Cristiane Cagnoto MORI (PUC-SP) ABSTRACT: This paper analyses the development of a hearing child's gestures between 10 and 18 months of age. 1t demonstrates that the adult's discourse transforms the child's moviments in gestures. These gestures take on different functions and activelyparticipate in the construction of the child's orality. KEY WORDS: gestures, development, orality o movimento estruturalista na lingilistica determina que seu objeto de estudo deva ser a langue e, portanto, para ser coerente com tal postulado, aspectos da parole nao compreendem suas investiga~oes. 0 gesto at se encaixa e, dentro desse movimento, permanece a sombra das investig~oes. Enos anos 70 que floresce 0 interesse pelos aspectos pragmaticos da linguagem devido ao estabelecimento por AUSTIN (1962) da n~o de atos de fala. A partir daf, os fenomenos paralingiiisticos, dentre eles 0 gesto, passam a despertar interesse, em fun~ao do papel que parecem desempenhar no processo de comuni~o. E justamente motivados pela n~ao de atos de fala que os pesquisadores com~am a se interessar pelo papel que 0 gesto poderia ter no desenvolvimento da linguagemde crian~as ouvintes. Para BATES et al (1975), por exemplo, as inte~s comunicativas aparecem na expressao gestual antes de aparecerem na expressao vocal. Ja BRUNER (1975) postula que 0 dominio das estruturas da ~o e aten~o conjugadas e prerequisito para 0 dominio das estrllturas lingiiisticas. Assim, diferentes aspectos da linguagem seriam construidos primeiramente num Divel pre-lingilistico, atraves dos gestos e vocaliza~oes e, posteriormente, num myel verbal. Estes dois trabalhos, entre outros, representam a tendencia em se postular a continuidade funcional ou estrutural do perfodo pre-lingiiistico para 0 lingilistico. Segundo LEMOS (1986), 0 problema esta em se considerar esses perfodos como pertencentes a diferentes dominios e, sobretudo, em se subordinar a constru~o do conhecimento lingilistico a constru~ao de outro dominio. Assim, para essa autora, tais trabalhos Dio explicam como a inter~o transforma as capacidades iniciais da c~a, biologicamente dadas. o resgate do papel da inter~o aparece em WCK (1980) para quem 0 significado das a~s da cri~ reside primeiramente na atividade da mae. E ela quem atribui aos primeiros movimentos da crianca uma inten~o comunicativa, imprimindo-lhes um valor social. A partir das respostas maternas, os movimentos se transformam em gestos. Entretanto, para este autor, gesto e fala sio ordenados temporalmente e Dlo ha, de sua parte, considera~o pelo gesto conjugado A fala. BATES et al (1979) consideram gesto e fala como dois tipos de comportamento simb6lico resultantes do amadurecimento de uma capacidade cognitiva subjacente comum. Dentre dessa perspectiva cognitivista encontra-se ta1nbem 0 cUssico trabalho de CASELLI et al (1983) quetem 0 merito de descrever minuciosamente 0 desenvolvimento gestual de uma cri~, estabelecendo seus esttgios, bem como de oferecer criterios para uma taxonomia gestual: dCiticos(cujo referente est! presente no contexto) e referenciais (sfmbolo Dioverbal usado como signifieante para representar uma realidade ja significada). Porem, tambem para estas autoras, os gestos sio substituidos pela linguagem oral quando 0 sistema vocal se estabUiza e assim os gestos, sobretudo os referenciais, sio considerados pre-cursores da comunica~o. Estaremos aqui refutando 0 carater do gesto enquanto pre-requisito Dio 56 em ~ da discussio te6rica ja citada, ou seja, devido A subordinac1o do dominie da linguagem a cons~o de um outro dominio, massobretudo porque os nossos dados apontam que os gestos estio integrados com a oralidade desde 0 inicio e que Dio desaparecem quando da emergencia da linguagem oral. Nesse trabalho analisaremos 0 registro de 10 (dez) inter~s entre uma crian~ ouvinte (M.) e sua mie em contexte natural de inter~o. As coletas foram mensais, feitas atraves de filmagem, cobrindo 0 periodo de 08 A 18 meses de idade da crianca. Na analise pretendemos mostrar: a) como se d4 a transfo~ de um movimento em gesto? b) qual a importincia do discurso do outro neste processo? c) qual a ~o dos gestos da crianca em seu processo de aquisi~o da linguagem? o metoda de analise adotado foi 0 longitudinal. Estamos assumindo os pressupostos da teoria s6cio-construtivista onde a inter~o lingiiistica e vista como constitutiva do sujeito, do mundo e da linguagem em todos os seus aspectos, inclusive o gesto. 0 jogo, sobretudo aqueles postulados por LIER (1983), valera como um proficuo recurso observacional, uma vez que ajudara na de~o de qual faceta da linguagem estt sendo trabalhada e de qual 0 papel do gesto nessa negocia~. A analise do desenvolvimento gestual de M. iniciou-se quando ela estava com 08 meses de idade. 0 primeiro passo em direcao a sua gestualidade embasa-se na transformacao de seus movimentos iniciais que 810 generalizados e indefinidos. Essa transformacao ocorre quando 0 outro, reconhecendo nesta movimentacao indicios de algum gesto culturalmente codificado, alca urn certo movimento e 0 significa atraves de seu discurso. E a partir desta atividade interpretativa que ocorre uma diferenciacao entre esta movimentacao generalizada e os primeiros esquemas corporais que, constituindo-se de urn movimento mais delimitado, remete 0 outro a uma certa pratica interacional. Nesse sentido, estes esquemas sao utilizados pela crianca tanto para requerer um jogo, quanto para dele participar. A este respeito, vale ressaltar que os primeiros jogos instanciados pela mae sao ritmicos, cuja contraparte motora consiste na acao de "bater palmas". Convivendo com a movimentacao generalizada esm ainda uma tentativa fracassada de pegar urn objeto. Mais uma vez e 0 discurso do outro que interpreta este movimento, imprimindo-lhe 0 significado de uma indicaeao e, assim, para a perspectiva do outro, 0 movimento infantil converte-se em um gesto. Neste momento, o adulto passa a instanciaros primeiros jogos de Reconhecimento onde, alem deser trabalhada a face auditiva do objeto sonoro, 0 proprio gesto indicativo e negociado, uma vez que e ele a resposta esperada nestetipo de jogo. Um segundo momento em direcao ao gesto indicativo refere-se a busca pelo par do lIal;.Qque distinguira entre muitos movimentos semelhantes a forma precisa da indicacao. A crianea (enlAocom 10 meses) busca "forma a forma" 0 desenho exato do gesto, uma vez que neste momento de seu desenvolvimento lingiiistico oral h3. urna subversao na ordem canonica, ou seja, e 0 gesto que devera desambigiiizar sua oralidade ainda indiferenciada. Reconhecendo este trabalho de elaboracao, a mae passa a instaurar jogos de Nomeacao onde a face articulat6ria do objeto sonoro sera negociada. Entretanto, ocorre um trabalho preliminar a essa negociacao, uma vez que quem nomeia e a mae. E justamente num jogo de Reconhecimento que podemos observar a realizacao pela crimea de um ~ indicativo, uma vez que jt se trata de um movimento reduzido, simplificado e de cuja funcao ela e consciente. E a presenca do gesto, ao inves de urn movimento, que leva a mae a instanciar, quando a crimea esm com 11 meses de idade, 0 jogo Dramatico, 0 qual se presta a trabalhar a sintese das faces auditiva e articulat6ria do objeto sonoro. Tambem as diferentes funCoes do gesto indicativo infantil tem que ser a ele atribuidas pelo discurso materno. A interpretacio majoritaria e, portanto, a funcio privilegiada e a de instaurar 0 jogo de Nomeacao, sendo que e a mae quem nomeia 0 referente apontado pela crianca. Os jogos de Reconhecimento continuam a ser instanciados e, dentro deles, a mae comeca a exigir, quando a crimea esta enlaO com 14 meses, algumas participacoes vocais. Alem da funcao de instanciar diferentes jogos interacionais, 0 gesto indicativo adquire 0 status de signa interpretante para as vocalizacoes infantis que, nesse momento, ainda sao indiferenciadas. esta nova funcao do gesto indicativo leva a mae a se aperceber da indeterminacao dos significantes infands e a tentar, conseqiientemente, adequar-lhes a composicao paradigmatica. A esta altura, este gesto co~a a compor sintagmaticamente os enunciados da c~a, comportando-se como mais urn.elemento nesses enunciados gestuais/vocais. Ao ser urn. elemento componente (e nio redundante) do enunciado infantil. 0 gesto indicativo da crianea, entio com 15 meses, comeea a ser interpretado como aquele que indica lugares e dir~s. A Ultima funcao pela mie atribufda ao gesto indicativo da crimea, entio com 16 meses, e a de indicar QlWU sera alvo do jogo que se realiza, ou seja, indicai pessoas. Ao atribuir ao gesto infantil a funcao de apontar ~ e ~, a mle passa a inserir a crianca no funcionamento dos elementos deiticos do discurso atraves de uma categoria gestual tambem deitica. Considerando-se que nas situaeOes em que se negociam estes usos para 0 gesto indicativo e que a ~a apresenta momentos de reversibilidade de papeis. podemos concluir que 0 dominio pela crimea das categorias deiticas do discurso passa pela sua experimentacao a myel da acio. Enquanto a forma do gesto indicativo deve ser precisa, uma vez que sua funCio e indicar urn.(e nio outro) referente presente no contexto, os gestos representativos, que surgem quando a crimea esta com 10 meses, embora necessitem que a ~ significado/significante seja negociada, uma vez que a mesma e arbitrliria, nio demandam urn. trabalho especifico sobre a sua forma. Os gestos representativos aparecem majoritariamente dentro dos jogos Rftmicos, embora tambem possam fliU-Io nos jogos Dramaticos. Sua tuncao mostrou ser a de inserir a crianca no carater simbOlico da linguagem e isto explica 0 porqua da mle exigir ~s nas vocaliza¢es infantis dentro destes primeiros jogos, permeando-os, inclusive, pelos jogos vocais - Jonetico e fonol6gico - propostos por UER (op cit). Tambem os gestos demonstrativos (cuja re~o significadolsignificante e motivada) comparecem no repertOrio gestual da crimea e, Bendo sua ~o auxiliar 0 gesto indicativo na requisicao de urn.objeto. a crianca pasaa a apresentar enunciados gestuais. Desde 08 10meses de idade a crianca consegue, atraves da especularidade diferida, reinstaurar procedimentos motores fazendo parecer que foi ela quem instaurou a pratica interacional que entiose estabelece. Nesse sentido, os .procedimentos infantis funcionam como uma senba gestual que desencadeia no outro umaresposta, quase sempre, a instaneiaclo de urn.jogo. da mesma forma, algumas palavras-chaves, que normalmente comparecem nos jogos Rftmico e Dramatico, funcionam como uma senha verbal a desencadear respostas motoras da crianea. Estas senhas verbais, no entanto, remetem a crianca a uma prlitica interacional integral e .nio aquele gesto que representa, especificamente, a palavra-chave, ou seja, a crimea nio esta decodificando todo 0 enunciado materno. A remet&1cia a urn.jogo, e nio a urn.gesto especifico, permite que a crimea (aos 16 meses, aproximadamente) realize se~ias de gestos representativos que, uma vez adequadas, faz parecer a mle que a crianca independe de seu enunciado, 0 que leva a primeira a intensificar 0 trabalho sobre a linguagem oral. o trabalho especifico sobre a linguagem oral da crimea somente com~a aos 10 meses de idade. quando as vocal~Oes infantis do complementadas segmental e suprassegmentalmente pela mae. Antes disso, porem, as vocalizacOes sO figuram como uma categoria interpretada quando estio amalgamadas a algum proceditilento motor que e, na verdade, 0 elemento interpretado. A ent'ase no trabalbo sobre a oralidade inicia-se aos 13 meses de idade da crianea e coincide com um seu uso decontextualizado de um gesto representativo. A partir desta idade, e nitido que quando a crianea somente vocaliza, a mae tambem abdica de qualquer gestualidade. Aos 15 meses, as vocalizacoes da crianea ainda sao indeterminadas, fluidas de sentido eo gesto representativo, a exemplo do gesto indicativo, defme-lhes 0 significado. Dos 13 aos 16 meses nao ha uma preocupacao explfcita com a forma dos significantes infantis e a crianea ainda se mostra confiante na eficacia de sua gestualidade. Aos 16 meses, 0 padrao de suas vocalizaeoes ja e predominantemente silabico, alem delas serem adequadas as situacoes. Embora esta adequacao se mostre dependente da especularidade (imediata ou diferida), ou de algum procedimento motor amalgamado a vocalizacao defmindo-lhe a escolha, a mae interpreta esta adequaeao como um indice de que 0 trabalbo sobre a oralidade deva ser intensificado e, para tanto, utiliza-se das estrategias de "reduplicacao sil4bica" e "preenchimento vocabular". A primeira estrategia ocorre basicamente durante as cantigas infantis ("Atirei 0 pau no gato" , por exemplo) e se caracteriza, como 0 proprio nome escolhido indica, pela reduplicacao da silaba fmal de alguma palavra. Ja no "preenchimento vocabular", a mae deixa incompleta a producao ou de uma palavra isolada ou de uma sentenea e indica, entoacionalmente, que a crianea deve completala. A. primeira estraregia a crianea responde adequadamente, mas relativamente a segunda, a crianea somente proceder ao preenchimento se houver um esquema motor ritualizadamente amalgamado a vocalizacio que ela deve oferecer. Tambem a variacao entoacional infantil funciona, para a perspectiva materna, como uma forma de resposta ao preenchimento vocabular. Apesar de uma marcacao enfatica sobre a oralidade infantil, a mae continua a exigir da crianca tanto a realizacao de gestos representativos, quanto seu contato visual para os gestos que estejam sendo realizados por outtem. Ou seja, a mae resgata 0 amalgama motor/oral que sempre se mostrou eficiente na tarefa de levar a crianea a apropriaeao da oralidade. De fato, nao s6 a mae se mantem usando as duas modalidades, como tambem a crianea oscila entre elas, mas quando apresenta a modalidade oral, fica nitido que aquele vocabulo esteve originalmente concatenado a urn procedimento motor especifico. Afmnar que procedimentos motores (movimentos e/ou gestos) estio presentes nas interacoes lingiiisticas entre a crianea e seus pares nao se constitui num dado inedito dentro da literatura concemente. 0 que nos parece importante questionar diz respeito ao estatuto destes procedimentos junto ao processo de desenvolvimento da linguagem infantil, uma vez que as pesquisas da area, ao apontarem para a substituieao da gestualidade pela oralidade, atribuem aos gestos 0 carater de prerequisito. Dessa forma, a analise aqui apresentada pretendeu demonstrar que os procedimentos motores, em todas as suas efetivaeOes, nio sao pre-cursores da oralidade, pois, alem de participarem intimamente de seu processo de construcao, continuam presentes no repertllrio ling(iistico infantil mesmo quando a interacao entre a c~a e seus pares privilegia a modalidade oral para sua efetiv~o. RESUMO: Este trabalho aMlisa 0 desenvolvimento gestual de uma crillllfa ouvinte dos 10 aos 18 meses. demonstrando que 0 discurso do outro transformtl os movimentos in/aims em gestos. Estes gestos. assumem di/erentes fun¢es e participam a!ivamente na constru~iJoda oralidade in/antil. PALAVRAS-CHAVE: gestualidade, desenvolvimento, oralidade AUSTIN, J. L. (1962). How Do 17tings with Words? LoDdres: Oxford Univenity Press. BATES, E.; CAMAIONI, L.; VOLTERRA, V. (1975). The acquisition of performatives prior to speech. Mtrril-Palmer Qumttly, 21: 205-226. BATES, E.; SNYDER, L.; BRE11IERTON, I.; VOLTERRA, V. (1979). 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