador, o princípio in dubio pro operario e o principio da aplicação da condição mais benéfica ao trabalhador‖. Sergio Martins92 afirma que: [...] o principio da aplicação da norma mais favorável pode ser dividido em três instrumentos: elaboração de norma mais favorável ao trabalhador; utilização da norma mais benéfica, independente da hierarquia das leis, salvo normas de caráter proibitivo; interpretação da norma mais favorável. Claudia Normando afirma que, diante da posição dos doutrinadores acima, se conclui que a situação dos trabalhadores não pode ser alterada para pior, inclusive em respeito a preceito constitucional do direito adquirido, disposto no art. 5º, XXXVI da Constituição Federal de 1988. Todavia, segundo a autora, se confrontarmos esse princípio com o labor doméstico, veremos que a interpretação da lei nem sempre atendeu à proteção máxima do trabalhador. Exemplo disso é o que ocorria na aplicação do direito às férias dos trabalhadores domésticos. Anterior à Lei 11.324-2006, o que presenciávamos era a aplicação do direito às férias de 20 dias para os domésticos, quando para os demais trabalhadores o período era de 30 dias. Ou seja, embora existisse norma mais benéfica, mais favorável, não havia aplicação ampla desse princípio para os trabalhadores domésticos. 91 NORMANDO, Cláudia Cavalcante. Op. Cit., p. 113. MARTINS, Sérgio Pinto. Os princípios do Direito e os direitos fundamentais do trabalhador. In: SILVESTRE, Rita Maria; NASCIMENTO, Amauri Mascaro (coord). Os novos paradigmas do Direito do Trabalho: homenagem a Valentin Carion. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 224. 92 110 3.5.4. Outros Princípios Abordados Podemos abordar vários outros princípios para defender a tese da proteção, ou da falta de proteção do empregado doméstico. Claudia Normando93 disciplinará sobre os princípios. Principio da Irrenunciabilidade, ou Indisponibilidade de Direitos (disposto no art. 9º da CLT) – visa impedir que o trabalhador, por motivos alheios a sua vontade, abra mão de direitos ou benefícios legais dispostos no contrato, a não ser que se manifeste em juízo livre de qualquer coação, em relação a determinados direitos. No tocante aos domésticos é importante observar se, no desfazimento do contrato, o trabalhador não assinou, sem ter conhecimento, quitação ou declarações de renuncia de direitos, tendo em vista a questão da falta de escolaridade da maioria desses trabalhadores. O Princípio da Continuidade do Contrato de Trabalho – visa, como o nome já determina, a continuidade da relação trabalhista. E no tocante aos domésticos, devido a sua especificidade (multiplicidade de patrões, podendo ser qualquer um da família), a relação deve se preservada quando da morte do empregador, devendo ser responsável solidariamente pelo contrato de trabalho qualquer membro da família beneficiado pelo trabalho do doméstico. O Princípio da Primazia da Realidade – visa a um equilíbrio na diferença de poder entre as partes contratantes, no tocante à comprovação das condições de trabalho. No Direito do Trabalho, a realidade dos fatos é de mais valia do que documentos na prova da relação de trabalho. No trabalho doméstico, devido ser realizado no recinto privativo do lar, e, sendo o lar, por força da lei, local inviolável, o empregado doméstico sofre com a impossibilidade de fiscalização do poder público, sendo esta uma das razões do conformismo social do trabalhador doméstico. 93 NORMANDO, Cláudia Cavalcante. Op. Cit., pp. 111-121. 111 O Princípio da Boa-Fé – busca combater a vontade de ludibriar e exige transparência nas relações contratuais. Este princípio tem uma relação direta com o valor da dignidade humana, que é agir com lealdade, transparência e cooperação nas relações contratuais, sem a intenção de enganar uns aos outros. Na relação trabalhista doméstica, assim como para as demais categorias de trabalhadores, este principio deve ser balizador, tanto para empregado como para empregador. 3.6. A Corrente Favorável – Principais Argumentos Existem três correntes doutrinárias em relação aos direitos trabalhistas dos empregados domésticos. A esse respeito, Martins94 dispõe da seguinte forma: A primeira corrente prega a separação das leis trabalhistas em geral das aplicáveis aos domésticos, porém estes ficariam totalmente marginalizados ou desamparados na questão de seus direitos trabalhistas. A segunda corrente declara que os direitos trabalhistas dos domésticos devem ser os mesmos que os de qualquer empregado. Entretanto essa ideia não pode ser aplicada em sua plenitude, pois as condições de trabalho em casa e numa empresa são completamente diferentes, além de o empregador doméstico ter certas peculiaridades, como não exercer atividade lucrativa, o que impediria o pagamento dos lucros. (grifo nosso) A terceira corrente preconiza a existência de uma legislação especial, devendo ser conferidos os direitos básicos ao empregado doméstico, como, na prática, acaba fazendo a atual Constituição, determinando o pagamento de salário-mínimo, 13º salário, férias, repouso semanal remunerado etc. Em relação à primeira corrente, verificamos ser impossível aplicá-la, haja vista que tal posicionamento fere mortalmente todos os princípios norteadores da Constituição Federal, princípios que visam a proteger a dignidade da pessoa humana e a igualdade de direitos sem distinção. Sobre essa questão, veja o posicionamento de Claudia Normando95: 94 MARTINS, Pinto Sergio. Manual do trabalho doméstico. 11 ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 40. NORMANDO, Cláudia Cavalcante. Trabalho Doméstico: valores jurídicos e dignidade humana . Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Ed., 2005, p. 100. 95 112 O principio possui a função instrumental integradora e hermenêutica, na medida em que serve de parâmetro não apenas para os direitos fundamentais exarados nas normas constitucionais, mas também para todo ordenamento jurídico, dentro deste o direito do trabalho. A dignidade da pessoa humana engloba necessariamente a proteção da integridade física e psíquica da pessoa. Daí decorrem todas as normas de proteção ao trabalhador. A autora leciona que: ―os direitos sociais constituem exigência e concretização da dignidade da pessoa humana. Os direitos sociais encontram-se a serviço da igualdade e da liberdade, e visam à proteção da pessoa contra a ordem econômica, garantindo, assim, uma vivência digna‖. Dessa forma, para a autora, o dever de proteger e respeitar a dignidade do trabalhador como ser humano, é do empregador. Diante do exposto, concluímos que manter esses trabalhadores nessa situação de discriminação legislativa, limitando os direitos de toda uma categoria, é, no mínimo, desumano e reprovável. Quanto à segunda corrente, compartilhamos do entendimento de que aos empregados domésticos devem ser dados os mesmo direitos e garantias dispensados às demais categorias. Todavia, não concordamos com o posicionamento dessa corrente, quando afirma que essa ideia de igualdade não é possível devido à questão econômica. Tal posicionamento não tem mais razão de ser, senão em flagrante ofensa ao principio fundamental da dignidade da pessoa humana e à violação do direito da igualdade fundamentado no art. 5º da Constituição Federal. A questão econômica não é justificativa para deixar de proteger os empregados domésticos. Em nenhuma outra categoria de profissionais, observamos a ―preocupação‖ com a questão econômica por parte dos legisladores. Essa falha dos legisladores nacionais em conceder aos empregados domésticos a plenitude dos seus direitos, provavelmente ocorreu porque estavam em jogo seus próprios interesses ou porque novamente estavam zelando pelos interesses da classe que eles representam, a classe dominante, que, neste caso, não é o povo brasileiro, que os elegeu, mas a elite brasileira, que os patrocinou. 113 Classe que não tem o menor interesse em alterar essa estrutura de discriminação e desproteção vigente. ‗ Finalmente, entendo que a terceira corrente muito em breve deixará de existir, até porque ela não vai ter mais razão de ser. O direito dos empregados domésticos muito em breve será igualado ao dos demais trabalhadores, haja vista, conforme citado acima, as PECs 478/2010 e 114/2011, ambas objetivando a revogação do parágrafo único do art. 7º da Constituição Federal. Estas propostas são justas e condizentes com as atuais circunstâncias de desenvolvimento econômico e social pelas quais passam o nosso país. O momento é propício para uma mudança de paradigma. Não sendo mais possível coexistir com essa mancha na nossa Lei Maior, a revogação do § único do art. 7º da CF é uma reparação que os legisladores nacionais têm o dever moral de promover, corrigindo, assim, o erro que os legisladores constituintes cometeram ao impor limites de direitos a uma categoria de trabalhadores. Inclusive, porque a Organização Internacional do Trabalho (OIT), agora em junho de 2011, acaba de aprovar a Convenção 189, que visa assegurar melhores condições de trabalho aos empregados domésticos ao redor do mundo. Caso seja ratificada pelo Brasil, o que é bem provável, haja vista que a delegação brasileira votou favorável à aprovação da convenção 189, os empregados domésticos seriam equipados aos demais trabalhadores. No entanto, tal equiparação só é possível mediante Emendas à Constituição, este é mais um motivo para o Congresso Nacional votar a favor da revogação do § único do art. 7º da Constituição Federal, para poder cumprir a recomendação sobre os trabalhadores domésticos de nº 201/2011 da OIT que diz: 1. As disposições desta recomendação complementam as da Convenção sobre as Trabalhadoras e os Trabalhadores Domésticos, 2011 (―a Convenção‖) e deveriam ser consideradas conjuntamente com elas. 2. No momento de adotar medidas para assegurar que os trabalhadores domésticos usufruam da liberdade de associação e do reconhecimento efetivo do direito à negociação coletiva, os Membros deveriam: (a) identificar e eliminar restrições legislativas ou administrativas ou outros obstáculos ao exercício do direito dos trabalhadores 114 domésticos de constituir suas próprias organizações ou afiliar-se às organizações de trabalhadores que julguem convenientes e ao direito das organizações de trabalhadores domésticos de se afiliarem a organizações, federações e confederações de trabalhadores;(grifo nosso) 3.7. A Questão Política e Econômica Quando ouvimos falar da questão da equiparação de direitos dos empregados domésticos aos demais trabalhadores, normalmente somos assediados com a idéia da impossibilidade dessa equiparação em vista do alto custo econômico, e da impossibilidade de repassá-los ao empregador doméstico devido o caráter da não lucrativa decorrente da atividade do trabalho doméstico. Exemplo claro dessa situação ocorreu na aprovação da Lei 11.324/06. Já há algum tempo alguns legisladores tentavam aprovar projetos de leis para garantir mais igualdade de direitos para os empregados domésticos. Veja que estes projetos não criam novos direitos para os empregados domésticos, apenas concedem alguns direitos já garantidos aos demais trabalhadores. Observe a análise da Lei 11.324/06 e a razão do veto de alguns artigos: Art. 3o-A da Lei no 5.859, de 1972, alterado pelo art. 4o do projeto de lei de conversão Art. 3o-A. A inclusão do empregado doméstico no Fundo de Garantia do o Tempo de Serviço - FGTS, de que trata a Lei n 8.036, de 11 de maio de 1990, se dará mediante requerimento do empregador, na forma do regulamento. (Norma Regulamentadora) Razões dos vetos A alteração do art. 3o-A da Lei no 5.859, de 1972, torna obrigatória a inclusão do empregado doméstico no sistema da Lei no 8.036, de 1990. Com isso, tem-se não apenas a obrigatoriedade do FGTS como a da multa rescisória de quarenta por cento sobre os depósitos do FGTS, o que acaba por onerar de forma demasiada o vínculo de trabalho do doméstico, contribuindo para a informalidade e o desemprego, maculando, portanto, a pretensão constitucional de garantia do pleno emprego. Neste sentido, é necessário realçar que o caráter de prestação de serviços eminentemente familiar, próprio do trabalho doméstico, não se coaduna com a imposição da multa relativa à despedida sem justa causa. De fato, o empregado doméstico é legalmente conceituado ‗como aquele que presta serviços de natureza contínua e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família, no âmbito residencial destas‘ (art. 1o da Lei no 5.859, de 1972). Desta feita, entende-se que o trabalho doméstico, por sua própria natureza, exige um nível de fidúcia e pessoalidade das partes 115 contratantes muito superior àqueles encerrados nos contratos de trabalho em geral. Desta feita, qualquer abalo de confiança e respeito entre as partes contratuais, por mais superficial que pareça, pode tornar insustentável a manutenção do vínculo laboral. Assim, parece que a extensão da multa em tela a tal categoria de trabalhadores acaba por não se coadunar com a natureza jurídica e sociológica do vínculo de trabalho doméstico.‖ Como falamos anteriormente a inclusão do empregado doméstico é facultativa, dependendo para tanto do requerimento do empregador, no entanto deixar a opção da concessão nas mãos do empregador é como tornar ineficaz a possibilidade da concessão. O governo justifica essa situação alardeando que não tem recursos para custear esse beneficio. Ocorre que o seguro desemprego é financiado pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT, ou seja, os recursos para pagamento do seguro desemprego não saem dos cofres do governo. A desculpa é sempre a mesma quando o assunto é a equiparação do empregado doméstico com os demais trabalhadores, ―não podemos onerar demasiadamente o empregador doméstico sob o risco de provocar o desemprego para os trabalhadores. O empregador doméstico, na sua maioria pertencente à classe média, certamente não poderá suportar todos os ônus da equiparação do doméstico ao empregado comum. As peculiaridades do empregado doméstico não podem ser negadas e sua marginalização também não. Logo abaixo outro artigo da Lei 11.324/06 e a justificativa do veto: Ouvido, o Ministério da Previdência Social manifestou-se pelo veto aos seguintes dispositivos: Art. 3o Art. 3o O caput do art. 65 da Lei no 8.213, de 24 de julho de 1991, passa a vigorar com a seguinte redação: Art. 65. O salário-família será devido, mensalmente, ao segurado empregado, inclusive ao doméstico, e ao segurado trabalhador avulso, na proporção do respectivo número de filhos ou equiparados nos termos do § 2o do art. 16 desta Lei, observado o disposto no art. 66 desta Lei. 116 Razões do veto A alteração aprovada, consistente na inclusão do empregado doméstico no caput do referido artigo apresenta-se eivada de vício de inconstitucionalidade, pois contraria frontalmente o § 5o do art. 195 da Constituição que determina expressamente que ‗nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total. A concessão do salário-família, na forma proposta, também contraria o mandamento constitucional expresso no art. 201, segundo o qual, ‗a previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, [...], pois ao criar despesa estimada em R$ 318 milhões ao ano, sem qualquer indicação de fonte de custeio complementar, a eventual manutenção do art. 3o resultaria em aumento do desequilíbrio financeiro e atuarial das contas da Previdência Social. O governo costuma justificar a impossibilidade da concessão de alguns direitos, devido não poder assumir despesas sem previsão orçamentária que a custei. Na verdade essa questão é mais política do que econômica. Certamente não é a questão financeira que impede a implementação de certos benefícios aos empregados domésticos. O que falta é vontade política. O que dizer dos programas assistencialistas do governo? De onde vêm os recursos para o programa bolsa família, bolsa escola, etc.? O que dizer da corrupção na esfera estadual e federal que provoca o desperdício do dinheiro dos nossos impostos em licitações fraudulentas, obras superfaturadas? Realmente não é a questão econômica que impede a igualdade de direitos entre as classes trabalhadoras no Brasil. Torno a afirmar que o que falta é vontade política. 3.8. O Posicionamento da Doutrina O direito dos empregados domésticos, devido à sua especificidade, decorrente da própria legislação vigente, é tema polêmico que divide opiniões. Existem diferentes posicionamento doutrinários acerca dos direitos trabalhistas dos empregados domésticos. Observamos no decorrer desse trabalho que o entendimento dos doutrinadores tendem a mudar de acordo com a análise do 117 caso concreto. Mas numa coisa percebemos similaridade, praticamente toda a doutrina é tendenciosa a aplicar a Lei 5.859/72 e o art. 7º, § único da Constituição, e têm uma certa dificuldade de fazer uso da analogia e de aplicar os princípios que regem a legislação trabalhista e fundamentam a nossa Constituição. Estudos dos mais variados doutrinadores vêm sendo publicados a cerca das peculiaridades dos direitos dos trabalhadores domésticos, exemplo disso são as obras de Sergio Pinto Martins, Pamplona Filho e Villatore, Claudia Normando, Amauri Nascimento entre outros. Em torno da questão da divergências de posicionamento dos doutrinadores, alguns autores entendem que com o advento da Constituição Federal de 1988, estaria tacitamente revogado o art. 7º, ―a‖ que exclui os empregados domésticos da proteção da CLT. A este respeito Pamplona Filho e Villatore, 96 dizem não compartilhar do entendimento de muitos doutrinadores de que a Constituição de 1988, teria tacitamente revogado o art. 7º, ―a‖ da CLT. Afirmam que a Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-Lei 4.657/42) no seu art. 2º e § 1º, assim determina: Art. 2º. Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue. §1º a lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria anterior. Afirmam ainda que: [...] se a Constituição da República do Brasil previu vários direitos trabalhistas para o doméstico, ampliando-os inclusive, em relação ao regime constitucional anterior, mas não o igualando juridicamente aos demais trabalhadores (eis que não estendeu todos os direitos existentes), não há como se pensar numa aplicação direta, em toda a sua complexidade, da Consolidação das Leis do Trabalho. 96 PLAMPLONA Filho, Rodolfo / VILLATORE, Marco Antonio Cesar. Ob. Cit., p.26 118 Claudia Normando97 nos fornece outro exemplo da ampla divergência de opinião dos autores quanto ao tema estabilidade à gestante, se as empregadas domésticas grávidas tinham ou não esse direito: Doutrinadores, como Delgado, Valeriano, Martins, Pamplona Filho e Villatore, são adeptos do entendimento de que empregadas domésticas grávidas não possuem estabilidade no emprego. Já Bastos, Pinheiro Neto e Santos, M.B. dos, posicionam-se favoráveis à estabilidade em questão, com os quais comungamos. Esse exemplo é perfeito, pois essa questão que já foi tão polemizada hoje se encontra pacificada. Depois da Lei 11.324/06, ficou determinado que a empregada doméstica gestante têm direito à estabilidade sendo vedada a sua dispensa arbitrária ou sem justa causa, desde a confirmação da gravidez até 5 (cinco) meses após o parto. 3.9. O Posicionamento da Jurisprudência Observamos o mesmo posicionamento da jurisprudência. As decisões dos nossos tribunais se fundamentam na legislação, na Constituição e na doutrina. E conforme restou demonstrado acima esse posicionamento muitas vezes é limitado à letra seca da lei. Veja os julgados mais recentes sobre os mais variados temas, exemplos de como é aplicado a lei ao caso concreto. Tribunal Superior do Trabalho CERCEAMENTO DE DEFESA. CONTRADITA. TESTEMUNHA QUE DECLARA INTERESSE EM QUE A PARTE OBTENHA ÊXITO NA DEMANDA. NÃO CONFIGURAÇÃO. Nos termos do art. 405, § 3º, IV do CPC, de aplicação subsidiária ao Processo do Trabalho, não pode depor a testemunha que tiver interesse no litígio. Assim, não se configura cerceamento do direito de defesa o indeferimento de oitiva de testemunha que declara ter interesse em que a parte tenha êxito na demanda. Recurso de revista não conhecido. HONORÁRIOS DE ADVOGADO. Nos termos da 97 NORMANDO, Cláudia Cavalcante. Ob. Cit., p. 153 119 Súmula nº 219, I do TST, a condenação ao pagamento de honorários advocatícios, na Justiça do Trabalho, não decorre pura e simplesmente da sucumbência, devendo a parte estar assistida por sindicato da categoria profissional e comprovar a percepção de salário inferior ao dobro do salário mínimo ou encontrar-se em situação econômica que não lhe permita demandar sem prejuízo do próprio sustento ou da respectiva família. Recurso de revista não conhecido. DOMÉSTICO. DOBRA DE FÉRIAS. A Constituição da República, no artigo 7º, XVII, assegurou ao trabalhador o direito ao gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal, benefício extensivo à categoria dos domésticos por força do parágrafo único do referido artigo. Portanto, a disciplina consolidada alusiva às férias é aplicável aos trabalhadores domésticos, inclusive no tocante às férias em dobro previstas no artigo 137 da CLT. Precedentes. Recurso de revista conhecido e provido, no particular. MULTA DOS ARTIGOS 467 e 477 DA CLT. EMPREGADA DOMÉSTICA. Nos termos do artigo 7º, -a-, do Texto Consolidado, os preceitos constantes da CLT não se aplicam aos empregados domésticos, exceto com relação às férias. Já as garantias insculpidas no artigo 7º, parágrafo único, da Constituição Federal não estão relacionadas, dentre elas, as multas dos artigos 467 e 477, § 8º, da CLT a empregado doméstico. Recurso de revista conhecido e não provido. Processo: RR - 7925/2003-001-12-00.3 Data de Julgamento: 12/08/2009, Relator Ministro: Emmanoel Pereira, 5ª Turma, Data de Divulgação: DEJT 21/08/2009. RECURSO DE REVISTA - FÉRIAS DO TRABALHADOR DOMÉSTICO - 20 DIAS. Os empregados domésticos têm regulamentação específica e previsão de alguns de seus direitos na Constituição Federal de 1988. Com relação às férias, pretensão deduzida nos autos, a Lei nº 5.859/72 deve ser observada, na qual há previsão, em seu art. 3º, do direito às férias do empregado doméstico pelo prazo de 20 dias úteis a cada período de doze meses de trabalho. Recurso de revista conhecido e provido. Processo: RR - 734/2004-020-05-00.8 Data de Julgamento: 12/08/2009, Relator Ministro: Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, 1ª Turma, Data de Divulgação: DEJT 21/08/2009. Tribunal Regional do Trabalho 12ª Região Processo: Nº: 00465-2008-007-12-00-5 Ementa: EMPREGADA DOMÉSTICA. RESCISÃO DO CONTRATO DE TRABALHO. ASSISTÊNCIA DO SINDICATO DE CLASSE. MULTA PREVISTA NO ART. 477, § 8º DA CLT. Não se aplica aos empregados domésticos o art. 477, § 1º, da CLT, que exige assistência do sindicato da categoria profissional do empregado para a validade do recibo de quitação do contrato de trabalho que tenha perdurado por mais de um ano. O Decreto 71.885/73, que regulamenta a Lei 5.859/72, atinente ao trabalhador doméstico, não contempla normas similares. Incabível, pelo mesmo motivo, a condenação do empregador doméstico ao pagamento da multa prevista no artigo 477, § 8°, da CLT. - Juiz Gerson P. Taboada Conrado - Publicado no TRTSC/DOE em 16-042009 Processo: Nº: 00506-2007-025-12-00-4 Ementa: EMPREGADA DOMÉSTICA. JORNADA RESTRITA A APENAS UM TURNO. SALÁRIO MÍNIMO PROPORCIONAL. Demonstrado nos autos que a autora, na condição de empregada doméstica, laborou apenas num único turno, não há razão para que venha perceber, integralmente, o salário mínimo a que alude o art. 7º, IV, da Constituição da República, sendo admissível, por isso, o seu pagamento de acordo com o tempo efetivamente despendido. - Juiz Garibaldi T. P. Ferreira - Publicado no TRTSC/DOE em 06-10-2008 120 Processo: Nº: 01998-2007-030-12-00-0 Ementa: EMPREGADO DOMÉSTICO. VALOR PAGO EM PECÚNIA A TÍTULO DE AUXÍLIO MORADIA. NATUREZA SALARIAL. A lei nº 5.859/72 apenas proíbe o desconto do salário do doméstico em razão do fornecimento de habitação nos casos em que o empregado reside no local da prestação do serviço. Entretanto, nos casos em que o empregado não reside no local da prestação do serviço, a própria lei, no § 1º do art. 2º-A, prevê a possibilidade de que a moradia, mesmo quando concedida in natura, seja considerada salário. - Juíza Mari Eleda Migliorini - Publicado no TRTSC/DOE em 19-062009 "Art. 2o-A. É vedado ao empregador doméstico efetuar descontos no salário do empregado por fornecimento de alimentação, vestuário, higiene ou moradia. (Incluído pela Lei nº 11.324, de 2006) § 1o Poderão ser descontadas as despesas com moradia de que trata o caput deste artigo quando essa se referir a local diverso da residência em que ocorrer a prestação de serviço, e desde que essa possibilidade tenha sido expressamente acordada entre as partes. (Incluído pela Lei nº 11.324, de 2006) § 2o As despesas referidas no caput deste artigo não têm natureza salarial nem se incorporam à remuneração para quaisquer efeitos. (Incluído pela Lei nº 11.324, de 2006) Processo: Nº: 01183-2008-028-12-00-6 Ementa: TRABALHO DOMÉSTICO. SÍTIO DE LAZER. VÍNCULO DE EMPREGO. NÃO-CARACTERIZAÇÃO. Conforme conceitua o art. 1º da Lei nº 5.859/1972, "empregado doméstico é aquele que presta serviços de natureza contínua e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família, no âmbito residencial destas". Desse modo, o trabalhador que labora em sítio de lazer alguns dias por semana, com relativa liberdade, correndo o risco do seu ofício, é prestador autônomo de serviço, não estando caracterizado vínculo de emprego. Juíza Lília Leonor Abreu - Publicado no TRTSC/DOE em 22-04-2009 Processo: Nº: 00586-2008-030-12-00-4 Ementa: EMPREGADO DOMÉSTICO. HORAS EXTRAS, REPOUSOS SEMANAIS REMUNERADOS E INTERVALARES. PAGAMENTO INDEVIDO. O empregado doméstico não faz jus ao pagamento de horas extras e intervalares. Isso porque, o art. 7º da Constituição Federal assegura à categoria dos trabalhadores domésticos os direitos previstos nos incisos IV, VI, VIII, XV, XVII, XVIII, XIX, XXI e XXIV, não sendo devidos a eles, portanto, o direito à percepção de horas extraordinárias e descanso para repouso e alimentação. Quanto à fruição dos repousos semanais remunerados, embora seja direito constitucionalmente assegurado aos empregados domésticos (art. 7o, inciso XV e parágrafo único), o pleito foi contestado e inexiste prova da ausência de concessão da folga semanal. Há salientar que nem a Lei nº 5.859/72, que dispõe sobre a profissão do empregado doméstico, nem a Constituição Federal, revogaram o art. 7º da CLT, na parte em que os excluiu da proteção geral. Tampouco o pagamento de horas extras foi recepcionado pelo parágrafo único do art. 7º da Carta Magna.V - Juíza Gisele P. Alexandrino - Publicado no TRTSC/DOE em 2611-2008 Processo: Nº: 02908-2007-051-12-00-0 Ementa: VÍNCULO DE EMPREGO. DIARISTA. A Lei nº 5.859/72, que dispõe sobre a profissão de empregado doméstico, o conceitua como aquele que presta serviços de natureza contínua e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família, no âmbito residencial destas. Da dicção desse preceito legal é inescapável a conclusão de que a continuidade constitui um dos principais elementos configuradores do empregado doméstico, o que não se confunde com a não-eventualidade exigida como elemento caracterizador da relação de emprego nos moldes celetistas. Logo, não é doméstica a diarista de residência que presta seus serviços em períodos descontínuos, ante a 121 ausência na relação jurídica do elemento da continuidade. - Juiz Jorge Luiz Volpato - Publicado no TRTSC/DOE em 03-11-2008 Processo: Nº: 01535-2006-022-12-00-3 Ementa: EMPREGADO DOMÉSTICO. PESSOA JURÍDICA. A profissão de empregado doméstico somente pode ser reconhecida quando prestada no âmbito residencial de pessoas físicas, sem finalidade lucrativa. Inteligência do artigo 1º da Lei nº 5.859/72, que dispõe sobre a profissão de empregado doméstico. Acórdão3467/2007 - Juíza Sandra Márcia Wambier - Publicado no TRTSC/DOE em 09-04-2007 Processo: Nº: 08390-2005-037-12-00-0 Ementa: EMPREGADO DOMÉSTICO. ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. Em conformidade com o disposto no art. 7º, parágrafo único, da Constituição da República, ao empregado doméstico não é assegurado o pagamento de adicional de insalubridade. Acórdão2260/2007 Imagem do Documento - Juiz Geraldo José Balbinot - Publicado no TRTSC/DOE em 12-03-2007 Conclui-se então que as regras não são absolutas, devem ser aplicada na medida certa, de acordo com o caso concreto. Todavia, o que não pode acontecer é não aplicar os princípios na análise do caso, haja vista serem estes um norte, diretrizes fundamentais imprescindíveis na busca de um julgamento justo e coerente para fazer jus à dinamicidade do direito frente as necessidade da sociedade. 3.10. A Opinião dos Profissionais que Atuam na Área Em decorrência das limitações de direitos impostas aos trabalhadores domésticos e para colher a opinião dos profissionais que lidam diariamente com esse problema é que elaboramos questionário com diferentes perguntas para mostrar a analise sob a ótica de um profissional da área e do sindicato que atende todo Distrito Federal e Entorno (cidades que fazem divisas com o Distrito Federal). O Dr. Geniel Soares, é advogado trabalhista e definiu empregado doméstico como sendo a “pessoa física que realiza serviço de natureza contínua, porém não exclusiva, com finalidade não lucrativa a pessoa ou família, para o âmbito residencial”, diferencia-se em relação ao trabalhador urbano e rural, pelo fato de que o empregador desses trabalhadores desenvolvem atividade econômica. 122 Ele entende que a limitação dos direitos aos empregados domésticos foram impostas por erro dos legisladores em não observarem os princípios fundamentais da dignidade da pessoa humana, bem como a inobservância dos direitos e garantias fundamentais, especialmente no que diz respeito à igualdade que todos tem perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. E que os domésticos necessitam de uma nova legislação, que imponha o cumprimento do princípio da igualdade. Pois entende que todos os direitos trabalhistas concedidos ao empregado comum devem ser estendidos aos domésticos, salvo se incompatíveis com a atividade desempenhada. A outra entrevista foi com o Senhor Antonio Ferreira Barros, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Domésticos do Distrito Federal e das Cidades do Entorno – SINTRADO, que esta à frente do sindicato há 16 (dezesseis) anos, e em decorrência da experiência adquirida na função de sindicalista, avalia que a situação dos empregados domésticos pouco mudou nesses 512 (quinhentos e doze) anos de história do Brasil. A empregada doméstica continua a ser vista como a mucama que cuidava da casa do senhorzinho. Segundo o Senhor Antonio Barros, Embora os trabalhadores domésticos sejam a terceira maior categoria de trabalhadores do Brasil, é a mais discriminada. No Brasil, do total de 7,5 milhões de trabalhadores, 110 mil são trabalhadores domésticos. Contudo, embora numerosos, são dispersos, só procuram o sindicato quando são demitidos e não recebem suas verbas rescisórias. Afirma ainda que a Lei 11.324 de 2006 melhorou a situação dos trabalhadores, como por exemplo: as férias de 30 dias, o descanso em feriados, a estabilidade à gestante, a proibição de descontos. Mas que ainda falta muito para resolver os problemas dessa categoria. As expectativas dos domésticos atualmente é a regulamentação do FGTS. Essas entrevistas podem ser lidas na íntegra no anexo 7. 123 3.11. A Perspectiva para o Futuro Acredito que em pouco tempo, será possível vislumbrarmos outra situação para os empregados domésticos. A igualdade de direitos entre os empregados domésticos e os demais trabalhadores é o objetivo maior a ser alcançado por esta categoria. Possivelmente dentro em breve, isto se tornará realidade, seja através de Emenda à Constituição que visa revogar o § único do art. 7º, seja por força da Convenção 189 da OIT, que visa eliminar qualquer restrição legislativa ou administrativa limitativa de direitos aos empregados domésticos do mundo. Entretanto, todo direito é seguido de deveres e obrigações. Esses profissionais precisarão se adaptar às novas exigências do mercado. Os trabalhadores domésticos bem ou mal se acostumaram com o caráter de informalidade na sua relação de emprego. A maioria trabalha sem carteira assinada, muitas vezes por opção própria, e com isso, o trabalhador está em um emprego num dia e em outro não. Esse caráter de transitoriedade na relação no trabalho doméstico tem muitos fatores, dentre eles, a própria insatisfação do empregado, que está sempre procurando condições melhores de trabalho, principalmente devido aos baixos salários, ao assédio moral e sexual, comuns a essa categoria. Desta forma, tendo em vista toda essa questão social e o despreparo desses trabalhadores, conforme pesquisa do IBGE em anexo, na sua maioria só concluiu o ensino fundamental, é que será necessário um verdadeiro aparato estatal para apoiar esses trabalhadores. Mediante o implemento de campanhas educativas, programas de capacitação profissional, entre outros, para melhorar a qualificação desses trabalhadores, capacitando-os para o mercado de trabalho. Para finalizar o trabalho, segue a conclusão sobre o tema proposto. 124 CONCLUSÃO O Direito do Trabalho no tocante aos empregados domésticos é um tema que vem ganhando repercussão devido o caráter discriminatório, decorrente da situação de desigualdade imposta pela nossa Carta Maior a essa classe de trabalhadores. Conforme já foi demonstrado no decorrer deste trabalho, para muitos, o ramo do direito que mais evoluiu foi o do trabalhador doméstico. Mas, é importante destacar que essa evolução, não foi no sentido de criação de novos direitos ou equiparação de direitos, podemos dizer que foi uma concessão de direitos já comuns às outras categorias. O sentimento de desproteção e abandono são comuns para essa categoria de trabalhadores que se originou do trabalho escravo. Esse sentimento decorre da própria legislação trabalhista, que se acentuou com a exclusão da proteção da Lei. A CLT, primeiro conjunto de Leis que disciplinam a relação de trabalho, excluiu os empregados domésticos do seu diploma conforme disposto no art. 7º, alínea ―a‖. Buscamos na história do nosso país, o porquê dessa exclusão, em que contexto social, econômico e político estávamos, para justificar tamanha discriminação. E concluímos que essa exclusão ocorreu em atendimento às interesses da classe dominante que não tinha intenção de fazer nenhuma ruptura com a estrutura vigente no Brasil. Essa situação perdurou até a aprovação da Lei 5.859/72, que embora tenha regulado a relação de trabalho doméstico, determinando vários direitos, pouco contribuiu para resolver essa situação de desigualdade que foi se construindo em torno dos direitos dos empregados domésticos. A referida Lei deixou de regular diversos institutos, o que contribuiu para aumentar a sensação de discriminação sentida na pele por estes trabalhadores. 125 Neste ínterim, ocorreram várias mudanças na legislação, inclusive alterações na referida Lei, que a despeito de estar ultrapassada, continua a regular o direito dos empregados domésticos, embora nunca tenha atendido às necessidades da categoria. Esta situação de desigualdade perdurou até o advento da Constituição Federal em 1988. Considerada inovadora, a nova Carta Magna, denominada de Constituição Cidadã, foi fundamentada nos Princípios de Igualdade e da Dignidade da Pessoa Humana entre outros. No entanto, tendo em vista a problemática envolvendo a relação de trabalho dos empregados domésticos devido à falta de regulamentação de vários direitos e a exclusão destes da proteção da Lei trabalhista, os legisladores ordinários pouco ou quase nada fizeram para resolver a questão do preconceito, discriminação e desigualdade impostos a essa categoria de trabalhadores. Pelo contrário, os constituintes ordinários, mantiveram essa situação de desigualdade e discriminação, e foram além, impuseram aos domésticos uma limitação de direitos, conforme disposto no art. 7º, § único da Constituição. Criando a partir daí uma classe de trabalhadores à parte, à margem da Lei. Importante informar que devido ao caráter formalista da nossa Carta Magna o referido dispositivo só pode ser alterado mediante Emendas à Constituição, o que requer um processo legislativo mais solene e diferenciado. Em decorrência do exposto, vejo contrariedade na disposição do art. 7º, § único da Constituição Federal. Esse dispositivo é uma verdadeira afronta aos princípios orientadores da Constituição. Foi um erro grosseiro, sem justificativa que sustente essa aberração. Não sendo mais possível para a nossa sociedade conviver com esta marca de preconceito na nossa Constituição. O legislador brasileiro, ao longo dos anos tem relutado em ampliar os direitos dos domésticos, igualando-os aos dos demais trabalhadores, argumentando que qualquer mudança pode quebrar a frágil relação de confiança característica do 126 emprego doméstico, alega que pode causar o desemprego, ou que o empregador e o empregado doméstico são especiais, que não podem assumir o ônus dos prováveis impostos que incidirão sobre a folha de pagamento, etc. No entanto, tais argumentos não encontram razão de ser. A questão econômica não é justificativa para deixar de proteger os empregados domésticos. Não observamos em nenhuma outra categoria essa ―preocupação‖ dos legisladores ou do governo com questões dessa ordem. Em visita ao sindicato dos trabalhadores domésticos, o presidente do sindicato afirmou ser falaciosa a afirmação de que as modificações na Lei provocam alterações na demanda de empregos. Segundo o sindicalista, a patroa não tem condições de suportar pagar duas ou três vezes a lavagem da roupa na lavanderia, pagar creches para os filhos ou fazer suas refeições fora todos os dias, fica muito mais barato pagar uma empregada, mesmo com todos os direitos. Afirma, no entanto, que os trabalhadores domésticos estão insatisfeitos e prova disso é a migração para outras áreas, ou a preferência pelo trabalho avulso que possibilita maiores ganhos em detrimento do trabalho fixo como mensalista. E finaliza afirmando que sempre vai ter procura pelos serviços dos empregados domésticos. O ponto de vista do sindicalista, só reforça a idéia de que os impostos incidentes no pagamento do salário do empregado doméstico não causarão desemprego para a esta categoria, muito pelo contrário, essa igualdade de direitos é um anseio que esperam ser atendida. Não sendo justo com esses profissionais manter essa desigualdade entre as classes de trabalhadores. Atualmente, a questão limitação de direito imposta pela Constituição Federal de 1988 aos trabalhadores domésticos é tema de Projetos de Emendas à Constituição, que visam eliminar essa limitação de direitos, revogando o § único, do art. 7º, da Constituição, que fundamentou a discriminação, imposto a essa categoria de trabalhadores. 127 Entendo que toda a nossa sociedade, assim como o governo, foi conivente com a separação de direitos das classes trabalhadoras. Afinal ninguém quer mexer no próprio bolso. É mais fácil deixar como está. Prova disso é o posicionamento da jurisprudência. Analisando vários julgados expostos neste trabalho, observamos que os juízes basicamente julgam de acordo com a letra da Lei, embora possuam o poder da discricionariedade, podendo analisar o caso concreto à luz dos princípios fundamentais da proteção da dignidade da pessoa humana, fazendo a coisa julgada torna-se, inclusive, fonte de inspiração para outros processos. Observa-se que, embora muito tenha sido conquistado no tocante ao avanço dos direitos trabalhistas dos domésticos, muito ainda há de ser feito para apagar essa nódoa na nossa lei. Embora admitindo que os direitos dessa classe de trabalhadores evoluíram, a finalidade maior, a igualdade de direitos, a proteção ampla e irrestrita da lei ainda não foi possível e é um objetivo a ser perseguido pelos empregados domésticos, classe política, governo e toda a sociedade. Para finalizar esse entendimento, diante da visível infração aos Princípios da Igualdade e da Proteção da Dignidade da Pessoa Humana, balizadores da nossa Carta Maior, asseguramos não existir diferença entre essas categorias de trabalhadores. Dessa forma, em vista de toda a exposição acima citada, a melhor proposta para encerrar essa discussão acerca dos direitos dos empregados domésticos, seria que não houvesse distinção entre os trabalhadores, já que, conforme fora demonstrado, o trabalhador urbano é igual ao trabalhador doméstico que, por sua vez, é igual ao trabalhador rural, que sejam, então, considerados “trabalhadores nacionais”. Se assim não o fosse, a Constituição Federal teria que tratar de todas as categorias (espécies) de trabalhadores, como por exemplo: os médicos, os dentistas, os comerciários, os industriários, os ferroviários etc. 128 À nossa sociedade não é mais permitido manter essa ―separação‖ de direitos entre categorias de trabalhadores, onde determinadas categorias são mais protegidas que outras. O mercado de trabalho já se encarrega de selecionar o trabalhador através das suas qualificações. Melhores oportunidades terão aqueles mais preparados, a distinção não pode vir por força da lei. Melhor seria, então, a seguinte redação para a alteração do art. 7º, que consequentemente revogaria o parágrafo único. Art. 1º O caput do art. 7º da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação: (grifo nosso) Art. 7º são direitos dos trabalhadores nacionais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (grifo nosso) Art. 2º Fica revogado o parágrafo único do art. 7º da Constituição Federal. (grifo nosso) Acredito que, em muito breve, as perspectivas em relação à igualdade de direitos dessa categoria sejam atendidas, seja através de Emendas à Constituição ou por força da Convenção 189 da OIT, que recomenda a eliminação de toda e qualquer barreira legislativa ou administrativa que impeça ou limite os direitos dos trabalhadores domésticos. 129 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALEMÃO, Ivan. GOMES. Fábio Rodrigues (coord.) Em, Direito Constitucional do Trabalho – O que há de novo?. Editora Lumen Juris – Rio de Janeiro, 2010. BASTOS, Guilherme Augusto Caputo; PINHEIRO NETO, Sebastião. Garantia no emprego da gestante doméstica. 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Dispõe sobre o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, e dá outras providências. Planalto, Brasília, DF. Disponível em: <www.planalto.gov.b/legislaçãor>. Acesso em: 03 abr. 2012. 130 _______. Lei 5.859, de 11 de dezembro de 1972. Dispõe sobre a profissão de empregado doméstico. Planalto, Brasília, DF. Disponível em: <www.planalto.gov.b/legislaçãor>. Acesso em: 03 abr. 2012. CAIRO JUNIOR, José. Direito do Trabalho Vol. I. Salvador: JusPODIVM, 2006. CARELLI, Rodrigo de Lacerda. GOMES. Fábio Rodrigues (coord.) Em, Direito Constitucional do Trabalho – O que há de novo?. Editora Lumen Juris – Rio de Janeiro, 2010. COUTINHO, Grijalbo Fernandes. O direito do trabalho flexibilizado por FHC e Lula. São Paulo: LTr, 2009. CONVENÇÃO da OIT – Proteção do Salário, adotada em 1949 e ratificada em 25/04/1957 disponível em: <http://www.oitbrasil.org.br/convention. Acesso em 25 maio.2012. Igreja Católica. Papa Leão XIII. 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SINTRADO – Sindicato dos Trabalhadores domésticos do Distrito Federal e Cidades do Entorno VICENTINO, Claudio/DORIGO, Gianpaolo. História do Brasil. São Paulo, Ed. Scipione, 1997. 132 ANEXOS PROJETO DE LEI Nº , DE 2003 (Da Sra. Almerinda de Carvalho) Altera a Lei n.º 5.859, de 11 de dezembro de 1972, para assegurar a todos os trabalhadores domésticos o direito ao benefício do seguro-desemprego. O Congresso Nacional decreta: Art. 1º O § 1º do art. 6º-A e o inciso III do caput do art. 6º-B da Lei n.º 5.859, de 11 de dezembro de 1972, com a redação dada pela Lei n.º 10.208, de 23 de março de 2001, passam a vigorar com a seguinte redação: “Art. 6º-A. ....................................................................... § 1º O benefício será concedido ao empregado doméstico que tiver trabalhado nessa ocupação por um período mínimo de quinze meses nos últimos vinte e quatro meses, contados da data da dispensa sem justa causa.” (NR) Art. 6º-B. ......................................................................... ........................................................................................ III - comprovantes do recolhimento das contribuições previdenciárias durante o período referido no inciso I, na condição de empregado doméstico;” (NR) Art. 2º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação. 2 JUSTIFICAÇÃO Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios PNAD do IBGE, havia pouco mais de 6 milhões de trabalhadores domésticos no País em 2002, 93% dos quais mulheres. Uma em cada quatro empregadas domésticas é uma jovem com até 24 anos de idade. Esse enorme contingente de trabalhadores submete-se a condições de trabalho que são marcadamente piores do que as vividas pelo conjunto de pessoas ocupadas no Brasil. Algumas estatísticas servem para ilustrar essa questão. Do total de empregados domésticos, apenas 25,8% possuem carteira de trabalho assinada. Os demais, além de não terem direito aos benefícios trabalhistas e previdenciários básicos, têm menos estabilidade em seus empregos: 54% dos empregados domésticos na informalidade permanecem menos de um ano com o mesmo empregador, enquanto 71% dos domésticos formalizados ficam no emprego por mais de um ano. Finalmente, 95% dos empregados domésticos ganha menos do que dois salários mínimos, embora 40% trabalhem jornadas superiores a 44 horas semanais. A remuneração média dos empregados domésticos, em setembro de 2002, era de apenas R$ 207,00, praticamente o valor do salário mínimo vigente à época. Nesse contexto, a Lei n.º 10.208, de 2001, constituiu-se em um avanço importante para ampliar os direitos desses milhões de trabalhadores, ao permitir sua inclusão no FGTS e no Programa do Seguro-Desemprego. Preocupado em não contribuir para aumentar a informalidade entre os empregados domésticos, o legislador preferiu estabelecer que o acesso do empregado doméstico ao FGTS fosse facultativo, mediante requerimento do empregador. No entanto, referida lei falhou, em nosso entendimento, ao vincular a concessão do benefício do seguro-desemprego à inscrição do empregado doméstico no regime do FGTS. Ora, a nosso ver não se justifica condicionar o direito do seguro-desemprego à existência de conta vinculada do FGTS em nome do empregado doméstico, pois não é o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço que 3 financia o pagamento daquele benefício, e sim o Fundo de Amparo ao Trabalhador, conforme dispõe o art. 2º da Lei n.º 10.208, de 2001. Assim, o presente projeto de lei visa a corrigir essa injustiça, permitindo que todos os empregados domésticos possam ter direito ao benefício do seguro-desemprego, independentemente de possuírem conta vinculada no FGTS. Ressalte-se que essa medida apenas resgata o disposto no inciso III do caput do art. 201 da Carta Magna, que assegura, na forma da lei, a todos os segurados da Previdência Social, a proteção ao trabalhador em situação de desemprego voluntário. Assim, estender o direito ao benefício do segurodesemprego aos empregados domésticos é forma de cumprir duplamente mandamento constitucional, à medida que o caput do art. 7º da Constituição Federal também dispõe que podem ser definidos posteriormente outros direitos trabalhistas que “visem à melhoria da condição social” dos trabalhadores. Diante do exposto, temos a certeza de contarmos com o apoio dos ilustres Parlamentares à aprovação deste projeto de lei. Sala das Sessões, em de Deputada Almerinda de Carvalho Documento1.080 de 2003. CMYK CORREIO BRAZILIENSE • Brasília, quinta-feira, 10 de maio de 2012 • Economia • 13 >> DEU NO TRABALHO / Projeto prevê benefício aos que forem demitidos, mesmo que não sejam inscritos no FGTS www.correiobraziliense.com.br Para saber mais sobre essas notícias, acesse www.correiobraziliense.com.br IPCA tem a maior alta desde abril de 2011 O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que serve de base para a política de metas de inflação do governo, teve alta de 0,64% em abril. O resultado, divulgado pelo IBGE, é três vezes maior do que a taxa de março, quando o IPCA ficou em 0,21%. Foi o maior índice mensal desde abril de 2011. O acumulado no ano ficou em 1,87%, abaixo da taxa de 3,23% relativa a igual período do ano passado. Nos últimos 12 meses, o IPCA registrou elevação de 5,1%. A inflação foi puxada pelo aumento de 2,33% das despesas pessoais. As principais pressões vieram dos itens cigarros, com alta de 15,04% e salários de empregados domésticos, que subiram 1,86% no período. Para o IBGE, a subida do dólar também influenciou o repique da inflação. Suspensa multa bilionária da Vale O ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu liminar à Vale, suspendendo o pagamento de uma dívida tributária de R$ 24 bilhões que havia sido determinado na semana passada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). A empresa trava uma disputa jurídica com o governo em torno da cobrança de Imposto de Renda e de Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) de subsidiárias da Vale no exterior, entre 1996 e 2002. A liminar do STF afasta a necessidade do pagamento da dívida bilionária até o julgamento definitivo da ação proposta pela Fazenda Nacional. Indústria mostra recuperação em março A indústria brasileira parece ter começado uma lenta fase de recuperação, após dois meses estagnada. Avançaram levemente em março sobre o mês anterior os indicadores de faturamento (0,9%), horas trabalhadas na produção (0,4%) e emprego (0,3%), informou ontem a Confederação Nacional da Indústria (CNI). “Apesar de um começo de ano com dificuldades, o trimestre terminou com uma perspectiva de retomada gradual e moderada ao longo do ano”, disse Flávio Castelo Branco, economista-chefe da entidade. Houve recuo apenas na taxa média de uso da capacidade instalada, de 82% em fevereiro para 81,5% em março. “Os dados refletem ociosidade na produção, em virtude da maturação de investimentos ou de um nível ainda elevado de estoques”, avaliou Castelo Branco. Seguro para domésticos VÂNIA CRISTINO Comissão de Assuntos Sociais (CAS) do Senado Federal aprovou ontem projeto de lei que dá aos empregados domésticos demitidos sem justa causa o direito de receber seguro-desemprego pelo prazo de três meses, mesmo que não tenham conta vinculada no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Antes de chegar ao Palácio do Planalto para sanção, o projeto, apresentado no ano passado pela senadora Ana Rita (PTES), tem que ser aprovado pela Câmara dos Deputados. Para receber o benefício, os domésticos precisarão comprovar vínculo de A emprego por, no mínimo, 15 meses ao longo dos últimos dois anos e estar em dia com as contribuições previdenciárias. Impedimento Atualmente, apenas os empregados cujos patrões depositem o FGTS — o que não é obrigatório — têm esse direito. Essa condição é um impedimento para a maioria ter acesso ao seguro. Embora sejam 7 milhões, apenas 2 milhões deles têm carteira assinada. E é bem menor o número dos inscritos no FGTS. No ano passado, segundo dados do Ministério do Trabalho, somente 12 mil empregados domésticos re- Previdência fora do IR Projeto aprovado ontem pela Comissão de Assuntos Sociais (CAS) do Senado prevê que os pais ou responsáveis poderão abater da base de cálculo do Imposto de Renda os pagamentos à previdência privada para filhos estudantes de até 24 anos e sem renda própria. A matéria ainda vai ser apreciada em caráter terminativo pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE). A senadora Lídice da Mata (PSB-BA) disse que a medida beneficia a classe média, que pode antecipar, para seus filhos, os benefícios previdenciários, “garantindo o seu futuro, quando eles ainda estão na escola”. ceberam seguro-desemprego. Relatora da proposta, a senadora Lídice da Mata (PSB-BA) disse que a lei em vigor é “incompreensível”. Segundo ela, a exigência de conta vinculada para se ter acesso ao seguro não tem fun- damento porque o FGTS não guarda relação com o benefício, que é custeado com recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). Técnicos do governo alegam, no entanto, que, se for aprovado como saiu da comissão, o projeto vai acarretar um incremento de despesas do FAT. Praticamente, todos os empregados domésticos hoje existentes no mercado poderão ter acesso ao benefício. O orçamento do FAT para o pagamento do seguro-desemprego neste ano supera R$ 25,7 bilhões. Lídice da Mata ainda considerou discriminatória parte do texto original do projeto, que estabelecia um período de seis meses de seguro para os trabalhadores domésticos com conta no FGTS e metade desse tempo para os demais. Por isso, apresentou emenda fixando prazo de três meses para todos. CONCURSOS MP pede anulação de provas do Senado Ed Alves/CB/D.A Press - 11/3/12 » GUSTAVO HENRIQUE BRAGA O Ministério Público Federal no Distrito Federal (MPF-DF) pediu, em medida liminar, que a Justiça anule mais duas provas do concurso para o Senado Federal: as de conhecimentos específicos para os cargos de analistas nas áreas de fisioterapia e de urologia. O órgão recomenda ainda a imediata reelaboração e reaplicação dos exames e que as novas datas sejam divulgadas em 15 dias a partir da decisão judicial. A ação também requer que a Fundação Getulio Vargas (FGV), organizadora do certame, respeite, sob pena de multa diária de R$ 10 mil, o intervalo mínimo de 20 dias entre a marcação e a realização dos testes. O caso será julgado pela 4ªVara Federal do DF. O MPF-DF constatou que 80% das questões cobradas nas duas provas — aplicadas em 11 de março — foram copiadas de concursos anteriores, em violação aos princípios da isonomia, da moralidade, da impessoalidade e do sigilo das provas. A investigação mostra que 32 dos 40 itens dos testes de conhecimentos específicos para o cargo de fisioterapeuta do Senado são repetidos de exames anteriores. O mesmo ocorre nas provas para o cargo de urologista, com o agravante de que, das 32 questões clonadas, 29 são do mesmo concurso, da Polícia Militar do Rio de Janeiro, realizado em 2010. “Várias questões são totalmente idênticas, enquanto outras têm apenas sutis variações na redação”, afirmou Marcus Marcelus Goulart, procurador da República. A ação também pede à Justiça que condene a FGV a pagar indenização de, no mínimo, 10% do total arrecadado com as taxas de inscrição de todos os candidatos do concurso, o que equivale a multa superior a R$ 2,5 milhões. No dia da aplicação dos testes, a FGV já havia anulado outras duas provas, para os cargos de analistas de sistemas e de suporte de sistemas, devido à falta exames em quantidade suficiente para todos os inscritos. Na avaliação de Ernani Pimentel, presidente da Associação Nacional de Proteção e Apoio aos Concursos (Anpac), a clonagem de questões é uma prática que, apesar de comum, compromete a isonomia e a lisura dos processos seletivos, porque beneficia os candidatos que já tenham visto a questão anteriormente. “É preciso que a Justiça aceite a recomendação para anular as provas”, defendeu. “Isso é o resultado da contração sem licitação da banca organizadora. O processo todo está sob suspeita”, emendou Pimentel. Favorecimento No entender de Henrique Savonitti, professor de direito administrativo do curso preparatório IMP, entretanto, a anulação trará mais prejuízo do que benefício aos candidatos. “Aqueles que se saíram bem certamente serão lesados ao ter que fazer uma nova prova. É verdade que as questões não deveriam ser copiadas, mas isso não é razão para anular os testes. Como já haviam sido publicadas, as questões poderiam ter sido acessadas por qualquer candidato”, argumentou Savonitti. Procurada pela reportagem, a FGV não quis se pronunciar sobre o assunto. Desde a publicação do edital do concurso do Senado, em 22 de dezembro, foram feitas ao MPF-DF 28 denúncias de irregularidades no certame. ICMS de comércio eletrônico será repartido A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou proposição que reparte, entre estados de origem e de destino, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) nas vendas pela internet. Segundo a Agência Senado, a proposta de emenda à Constituição (PEC 103/2011), do senador Delcídio do Amaral (PT-MS), segue agora para votação em dois turnos pelo plenário. Se for aprovada, vai para a Câmara dos Deputados. Hoje, o consumidor de um estado que adquire produto de uma loja virtual em outro estado paga o ICMS na origem da mercadoria. A proposta do relator da PEC, senador Renan Calheiros (PMDBAL), é sujeitar essas operações, em que o cliente geralmente não é inscrito no ICMS, ao mesmo tratamento dado às vendas que se realizam entre empresas de estados diferentes. Candidatos participam do certame, em março: 80% das questões de fisioterapia e urologia foram copiadas CMYK IBGE traça o perfil dos trabalhadores domésticos A Pesquisa Mensal de Emprego do IBGE estimou em 1,6 milhão o número de trabalhadores domésticos nas seis principais regiões metropolitanas do País. Entre eles, a predominância de mulheres (94,3%) e de pretos e pardos (61,8%) é evidente, bem como a de pessoas com menos de oito anos de estudo (64%). Esta participação, no entanto, chegava a 71% em 2002. Em média, os trabalhadores domésticos recebem 35% do rendimento médio da população ocupada nas áreas investigadas e somente 34,4% deles têm carteira de trabalho assinada. Apenas 3,4% daqueles trabalhadores moravam no domicílio em que trabalhavam e 81,9% deles trabalhavam em apenas um domicílio. A seguir, os principais destaques deste estudo especial da PME. A PME classifica como trabalhador doméstico a pessoa que prestava serviço doméstico remunerado em dinheiro ou benefícios, em uma ou mais unidades domiciliares. Em março de 2002 os trabalhadores domésticos representavam 7,7% da população ocupada passando para 8,1% em março de 2006. (1.620 mil pessoas). A jornada dos trabalhadores domésticos (37,6 horas) é inferior à observada para a média da população (41,9 horas)1. As mulheres nesta categoria (1.528 mil pessoas) correspondiam a 17,5% da população ocupada feminina. Entre os trabalhadores domésticos, 94,3% são mulheres e tal predominância ocorre em todas as regiões pesquisadas (Figura 4). Aliás, o trabalho doméstico também pode estar associado à entrada de mulheres no mercado de trabalho como um todo, o que ocasionaria demanda por serviços domésticos que estas trabalhadoras possam ter deixado de exercer em seus próprios domicílios. O trabalho doméstico remunerado é uma das mais precárias formas de inserção no mercado de trabalho também pelos baixos rendimentos auferidos. O rendimento médio recebido pelos trabalhadores domésticos equivalia a aproximadamente 35,0% do estimado para a população ocupada no agregado das seis regiões metropolitanas. Já o rendimento hora dos trabalhadores domésticos representava 40,0% do rendimento da população ocupada. As regiões com as maiores discrepâncias no rendimento / hora são Recife e Salvador: 34,9% e 33,4%, respectivamente. Quase um terço (27,5%) dos trabalhadores domésticos recebe menos de um salário mínimo, e entre os sem carteira assinada essa parcela chega a 40,4%. No entanto, 79,9% dos trabalhadores domésticos com carteira assinada recebem entre um salário mínimo e menos de dois salários mínimos (Figura 21). Raça Os trabalhadores domésticos pretos ou pardos representavam 12,7% da população ocupada preta ou parda, enquanto os trabalhadores domésticos brancos correspondiam a apenas 5,5% da população ocupada branca. No agregado das seis RMs, os pretos e pardos representavam 61,8% dos trabalhadores domésticos. Não se pode deixar de considerar as características regionais da população segundo a cor ou raça 2(Figura 9). Escolaridade Em março de 2006, apenas 7,8% dos trabalhadores domésticos freqüentavam escola e apenas 2,7% freqüentavam curso supletivo ou de alfabetização. Entre os trabalhadores domésticos, a proporção de pessoas com menos de 8 anos de estudo, (que não completaram o ensino fundamental) atingiu 64,0%, enquanto na população ocupada esta parcela era de 29,8%. O contingente de trabalhadores com menor nível de escolaridade estava acima dos 60% em todas as regiões pesquisadas (Figura 7). Figura 7 Entre 2002 e 2006 para os trabalhadores domésticos os estratos com 8 a 10 anos e 11 anos ou mais aumentaram a participação (em 2,3 pp e 4,9 pp, respectivamente), sendo que o número médio de anos de estudo passou de 5,4 para 5,9 anos. Neste período, para a população ocupada esta estimativa saiu de 8,7 anos para 9,2 anos. Idade Do ponto de vista etário, é importante ressaltar que a inserção precoce de crianças e jovens no mercado de trabalho não é um fenômeno estritamente pertinente ao serviço doméstico remunerado. Em março de 2006, as pessoas com idade entre 10 e 17 anos representavam 1,9% dos trabalhadores domésticos. A participação das pessoas com 10 a 24 anos de idade era inferior a 10,0%. Os trabalhadores domésticos com entre 25 e 54 anos de idade, mesmo desagregados em estratos, possuíam a maior participação (Figura 5). Entre as regiões metropolitanas, a distribuição etária é bastante diversificada: Belo Horizonte apresenta a maior parcela de trabalhadores domésticos com entre 10 e 24 anos (16,4%) seguido por Salvador (15,5%). Já Porto Alegre e Rio de Janeiro têm as maiores participações daqueles com mais de 35 anos (74,6% e 72,4%, respectivamente). Entre 2002 e 2006, cresceu a parcela dos trabalhadores domésticos com entre 35 e 64 anos de idade, enquanto diminuía a participação daqueles com idades inferiores a 35 anos. Isso se deu num contexto de crescimento dos trabalhadores domésticos em taxas superiores às da população ocupada (Figura 6). Domicílio Em março de 2006, de um contingente de 1.620 mil trabalhadores domésticos, apenas 3,4% moravam no domicílio onde trabalhavam, o que corresponde a 55 mil pessoas. Para a Pesquisa Mensal de Emprego do IBGE, a pessoa que dormia no domicílio onde trabalhava durante a semana e retornava ao seu domicílio nos finais de semana não é identificada como moradora no domicílio onde trabalhava, mas sim no seu domicílio permanente, onde residia nas folgas e finais de semana. Entre 2002 e 2006, caiu de 6,4% para 3,4% o percentual de pessoas com moradia no domicílio onde trabalham. Já a responsabilidade feminina pelos domicílios cresceu, pois 94,3% dos trabalhadores domésticos são mulheres e o percentual de trabalhadores domésticos responsáveis pelo próprio domicílio aumentou 4,0 pontos percentuais. A região metropolitana de Porto Alegre destaca-se com a menor participação relativa de pessoas cuja condição no domicílio é filho, e também pela menor proporção de trabalhadores domésticos com menos de 24 anos (6,6%). Carteira de trabalho Em março de 2006, no agregado das seis regiões metropolitanas o percentual de trabalhadores domésticos trabalhando sem carteira assinada chegou a quase dois terços (65,6%). Em relação aos empregados no setor privado, com e sem carteira assinada, esta desigualdade torna-se mais evidente visto que aqueles sem carteira de trabalho assinada equivaliam a 26,0% dos empregados no setor privado. A informalidade pode estar influindo sobre a permanência no trabalho principal. A participação dos trabalhadores domésticos com permanência de 2 anos ou mais no trabalho principal é inferior (em oito pontos percentuais) à da população ocupada para a média das seis regiões metropolitanas: enquanto 68,4% da população ocupada permanecem dois anos ou mais no trabalho principal, somente 60,5% dos trabalhadores domésticos o fazem. Outro aspecto a ser ressaltado: em todas as regiões investigadas, a maioria (81,9%) dos empregados domésticos trabalhava em apenas um domicílio. Entretanto, entre 2002 e 2006, cresceu de 16,2% para 18,1% a participação das pessoas que trabalhavam em mais de um domicílio no conjunto dos trabalhadores domésticos. Jornada de Trabalho Os trabalhadores domésticos cumpriam uma jornada média inferior à da população ocupada. Apenas nas regiões metropolitanas de Recife e Salvador a jornada média semanal cumprida pelos trabalhadores domésticos foi superior a da população ocupada (Figura 19). Figura 19 _________________________________ 1 Horas semanais habitualmente trabalhadas. 2 A investigação sobre a cor ou raça é realizada de forma que o entrevistado se autoclassifica a partir das seguintes opções que são apresentadas: branca, preta, amarela, parda e indígena. Comunicação Social 26 de abril de 2006 PROJETO DE LEI No ______________ DE 2011 (Do Sr. Roberto de Lucena) Dispõe sobre a contravenção de discriminação no uso de elevadores sociais. O Congresso Nacional decreta: Art. 1o Esta Lei estabelece a contravenção de discriminação no uso de elevadores sociais. Art. 2º. O Decreto-Lei 3688, de 3 de outubro de 1941, passa a vigorar acrescido do seguinte artigo 23- A: “Art. 23-A Impedir o acesso de empregados domésticos ou demais trabalhadores aos elevadores sociais de edifícios, quando não estiverem carregando carga ou objetos que, por sua natureza, devam ser transportados pelos elevadores de serviço. Pena – Prisão simples, de 30 dias a 3 meses, e multa.” Art.3º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação. JUSTIFICAÇÃO O Brasil nos últimos décadas tem avançado no combate a discriminação e ao preconceito. A sociedade brasileira vem absorvendo a necessidade de se respeitar cada vez mais o próximo, a pluralidade e a diversidade. A exemplo, citamos que no passado não muito distante, os afrodescendentes eram tema de piadas, chacotas e ainda passavam por humilhantes cenas de constrangimento e discriminação. Foi preciso criar leis mais duras e ser feito um amplo trabalho, em especial, com as crianças, jovens e adolescentes. O cenário ainda não é o ideal mas conquistado alguns avanços. A sociedade também tem buscado o fim da discriminação e do preconceito contra judeus, homossexuais, nordestinos, entre outros. E nesta luta esta Casa de Leis não se omitiu. São muitas as propostas legislativas já aprovadas e muitas outras que já foram acolhidas e tramitam visando o fim desse grande que agride a convivência entre as pessoas, semeando o ódio e a discórdia inibindo o desenvolvimento harmonioso da sociedade. Neste sentido, trago para a apreciação dos Nobres Pares uma proposta que visa inibir impedir a discriminação contra empregados domésticos e outros trabalhadores quanto ao acesso aos elevadores sociais de edificações. É costume classificar os elevadores como sociais e de serviços. Mas, sabemos que para maior conforto, segurança e igualdade entre os usuários, quer sejam moradores, empregados, prestadores de serviços, ou quaisquer outros, o elevador social é o meio normal de transporte das pessoas que utilizam as dependências de um prédio. Porém, nem todos entendem assim, e aproveitando de uma nomenclatura usada para distinguir a finalidade dos elevadores, usam este transporte para discriminar pessoas, que na sua grande maioria são trabalhadores e pessoas de sua convivência. Entendemos que os elevadores de serviço devem ser utilizados sempre que a pessoa, tanto morador quanto empregado, prestador de serviços, ou outros, estiver deslocando cargas, compras de supermercado, produtos de limpeza, ou quando estiverem realizando obras, reparos ou, ainda, realizando mudanças. Assim, com base no termo “elevador de serviço”, pessoas, que não querem ser vistas ao lado de empregados, forçam que os regimentos internos dos condomínios, os proíbam de usar os elevadores, em flagrante desrespeito ao Art. 5° da Constituição Federal. “Nada, a não ser uma odiosa discriminação social, justifica que empregados domésticos, mesmo quando não estejam carregando carga ou realizando serviços incompatíveis com o elevador social, sejam obrigados a utilizar os elevadores de serviço” afirmou o ex- deputado federal Pastor Reinaldo em 2006 quando também trouxe a esta Casa proposta semelhante que não prosperou tão somente por ter sido arquivada por força do artigo 105 do Regimento Interno da Câmara dos Deputado. Para garantir que esse atentado ao princípio da igualdade de todos não se perpetue, oferecemos a presente proposição para tornar contravenção penal o ato de discriminar empregados domésticos e outros trabalhadores quanto ao acesso aos elevadores sociais. A pena de prisão simples e multa é leve, mas suficiente para marcar a ilicitude do ato e impedir que regimentos de edifícios possam adotar essa odiosa norma discriminatória. Por todo o exposto, conclamamos os Nobres Pares a aprovarem este Projeto. Sala das Sessões, em ____ de fevereiro de 2011. Deputado ROBERTO DE LUCENA PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO No , DE 2010 (Do Sr. Carlos Bezerra e outros) Revoga o parágrafo único do art. 7º da Constituição Federal, para estabelecer a igualdade de direitos trabalhistas entre os empregados domésticos e os demais trabalhadores urbanos e rurais. As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do art. 60 da Constituição Federal, promulgam a seguinte emenda ao texto constitucional: Art. 1º Fica revogado o parágrafo único do art. 7º da Constituição Federal. Art. 2º Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data de sua publicação. JUSTIFICAÇÃO Desde 2008, está sendo elaborada, no âmbito no Poder Executivo, uma Proposta de Emenda à Constituição para estabelecer um tratamento isonômico entre os trabalhadores domésticos e os demais trabalhadores urbanos e rurais brasileiros. A tarefa foi entregue a um grupo multidisciplinar que envolveu a Casa Civil e os Ministérios do Trabalho e Emprego, da Previdência Social, da Fazenda e do Planejamento, Orçamento e Gestão. 2 As mudanças pretendidas no regime jurídico dos domésticos beneficiarão 6,8 milhões de trabalhadores, permitindo-lhes acesso ao FGTS, ao Seguro desemprego, ao pagamento de horas extras e ao benefício previdenciário por acidente de trabalho, prerrogativas que estão excluídas do rol dos direitos a eles assegurados no parágrafo único do art. 7º da Constituição Federal. Infelizmente, os trabalhos iniciados em 2008, no Governo Federal, foram interrompidos e permanecem inconclusos. A principal dificuldade encontrada pelos técnicos para a conclusão dos trabalhos é o aumento dos encargos financeiros para os empregadores domésticos. Sabemos que, seguramente, equalizar o tratamento jurídico entre os empregados domésticos e os demais trabalhadores elevará os encargos sociais e trabalhistas. Todavia, o sistema hoje em vigor, que permite a existência de trabalhadores de segunda categoria, é uma verdadeira nódoa na Constituição democrática de 1988 e deve ser extinto, pois não há justificativa ética para que possamos conviver por mais tempo com essa iniquidade. A limitação dos direitos dos empregados domésticos, permitida pelo já citado parágrafo único do art. 7º, é uma excrescência e deve ser extirpada. Nesse sentido, apresentamos esta Proposta de Emenda à Constituição e pedimos o necessário apoio para a sua aprovação. Sala das Sessões, em de Deputado CARLOS BEZERRA 2010_874 de 2010. PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO Nº , DE 2011 (Da Sra. Gorete Pereira e outros) Dá nova redação ao parágrafo único do art. 7º da Constituição Federal. As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do art. 60 da Constituição Federal, promulgam a seguinte emenda ao texto constitucional: Art. 1º O caput do art. 7º da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação: "Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, inclusive os domésticos, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: .........................................................................." (NR) Art. 2º Fica revogado o parágrafo único do art. 7º da Constituição Federal. JUSTIFICAÇÃO As relações de trabalho doméstico são, ainda hoje, no Brasil, um ranço do nosso passado escravocrata. Às trabalhadoras e aos trabalhadores domésticos são sempre concedidas migalhas do espaço e da alimentação familiar e, lamentavelmente, também migalhas da proteção estatal à atividade laboral. Lamentavelmente, a discriminação contra os domésticos em nosso País tem fundamento na própria Constituição Federal, a chamada “Constituição Cidadã”, que lhes nega alguns dos direitos mais básicos para os trabalhadores em geral. É o caso, por exemplo, da limitação da jornada de trabalho, que está na origem histórica do direito trabalhista. Decorrente disso, os domésticos 2 veem-se alijados de outros direitos, como os adicionais de hora extra e do trabalho noturno. Também lhes são negados o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e o seguro-desemprego, direitos tão importantes para os demais trabalhadores em momentos difíceis de suas vidas, mas cuja concessão, no caso dos domésticos, dependem da benevolência e da consciência dos empregadores. Felizmente hoje, ao que parece, um novo tempo se inicia, e, depois de quase cem anos de sua criação, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) aprovou a Convenção189, que dispõe sobre o trabalho doméstico. Como declarou o Diretor-Geral da OIT, Juan Somavia, pela primeira vez o sistema de normas da OIT é dirigido à economia informal, e este é um acontecimento de grande significação. “Estamos fazendo a história.” É preciso que o Brasil, como um dos países que apoiou a adoção da Convenção, participe dessa história, eliminando definitivamente os resquícios escravagistas que ainda diferenciam os domésticos dos demais trabalhadores. Esse é o sentido da proposta de emenda à Constituição que ora apresentamos. Para tanto, alteramos o caput do art. 7º da Constituição Federal, para incluir os domésticos na proteção dada aos demais “trabalhadores urbanos e rurais”, e revogamos o parágrafo único do mesmo artigo, que, sob o pretexto de garantir direitos, na verdade avilta e discrimina o trabalho doméstico. Na certeza de que nossa iniciativa faz justiça para com a laboriosa classe dos trabalhadores domésticos brasileiros, alinhando o nosso País às nações mais avançadas do mundo, apresentamos esta proposta de emenda à Constituição e contamos com o apoio dos nobres Pares para sua rápida tramitação e aprovação. Sala das Sessões, em de agosto de 2011. Deputada GORETE PEREIRA Entrevistado: Dr. Geniel Soares (Advogado trabalhista, OAB/DF 22.323) 1) Como você definiria o empregado doméstico? R - O empregado doméstico é todo aquele (pessoa física) que realiza serviço de natureza contínua, porém não exclusiva (podendo trabalhar em outras residências, desde que haja compatibilidade de horários) com finalidade não lucrativa a pessoa ou família, dentro do âmbito residencial, podendo se estender para a realização do serviço prestado para o âmbito familiar. Exemplos: cozinheira, motorista particular. 2) Na primeira parte do art. 7º da Constituição Federal de 1988, o referido artigo afirma “são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais”, em sua opinião, de acordo com a CF, qual seria o significado da expressão “trabalhador urbano”? R - Entende-se como empregado urbano, toda a pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual na empresa ou residência do empregador, desde que haja finalidade lucrativa, sob a dependência deste e mediante salário. Além dessas características que definem a figura do empregado, deve ser acrescida a pessoalidade, consistente na impossibilidade do empregado se fazer substituir por outro trabalhador, pois o contrato de trabalho é personalíssimo. 3) Em qual categoria se encontra o empregado doméstico? R - A Lei nº 5.859, de 11 de dezembro de 1972, regulamentada pelo Decreto nº 71.885, de 9 de março de 1973, dispõe sobre a profissão do empregado doméstico, conceituando e atribuindo- lhe direitos. O empregado doméstico em relação ao trabalhador urbano, diferenciase pelo fato de que o empregador do trabalhador urbano desenvolve atividade econômica. Já o empregado rural diferencia-se do empregado doméstico pelo fato de que aquele desenvolve atividade econômica. Cabe ressaltar que o empregado doméstico é uma profissão que tem como exemplo os seguintes empregados: cozinheiro(a), governanta, babá, lavadeira, faxineiro(a), vigia, motorista particular, jardineiro(a), acompanhante de idosos(as), entre outras. O caseiro também é considerado empregado doméstico, quando o sítio ou local onde exerce a sua atividade não possui finalidade lucrativa. 4) O § único do artigo 7° da CF impôs uma limitação de vários direitos para o empregado doméstico. Na sua opinião, com base em que foi imposta essa limitação aos domésticos? R - Entende-se que a limitação dos direitos aos empregados domésticos foram impostas por erro dos legisladores em não observarem os princípios fundamentais como a dignidade da inobservância pessoa humana, bem como a direitos e garantias fundamentais, especialmente no que diz respeito à igualdade que todos tem perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. 5) Diante do exposto, qual a sua opinião a respeito da exclusão dos empregados domésticos da CLT e a conseqüente limitação constitucional imposta a essa categoria? R - Deve-se observar que aos domésticos é necessária uma nova legislação, que imponha o cumprimento do princípio da igualdade. Todos os direitos trabalhistas concedidos ao empregado comum devem ser estendidos aos domésticos, salvo se incompatíveis com a atividade desempenhada. Entrevistado: Sr. Antonio Ferreira Barros – Presidente do Sindicato dos trabalhadores Domésticos do Distrito Federal e das cidades do Entorno. 1) Tendo em vista todo o seu conhecimento sobre o trabalho doméstico, por estar à frente do sindicato, como o Senhor definiria a atual situação dos empregados domésticos? R – A situação dos empregados domésticos pouco mudou. Desde o descobrimento do Brasil até os dias de hoje, pouco se tem efeito por essa categoria. Continuam a serem discriminados embora seja a terceira maior categoria de trabalhadores. No Brasil, do total de 7,5 milhões de trabalhadores, 110 mil são trabalhadores domésticos. Para todos os efeitos, são considerados empregados domésticos todos que trabalham na residência, por exemplo: a babá, a enfermeira, o acompanhante de idoso, o motorista etc. 2) O Senhor percebeu alguma mudança com relação a contratação ou demissão, depois da entrada em vigor da Lei 11,324 de 2006, que ampliou os direitos trabalhistas dos empregados domésticos? R – Sempre que tem qualquer mudança na Lei, os repórteres ligam para saber se essa ou aquela mudança pode causar o desemprego para a categoria. Nenhuma alteração provoca o desemprego para os trabalhadores domésticos. A patroa sempre vai precisar dos serviços delas. A patroa não tem como mandar a roupa duas ou três vezes para a lavanderia, mandar as crianças para a creche, almoçar e jantar fora todos os dias ficam muito mais caro do que contratar uma empregada doméstica. Sempre vai ter carência dessa mão-deobra. 3) Qual a sua opinião sobre a Lei 11.324/06? R – Esta lei foi muito importante, trouxe muitas alterações, como por exemplo: as férias de 30 dias, o descanso em feriados, a estabilidade à gestante, a proibição de descontos. Antes da Lei, era comum demitir a empregada quando se descobria que ela estava grávida e ficava por isso mesmo, assim como os patrões descontavam o que queriam dos salários dos empregados. 4) O Senhor acha que essa lei conseguiu atender as expectativas dos empregados domésticos? R – Esta lei foi um grande passo. Melhorou consideravelmente a situação deles, mas ainda não resolveu o problema. 5) Atualmente quais as expectativas dos empregados domésticos? R – A concessão do FGTS. Todos os empregados domésticos tem interesse que seja logo resolvida essa questão. Essa, atualmente é a maior expectativa.