Léo Posternak
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0610491/CA
Populismo no Brasil de 1945 a 1964:
as interpretações da Escola de Sociologia
da Universidade de São Paulo, do ISEB
e do pensamento econômico liberal
Dissertação de Mestrado
Dissertação apresentada ao programa de PósGraduação em Ciências Sociais da PUC - Rio
como requisito parcial para obtenção do título de
Mestre em Ciências Sociais.
Orientador: Prof. Ricardo Emmanuel Ismael de Carvalho
Rio de Janeiro
Agosto de 2008
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Léo Posternak
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0610491/CA
Populismo no Brasil de 1945 a 1964:
as interpretações da Escola de Sociologia
da Universidade de São Paulo, do ISEB
e do pensamento econômico liberal
Dissertação apresentada como requisito parcial
para obtenção do título de Mestre pelo Programa
de Pós-Graduação em Ciências Sociais da PUCRio. Aprovada pela Comissão Examinadora abaixo
assinada.
Prof. Ricardo Emmanuel Ismael de Carvalho
Orientador
Departamento de Sociologia e Política – PUC-Rio
Profa. Maria Celina Soares D'Araujo
FGV
Prof. Eduardo de Vasconcelos Raposo
Departamento de Sociologia e Política – PUC-Rio
Prof. Angela Maria de Randolpho Paiva
Departamento de Sociologia e Política – PUC-Rio
Prof. Nizar Messari
Coordenador Setorial do Centro
de Ciências Sociais – PUC-Rio
Rio de Janeiro, 22 de agosto de 2008
Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total
ou parcial do trabalho sem autorização da universidade, do
autor e do orientador.
Léo Posternak
Graduou-se em Engenharia Civil na UFRJ em 1970.
Graduou-se em Ciências Sociais na PUC-Rio em 2004.
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Ficha Catalográfica
Posternak, Léo
Populismo no Brasil de 1945 a 1964: as
interpretações da Escola de Sociologia da Universidade
de São Paulo, do ISEB e do pensamento econômico
liberal / Leo Posternak ; orientador: Ricardo Emmanuel
Ismael de Carvalho. – 2008.
98 f. ; 30 cm
Dissertação (Mestrado em Sociologia e Política)–
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio
de Janeiro, 2008.
Inclui referências bibliográficas.
1. Sociologia – Teses. 2. Populismo. 3. Pensamento
social brasileiro. 4. Escola de Sociologia da Universidade
de São Paulo. 5. ISEB. 6. Pensamento econômico
liberal. I. Carvalho, Ricardo Emmanuel Ismael de. II.
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
Departamento de Sociologia e Política. III. Título.
CDD: 301
À minha família.
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Agradecimentos
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Ao professor Ricardo Ismael pelo incentivo e pela orientação profissional e
amiga.
À PUC-Rio, pelo auxílio concedido, sem o qual este trabalho não poderia ter sido
realizado.
Aos colegas de turma e futuros mestres que me proporcionaram dois maravilhosos
anos de estudos e convivência fraterna.
Resumo
Posternak, Leo; Ismael, Ricardo (Orientador). Populismo no Brasil de
1945 a 1964: as interpretações da Escola de Sociologia da
Universidade de São Paulo, do ISEB e do pensamento econômico
liberal. Rio de Janeiro, 2008. 98p. Dissertação de Mestrado –
Departamento de Sociologia e Política, Pontifícia Universidade Católica
do Rio de Janeiro.
O pensamento social brasileiro procurou, ao longo do século passado,
compreender os processos de mudança no país, especialmente na relação entre o
Estado e a sociedade. Nesse sentido, o fenômeno do populismo ganhou destaque
por conta de suas implicações no processo eleitoral, na renovação de lideranças
políticas, ou mesmo nas finanças públicas. Este trabalho procurou discutir as
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interpretações sobre as manifestações populistas no período de 1945 a 1964,
oferecidas pela Escola de Sociologia da Universidade de São Paulo, pelo Instituto
Superior de Estudos Brasileiros, e por representantes do pensamento econômico
liberal. Foi possível verificar que as contribuições estudadas afirmaram a
relevância dos estudos sobre o populismo para a compreensão da política
brasileira no período de 1945 a 1964, como também ajudaram na propagação do
debate sobre o fenômeno do populismo no mundo público. Entretanto, em razão
dos pressupostos teóricos diferentes que fundamentavam suas análises, não foram
capazes de contribuir para uma definição precisa do fenômeno aqui estudado. Na
Escola de Sociologia da USP destacaram-se o conceito de “estado de
compromisso”, desenvolvido por Weffort, e a busca do entendimento da
diminuição da importância da luta de classes no período populista. Por outro lado,
os intelectuais do ISEB, que trabalharam sob influência do pensamento cepalino,
viam o populismo como uma passagem na evolução da modernização do país, e
davam ênfase à preocupação com o nacional-desenvolvimentismo. Já os
pensadores econômicos liberais se mantinham fiéis ao liberalismo econômico,
marcando suas críticas aos governos que não priorizavam o equilíbrio fiscal.
Palavras-chave
Populismo; pensamento social brasileiro; Escola de Sociologia da
Universidade de São Paulo; ISEB; pensamento econômico liberal.
Abstract
Posternak, Léo; Ismael, Ricardo. Populism in Brazil from 1945 to
1964: the interpretations made by the School of Sociology of the São
Paulo University, by the ISEB, and by the liberal economic thought.
Rio de Janeiro, 2008. 98p. Dissertação de Mestrado – Departamento de
Sociologia e Política, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
The Brazilian social thought sought, throughout the past century, to
understand the processes of change in the country, especially the relation between
the State and the society. In that sense, the phenomenon of populism gained
prominence, due to its implications in the electoral process, the renewal of
political leadership, and even in the area of public finance. This work tried to
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discuss the interpretations on the populist manifestations during the period from
1945 to 1964, proposed by the School of Sociology of the University of São
Paulo, by the Superior Institute of Brazilian Studies, and by representatives of the
liberal economic thought. It was possible to verify that the studied contributions
pointed out the relevance of populism studies for better understanding Brazilian
politics during the period from 1945 to 1964, as well as helped to spread the
discussion about the phenomenon of populism in the public sphere. However, as a
consequence of the distinct fundamentals through which different theoreticians
based their analyses, they had not been able to accomplish to a precise definition
of the phenomenon. In the School of Sociology of the USP relevant concepts were
“state of commitment” developed by Weffort and the search for understanding the
decrease of the importance of class struggle during the populist period. On the
other hand, the intellectuals of the ISEB had worked under guidance of CEPAL’s
thought. They saw Populism as a phase in the evolution of the country, and
emphasized the concern with national development. The liberal economic thinkers
were loyal to economic liberalism, criticizing governments that did not give
priority to fiscal balance.
Keywords
Populism; Brazilian social thought; School of Sociology of the
University of São Paulo; ISEB; liberal economic thought.
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Sumário
1. Introdução
1.1. Sobre as origens do fenômeno populista
1.2. Democratização do pós-guerra e instabilidade política
1.3. Mudanças na sociedade e na economia brasileira
1.4. A contribuição do pensamento social brasileiro para a
compreensão do populismo no Brasil
10
10
18
23
2. Populismo e luta de classes
2.1. A Escola de Sociologia Paulista
2.2. Weffort: populismo como expressão de insatisfações
2.3. Ianni e a política de massas
2.4. Considerações finais
28
28
30
37
40
3. Populismo e nacional-desenvolvimentismo
3.1. As origens e o papel do Instituto Superior de Estudos
Brasileiros nos anos de 1950/1960
3.2. O ISEB e as primeiras reflexões sobre o populismo
3.3. Jaguaribe: a modernização contida
3.4. Guerreiro Ramos: o populismo como fase
3.5. Candido Mendes e o assistencialismo populista
3.6. Considerações finais
43
25
43
47
49
52
58
61
4. Populismo e liberalismo econômico
4.1. O pensamento econômico liberal brasileiro em meados do
século XX
4.2. Eugênio Gudin: um liberal ortodoxo
4.3. Octavio Gouveia de Bulhões: um liberal pragmático
4.4. Roberto Campos: um liberal na política
4.5. Considerações finais
64
64
66
71
75
82
5. Conclusão
86
6. Referências bibliográficas
92
Lista de Siglas
ANPUH - Associação Nacional de História
BIRD - Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento
BNDE - Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico
CEBRAP - Centro Brasileiro de Análise e Planejamento
CEPAL - Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe
CLT – Consolidação das Leis do Trabalho
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DASP - Departamento Administrativo do Serviço Público
FGV - Fundação Getúlio Vargas.
FMI - Fundo Monetário Internacional
IBESP - Instituto Brasileiro de Economia, Sociologia e Política
IBRE - Instituto Brasileiro de Economia
ISEB - Instituto Superior de Estudos Brasileiros
PCB – Partido Comunista Brasileiro
PSD - Partido Social Democrático
PSP - Partido Social Progressista
PTB - Partido Trabalhista Brasileiro
SUDENE - Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste
SUMOC - Superintendência da Moeda e do Crédito
UDN - União Democrática Nacional
UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro
USP – Universidade de São Paulo
1
Introdução
1.1.
Sobre as origens do fenômeno populista
A ação política de inúmeros governos contemporâneos tem sido chamada
de populista. Este termo, acerca do qual estamos longe de ter um consenso nos
estudos a ele relacionados nas Ciências Sociais, vem sendo usado, tanto pela
literatura especializada quanto pela sociedade, sem que possamos claramente
conceituá-lo. Temos encontrado governos e políticos aos quais se tem chamado de
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populistas em uma grande variedade espacial e histórica. Pode-se dizer que não há
uma conceituação acabada no objeto de estudo ao qual se tem denominado
populismo, pois encontramos diferentes análises no pensamento social brasileiro1 ,
marcadas por ocorrências históricas, interpretações, e ideologias distintas.
A expressão populismo começou a freqüentar a agenda política na Rússia
no século dezenove. Lá, em meados daquele século, viu-se emergir a tendência
narodnik (de narod, povo) nos intelectuais que acreditavam no campesinato como
a força revolucionária capaz de unir as comunidades rurais para alcançar o
socialismo. De acordo com Daniel Aarão Reis Filho em Lenin e as heranças do
populismo, o movimento populista na Rússia apresentou-se, em função de
diferentes circunstâncias, de formas distintas. No entanto, haveria certo consenso
em relação a algumas recorrências básicas que têm justificado atribuir o nome de
populista a diversas práticas e pensamentos presentes na Rússia czarista daquele
século. Os populistas abominavam o Estado czarista, e queriam “substituir a
autocracia tsarista pelo reino da liberdade, emancipar de fato os camponeses e os
oprimidos do campo e da cidade, superar as desigualdades gritantes que
1
De acordo com o Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro: “O termo ‘populismo’ é um dos
mais controversos da literatura política, possuindo várias conotações. De modo geral, contudo, o
termo tem sido utilizado, no Brasil e na América Latina, para designar a liderança política que
procura se dirigir diretamente à população sem a mediação das instituições políticas
representativas, como os partidos e os parlamentos - ou ainda contra elas - apelando a imagens
difusas como as de ‘povo’, ‘oprimidos’, ‘descamisados’, etc. Em nossa história recente, líderes
como Vargas, João Goulart, Juscelino Kubitschek, Jânio Quadros, Ademar de Barros, Leonel
Brizola, e outros, foram chamados de ‘populistas’” (Fundação Getúlio Vargas, 2007).
11
caracterizavam a sociedade russa” (Reis Filho, 2007: 2). Propunham a instauração
de uma sociedade alternativa baseada em uma organização social tradicional dos
camponeses russos, “a comuna rural, unidade coletiva de raízes antigas, que
sobrevivera à emancipação dos servos” (Reis Filho, 2007: 2).
Dentre os intelectuais que mais fortemente influenciaram o populismo
russo destaca-se Nikolai Gavrilovich Chernyshevsky (1828-1889), escritor, crítico
literário e dirigente político. Estudou em São Petersburgo e começou sua carreira
nas letras como crítico literário do periódico extremista Sovremennik (O
contemporâneo), publicação mensal de grande influência. Foi membro destacado
do movimento de reforma russo. Chernyshevsky foi o fundador do Narodism, o
populismo russo, e lutou pela derrubada revolucionária da autocracia e pela
criação de uma sociedade socialista.
O sentido do termo populismo, quando se refere ao fenômeno russo do
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século dezenove, pode ser visto como um amplo movimento de caráter
revolucionário que possuía uma vanguarda intelectual, mas carecia de uma
ideologia coerente, como define Isaiah Berlin, citado em A Russian word for a
Latin American disease por Martinez (2008):
Russian Populism is the name not of a single political party, nor of a coherent
body of doctrine, but of a widespread radical movement in Russia in the middle
of the nineteenth century. It was born during the great social and intellectual
ferment that followed the death of Tsar Nicholas I and the defeat and
humiliation of the Crimean War, grew to fame and influence during the sixties
and seventies, and reached its culmination with the assassination of Tsar
Alexander II, after which it swiftly declined.
No fim do século dezenove a expressão populismo estava presente na
agenda política dos Estados Unidos da América. Surgiu a partir de um movimento
que unia os fazendeiros do Sul e do Meio-Oeste em uma luta contra as
modificações introduzidas pelo forte desenvolvimento econômico trazido pelas
rodovias e pelas novas formas de comercialização que, ao diminuir o poder de
barganha relativo dos fazendeiros, trouxe como conseqüência uma deflação nos
preços dos produtos agrícolas. Conforme Rebecca Edwards, os estudos mais
recentes mostram controvérsias com relação ao chamado Movimento Populista 2 ,
2
“Coalition of U.S. agrarian reformers in the Midwest and South in the 1890s. The movement
developed from farmers' alliances formed in the 1880s in reaction to falling crop prices and poor
credit facilities. The leaders organized the Populist, or People's, Party (1892), which advocated a
12
visto por alguns poucos como uma revolta agrária à qual se procura dotar de
características revolucionárias (Goodwyn, 2007), mas majoritariamente pelos que
procuram analisá-lo pelos aspectos que marcaram a industrialização nos anos
1890, como a mobilidade social, as migrações e imigrações, e as mudanças
políticas. A autora chama a atenção para os argumentos que percebem a força do
populismo em estados onde era fraca a disputa partidária:
The most innovative recent work in this vein is Jeffrey Ostler's “Prairie
Populism”. Ostler notes that Populism developed its strongest base in virtual
one-party states, where traditional opponents (Republicans in the South,
Democrats on the Plains) were weak (Edwards, 2007).
Em uma forma geral, podemos admitir que tanto o populismo norteamericano, como o russo tiveram origem, ou pretendiam usar como base, o meio
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rural, adquirindo um caráter contrário à modernização e às ações do Estado.
No caso do Brasil, alguns estudiosos afirmam que foi no início dos anos
de 1930 que o fenômeno do populismo ganhou relevância no espaço público.
Embora a ação política de lideranças políticas no pós-1945 seja vista como
responsável pelo fortalecimento do populismo no Brasil, José Murilo de Carvalho
aponta o governo do prefeito Pedro Ernesto de 1931 a 1936 no Distrito Federal,
como aquele que deu os primeiros passos daquilo que se tem chamado de
populismo. Ao procurar apoio na população pobre das favelas e ser o pioneiro na
utilização política do rádio em suas campanhas, “o prefeito tinha inaugurado o
que depois se chamou no Brasil e em outros países da América Latina, sobretudo
Argentina e Peru, de política populista” (Carvalho, 2002: 105).
Em sua análise sobre as alterações nas estruturas políticas, sociais e
econômicas no Brasil, em função do crescimento demográfico, urbano e
industrial, Michael Conniff afirma, em Urban Politics in Brazil, que à medida que
a classe trabalhadora urbana crescia, suas ações não mais podiam ser totalmente
controladas como era tradição na República Velha. Líderes populares de diversos
variety of measures to help farmers. They also demanded an increase in the circulating currency
(to be achieved by the unlimited coinage of silver), a graduated income tax, government ownership
of the railroads, a tariff for revenue only, and the direct election of U.S. senators. The party's
presidential candidate in 1892, James B. Weaver, received more than one million votes. Many
state and local Populist candidates were elected in the Midwest. In 1896 the Populists joined with
the Democratic Party to support [...] the unsuccessful presidential candidacy of William Jennings
Bryan. The movement declined thereafter, though some of its causes were later embraced by the
Progressive Party” (Encyclopædia Britannica Online, 2007).
13
matizes convenciam os operários a se unir aos sindicatos e às sociedades de ajuda
mútua, com o objetivo de melhorar seus padrões de vida. Era difícil, na década de
vinte, manter a militância, mas a difusão de associações voluntárias no seio da
classe trabalhadora era o presságio de um importante incremento da presença das
massas na vida pública. Alguns membros da elite e setores da classe média
enxergavam a necessidade de reformas e de programas para os mais necessitados.
A importância eleitoral da população urbana reflete-se no fato de que os dois
candidatos à Presidência, em 1930, prometiam reformas que eram apoiadas pelos
eleitores urbanos, como os temas relacionados ao trabalho, serviço público,
comércio, e planejamento urbano.
O novo, e considerável, eleitorado urbano influenciou a retórica dos
políticos nacionais, trazendo temas mais complexos que os de antigamente, para a
agenda política (Conniff, 1981: 174-175). Para Conniff, uma importante
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característica do populismo é a sua liderança carismática, de acordo com o
conceito de Max Weber 3 .
A teoria weberiana acerca do Estado moderno está inserida em suas
análises das formas de racionalização. O que caracteriza o Estado moderno é o
fato de, ao contrário dos Estados antigos, que se valiam da violência de forma
brutal, ele ter se tornado indispensável à vida em sociedade, sendo a única fonte
de legitimidade. E isto acontece sem o uso constante da violência, mas através de
mecanismos de convencimento ou carismáticos. De acordo com a classificação,
hoje clássica, estabelecida por Weber, existem três “tipos ideais” de legitimidade e
dominação, cada uma das quais apresenta um nível próprio de racionalização: a
dominação tradicional, a carismática, e a racional, ou legal-burocrática. A
tradicional é a que se apóia na crença do caráter sagrado das tradições. Este
caráter seria sagrado uma vez que a ordem “sempre” se deu desta forma. Nela não
há diferenciação entre o patrimônio pessoal do chefe e o patrimônio dos outros
membros da comunidade, no caso das sociedades mais antigas, ou entre o
patrimônio do governante e o patrimônio do Estado, nas sociedades menos
antigas. A dominação carismática é aquela que se apóia na crença de que um
3
Max Weber (1864-1920) nasceu e morreu na Alemanha. É considerado um dos fundadores dos
estudos modernos da Sociologia e da Administração Pública. Começou sua carreira na
Universidade de Berlim, tendo mais tarde trabalhado nas Universidades de Freiburg, Heidelberg,
Viena, e Munique. Exerceu importante influência na política alemã contemporânea, tendo sido
conselheiro dos negociadores alemães no Tratado de Versalhes e participante da comissão que
preparou a base da Constituição da República de Weimar.
14
indivíduo possui alguma característica ou aptidão que o transforma em alguém
especial. Está presente na ação dos profetas. É bem provável que os indivíduos
carismáticos, vistos de perto, não sejam especialmente admiráveis. O que importa
é que eles conseguem despertar admiração, entusiasmo e, mesmo, paixão. Parece
evidente que existe uma correlação entre o surgimento de lideranças carismáticas
e instituições frágeis, bem como para a importante constatação de que o carisma
não se herda, nem se transfere. A dominação racional, ou legal-burocrática, se dá
nos Estados modernos, nos quais a legitimidade e a legalidade tendem a se
confundir, uma vez que a ordem é derivada das leis, vistas como impessoais e
universais. A racionalização é baseada em procedimentos previsíveis e
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burocráticos.
A subsistência da grande maioria das relações de domínio de caráter
fundamental legal repousa, na medida em que contribui para sua estabilidade a
crença na legitimidade, sobre bases mistas: o hábito tradicional e o ‘prestígio’
(carisma) figuram ao lado da crença – igualmente inveterada, no final das
contas – na importância da legitimidade formal. A comoção de uma dessas
bases por exigências postas aos súditos de forma contrária à ditada pela
tradição, por uma adversidade aniquiladora do prestígio ou por violação da
correção da forma legal usual abala igualmente a crença na legitimidade
(Weber, 1991: 137).
Conniff afirma que havia indícios abundantes de uma comoção por volta
da Primeira Guerra Mundial, no Brasil devido à queda da monarquia, à crise nos
sentimentos religiosos, e à incapacidade das lideranças políticas para gerenciar, de
forma adequada, o governo republicano. Nestas circunstâncias, a população
procurava por líderes diferenciados, com qualidades especiais que lhes dessem o
direito de governar, tais como integridade, coragem, moral ilibada, dedicação aos
mais pobres, patriotismo, e respeito aos valores tradicionais (Conniff, 1981: 13).
Conniff argumenta, ainda, que quando o populismo surgiu adotou
propostas reformistas que atuavam como uma ponte entre as antigas tradições que
marcavam os governos locais e os sistemas políticos do século vinte. O populismo
chegou favorecendo as eleições representativas, o intervencionismo e um sistema
social orgânico, tendo a qualidade de olhar, tanto para o tradicional, quanto para o
moderno. Os líderes populistas nem sempre estavam conscientes das fontes de sua
inspiração, mas os costumes e tradições coloniais ofereciam legitimidade e
aceitabilidade às suas propostas. Estas pareciam familiares e justas, ficando mais
15
próximas de um consenso do que o conseguiram as ideologias importadas.
Além disso, para Conniff, o populismo prometia restaurar a sociedade
holística e autogovernada, que foi sendo substituída ao final do século dezenove.
Isto fazia sentido para uma sociedade na qual havia um lugar para todos os
indivíduos, indistintamente da classe à qual pertenciam. Ao contrário do
liberalismo, que parecia somente poder ser aproveitado pelos mais ricos, o
populismo clamava por um Estado intervencionista que cuidaria de todos os
indivíduos, regularia as relações econômicas, promoveria o bem-estar dos
oprimidos, e traria justiça social a todos. A força do populismo provinha do fato
de que ele reavivava costumes que ainda não haviam ficado esquecidos na
memória popular. Evidentemente, os políticos populistas não poderiam recriar, no
século vinte, as cidades coloniais; no entanto, trouxeram, evitando anacronismos,
os elementos que puderam ser adaptados à cidade grande. Combinaram uma
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ordem patrimonialista com as antigas tradições da autonomia municipal. Desta
forma, o populismo prometia restauração da soberania ao povo e relações
harmoniosas com as autoridades nacionais. Conniff considera que a dificuldade
em se caracterizar ideologicamente o populismo está no fato de que ele remetia a
uma tradição claramente compreendida pela maioria das pessoas, sem necessidade
de maiores elaborações; em conseqüência, o líder populista mantinha a fé dos seus
seguidores mesmo quando suas metas falhavam, tendo em vista a promessa
implícita de restauração das tradições que se haviam perdido (Conniff, 1981: 1011).
Com o fim da Segunda Guerra Mundial, há uma onda de
redemocratização no mundo não dominado pela União Soviética. A democracia
chega ao Brasil com a derrubada da ditadura Vargas, cercada de expectativas.
Ocorre o enfraquecimento do sistema oligárquico, tendo em vista um novo
contexto, marcado, em especial, pela democracia representativa e pelas novas
massas urbanas. As oligarquias já não mais podiam definir o sistema político em
um ambiente de expansão do eleitorado e de existência de partidos competitivos.
Passa a haver uma disputa eleitoral real, cujo resultado não pode ser antecipado,
como antes, por acordos oligárquicos. Estas mudanças eram mais sentidas nas
áreas urbanas. Nos grotões, a ação das oligarquias ainda se fazia sentir, mas sua
influência sobre os resultados finais perderam força, e a imprevisibilidade passou
a ser um fator presente nas eleições majoritárias. Neste novo contexto político,
16
ganha impulso o fenômeno populista.
No Brasil, tudo indica que foi no estado de São Paulo onde a expressão
populismo surgiu com significado político. Em Adhemar de Barros e o PSP,
Regina Sampaio descreve que Adhemar de Barros 4 e seus partidários usavam
expressões associadas a este termo no sentido de alcançar o eleitorado paulista,
conforme pode ser visto neste depoimento tomado pela autora:
[...] o Interventor, apoiado por eficiente serviço de propaganda passou a
desenvolver um amplo trabalho de proselitismo, baseado num apelo direto e
pessoal às forças populares. [...] havia apenas transmissão pelo rádio. Todas
as noites, às sete horas, ele tinha uma palestra com o povo de São Paulo. [...]
ele tinha aquela conversa de caboclo franco [...] falava errado até. Era uma
novidade, nunca houve isso, foi daí que surgiu o termo populismo, quer dizer,
nós descermos à linguagem do povo para que ele entendesse. E ele foi um
pioneiro neste sentido, por isso criou esse carisma (Sampaio, 1982: 45).
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Nesta ocasião, começou a surgir o mito Adhemar de Barros, que era
composto pelo administrador empreendedor, mas com um absoluto desprezo pelas
limitações de ordem financeira, ao lado do político identificado com o Estado e
responsável direto pela proteção aos humildes que não tinham acesso às estruturas
de poder: “Orienta-se para um apelo populista difuso que é capaz de sensibilizar
as massas trabalhadoras sem, contudo, ter condições de enquadrá-las
partidariamente” (Sampaio, 1982: 110).
O esforço para um melhor entendimento sobre o populismo no Brasil está
ligado, e com grande aceitação na literatura a este tema relacionada, à utilização
deste termo para o período de 1945 até 1964, ou seja, da redemocratização do pósguerra até o movimento militar de 1964. De acordo com Maria Celina D’Araújo:
Apesar das divergências quanto ao seu conteúdo e à sua conceituação, o
populismo é aceito pela maioria dos historiadores e cientistas políticos como a
principal vertente da política brasileira no período pós-1945. É consensual,
também, a idéia de que esse período repete, de certa forma, alguns padrões
políticos anteriores, particularmente os vigentes na década de 1930, em
especial a ideologia antipartido e a variante autoritária. Ambas remetem
diretamente à questão da participação política e acabam por engendrar uma
combinação de problemas que acarreta uma avaliação permanente da
legitimidade do próprio sistema político (D’Araújo, 1992: 25).
4
Adhemar Pereira de Barros (1901-1969) nasceu em Piracicaba e morreu na França. Influente
político paulista entre as décadas de 1930 e 1960, foi prefeito da cidade de São Paulo, interventor
17
Acredito que as decisões de planejar em função de um retorno eleitoral
estejam na base daquilo que foi, mais tarde, chamado de populismo econômico.
Para Celso Lafer, o populismo era resultado do crescimento do eleitorado, o que
fez com que a política deixasse de ser um tema restrito às elites. Por intermédio do
voto, estas novas massas se faziam ouvir nas eleições e outorgavam legitimidade
ao sistema político. Referindo-se ao período de 1965 a 1964, Lafer comenta que
“as eleições presidenciais [...] revelam que em certos estados-chave, justamente os
mais desenvolvidos e urbanizados, as maiorias conseguidas pelos candidatos
populistas eram fundamentais para determinar o resultado das eleições” (Lafer,
2002: 42).
Não era surpresa, por conseguinte, o fato de os programas de governo
prometerem “uma política de democratização fundamental da sociedade através
da extensão de oportunidades de emprego” (Lafer, 2002: 62). Ao criar, ao mesmo
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tempo, novas demandas e novas exigências para apoio político, o crescimento do
eleitorado teria motivado, em Juscelino Kubitschek, a decisão de planejar: “A
decisão de planejar é, portanto, uma decisão essencialmente política” (Lafer,
2002: 26).
Lamounier ressalta o impacto que mudanças sociais como a importância
do eleitorado urbano “recurso político não apenas disponível e ponderável, mas
disputado” (Lamounier, 2005: 143), teria sobre a forma de disputa dos votos, em
um cenário democrático. A incerteza com relação ao resultado do jogo eleitoral,
em função da forte melhoria na qualidade das consultas eleitorais, trazia a
necessidade de os partidos e candidatos entenderem qual era a nova “moeda” a ser
utilizada nas eleições:
Nos três níveis de governo, o processo sucessório passou de fato a depender de
um “mercado político”, e não da simples troca de apoios ou do
apadrinhamento num circuito oligárquico, como ocorria na República Velha.
Os candidatos precisavam agora, para se eleger à presidência, aos governos
estaduais e à prefeitura das principais cidades, buscar apoio nesse complexo
“mercado”. Multiplica-se assim o número de líderes em busca de devoções
cativas: uma floração de “populismos”, superpondo-se ao sistema de partidos
em seus primórdios (Lamounier, 2005: 114).
federal e duas vezes governador de São Paulo. Concorreu à Presidência do Brasil em 1955 e em
1960, conquistando nessas duas eleições o terceiro lugar.
18
1.2.
Democratização do pós-guerra e instabilidade política
O período de 1945 a 1964 foi marcado pelo retorno ao estado de direito,
sobretudo a partir da promulgação da Constituição de 1946. Foram criados
partidos de alcance nacional 5 . No entanto, apenas três (PSD, UDN e PTB)
atuavam realmente em âmbito nacional. O PSD, Partido Social Democrático,
lançado em julho de 1945, foi organizado por Getúlio Vargas, convocando as
oligarquias estaduais, sob o comando dos interventores do Estado Novo, atingindo
uma massa eleitoral rural que ainda representava aproximadamente 70% da
população brasileira. Com forte presença da estrutura governamental, não estava
vinculado à área trabalhista e representaria o lado conservador do getulismo, com
especial importância sendo dada aos proprietários de terras, ainda controladores
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de significativa parcela do eleitorado pobre das áreas rurais.
O PTB, Partido Trabalhista Brasileiro, foi fundado pela via da máquina
corporativista criada por Vargas e baseada no Ministério do Trabalho, para
arregimentar a população urbana, e era considerado um partido nacionalista. Sua
primeira convenção nacional ocorreu em setembro de 1945, com um programa
dirigido aos trabalhadores, com destaque aos organizados, e o partido foi fundado
por figuras vinculadas aos institutos de previdência e à cúpula sindical. Teria
como estratégia organizar o apoio sindical, utilizando-se do peleguismo, e
bradando as conquistas sociais alcançadas através da CLT. Também procuraria
ganhar o apoio de industriais que fizeram fortuna à sombra do Estado Novo, “que
naturalmente viam com bons olhos o figurino da industrialização autárquica,
protegida e subsidiada pelo governo” (Lamounier, 2005: 124). Seu programa dava
ênfase ao papel do Estado na economia, à manutenção e ao aumento dos direitos
trabalhistas, e ao fortalecimento da organização sindical. Esses dois partidos
“getulistas”,
embora
diferentes 6
e
potencialmente
opostos,
terminavam
entendendo-se, tendo em vista a atuação de Getúlio.
A UDN, União Democrática Nacional, fundada em abril de 1945,
5
As considerações feitas sobre os partidos políticos e o sistema partidário foram extraídas de
Schmitt (2000).
6
“As diferenças revelam o conteúdo complexo do getulismo, que abarcava a burocracia estatal, a
maior parte do empresariado industrial, setores agrários retrógrados e as lideranças sindicais”
(Fausto, 2006: 148).
19
representava as diversas forças de oposição a Vargas, nas áreas rurais e urbanas.
Era formada por correntes heterogêneas, incluindo membros da oligarquia que
perderam poder político em 1930, liberais conservadores, e alguns políticos da
esquerda democrática. O partido era marcado pela defesa da democracia
representativa, e por uma política econômica com traços liberais, tais como a
defesa do equilíbrio orçamentário, do combate à inflação, e da limitação dos
gastos públicos.
Com forte apoio popular no estado de São Paulo, o PSP, Partido Social
Progressista, foi veículo pessoal de Adhemar de Barros e era usado, inúmeras
vezes, como “legenda de aluguel” em diversos estados. Em termos de
representação na Câmara de Deputados, o PSP era a quarta maior legenda no
período de 1945-1962. Apesar disso, era um partido com um eleitorado muito
concentrado em São Paulo (cf. Schmitt, 2000: 18).
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Com a democratização do regime, eleições legislativas e presidenciais
foram marcadas para dezembro de 1945, e as forças políticas começaram a se
organizar. O PSD e o PTB apoiaram o candidato de Vargas, o General Dutra,
enquanto a UDN apoiou o Brigadeiro Eduardo Gomes. Dutra venceu as eleições,
e os três partidos mais bem representados no Legislativo foram o PSD, a UDN e o
PTB, nesta ordem. Marcada pela eclosão da Guerra Fria, as políticas econômicas e
externas do governo Dutra inseriram-se na esfera ocidental. O Partido Comunista
Brasileiro foi colocado na ilegalidade, e a economia adotava princípios do
liberalismo econômico.
Conduzidas de acordo com a Constituição de 1946, as eleições de
outubro de 1950 deram a vitória a Getúlio Vargas, com apoio do PSP, partido de
Adhemar de Barros, “quando o populismo ademarista e getulista opta pelo retorno
do ex-presidente, através do referendo eleitoral” (D’Araújo, 1992: 23). Vargas
escolheu inicialmente uma política de conciliação entre as heterogêneas forças
políticas que o apoiaram, seguindo uma política moderada nos aspetos
econômicos e de política externa. Essa estratégia foi, no entanto, inviabilizada por
dificuldades econômicas e pelo crescimento das tensões provenientes da Guerra
Fria. As forças políticas tenderam a se polarizar, com a UDN endurecendo sua
posição direitista, e as Forças Armadas reiterando seu anticomunismo. Vargas
decidiu por apoiar-se nos sindicatos de trabalhadores e no PTB, aumentando o
salário mínimo e fortalecendo o tema do nacionalismo. Foi criada a Petrobrás,
20
proposta a criação da Eletrobrás, e Vargas ameaçou colocar em prática a lei que
restringia a remessa de lucros. O então ministro do trabalho, João Goulart, estava
claramente identificado com essas posições políticas.
O impasse econômico resultante do total abandono de medidas
antiinflacionárias, e a reação dos conservadores, dos liberais e das Forças
Armadas à radicalização do governo conduziram a uma crise. Carlos Lacerda,
político e jornalista, acusou Vargas de ter negociado uma aliança antiamericana
com o Chile e a Argentina. “O aumento de 100% no salário mínimo, decretado a
1° de maio de 1954, [...] vai constituir-se na alegação final [...] para a condenação
do que seria a política demagógica do Governo em relação aos trabalhadores”
(D’Araújo, 1992: 32). Uma frustrada tentativa de assassinar Carlos Lacerda
produziu inquéritos nos quais foram revelados indícios de comportamento
corrupto dentro do governo, fazendo as tensões tornarem-se incendiárias, com as
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Forças Armadas posicionando-se impacientemente. Com as exigências para sua
renúncia avolumando-se, Vargas suicidou-se em 24 de agosto de 1954.
A coexistência de duas tendências políticas, a populista e a autoritária,
era um fator que, segundo D’Araújo, enriquecia a conjuntura da época:
Muito provavelmente, a dramaticidade do final do Governo [Vargas] favorece
o populismo, que prevalecerá com Juscelino Kubitschek, em detrimento da
tendência autoritária, que se torna hegemônica em 1964. Ambas as tendências
enfrentam a dificuldade, generalizada entre as elites, de comportar-se
partidariamente. Para os populistas, o partido deve ceder à relação direta do
líder com a massa e à personalização do poder; para os autoritários e
conservadores os partidos são instrumentos, embora prescindíveis, para uma
articulação de poder também a nível de elites, que dispensa o contato com as
massas. Nos dois casos, observa-se ainda a preocupação constante em torno da
formação de coalizões máximas. A obsessão de maximizar o consenso
demonstra a dificuldade de se conviver com a oposição e com o dissenso. O
Governo Vargas enquadra-se perfeitamente dentro desse esquema que, embora
amplo e simplificado, reflete um dos principais aspectos do sistema político
brasileiro pós-1945 (D’Araújo, 1992: 187).
O suicídio de Vargas deu nova vida ao getulismo e à aliança entre o PSD
e o PTB, para fins eleitorais visando às eleições de outubro de 1955. Estas foram,
em conseqüência, marcadas por uma coesão das forças getulistas em torno de seu
candidato, Juscelino Kubitschek, assim como pelas incertezas no campo
adversário. Seu adversário, o general Juarez Távora, da UDN, não tinha muitas
chances eleitorais, e alguns anti-varguistas, como Carlos Lacerda e alguns
21
membros das Forças Armadas, começaram a duvidar das possibilidades de vitória
eleitoral contra os seguidores do getulismo. As eleições deram a vitória a
Juscelino e Goulart foi eleito vice-presidente 7 . A oposição derrotada contestou os
resultados das eleições, mas, após aproximadamente um mês de escaramuças, um
grupo militar legalista, comandado pelo general Lott, impôs o resultado eleitoral.
Talvez influenciado pelo fato de ter sido eleito com aproximadamente
35%, Juscelino adotou um comportamento conciliador, procurando acomodar os
conflitos. Deu sinais aos liberais de que aceitaria de bom grado os investimentos
externos, e anistiou os militares que tentaram se rebelar contra seu governo nos
episódios de Aragarças e Jacareacanga. Tratou de imprimir, e fazer disto sua
marca, uma mística desenvolvimentista, favorecendo, através da intervenção do
Estado, os investimentos em setores industriais básicos e em infra-estrutura. A
busca pelo consenso, no campo econômico, entre liberais e desenvolvimentistas
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não era, no entanto, um caminho adequado para a condução de soluções que
pudessem curar os males crônicos de nossas dificuldades financeiras e monetárias.
Houve um “aumento da inflação e a redução da taxa de crescimento, nos
dois últimos anos de seu mandato” (Lamounier, 2005: 130). Após uma tentativa
de retorno a práticas estabilizadoras, no sentido de atender às exigências do Fundo
Monetário Internacional (FMI), Juscelino rompeu os entendimentos com os
credores internacionais, trazendo de volta a polarização política. À esquerda,
passaram a ter projeção nacional Leonel Brizola, governador do Rio Grande do
Sul e cunhado de Goulart, e Francisco Julião, líder das Ligas Camponesas, no
Nordeste. Esta mobilização de movimentos de esquerda radicais trouxe renovadas
preocupações à classe média urbana e aos militares. Jânio Quadros, governador do
estado de São Paulo foi eleito presidente nas eleições de outubro de 1960,
concorrendo pela oposição. Para vice-presidente foi reeleito o candidato da
situação, João Goulart.
Apoiado pela UDN, Jânio conduziu uma campanha eleitoral na qual era
enfatizada a necessidade de lutar contra a ineficiência administrativa e o
desperdício. Ambiguamente “claiming to favor liberalism and developmentalism
simultaneously, Quadros left the details of his policies vague” (Mendes, 1977: 7).
7
“A Constituição de 1946 não estatuía que a eleição de determinado candidato à presidência
acarretasse a escolha automática do candidato a vice-presidente lançado pelo mesmo partido ou
aliança” (Lamounier, 2005: 128). Não foi o caso nas eleições de 1955, mas seria um fator
complicador no mandato seguinte, como veremos.
22
Os seis meses de presidência de Quadros deixaram desconcertados tanto
seus aliados quanto seus inimigos. Após sinalizar com uma economia ortodoxa,
pediu aconselhamento aos desenvolvimentistas aos primeiros sinais de recessão.
Conduziu políticas externas que desagradaram seus aliados, reatando relações
diplomáticas com a União Soviética, favorecendo o estreitamento com países do
Terceiro Mundo, e condecorando Ernesto “Che” Guevara 8 . Em 25 de agosto de
1961 renunciou, em um dos menos explicados episódios da história
contemporânea brasileira. Acontece que a legislação eleitoral vigente admitia que
presidente e vice-presidente eleitos não necessariamente deveriam pertencer ao
mesmo partido. A campanha eleitoral de Jânio dirigia-se a um eleitorado
conservador, enfatizava a volta de valores como moralidade e bons costumes, e
atacava a corrupção. Goulart, por outro lado, estava vinculado às bases sindicais,
defendia idéias nacionalistas e reformas sociais. “Goulart [...] depara-se com um
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eleitorado frustrado pela renúncia de Jânio e que seria obrigado a aceitar um
programa de reformas que não havia escolhido, a ser implementado por um
presidente em quem não havia votado” (Raposo, 1994: 24).
Vista como uma das mais livres eleições até então, a de 1960 foi, no
entanto, o ponto de partida para uma série de crises que levariam ao movimento
militar de 1964. O veto militar à posse do vice-presidente Goulart levou a um
acerto político no qual se implantava um parlamentarismo improvisado, que
desagradava a todos os protagonistas. Goulart conseguiu revogar este
parlamentarismo através de um plebiscito, em janeiro de 1963; apoiou-se em
ministros desenvolvimentistas, como Celso Furtado, e politicamente fortaleceu os
sindicatos, Leonel Brizola e as Ligas Camponesas. A polarização ideológica
atingiu proporções alarmantes, até o desfecho, em 31 de março de 1964.
8
Ernesto Guevara de la Serna (1928-1967), nasceu na Argentina e morreu na Bolívia.
Revolucionário marxista, foi figura importante na Revolução Cubana, no governo cubano, e
participou de diversos movimentos armados que tentaram, na década de 60, implantar o
comunismo em diversos países da África e na Bolívia.
23
1.3.
Mudanças na sociedade e na economia brasileira
Mas não foi somente o aspecto político que sofreu fortes mudanças no
país após a revolução de 1930. Também pelos aspectos econômicos e sociais este
movimento trouxe um ponto de inflexão que proporcionou a redefinição das
relações entre o Estado e a sociedade. Dentre os elementos mais significativos que
influenciaram estas relações no período de 1930 a 1964, destaco: o fenômeno da
urbanização, estimulado pela ampliação do acesso aos direitos sociais para os
trabalhadores urbanos; a expansão dos direitos políticos; o fortalecimento do
corporativismo, vinculando os sindicatos ao Estado; a formação de um sistema
partidário nacional; e a emergência de uma burguesia industrial e de um
operariado, dentro do modelo nacional-desenvolvimentista de industrialização. A
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ocorrência de um aumento do eleitorado em um ambiente de baixa
institucionalização pode ser vista como uma síntese dos acontecimentos que
influenciaram este período (Santos, 1993).
O período de 1930 a 1945 foi a era dos direitos sociais e da organização
sindical. Os trabalhadores urbanos foram incorporados à sociedade pelas leis
sociais, e não por sua ação sindical e por uma política independente. Faz-se
necessário, no entanto, notar que colocar os direitos sociais à frente dos políticos
não impediu a popularidade de Vargas. A ênfase nos direitos sociais encontrava
terreno fértil na cultura política da população, principalmente na dos pobres dos
centros urbanos. O populismo era um fenômeno urbano 9 e refletia esse Brasil
novo que surgia, diferente do Brasil rural da Primeira República. Era um avanço
na cidadania, na medida em que trazia as massas para a política. Em contrapartida,
colocava os cidadãos em posição de dependência perante os líderes (cf. Carvalho,
2002: 87-126).
Por outro lado, o país se industrializava, sua economia se modernizava, e
o Estado se burocratizava.
A República [Velha] fora descentralizadora e oligárquica. O novo Estado
fundado pela Revolução de 1930, ainda que conservasse elementos da velha
aristocracia, foi um Estado antes de tudo autoritário e burocrático no seio de
9
“A parcela urbana da população (em cidades com mais de 20 mil habitantes) dobrou, de 15%
para 30%, entre 1940 e 1960” (Lamounier, 2005: 114).
24
uma sociedade em que o capitalismo industrial se tornara afinal dominante
(Bresser-Pereira, 2001: 234).
O desenvolvimento industrial, alavancado pelo Estado através do
pensamento que ficou conhecido como desenvolvimentismo, era marcante. O
conceito
de
“desenvolvimentismo”, segundo Ricardo Bielschowsky em
Pensamento econômico brasileiro: o ciclo ideológico do desenvolvimentismo
pode ser definido como sendo uma ideologia destinada a transformar a sociedade
brasileira, caracterizada por um projeto econômico que teria como pontos
fundamentais a certeza de que a industrialização seria a via de superação do
subdesenvolvimento brasileiro e a necessidade de o Estado ser o planejador desta
industrialização (Bielschowsky, 2004: 7). Os elementos ideológicos presentes na
origem deste modelo desenvolvimentista teriam sido o ataque ao livre-cambismo,
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associado à defesa do protecionismo, e o ataque ao liberalismo. Gerou-se a
consciência de que seria necessário e viável implantar no país um setor industrial
integrado, ao mesmo tempo em que se criava a crença na necessidade de instituir
mecanismos de centralização de recursos financeiros para este fim (cf.
Bielschowsky, 2004: 247-259).
Desde a década de trinta a economia brasileira vinha alcançando
crescimento significativo, tendo alcançado, nos trinta anos que se seguiram, a taxa
média de crescimento de 8% ao ano. Durante a década de cinqüenta, o
nacionalismo destacou-se na agenda política do país. Durante o segundo governo
Vargas, diversos partidos e segmentos sociais se mobilizaram pelas campanhas
para a criação da Petrobrás e da Eletrobrás. “Tornou-se comum empresários,
operários e políticos, filiados a uma gama diferenciada de partidos como o PTB, o
PSD, o PCB e a própria UDN, manifestarem sua convicção nacionalistadesenvolvimentista” (Neves, 1997: 59). A indústria automobilística, implantada
por Kubitschek, foi a base de uma estrutura industrial existente até os dias de hoje.
Em uma época na qual o liberalismo econômico parecia sepultado em
todo o mundo, esmagado pela pujança social-democrata do Welfare State, o
desenvolvimentismo sentia-se livre para seguir o caminho do endividamento. Para
Skidmore, aqui estava a raiz dos acontecimentos que levaram ao movimento
militar de 1964: “[...] o aprofundar da crise política era o corolário inevitável do
dramático retardamento no crescimento econômico, que se tornou evidente depois
de 1962, exacerbado pelo pesado fardo das dívidas externas a curto prazo”
25
(Skidmore, 1976: 18). Evidentemente, esta explicação para o movimento que
abortou nossa instável democracia é, de alguma forma, reducionista. Os conflitos
entre ideologias que marcavam a Guerra Fria haviam se entranhado na sociedade
brasileira. O aspecto apontado por Skidmore poderia ser mais bem interpretado
como um catalisador de um desfecho no qual, qualquer que fosse o vencedor, a
democracia representativa e as liberdades individuais estavam previamente
condenadas.
1.4.
A contribuição do pensamento social brasileiro para a compreensão
do populismo no Brasil
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“Uma das singularidades da história do Brasil é que este é um país que se
pensa contínua e periodicamente” (Ianni, 2004: 41). O pensamento social
brasileiro, desde a Proclamação da República, tem dado ênfase à questão da
inserção do Brasil na modernidade. Temas como a urbanização e a
industrialização estiveram presentes nos estudos dos pensadores preocupados em
compreender quais poderiam ser as condições e possibilidades de alcançarmos
nossa modernização. O que torna fascinante e instigante o estudo destas idéias é a
variedade das interpretações e, conseqüentemente, das “receitas” para a superação
do nosso atraso. Estas interpretações e suas diretrizes são múltiplas e
freqüentemente contraditórias, apesar de podermos agrupá-las:
Um exame crítico da maioria das interpretações revela que elas se aglutinam
em certas orientações, linhagens ou “famílias”. Seriam vertentes
predominantes, revelando tanto os desafios que se abrem no curso da história
do país como filiações dos autores, alinhando-se segundo estilos de pensamento
já constituídos ou em constituição (Ianni, 2004: 43).
Algumas destas orientações, linhagens ou “famílias” do pensamento
social acerca do populismo no Brasil, no período de 1945 a 1964, podem ser
destacadas. Nos escritos de Francisco Weffort e de Octavio Ianni, da Escola de
Sociologia da USP, constata-se uma interpretação afinada com a perspectiva
marxista da divisão social em classes, tendo sido o populismo analisado pelo viés
da luta de classes. Já as análises acerca do populismo de autores como Helio
26
Jaguaribe e Guerreiro Ramos, que fizeram parte do ISEB (Instituto Superior de
Estudos
Brasileiros),
estavam
mais
focadas
na
preocupação
com
o
desenvolvimento nacional. O pensamento econômico liberal de autores como
Eugênio Gudin, Octavio Gouvêa de Bulhões, e Roberto de Oliveira Campos
identifica no populismo um viés econômico que funciona como um obstáculo ao
desenvolvimento sustentado de uma sociedade. Isto aconteceria porque, para eles,
o populismo procura alocar recursos preferencialmente a grupos políticos mais
ativos, e é marcado pela ausência de preocupações para com a responsabilidade
fiscal, uma vez que o discurso do “bem do povo” justificaria estas ações.
O objetivo deste trabalho será analisar as interpretações mais relevantes
sobre o fenômeno populista no Brasil, no período de 1945 a 1964. Mais
precisamente, pretende investigar os distintos enfoques analíticos que sustentam
as interpretações sobre o populismo pós-1945 da Escola de Sociologia da
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Universidade de São Paulo, do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), e
do Pensamento Econômico Liberal.
As reflexões feitas pelos intelectuais aqui selecionados sobre o
populismo têm sua força explicada por Jürgen Habermas em seu conceito de
esfera pública literária 10 no sentido de que, ao interagirem também no espaço
público, fizeram com que as discussões acerca do conceito de populismo
transbordassem os limites da academia e alcançassem o mundo público. Seu
compromisso com o debate no espaço público nos permite utilizar suas reflexões e
análises no sentido de melhor compreendermos o fenômeno do populismo
hodierno. E, nas origens destas reflexões e análises, já se distingue uma das
disputas entre os intelectuais que estudaram e discutiram o conceito.
Maria Emilia Prado reconhece que “ao assumirem o papel de intelectuais
comprometidos com a Política e a esfera pública, Jaguaribe bem como todos os
integrantes do ISEB construíram uma página fundamental na história dos
intelectuais no Brasil” (Prado, 2007: 8). E podemos constatar que, em um dado
contexto histórico, as elites intelectuais demarcam o que é entendido como idéias
retoricamente consagradas como “verdades”. As diferentes interpretações
10
“O processo ao longo do qual o público constituído pelos indivíduos conscientizados se apropria
da esfera pública controlada pela autoridade e a transforma numa esfera em que a crítica se exerce
contra o poder do Estado realiza-se como refuncionalização da esfera pública literária, que já era
dotada de um público possuidor de suas próprias instituições e plataformas de discussão. Graças à
mediatização dela, esse conjunto de experiências da privacidade ligada ao público também
ingressa na esfera pública política” (Habermas, 1984: 68).
27
oriundas do pensamento social fizeram com que o debate sobre o populismo
ganhasse o mundo público, tornando-se de uso recorrente pelos atores políticos e
pelos eleitores em geral, embora não fosse suficiente para estabelecer uma
qualificação consensual sobre o fenômeno, tendo em vista as diferentes matrizes
teóricas que os sustentam.
No intuito de confirmar a hipótese acima descrita, estudarei, no segundo
capítulo, as interpretações sobre o populismo que se apoiaram no conceito de luta
de classes, no que se chamou de Escola Paulista de Sociologia da USP, com
ênfase nas análises de Weffort e Ianni. Podemos admitir que tenha sido a partir
dos consagrados trabalhos de Weffort, em O populismo na política brasileira, e
de Ianni, em O colapso do populismo no Brasil, que os estudos acerca do
populismo na política brasileira adquiriram a relevância que os marca até hoje. Os
referidos estudos foram influenciados pela corrente de interpretação marxista,
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majoritária na Academia, à época.
No terceiro capítulo analisarei interpretações do populismo que divergem
da teoria marxista, efetuadas por alguns dos mais marcantes intelectuais do ISEB,
com ênfase no nacional-desenvolvimentismo, quase um arcabouço ideológico
através do qual se pretenderia controlar as massas urbanas. O populismo não era
visto como um fenômeno de importância, que pudesse encobrir a urgência de se
industrializar o Brasil, tornando-o uma potência competitiva e moderna.
No quarto capítulo estudarei as interpretações de defensores do
liberalismo econômico como Gudin, Bulhões, e Campos que, entre outros,
elegeram como inimigo principal o projeto nacional-desenvolvimentista, oposto
aos ideais liberais de livre alocação de recursos pelo mercado, e que fazem a
crítica ao populismo analisando o prejuízo que as práticas dele decorrentes trazem
para o crescimento econômico. A busca da responsabilidade fiscal era enfatizada
por aqueles que criticaram as promessas fiscalmente irresponsáveis feitas à classe
trabalhadora, na disputa dos votos necessários à tomada e à manutenção do poder
em uma democracia representativa.
Finalmente, o quinto capítulo trará uma visão dos principais pontos
discutidos sobre o fenômeno do populismo, estudados nos capítulos anteriores, e
as conclusões daí extraídas.
2
Populismo e luta de classes
2.1.
A Escola de Sociologia Paulista
Neste capítulo, analisarei o pensamento de dois expoentes da Escola de
Sociologia da USP, Francisco Weffort e Octavio Ianni, em suas análises sobre o
populismo no período de 1945 a 1964. Será dada ênfase às idéias discutidas em O
populismo na política brasileira (Weffort, 2003), publicado em 1978, e O colapso
do populismo no Brasil (Ianni, 1975), publicado em 1968.
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Os sociólogos de São Paulo eram um produto, por excelência, da
universidade, e reivindicavam para si o caráter puramente acadêmico ou
científico. A interpretação paulista adotou uma perspectiva cosmopolita e
enfatizou o conflito das classes, rejeitando a possibilidade de acordos nacionais
(Bresser-Pereira, 2005: 205-207). É sobejamente conhecida a relevância que teve
a Escola de Sociologia Paulista, não somente por razões históricas, uma vez que
foi na USP que se realizaram as primeiras tratativas no sentido da
institucionalização desta disciplina como profissão acadêmica no Brasil, como
pela considerável quantidade e qualidade de pesquisas e publicações nesta área de
estudo.
Um elemento que considero de fundamental importância para o melhor
entendimento das preocupações acadêmicas dos intelectuais da Escola de
Sociologia Paulista é o fato de eles estarem situados no epicentro da
industrialização e das conseqüentes mudanças sociais no país. Isto influenciaria
fortemente o foco de suas análises:
Depois de uma fase de estudos centrada na escravidão, passariam a se colocar,
quase naturalmente, como seu principal objetivo compreender a
industrialização e a mudança social, especialmente em São Paulo. Portanto,
esses intelectuais eram expressivos de um ponto de vista em sintonia com a
intensa industrialização e urbanização da capital paulista, o que fica evidente
na definição de seus objetos de estudo e nos focos analíticos privilegiados nas
investigações científicas, a partir do início da década de 1960. (Lahuerta,
2005: 165).
29
Os nomes de Florestan Fernandes, Francisco Weffort e Octavio Ianni são
referências obrigatórias quando se remete à Escola de Sociologia da USP.
Florestan Fernandes 1 , cuja influência intelectual sobre Weffort e Ianni é notória, e
fiel à orientação ideológica que marcou a Escola de Sociologia da USP, em
entrevista concedida à Folha de São Paulo em 1977, continuava acreditando na
visão da luta de classes. Embora não tenha adotado o termo “populista”, admitia a
existência de um grau de manipulação das massas populares por demagogos que
nada mais seriam do que líderes conservadores como Getúlio, Jango, Jânio,
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Juscelino e Adhemar:
Resultava uma espécie de tentativa de barganha política, algumas concessões
em troca do apoio de massa. Até o momento em que a pressão popular pareceu
ameaçar as classes conservadoras, quando se alterou o comportamento e se
suprimiu o demagogo e sua função. [...] Realmente, a demagogia aqui sempre
foi um instrumental para a dominação burguesa e para o comportamento
conservador de outro lado, as massas nunca conseguiram condições de formar
suas próprias lideranças e meios de ação. Mesmo o PTB nunca deixou de ser
um partido de manipulação das massas populares por políticos de classes
média e alta (Fernandes, 2007).
Sendo esta Escola fortemente marcada, no período 1945-1964, pelo
pensamento marxista, é lícito argumentar que o sucesso político de Adhemar de
Barros e Jânio Quadros junto ao eleitorado de um estado cada vez mais
industrializado como São Paulo, trazia preocupações intelectuais aos estudiosos
cujo marco teórico estava fundamentado na divisão da sociedade em classes
sociais. Bolívar Lamounier considera que os termos “populismo” e “liderança
carismática” eram função dos referenciais teóricos sob os quais fossem estudados.
Assim sendo, para os autores marxistas, o populismo seria uma forma de liderança
que se utilizaria da demagogia para fazer com que os interesses de classe não
pudessem ser enxergados (cf. Lamounier, 2005).
É, portanto, importante ressaltar a forte influência que tinha, na época, a
perspectiva marxista na produção da Escola de Sociologia Paulista e em boa parte
1
Florestan Fernandes (1920–1995) nasceu e morreu em São Paulo. Formou-se em Ciências
Sociais, na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências. Cursou a pós-graduação em Sociologia e
Antropologia na Escola Livre de Sociologia e Política, em São Paulo. Mestre em Ciências Sociais
pela Escola Livre de Sociologia e Política (1947). Doutor em Ciências Sociais pela Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas, da USP (1951). Sua obra A revolução burguesa no Brasil é
considerada um clássico das Ciências Sociais no Brasil.
30
das Ciências Sociais no Brasil, pois isto se reflete nas análises que Weffort e Ianni
fizeram do fenômeno do populismo no período de 1945 a 1964. Eles adotaram
prioritariamente a perspectiva marxista nessas análises.
2.2.
Weffort: populismo como expressão de insatisfações
A influência do pensamento marxista 2 , na análise que Weffort 3 faz do
populismo no Brasil no período de 1945 a 1964 é básica. Destacarei dois
conceitos marxistas que perpassam as análises de Weffort. Um deles é o conceito
que ficou conhecido como bonapartismo. Em O 18 Brumário de Luís Bonaparte
(Marx, 1987), procura explicar as razões de “não-classe” que levaram os
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camponeses franceses a apoiar Luís Bonaparte:
Na medida em que milhões de famílias camponesas vivem em condições
econômicas que as separam umas das outras, e opõem o seu modo de vida, os
seus interesses e sua cultura aos das outras classes da sociedade, estes milhões
constituem uma classe. Mas na medida em que existe entre os pequenos
camponeses apenas uma ligação local e em que a similitude de seus interesses
não cria entre eles comunidade alguma, ligação nacional alguma, nem
organização política, nessa exata medida não constituem uma classe. São,
conseqüentemente, incapazes de fazer valer seu interesse de classe em seu
próprio nome, quer através de um Parlamento, quer através de uma convenção.
Não podem representar-se, têm que ser representados. Seu representante tem,
ao mesmo tempo, que aparecer como seu senhor, como autoridade sobre eles,
como um poder governamental ilimitado que os protege das demais classes e
que do alto lhes manda o sol e a chuva. A influência política dos pequenos
camponeses, portanto, encontra sua expressão final no fato de que o Poder
Executivo submete ao seu domínio a sociedade (Marx, 1987: 75).
O conceito de bonapartismo questiona a idéia de que haveria uma
correspondência direta entre as classes e o Estado. Teria surgido para tentar
2
Karl Marx (1818-1883) nasceu na Alemanha e morreu na Inglaterra. Foi um estudioso e ativista
político que tratou de diversos temas políticos e sociais e tornou-se conhecido por suas análises
históricas e seus estudos sobre o capitalismo.
3
Professor titular aposentado do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo,
Francisco Correa Weffort nasceu em 1937 em Quatá, São Paulo. Foi pesquisador do Instituto
Latino-Americano para Economia Social e Planejamento da CEPAL em Santiago, Chile e
pesquisador do CEBRAP (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento). Na primeira metade da
década de 1990 atuou no Woodrow Wilson Center, Washington, D.C. e no Hellen Kellogg
Institute. Ministro da Cultura de 1995 a 2002.
31
explicar governos nos quais o Estado arbitrava entre diferentes classes
proprietárias, apoiando-se em setores não proprietários. Napoleão III teria se
apoiado no campesinato para isolar o proletariado. Segundo Weffort, o populismo
é um fenômeno político de massas, típico das regiões atingidas pela intensificação
do processo de urbanização, pautado por uma relação específica entre os
indivíduos e o poder político; esse poder é exercido através de um líder tutelador.
Weffort afirma que essa dominação é “como uma expressão política de interesses
determinados de classe” (Weffort, 2003: 25). E numa clara referência ao conceito
de bonapartismo, afirma que “O populismo [...] é sempre uma forma popular de
exaltação de uma pessoa na qual esta aparece como a imagem desejada para o
Estado. [...] A massa volta-se para o Estado e espera dele ‘o sol ou a chuva’”
(Weffort, 2003: 38).
Um segundo conceito do pensamento marxista a ser ressaltado é o de
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alienação 4 , ou ausência de consciência. Weffort argumenta que a ausência de uma
consciência de classe marcava o comportamento político das classes populares
urbanas durante o período populista: “Seu caráter de massas está condicionado
diretamente à heterogeneidade de sua composição, que tanto obscurece uma
possível consciência de seus interesses comuns como classe, quanto cria
possibilidades de mobilidade intraclasse” (Weffort, 2003: 176). Marx pregava que
o capitalismo seria sucedido pelo comunismo, uma sociedade sem classes que
surgiria após um período de transição no qual o Estado seria governado por uma
ditadura do proletariado. O postulado no qual se baseia o marxismo é o
materialismo histórico. Trata-se da aplicação, à história, de uma filosofia geral da
natureza e do homem: o materialismo dialético. O método de investigação e
produção de conhecimento chamado de dialética hegeliana propunha que a
história se daria por posição, oposição, e situação nova, chamadas tese, antítese, e
síntese, sempre em constante mudança. Hegel, porém, chegara a um idealismo
extremado, no qual o mundo real era a conseqüência e a realização da Idéia, pura
e absoluta, existente desde sempre. Os hegelianos de esquerda reagem e propõem
a concepção materialista. Nesta, o mundo material era a única realidade. Todos os
seres fantásticos, religiosos, seriam o reflexo do seu próprio ser. A consciência e o
pensamento do homem eram produtos apenas do homem, ser material, e de um
4
Para uma melhor compreensão do conceito marxista de alienação ver: Marx, K; Engels, F. A
ideologia alemã. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
32
órgão em particular: o cérebro. O materialismo histórico revira a dialética
hegeliana, pois não podendo a Idéia, um simples reflexo, ser o móvel da História,
este motor encontra-se no mundo material. Marx e Engels afirmam que o
indivíduo tem que ser visto nas suas condições materiais de existência. A estrutura
econômica é a base real, a infra-estrutura sobre a qual se constrói toda uma
superestrutura jurídica, política, intelectual, ideológica. Cada modo de produção
determinaria, obrigatoriamente, uma estrutura social, com sua correspondente
divisão em classes.
Daí derivariam as organizações políticas, jurídicas, valores, idéias:
epifenômenos da infra-estrutura que lhes deu origem. Da mesma forma como o
Estado é o Estado da classe dominante, as idéias da classe dominante seriam as
idéias dominantes em cada época. As idéias dominantes pareceriam ter validade
para toda a sociedade, inclusive para as classes oprimidas. Criar-se-ia a ilusão de
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que as diversas etapas da vida social resultam de idéias abstratas como, por
exemplo, a honra (na sociedade aristocrática), e a liberdade e a igualdade (na
sociedade burguesa). A partir desta “ilusão” passa-se a discutir o conceito de
alienação. O conceito de alienação pode ser abordado através de uma subdivisão
em dois enfoques: o econômico e o político. No econômico argumentar-se-ia que,
no capitalismo, o trabalho fabril é não-respeitoso, não-criativo; o proletário é um
apêndice da máquina, e seu salário despenca na medida em que a tecnologia e a
pressão demográfica fazem dele uma mercadoria facilmente substituível. É um
elemento passivo do processo; não concebe a criação e está alheio ao produto do
seu trabalho. No enfoque político (ou ideológico), a alienação se dá no momento
em que, por não ter consciência de classe, o proletário aceita que o seu destino
imutável seja o de vender sua força de trabalho. É justamente a partir desta
condição de explorado na produção capitalista que a consciência de classe poderia
ser formada. Na sinergia do ambiente da fábrica o operário poderia, em conjunto
com seus companheiros, refletir sobre sua condição de explorado. A natureza
alienante do seu trabalho e a densificação da massa proletária contribuiriam para
isto. A partir desta consciência de classe, e da ação política resultante da vivência
em organizações políticas combatentes, o proletariado faria a revolução que, ao
coletivizar os meios de produção, acabaria com as classes e, conseqüentemente,
com a exploração e a alienação.
O livro O populismo na política brasileira contém três artigos que se
33
tornaram referência para o estudo do populismo no Brasil, no período de 1945 a
1964. O primeiro artigo, Política de massas, é de setembro de 1963, “quando o
populismo brasileiro era o poder vigente ou, pelo menos, aparentava sê-lo”
(Weffort, 2003: 9). O segundo artigo, Estado e massas no Brasil, é de 1964, e o
terceiro, O populismo na política brasileira, foi publicado em 1967.
Pela primeira vez as massas urbanas surgem com liberdade no cenário
político brasileiro. A partir da redemocratização, a “democracia defronta-se –
apenas começa a instaurar-se no pós-guerra – com a tarefa trágica de toda
democracia burguesa: a incorporação das massas populares ao processo político”
(Weffort, 2003: 15) e as massas passam a exercer crescente pressão sobre a
estrutura do Estado. O autor considera que quando as massas populares urbanas
aparecem na história do Brasil, elas se tornam “a única fonte de legitimidade
possível ao novo Estado brasileiro” (Weffort, 2003: 54). Da observação dos
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fenômenos eleitorais protagonizados por Vargas, Adhemar de Barros e Jânio
Quadros, Weffort constata que:
Com efeito, desde 1945, qualquer político que pretendia conquistar funções
executivas com um mínimo de autonomia em relação aos grupos de interesse
localizados no sistema partidário, deveria, embora de maneira parcial e
mistificadora, prestar contas às massas eleitorais (Weffort, 2003: 20).
O populismo já se manifestava no fim da ditadura Vargas. A primeira
forma que tomou uma manifestação populista de massas teria sido o queremismo,
“designação derivada do slogan (‘nós queremos Getúlio’) do movimento de
opinião organizado por Vargas ao fim da ditadura” (Weffort, 2003: 47).
Weffort chama a atenção para o papel desempenhado pela pequena
burguesia quando esta se devota a um líder populista. O populismo seria uma
traição às massas porque, apesar de ter bases operárias, mantinha os limites da
pequena burguesia. Ao manter-se dentro destes limites de ação
[...] o populismo é, essencialmente, uma política de transição que conduz
inevitavelmente, por meio do desenvolvimento capitalista, ao esmagamento da
pequena burguesia pelos grandes capitais. [...]. Na impotência histórica da
pequena burguesia está a raiz da demagogia populista (Weffort, 2003: 35).
A tensão entre populismo e nacionalismo, naquele período, está presente
nos escritos de Weffort. Na sua crítica ao nacionalismo reformista, Weffort afirma
34
que este “foi pouco mais que uma forma pequeno-burguesa de consagração do
Estado” (Weffort, 2003: 45). Acusa, também, os nacionalistas de não serem
capazes de entender o populismo, recusando-lhe um sentido ideológico, “o que
significa considerá-lo um fenômeno pré-político ou para-político” (Weffort, 2003:
25). Além do mais, tal como os populistas, os nacionalistas também teriam
prejudicado a formação da consciência de classe dos operários e são, por Weffort,
responsabilizados pela derrota ante o movimento militar de 1964:
Não há dúvidas de que o nacionalismo obscureceu gravemente o sentido de
classe da emergência política das massas, a formação do proletariado no bojo
do desenvolvimento capitalista. E pagou por isto, como as próprias massas
populares, com a fragorosa derrota de abril de 1964 (Weffort, 2003: 41).
O autor considera importante realçar as diferenças entre populismo e
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coronelismo 5 . No coronelismo, as relações entre o senhor rural e seus empregados
e dependentes estão limitadas ao domínio social e econômico do senhor rural,
diferentemente do que ocorre no populismo:
No ‘coronelismo’ as relações são quase políticas: a dependência eleitoral da
base é apenas uma dimensão de sua dependência social em geral; no
populismo, a relação política é freqüentemente a única. Enfim, o ‘coronelismo’
expressa um compromisso entre o poder público e o privado do grande
proprietário de terra; já o populismo é, essencialmente, a exaltação do poder
público, é o próprio Estado colocando-se por meio do líder em contato direto
com os indivíduos reunidos na massa (Weffort, 2003: 28).
As aspirações das classes dominantes, para Weffort, não poderiam ser
alcançadas no Brasil de 1945 a 1964 sem que fossem, também, atendidas algumas
aspirações básicas das classes populares como “emprego, aumento de consumo e
direito de participação nos assuntos do Estado” (Weffort, 2003: 85).
Podemos reconhecer nas interpretações de Weffort a percepção de um
vácuo de poder oriundo da deterioração da dominação oligárquica ocorrida na
década de trinta, o que ele chamou de crise de hegemonia. Para Weffort, a
participação política das classes populares está relacionada “com as condições em
que se instala o novo regime e com a incapacidade manifestada pelas classes
médias e pelos setores industriais em substituir a oligarquia nas funções do
5
Weffort está usando o conceito de coronelismo desenvolvido por Victor Nunes Leal em
Coronelismo, enxada e voto (Leal, 1975).
35
Estado” (Weffort, 2003: 72). Dessa forma, “o chefe de Estado passará a atuar
como árbitro dentro de uma situação de compromisso [...] e a representação das
massas nesse jogo estará controlada pelo próprio chefe de Estado” (Weffort, 2003:
78 e 79).
Faz-se necessário atentar à ênfase que Weffort dá à necessidade de se
relativizar tanto a noção de manipulação, quanto a de passividade popular,
enraizadas no senso comum, e associadas ao populismo. Weffort considera que a
imagem mais adequada para que sejam mais bem compreendidas as relações entre
as massas urbanas e os grupos representados no Estado é a de uma tácita aliança
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entre partes de diferentes classes sociais.
Ele foi um modo determinado e concreto de manipulação das classes
populares, mas foi também um modo de expressão de suas insatisfações.
Representou, ao mesmo tempo, uma forma de estruturação do poder para os
grupos dominantes e a principal forma de expressão política da emergência
popular no processo de desenvolvimento industrial e urbano. Foi um dos
mecanismos pelo qual os grupos dominantes exerciam seu domínio, mas foi
também uma das maneiras pelo qual esse domínio encontrava-se
potencialmente ameaçado (Weffort, 2003: 71).
Mas a idéia de manipulação está presente nos escritos de Weffort quando
se refere ao período da ditadura Vargas. Este criara uma estrutura sindical que ele
iria controlar nas próximas décadas, pela via de uma legislação trabalhista para as
massas urbanas. Ao firmar seu prestígio junto a estas massas:
Getulio estabelece o poder do Estado como instituição, e este começa a ser uma
categoria decisiva na sociedade brasileira. Relativamente independente desta,
com mecanismos de manipulação passa a impor-se como instituição, inclusive
aos grupos economicamente dominantes (Weffort, 2003: 55).
A dependência de diferentes grupos em relação ao Estado é uma figura
recorrente e básica nos argumentos de Weffort. Com a crise das oligarquias, criase um quadro no qual diversos agentes políticos e econômicos que disputam a
hegemonia do poder não consigam alcançá-la.
Todos os grupos, inclusive as massas populares mobilizadas, participam direta
ou indiretamente do poder: não obstante, como nenhum deles possui a
hegemonia, todos o vêem [ao Estado] como uma entidade superior, do qual
esperam solução para todos os problemas. [...] Nessas condições, em que
nenhum dos grupos dominantes é capaz de oferecer as bases para uma política
36
de reformas, as massas populares aparecem novamente como a única força
capaz de dar sustentação a esta política e ao próprio Estado (Weffort, 2003:
62).
O conceito de “crise de hegemonia” é também desenvolvido por Weffort
em Partidos, sindicatos e democracia (Weffort, s. d.). Neste livro, ele realça a
importância das influências econômicas, políticas e ideológicas durante o período
da redemocratização, chamando a atenção para as condições que foram herdadas
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das estruturas anteriores:
Haveria que considerar em primeiro lugar os efeitos políticos das
transformações econômicas que resultando em grande medida de mudanças a
nível do sistema econômico internacional, deveriam alcançar na passagem
para a segunda metade dos anos 50 seu ponto de inflexão decisivo, assumindo
uma importância fundamental na conjuntura política e ideológica vivida pelo
país durante a segunda metade do segundo governo Vargas; nos planos político
e ideológico, por sua vez, haveria que considerar que a percepção e o
comportamento das forças políticas em face das novas tendências econômicas,
estiveram decisivamente afetados por heranças do passado, estruturas políticas
e concepções ideológicas formadas no longo período de “crise de hegemonia”
que marca a história do país desde os anos 20 e 30, ou seja desde as primeiras
e fundas fissuras havidas no Estado liberal-oligárquico e no esquema
hegemônico das velhas classes agrárias (Weffort, s. d.: 78).
O equilíbrio instável daí decorrente e, primordialmente, a incapacidade
de qualquer dos grupos assumirem a representatividade da classe dominante, teria
sido uma das características mais marcantes do período da redemocratização.
Nestas circunstâncias, as massas populares conquistam uma relevância ímpar.
Estaria na fragilidade e ineficiência dos grupos dominantes de assumir, como
classe, o poder e as responsabilidades do Estado, a eficácia das lideranças
populistas:
Incapazes de legitimar por si próprias a dominação que exercem necessitarão
recorrer a intermediários – primeiro Vargas, depois, os líderes populistas da
etapa democrática – que estabeleçam alianças com os setores urbanos das
classes dominadas (Weffort, 2003: 79).
As massas populares, no entanto, somente poderiam servir de base para a
legitimidade do Estado “quando ainda permanece possível o compromisso entre
os grupos dominantes” (Weffort, 2003: 63). Mas, a importância política das
massas seria função “da existência de uma transação entre os grupos dominantes,
37
e esta transação agora se encontrava em crise” (Weffort, 2003: 87). E o equilíbrio
proporcionado por este compromisso, para Weffort, teria se rompido no processo
que culminou com a derrubada do governo Goulart:
O grande compromisso social em que se apoiava o regime se viu, assim,
condenado por todas as forças que o compunha. Condenado pela direita e
pelas classes médias que se aterrorizavam ante a pressão popular crescente;
pelos grandes proprietários assustados com o debate sobre a reforma agrária e
com a mobilização das massas rurais pela burguesia industrial, temerosa
também da pressão popular e já vinculada por alguns de seus setores mais
importantes aos interesses estrangeiros. E, apesar das intenções de alguns de
seus líderes, encontrava-se condenado também pela fragilidade do populismo,
que se mostrava incapaz não só de manter o equilíbrio de todas essas forças,
como também de exercer um controle efetivo sobre o processo de ascensão das
massas (Weffort, 2003: 88).
O autor não acreditava que, a partir daí, as condições para que fosse
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exercida a pressão popular sobre o governo pudessem permanecer: “Com efeito, o
novo poder instaurado pelos militares parece marcar o fim do mito de um Estado
democrático de todo o povo e, deste modo, assinala um ponto de inflexão na
história política brasileira” (Weffort, 2003: 65).
2.3.
Ianni e a política de massas
Para Ianni 6 , durante o período de 1914 a 1964 foram criadas as condições
institucionais, políticas e culturais para uma sociedade industrializada e de
predominância urbana: “entre 1930 e 1964 verifica-se a criação de um vigoroso
setor industrial no Brasil. Nessa época, o Estado se torna o centro nacional mais
importante das decisões sobre a política econômica” (Ianni, 1975: 27). A partir de
1945 “as massas começaram a participar em algumas decisões políticas e na
formulação dos alvos do progresso nacional” (Ianni, 1975: 53). Argumenta que o
modelo de desenvolvimento e organização da economia, ao qual chama de
getuliano, apoiava-se na substituição de importações. Para isto, fazia-se necessário
6
Octavio Ianni (1926-2004) nasceu em Itu e morreu em São Paulo. Graduou-se na antiga
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (USP) em Ciências
Sociais, onde fez também o mestrado e doutorado. Foi um dos fundadores do CEBRAP. Teve seus
direitos políticos cassados pelo AI-5 em 1969. Voltou a lecionar no Brasil em 1977.
38
atender ao setor agrário que, na fase inicial do processo, continuaria a prover as
divisas a serem usadas em investimentos que demandassem importações.
O conceito marxista de luta de classes é uma importante referência na
crítica que Ianni faz da atuação das esquerdas no Brasil no período considerado,
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notadamente com relação ao Partido Comunista:
A partir de 1945, no entanto, o reformismo predomina, como orientação
política interna. Em plano internacional, a primazia cabe à luta contra o
imperialismo norte-americano, cujo ponto de apoio interno é considerado o
latifúndio. Assim, a luta pelas reformas de base é encarada como caminho mais
eficaz para atingir simultaneamente os interesses dos latifundiários, setores da
burguesia comercial e os imperialistas. Para desenvolver esta campanha, o PC
favorece e estabelece a aliança entre operários, setores da classe média,
estudantes universitários, intelectuais, políticos populistas, militares e,
principalmente, setores da burguesia nacional. Essa interpretação do
desenvolvimentismo nacionalista supunha que os interesses de setores
ponderáveis da burguesia industrial pelo mercado interno a colocava em
antagonismo com os grupos latifundiários, importador e imperialista. Assim, a
frente única, acertada entre esquerda e burguesia, poderia conduzir a luta pelo
progresso econômico, a democratização crescente e as conquistas da classe
operária (Ianni, 1975: 93).
Ianni interpreta que, na prática, a esquerda adotou a política de
substituição de importações como uma etapa do processo de revolução no Brasil.
Grave erro, pois a esquerda, ao “adotar e emaranhar-se na política de massas [...]
não pode transformar a política de massas em luta de classes” (Ianni, 1975: 93).
A política de massas, o dirigismo estatal, e uma política externa
independente eram os elementos fundamentais de um padrão político e econômico
consubstanciado na democracia populista no pós-1945. Em Ianni, a política das
massas é um elemento crucial no processo de industrialização. Chama a atenção
para o que denomina de “núcleo ideológico da política de massas” (Ianni, 1975:
56): o nacional-desenvolvimentismo, com uma crescente participação do Estado
na economia, exigência e conseqüência de um programa de nacionalização de
decisões.
O fenômeno populista estaria ancorado no binômio industrializaçãourbanização. A migração interna seria outro elemento importante para a
compreensão da estrutura do populismo. O horizonte cultural daquele migrante
que ia para as cidades e para os centros industriais ainda estava marcado por
valores e padrões do mundo rural:
39
Em particular, o universo social e cultural do trabalhador agrícola (sitiante,
parceiro, colono, camarada, agregado, peão, volante, etc.) está delimitado pelo
misticismo, a violência e o conformismo, como soluções tradicionais. Este
horizonte cultural modifica-se na cidade, na indústria, mas de modo lento,
parcial e contraditório (Ianni, 1975: 57).
Sob
o
ponto
de
vista
da
discussão
acerca
do
nacional-
desenvolvimentismo, as interpretações de Ianni são importantes pelo fato de que
este debate estava na agenda política e econômica no período que tem sido
repetidamente chamado de democracia populista no Brasil. Ianni considera que, a
partir da década de trinta, foram quatro os modelos de desenvolvimento presentes
na sociedade brasileira: o primeiro é o modelo exportador, que implica hegemonia
dos setores agrícolas tradicionais, tendo como contrapartida a importação de
produtos industrializados para atender ao mercado interno; depois, temos o
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modelo de substituição de importações, objetivando “encontrar uma combinação
positiva e dinâmica com o setor agrário, encadeando as exigências de divisas com
as exigências de investimentos destinados a atender ao mercado interno” (Ianni,
1975: 54); o terceiro seria um modelo que “implica na internacionalização
crescente
do
setor
industrial,
ao
lado
do
caráter
fundamentalmente
internacionalista do setor agrário tradicional” (Ianni, 1975: 54); finalmente, o
quarto modelo desenvolvimentista seria o socialista.
Pela importância que o modelo de desenvolvimento apoiado na
substituição de importações teve no crescimento da nossa economia, destaco a
afirmação de Ianni de que “os elementos fundamentais desse padrão políticoeconômico estão consubstanciados na democracia populista desenvolvida depois
de 1945” (Ianni, 1975: 54). Por estar baseado na transferência de divisas do setor
agro-exportador para investimentos destinados a atender ao mercado interno, o
modelo referido rompia com os até então paradigmas de relações entre o Estado e
as forças agrícolas internas. O Estado “com base na política de massas e no
dirigismo estatal, estabelece gradações nas rupturas estruturais indispensáveis à
sua execução. Fundamenta a política externa independente e implica numa
doutrina do Brasil como potência autônoma” (Ianni, 1975: 54).
Para Ianni, o período político que se inicia em 1930 já pode ser entendido
como inserido em um contexto populista. A sua forma foi se alterando em função
das circunstâncias nacionais e internacionais. A queda de Vargas, em 1945, na
40
onda de redemocratização do mundo capitalista, abriu espaço para o
pluripartidarismo, mas não foi o fim das políticas populistas. Mais que isto, elas
foram usadas como forma de legitimar a dominação: a política de massas,
diferentemente da política de partidos, “é o fundamento da democracia populista,
que se organizou paulatinamente nas décadas que antecederam a mudança
repentina ocorrida a partir do Golpe de Estado de 1º de abril de 1964” (Ianni,
1975: 9). Após enfatizar as modernizações nas estruturas sociais, políticas e
econômicas em curso, Ianni, em suas conclusões, afirma que o populismo “está
relacionado tanto com o consumo em massa como com o aparecimento da cultura
de massa. Em poucas palavras, o populismo brasileiro é a forma política
assumida pela sociedade de massas no país” (Ianni, 1975: 207).
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2.4.
Considerações finais
Podemos inferir que a questão do populismo é fundamental para o
entendimento do período de 1945 a 1964 no Brasil. A redemocratização, a
industrialização e a urbanização que transformaram as estruturas no país
trouxeram um eleitor ansioso pelo discurso que os líderes populistas souberam
desenvolver.
A sociologia marxista enxergava a modernização e a urbanização como
avanços em relação ao Brasil tradicional, onde os conflitos teriam sido
acomodados através da conciliação. Os conflitos seriam desejáveis, para trazer
novas sínteses. Na visão de Weffort, existe, mesmo no populismo mais ligado à
esquerda, um prejuízo fundamental à classe trabalhadora, por colocar a agenda
nacionalista como primordial. No Brasil de 1930 a 1945, teríamos uma política
híbrida, conseqüência do estágio inicial da nossa modernização. O populismo
corresponderia a uma fase em que se constatava um vácuo político: “a
peculiaridade do populismo vem de que ele surge como uma forma de dominação
nas condições de “vazio político”, em que nenhuma classe tem a hegemonia e
exatamente porque nenhuma classe se afigura capaz de assumi-la” (Weffort,
2003: 178).
A política de alianças entre classes é contundentemente atacada pelos
41
autores, sendo vista como uma das principais causas que levaram à derrota das
esquerdas em 1964. Tanto Weffort: “o novo poder instaurado pelos militares
parece marcar o fim do mito de um Estado democrático de todo o povo” (Weffort,
2003: 65); “a política nacionalista expiou de várias formas o pecado original da
ideologia” (Weffort, 2003: 42), quanto Ianni: “enquanto a esquerda permanecia ao
nível da consciência e atuação de massas, nos moldes estabelecidos na democracia
populista, ficava-se ao nível das reificações” (Ianni, 1975: 114), atribuem às
políticas populistas e nacionalistas forte responsabilidade no golpe militar, pois
elas teriam que partir para a luta de classes ou cair.
A ascensão e a queda da democracia representativa no Brasil, no período
de 1945 a 1964, sofreram influências externas e internas. No aspecto externo,
tivemos, politicamente, a onda democratizante que alcançou a maioria dos países
não “socialistas”, no pós-guerra e a subseqüente eclosão da Guerra Fria, que traria
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sua radicalização para a nossa agenda política. Economicamente, vivia-se, nos
países industrializados, a época de ouro do Welfare State, e sua ideologia
planejadora legitimava os defensores do desenvolvimentismo. Internamente,
tivemos o efeito de um aumento significativo da participação eleitoral,
conseqüência da urbanização e da burocratização do Estado, concomitantemente
com instituições tão frágeis que uma das marcas do período é a instabilidade
política.
As interpretações de Francisco Weffort e Octavio Ianni apontam, no
populismo, para uma atração da classe trabalhadora que não passa pelo plano
ideológico, mas, sim, pela política social. No processo de urbanização e
industrialização pelo qual passava o Brasil, formavam-se atores sociais
qualitativamente diferentes daqueles da Primeira República. Neste novo mundo
urbano, o controle político era precário. Quem controlaria essas massas
emergentes? O modelo corporativo fortalecia o Estado através da criação dos
sindicatos, da possibilidade de intervenção nos sindicatos, e da atuação da Justiça
do Trabalho. A classe trabalhadora teria sido encorajada a postergar a busca dos
seus interesses mais amplos e se satisfazer com o que seriam, no ponto de vista
dos revolucionários, conquistas menores.
Seus trabalhos apontam para uma perplexidade com o fenômeno do
populismo, tendo em vista o referencial teórico que ligava industrialização à
revolução. Suas interpretações, baseadas nas teorias de Karl Marx, tratam-no
42
como um obstáculo à conscientização da classe trabalhadora, fortalecendo sua
alienação. De acordo com o pensamento marxista predominante à época, na
Academia, o progresso decorrente da industrialização criaria entre nós o
capitalismo moderno, trazendo, em seu bojo, uma massa de proletários
explorados. O populismo, com forte apelo a um desenvolvimentismo que incluía
as diferentes classes sociais, ao criar obstáculos à conscientização da classe
proletária, trabalharia no sentido de prejudicar o progresso da revolução.
Por outro lado, suas análises têm, entre outras, a virtude de ter chamado a
atenção para as imensas transformações que aconteciam, principalmente nos
planos social e político. Estas rápidas transformações teriam impedido que o
proletariado pudesse amadurecer a consciência de classe que o levaria à criação de
organizações partidárias e sindicais “autênticas”, representativas de seus
interesses. Estaria, portanto, sujeito a uma relação personalista e demagógica
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quando se relacionava com lideranças populistas. Os sindicatos, seus órgãos de
organização e representação básicos, encontrar-se-iam submetidos à tutela do
Estado.
Ao procurar entender como a classe operária teria aberto mão da
revolução em favor da reforma, a idéia de política de massas permitiu todo um
desenvolvimento intelectual que influencia a agenda política brasileira até os dias
de hoje. O fenômeno do populismo passou a ser explorado em outras análises,
indicando que seu estudo foi, aos poucos, sendo legitimado no debate acadêmico,
mesmo quando problematizado a partir de referenciais teóricos diferentes dos
adotados pela a Escola de Sociologia da USP, na década de 1960.
3
Populismo e nacional-desenvolvimentismo
3.1.
As origens e o papel do Instituto Superior de Estudos Brasileiros nos
anos de 1950/1960
Neste capítulo serão estudadas as interpretações do fenômeno do
populismo feitas por intelectuais que participaram das instituições que elegeram o
nacional-desenvolvimentismo como o modelo de modernização do país. Os
encontros do que ficou conhecido como grupo de Itatiaia tiveram início em agosto
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de 1952, no Parque Nacional de Itatiaia, em local cedido pelo Ministério da
Agricultura, quando começou a reunir-se um grupo de intelectuais em cuja agenda
constava “o esclarecimento de problemas relacionados com a interpretação
econômica, sociológica, política e cultural de nossa época, [...] e com o estudo
histórico e sistemático do Brasil” (Schwartzman, 1981: 3). Este grupo seria a
semente do Instituto Brasileiro de Economia, Sociologia e Política (IBESP) e do
subseqüente Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB). O IBESP e o ISEB
reuniram parte da intelectualidade brasileira e se tornaram referência para
qualquer genealogia da análise política no Brasil.
Em 1953, o IBESP começa a publicar os Cadernos do Nosso Tempo,
totalizando cinco volumes. Colaboraram nos Cadernos: Alberto Guerreiro Ramos,
Candido Mendes de Almeida, Carlos Luís Andrade, Ewaldo Correia Lima, Fábio
Breves, Heitor Lima Rocha, Hélio Jaguaribe, Hermes Lima, Ignácio Rangel, João
Paulo de Almeida Magalhães, José Ribeiro de Lira, Jorge Abelardo Ramos,
Moacir Félix de Oliveira e Oscar Lorenzo Fernandes (Schwartzman, 1981: 3).
Esta
publicação
seria
considerada
o
berço
da
ideologia
nacional-
desenvolvimentista, que cresceria no decorrer da década, sendo o IBESP o núcleo
básico para a organização do ISEB. Inicialmente, a motivação dos debates era a
discussão teórica por estudiosos que tinham afinidades intelectuais e a vontade de
impulsionar um pensamento genuinamente brasileiro.
As idéias do ISEB estavam afinadas, no plano econômico, com o
44
pensamento da CEPAL 1 e, em especial, com as de Celso Furtado 2 que, embora
não tenha feito parte formal do ISEB, estava próximo das idéias daquele grupo.
Esta proximidade é claramente evidenciada quando se destaca que um importante
livro de Celso Furtado, A operação nordeste (Furtado, 1959), é fruto de uma
exposição seguida de debates por ele realizada no curso de “Introdução aos
problemas do Brasil”, destinado aos oficiais das Forças Armadas, em 13 de junho
de 1959, no auditório do ISEB, na Rua das Palmeiras, 55, Rio de Janeiro. A
afinidade dos pensamentos de Furtado com os da CEPAL são destacadas nas
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análises de Bielschowsky:
O que Furtado, Prebisch e os cepalinos estavam tentando mostrar era que as
estruturas produtivas socioeconômicas eram tais que, para conseguir crescer e
se desenvolver, você precisava de um tipo de política econômica diferente
daquela aplicada nos países centrais. Eles se dedicaram a analisar as
realidades latino-americanas sob esse prisma. Essencialmente, tem dois
elementos que são centrais, o primeiro é a idéia da heterogeneidade, a baixa
diversificação da estrutura produtiva. A mensagem central é industrializar, mas
naquelas condições não era fácil. Dava problemas de balanço de pagamentos,
de inflação. O segundo ponto central, que vem da teoria do Prebisch e que
Furtado vai absorver completamente, é a idéia da heterogeneidade tecnológica,
no seguinte sentido: alguns segmentos – toda a cadeia exportadora – têm alta
produtividade, e existe uma parcela muito grande da população que trabalha a
baixos níveis de produtividade. Isso resulta em pouco excedente, pouca
poupança para investir, e problemas para satisfazer a demanda rapidamente
crescente no processo de industrialização, porque a capacidade de investir era
baixa. O corolário disso tudo é o Estado. Como corolário é preciso planejar o
processo de industrialização nessas condições (Bielschowsky, 2008).
Bresser-Pereira nota a presença de uma forte sinergia entre os
pensamentos da CEPAL e do ISEB. Embora sublinhando que as idéias do ISEB
não eram radicais no plano político, uma vez que consideravam que “a formação
1
A CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe) foi criada em 1948 pelo
Conselho Econômico e Social das Nações Unidas com o objetivo de incentivar a cooperação
econômica entre os seus membros. Esta organização reunia importantes nomes do pensamento
desenvolvimentista latino-americano. Postulava que a industrialização, planejada pelo Estado, era
o principal caminho para superação do subdesenvolvimento dos países da América Latina. Seu
mais destacado intelectual foi Raúl Prebisch (1901-1986).
2
Celso Furtado (1920-2004) foi um influente economista brasileiro e um dos mais destacados
intelectuais do país ao longo do século XX. Doutor em Economia pela Universidade de Paris foi
Diretor do BNDE e superintendente da SUDENE no governo Juscelino Kubitschek, Ministro do
Planejamento do governo Goulart e Ministro da Cultura do governo Sarney. Foi eleito para a
Academia Brasileira de Letras em 1997. Suas idéias sobre o desenvolvimento e o
subdesenvolvimento estimularam a adoção de políticas públicas federais voltadas para estimular o
processo de industrialização, a correção das desigualdades regionais, e a regulação do conflito
distributivo (Ismael, 2008).
45
do Estado nacional se fazia, necessariamente, por intermédio de uma aliança
dialética ou contraditória, mas sem dúvida alguma de uma aliança entre capital e
trabalho” (Bresser-Pereira, 2004: 52), explica:
A perspectiva política do ISEB, centrada na idéia de revolução nacional, e a
perspectiva econômica da CEPAL, fundada na crítica da teoria econômica
neoclássica, somavam forças, forneciam uma base sólida, no início da década
de 50, para que um poderoso e inovador grupo de intelectuais pensasse o
Brasil e a America Latina (Bresser-Pereira, 2004: 52).
O ISEB, constituído pelo governo de Juscelino Kubitschek, tinha como
uma de suas razões atender “a reivindicação de alguns setores da vida nacional –
interessados que estão ‘no incentivo e promoção do desenvolvimento nacional’”
(Toledo, 1997: 204). Na ocasião de sua criação, seu diretor executivo era Roland
Corbisier. O Conselho Curador era formado por Anísio Teixeira, Ernesto Luiz de
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Oliveira Júnior, Hélio Burgos Cabal, Hélio Jaguaribe, José Augusto de Macedo
Soares, Nelson Werneck Sodré, Roberto de Oliveira Campos e Roland Corbisier.
Os departamentos ficaram sob a responsabilidade de Álvaro Vieira Pinto
(Filosofia), Candido Mendes (História), Alberto Guerreiro Ramos (Sociologia),
Hélio Jaguaribe (Ciência Política) e Evaldo Correa Lima (Economia) (cf. Toledo,
1997: 204-205).
Thomas Skidmore chama a atenção para as opiniões e as características
do grupo que modelou o pensamento do ISEB, nos seus primórdios. Eles
pertenciam, em sua maioria, a uma geração com cerca de 30 anos de idade,
pertencendo a uma elite administrativa e intelectual. A classe média urbana que
emergia estava ávida pelos empregos que um projeto desenvolvimentista
alavancado pelo Estado certamente lhe traria.
A classe média sentia uma atração instintiva pelas doutrinas do nacionalismo
econômico, especialmente os membros da classe média que se identificavam
com a industrialização e a modernização e que sentiam que o Brasil precisava
estabelecer controle sobre a direção da sua própria economia. Seus membros
preencheriam os postos administrativos e técnicos que o desenvolvimento
econômico exigia e criava. (Skidmore, 1976: 143).
Por outro lado, a classe operária urbana era um receptáculo previsível ao
discurso nacionalista, como ficou comprovado na campanha pela criação da
Petrobrás. “De fato, a linguagem do nacionalismo econômico parecia-lhes mais
46
fácil de entender do que a idéia do conflito interno de classes” (Skidmore, 1976:
143). Para Skidmore, o nacional-desenvolvimentismo foi fundamental na
perseguição de um consenso popular:
O nacionalismo econômico, portanto, poderia ser muito útil como meio de
edificar um consenso popular. O nacionalismo era um sentimento que podia
unir brasileiros de diversas classes e setores, dar-lhes um senso de
comunidade. Como argumentavam os apologistas intelectuais do nacionalismo
desenvolvimentista, a identificação com a nação em um esforço comum poderia
ajudar a superar as tensões de classe produzidas por uma sociedade em
desenvolvimento (Skidmore, 1976: 143).
Os intelectuais do ISEB entendiam o desenvolvimento, em sua forma
mais abrangente, como reformas estruturais profundas e, mais especificamente,
como um processo de industrialização através do qual o crescimento da renda per
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capita seria auto-sustentável. Durante o processo de institucionalização do
mercado interno, haveria uma associação entre a burguesia nacional, a burocracia
estatal, e os trabalhadores, sendo o interesse nacional o objetivo comum. Para
Caio Navarro de Toledo, em ISEB: fábrica de ideologias, o nacionaldesenvolvimentismo teve seu apogeu, como produção intelectual, no ISEB. Os
intelectuais do ISEB acreditavam que:
[...] na realização do desenvolvimento nacional, a aliança de classes se faria
não apenas ao nível político: como afirmavam, a unidade seria alcançada
também no plano ideológico. Assumia-se, assim, que no processo de
desenvolvimento (industrial) [...] a luta de classes e, por conseguinte, a luta
ideológica, não se constituíam em realidade efetivas ao nível do capitalismo
dependente (Toledo, 1997: 197).
Maria Sylvia de Carvalho Franco, na apresentação do livro de Toledo
acima citado, identifica a importância da pesquisa por este realizado e que enfoca
o pensamento brasileiro. Ela destaca que a pesquisa sobre o pensamento brasileiro
faz parte de uma “preocupação mais ampla de estudo e crítica das principais
correntes teóricas modernas” (Carvalho Franco, 1997: 23).
47
3.2.
O ISEB e as primeiras reflexões sobre o populismo
No artigo Que é o ademarismo (Que é o ademarismo, 1981: 23-30)
publicado no primeiro semestre de 1954, e cuja autoria não pode ser claramente
estabelecida, os intelectuais do IBESP ressaltam a relevância do estudo do
populismo, por enxergarem a possibilidade de sucesso da candidatura de Adhemar
de Barros nas eleições presidenciais de 1955. Na procura do entendimento de o
que seria o ademarismo, afirma-se contundentemente: “O ademarismo é um
populismo” (Que é o ademarismo, 1981: 25). Esta seria a classificação que melhor
lhe conviria e que, segundo o artigo, já vinha sendo utilizada na linguagem
corrente inúmeras vezes. Chamava a atenção, no entanto, para o fato de que o
populismo ainda não havia sido conceituado, nas condições brasileiras. É esta
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conceituação que, claramente, será tentada a seguir. O artigo analisa líderes
populistas em diversos momentos da História, desde o helenismo, passando pelo
Império Romano, e chegando ao fascismo contemporâneo. Chama a atenção para
as características populistas de alguns setores da política norte-americana no pósguerra:
O populismo não se formou no âmbito do proletariado sindicalizado nem teve
por instrumento o Partido Democrático, que, desde Roosevelt, veio caminhando
para a esquerda e se impregnando de uma ideologia socializante. Muito ao
contrário, foi o Partido Republicano que se tornou o porta-voz das aspirações
psico e sócio-instintivas das massas americanas e foi um senador republicano,
o Sr. McCarthy, que logrou conquistar a liderança do populismo ianque, tendo
como bandeira o anticomunismo e o anti-socialismo. (Que é o ademarismo,
1981: 28).
Identifica-se uma influência marxista na confusão que se tem feito entre
movimentos de base popular e os movimentos de esquerda. O artigo argumenta
que, uma vez que para estes existe o pressuposto de que posições reacionárias só
podem ser assumidas por integrantes das classes dominantes, surge uma tendência
a interpretar que quaisquer manifestações políticas apoiadas em extensa base
popular tenham valores progressistas e inovadores. O populismo, entretanto, seria
uma manifestação de massas, e não de classe:
48
[...] os movimentos de massa se realizam como expressão confusa e primária de
aspirações instintivas da massa, permanecendo dentro do âmbito de
condicionamento da classe dominante e das relações de espoliação. A massa
não é uma classe, nem uma aliança de classes, nem, mesmo, um conjunto de
classes. [...] As massas, por isso mesmo, são originária e basicamente um
fenômeno proletário, uma conseqüência da proletarização (Que é o
ademarismo, 1981: 25).
A política de massas, uma das características do populismo, poderia ser
vista como decorrente da moderna divisão do trabalho, com sua proletarização e
urbanização, mas sem que os trabalhadores tivessem alcançado, nem consciência,
nem sentimento de classe. Isto, porém, não seria suficiente para o surgimento do
populismo. Far-se-ia necessário, também, que a classe dirigente tivesse perdido
sua representatividade. Por meio deste processo, a classe dirigente, transformada
em classe dominante, “perde, igualmente, seu poder criador e sua exemplaridade,
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deixando de criar os valores e os estilos de vida informadores da conduta média
da comunidade” (Que é o ademarismo, 1981: 26). Estas condições históricas e
sociais ainda não bastavam. Além destas condições mais gerais, seria preciso uma
terceira condição, “que é o aparecimento do líder populista, do homem carregado
de um especial apelo às massas, apto a mobilizá-las politicamente para a
conquista do poder” (Que é o ademarismo, 1981: 27).
O apelo que exerce o líder populista sobre as massas representa o equivalente,
nas sociedades que já experimentaram a massificação superestruturária, do
apelo carismático, nas sociedades onde ainda não se mecanizaram nem
rigidificaram as relações de sociabilidade. Esse carisma de massas, que cabe
denominar de “populidade”, consiste, essencialmente, numa capacidade de
mobilizar os homens-massa – quer pertençam aos estratos proletarizados da
sociedade, nos quais se originou a massificação, quer aos estratos superiores.
(Que é o ademarismo, 1981: 27).
Fica clara a separação entre as práticas políticas do ademarismo e a do
clientelismo, ainda que aquele se aproveite de algumas práticas características
deste:
A falta de originalidade ideológica do ademarismo e o fato de que emprega
processos que, aparentemente, não diferem dos velhos métodos da política de
clientela (utilização do coronelismo, nos meios rurais, arregimentação de
eleitores a troco do emprego e fatores diversos, etc.) induzem muitos a julgar
que o ademarismo é apenas um pessedismo mais ativo, que procura
acrescentar, ao seu eleitorado rural, um eleitorado urbano conquistado à custa
dos usuais processos demagógicos (Que é o ademarismo, 1981: 23).
49
O artigo demarca as condições histórico-sociais que fizeram com que o
Brasil estivesse propício ao surgimento de movimentos populistas. Por um lado,
houve um processo de massificação que não teria sido acompanhado de uma
criação de consciência e de organização classista por parte do seu proletariado.
Aqui, a urbanização teria acontecido antes da industrialização, a qual, por ter se
realizado abruptamente (como conseqüência do começo da guerra, em 1939),
formou um contingente operário oriundo do meio rural agrário. De outro lado, é
ressaltada a decadência da antiga classe dominante ligada ao campo, e não
substituída por uma burguesia industrial, mas por uma burguesia mercantil, de
finalidades especulativas. “E assim se completaram as condições propiciadoras da
formação de um movimento populista no Brasil, que apenas aguardava o
aparecimento de um líder de massas [...]. Tal líder apareceu na pessoa do Sr.
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Ademar de Barros” (Que é o ademarismo, 1981: 29).
3.3.
Jaguaribe: a modernização contida
A maioria dos intelectuais do ISEB clamava que a questão do
desenvolvimento nacional era do interesse de toda a Nação, e não apenas dos
grupos dominantes do cenário político-social. Tendo passado por momentos de
dissensões e reformulações internas, as posições destes intelectuais em relação às
ações políticas e econômicas eram diversas. Um marcante episódio de tensão foi
por ocasião do lançamento do livro O nacionalismo na atualidade brasileira, de
Hélio Jaguaribe 3 , no qual o autor defendia teses que eram “consideradas
‘espúrias’ pelo movimento nacionalista” (Toledo, 1997: 207). Neste livro,
Jaguaribe fazia fortes críticas ao nacionalismo brasileiro, afirmando tratar-se de
3
Hélio Jaguaribe (1923-) formou-se em direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro em 1946. Em 1983 recebeu o grau de Doutor Honoris Causa da Universidade de Johanes
Gutenberg, em Mainz, Alemanha, e em 1992 na Universidade Federal da Paraíba. Foi eleito
membro da Academia Brasileira de Letras em 2005. Foi figura relevante no ISEB, tendo,
inclusive, participado decisivamente para que o Instituto, em seus primeiros momentos, pudesse
sobreviver, financeiramente, através da injeção de recursos pessoais, conforme mencionado por
Maria Emília Prado, em sua apresentação pessoal (Prado, 2007) no XXIV Simpósio Nacional de
História da Associação Nacional de História – ANPUH, realizado na Unisinos, em São Leopoldo,
em julho de 2007.
50
“uma ideologia vaga, sem formulação teórica e carregada de contradições”
(Jaguaribe, 1958: 12), de insuficiente caracterização, reunindo “correntes de
extrema direita, ligadas, no passado, aos movimentos de propensão fascista, e
correntes de extrema esquerda, como o Partido Comunista” (Jaguaribe, 1958: 12).
Bresser-Pereira explica a reação dentro do ISEB:
Jaguaribe reconhece que os investimentos estrangeiros se estavam dirigindo
para a indústria. Ao fazer esta afirmação, de fato, ele contrariava uma tese
comum à esquerda e aos nacionalistas brasileiros e latino-americanos,
representados pelo próprio ISEB, pela CEPAL no Chile e pelo Partido
Comunista então na ilegalidade no Brasil, segundo a qual o “capital
estrangeiro”, associado ao setor primário-exportador, seria o principal
obstáculo político à industrialização brasileira. [...] Seus companheiros,
entretanto, não quiseram reconhecer o fato histórico novo, que exigia uma nova
formulação teórica (Bresser-Pereira, 2004: 51).
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Skidmore comenta que os nacionalistas radicais, de dentro do ISEB,
viam a abertura para o capital estrangeiro como excessivamente pragmática. Esta
queda-de-braço trouxe, como conseqüência, um racha no Instituto, que levou às
renúncias, em fins de 1958 e princípios de 1959, de Jaguaribe, de Candido
Mendes e de Guerreiro Ramos (que tinha sido o diretor do Departamento de
Sociologia). “O ISEB, a partir de então, passou a refletir as opiniões de
nacionalistas radicais como Nelson Werneck Sodré, Roland Corbisier (que
continuou como diretor-executivo) e Álvaro Vieira Pinto” (Skidmore, 1976: 462).
Conforme Maria Emilia Prado, a obra de Jaguaribe acima citada teria
sido um ponto de inflexão nos debates intelectuais dentro do ISEB. Prado enfatiza
a contribuição de Jaguaribe na quebra da quase unanimidade das interpretações
hegemônicas na intelectualidade ligada, à época, ao desenvolvimentismo, e que
rejeitava a possibilidade de aceitarmos o capital estrangeiro como parceiro na
busca do desenvolvimento do Brasil:
Ao não fazer a defesa de que o capital internacional devia ser totalmente
rejeitado como parceiro no desenvolvimento da industrialização no Brasil,
Jaguaribe produziu uma leitura diversa dos caminhos do desenvolvimentismo
no Brasil. Para ele o processo de industrialização brasileira não precisava ser
efetivado de modo dependente do capital internacional, mas não precisava
repeli-lo em nome de um nacionalismo exacerbado (Prado, 2007: 7).
51
Jaguaribe apresentou uma interessante análise crítica sobre o fenômeno
populista na América Latina em geral, e no Brasil, em particular. Em seu livro
Problemas do desenvolvimento latino-americano – estudos de política, publicado
em 1967, afirma que “tudo faz crer que o método populista de proporcionar um
processo de desenvolvimento político, pelo menos nas condições existentes na
América Latina, é inoperante” (Jaguaribe, 1967: 167). Na interpretação de
Jaguaribe, o populismo representaria uma relação direta entre as massas e um
líder, em uma aliança que forneceria ao líder o apoio das massas, em seu objetivo
de conquista de poder político. O líder necessitaria ser carismático o suficiente
para fazer as massas acreditarem que suas (do povo) expectativas de ascensão
social seriam atingidas, caso ele alcançasse o poder. Além disso, seria típico do
populismo que as relações entre o líder e as massas fossem diretas, sem
intermediações de qualquer espécie, apoiadas na esperança de que, quanto mais
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rapidamente fosse entregue ao líder a maior quantidade de poder, mais
beneficiadas as massas seriam.
Uma razão pela qual o populismo teria sido um caminho recorrente no
desenvolvimento político latino-americano estaria no fato de que houve, na
América Latina, uma contenção na modernização das massas, que somente no
século vinte veriam difundidos as idéias, os valores, e o comportamento
modernos, em função da carência da educação das massas em nosso continente.
Isto teria levado a uma conscientização explosiva “de sua condição de miséria,
bem como de sua possibilidade de mudar tal estado de coisas através de meios
políticos, e investiram suas expectativas [...] no expediente mais direto, ou seja, o
líder carismático” (Jaguaribe, 1967: 168). No caso brasileiro, Jaguaribe aponta
como uma das causas do fracasso do populismo a incapacidade de os movimentos
populistas conquistarem maiorias suficientemente amplas. Não teriam sido
capazes de incorporar, majoritariamente, a classe média, tampouco a maioria do
eleitorado. Por outro lado
[...] não tiveram tempo nem disposição para mobilizar os camponeses. Quando
esta mobilização foi tardiamente começada, como aconteceu com a tentativa de
Goulart, no Brasil, o populismo já estava condenado e podia, em conseqüência,
ser esmagado pelos militares antes de conseguir quaisquer resultados
importantes (Jaguaribe, 1967: 169).
52
3.4.
Guerreiro Ramos: o populismo como fase
Guerreiro Ramos 4 foi um dos intelectuais mais influentes do ISEB e
também o diretor do seu Departamento de Sociologia até a sua saída, em
dezembro de 1958. No livro A crise do poder no Brasil, publicado em 1961,
desenvolve cinco formas, ou fases, de políticas no intuito de analisar a evolução
da política brasileira, em um momento em que o autor já constata que “a tomada
de consciência de que o povo é a novidade radical do Brasil na presente época
constitui requisito imprescindível, do ponto-de-vista teórico e prático” (Ramos,
1961: 46). Chama a atenção para o fato de que, apesar de estas fases da política
possuírem uma tendência a surgir sucessivamente, podem, eventualmente,
apresentar-se simultaneamente.
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A primeira política seria a política de clã, dominante no Brasil colonial,
com seus pequenos grupos de população, com alto grau de isolamento e de autosuficiência. “O clã é unidade social cujos integrantes acham-se fortemente ligados
por laços de parentesco, em suas várias formas, e de dependência residencial, e
não têm consciência de nenhum instituto de direito público” (Ramos, 1961: 49).
Ali, a autoridade do senhor territorial é avassaladora, não se separando o poder
privado do poder público. Ramos denomina a segunda política de política de
oligarquia. Diferentemente da política de clã, cujos limites não vão além dos
limites das terras do senhor, a política de oligarquia aparece quando o Estado se
organiza nas ordens municipais, provinciais e nacionais. Os antigos clãs teriam se
organizados em grupos maiores, as oligarquias, com o objetivo de disputar o
poder. Muito embora a política de oligarquia reconhecesse juridicamente o poder
público, usava-o como coisa privada. “As oligarquias exercem o poder em
obediência a critérios familísticos ou de compadrismos. Daí não tolerarem nos
serviços do Estado senão os seus apaniguados” (Ramos, 1961: 49). No entanto, a
diversificação econômica, o crescimento demográfico e, principalmente, a
urbanização, são elementos que irão enfraquecer as oligarquias:
4
Alberto Guerreiro Ramos (1915-1982) foi uma figura de grande relevo da Ciência Social no
Brasil. Foi professor da Universidade do Sul da Califórnia e Professor Visitante da Universidade
de Santa Catarina. Foi deputado federal pelo Rio de Janeiro, de 1963 a 1964, quando teve seu
mandato cassado. Para mais informaçoes sobre sua vida e obra, ver Abranches (2006).
53
À diferença dos trabalhadores do campo que asseguram largamente sua
subsistência do consumo direto da produção natural, os trabalhadores urbanos
vivem da remuneração de suas atividades. Para os primeiros, têm grande força
coesiva os vínculos de localidade. [...] O teor social da existência dos
trabalhadores urbanos é mais rico do que o da vida camponesa, eleva a sua
consciência. Gradativamente compreendem que o atendimento de suas
reivindicações depende da escala em que possam influenciar os governantes. O
Estado começa a se lhes mostrar menos como botim de oligarcas e seus
protegidos do que como órgão a serviço de categorias sociais. [...] Vêem no
chefe político um homem identificado com os seus problemas e não pessoa a
quem deva fidelidade e obediência (Ramos, 1961: 54).
Quando começa a “surgir ‘espírito público esclarecido’ e ‘a opinião que
se faz respeitar’” (Ramos, 1961: 55) estarão criadas as condições para o
surgimento da política populista, a terceira fase de política sugerida por Ramos. O
populismo seria um avanço quando comparado à política de clã e à política de
oligarquia, pois apelaria apenas para uma discreta solidariedade social, e não para
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o parentesco em suas diversas formas:
O vínculo que liga os liderados aos chefes é a confiança pessoal e não a
fidelidade clânica. O líder populista é sempre um homem que fez algo pelas
categorias sociais de seus adeptos e que, por isso, as sensibiliza politicamente.
Na política populista não há ainda exigência ideológica, há expectativa de que
o líder no Poder assegure benefícios diretos ou indiretos aos que o elegeram
(Ramos, 1961: 55).
Mesmo reconhecendo que já havia sinais de populismo na República
Velha, Ramos considera que a política populista só passa a ser dominante depois
do fim do Estado Novo. Isto, porque a independência dos eleitores comparada ao
sistema eleitoral no período oligárquico e o sucesso eleitoral de líderes populistas
somente são possíveis dentro de um quadro eleitoral com um mínimo de
respeitabilidade às leis.
Anteriormente, controlados os pleitos pelos governantes e seus
correligionários, era difícil ou quase impossível o êxito eleitoral de líderes
populistas, moldados à distância dos quadros oligárquicos. A vigência da
política populista pressupõe um mínimo de probidade nas eleições que,
notadamente no âmbito federal, só tivemos a partir de 1945 (Ramos, 1961: 56).
Neste ponto, Ramos antecipa uma discussão que estará presente nas
análises sobre o populismo realizadas pela Escola de Sociologia da USP, ao
constatar que as primeiras gerações operárias em áreas industriais e urbanas não
54
estariam ainda aptas a manifestar uma consciência de classe, característica das
gerações de trabalhadores que foram se sucedendo em uma tradição de luta de
classes:
O populismo é uma ideologia pequeno-burguesa que polariza a massa obreira
nos períodos iniciais da industrialização, em que as diferentes classes ainda
não se configuraram e apenas despontam, de maneira rudimentar. Em tais
condições, a debilidade relativa do incipiente sistema produtivo não permite
que as categorias dos trabalhadores tomem parte nas lutas políticas em
obediência a programas próprios ou diferenciados (Ramos; 1961: 56).
Os contingentes que haviam recentemente chegado das áreas rurais ainda
não dominariam a linguagem ideológica e, portanto, não poderiam influenciar
seus líderes neste aspecto. Ramos indica quais seriam, para ele, alguns modelos de
líderes populistas: Getúlio Vargas, João Goulart, Adhemar de Barros, Jânio
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Quadros e Tenório Cavalcanti 5 .
A quarta fase, a política de grupos de pressão, seria contemporânea de
uma época na qual já há uma abrangente organização de classes sociais em
partidos, e uma adiantada estrutura econômica. Já não mais seria possível que os
governos fossem exercidos de forma pessoal ou através de apenas simbólicos
entraves institucionais. Estes grupos de pressão seriam a forma de atuação de
demanda de diferentes círculos, atuando junto às autoridades dos poderes
Executivo, Legislativo e Judiciário:
Na prática se reconhece em tese a legitimidade dos grupos de pressão, quando
nos conselhos de órgãos públicos vem sendo admitida a participação regular
de representantes de categorias sociais, seja de patrões ou empregados, seja de
produtores ou consumidores. Agricultores, comerciantes, industriais têm voz
hoje no Brasil em muitas repartições do Governo e ultimamente essa praxe está
sendo estendida a assalariados (Ramos, 1961: 58).
Está presente na análise de Ramos a influência do corporativismo. É
oportuno lembrar que Leôncio Martins Rodrigues, em Partidos e sindicatos:
escritos de sociologia política, aponta para o fato de que havia, desde a década de
5
Natalício Tenório Cavalcanti de Albuquerque (1906-1987) nasceu em Palmeira dos Índios,
Alagoas. Tinha sua base eleitoral em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense. Tenório possuía
um estilo político agressivo, muitas vezes violento. Como deputado estadual, providenciou
diversas melhorias para a população local, buscando, também, instalar os milhares de migrantes
nordestinos que vinham para o Rio de Janeiro em busca de condições melhores de vida. Suas obras
políticas renderam-lhe muitos aliados e eleitores pelas favelas de Caxias, apoio que o levaria a ser
eleito deputado federal.
55
30, tendências ideológicas que faziam com que diversas forças políticas
emergentes, desde os integralistas até os comunistas, vissem o corporativismo, o
autoritarismo, e o nacionalismo como componentes de uma “ideologia de Estado”
(cf. Rodrigues, 1990: 52). O sindicalismo corporativo seria, por ocasião dos
conflitos gerados pela política nacional-populista, um dos principais instrumentos
do governo na mobilização dos trabalhadores em favor das reformas de base (cf.
Rodrigues, 1990: 66). Esta dependência é bastante confortável, até os dias de hoje,
para os estamentos protegidos pela nossa legislação sindical. Rodrigues considera
que esta dependência perdurou, o que mostra a força com que as legislações
introduzidas por Vargas penetraram em nossa sociedade: “As facções mais
radicais do movimento sindical, que anteriormente se mostravam bastante críticas
à estrutura sindical corporativa, perderam muito do fervor crítico ao conquistarem
direções e posições no sindicalismo oficial” (Rodrigues, 1990: 71).
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Ramos chama a atenção, no entanto, que “os grupos de pressão têm de
ser realisticamente considerados como dispositivos inevitáveis nas sociedades
industriais não-unificadas, do ponto-de-vista ideológico, pela ditadura de uma
classe” (Ramos, 1961: 59). Estão citados como importantes grupos de pressão: as
Associações Comerciais, a Sociedade Rural Brasileira, o Clero, o Clube Militar, a
Associação de Servidores Civis da União, Sindicatos, Federações, Confederações,
entre outros.
Tendo em vista a larga faixa de grupos lembrada por Ramos, creio que
cabe, aqui, um retorno ao texto de Rodrigues, no intuito de aprofundar a discussão
acerca da caracterização dos grupos de pressão. Rodrigues considera que se deve
fazer uma distinção entre os grupos de pressão do tipo corporativista e os do tipo
pluralista, e nos sugere as características de cada um. No corporativismo, as
características principais seriam: a limitação da quantidade de unidades
constitutivas; a obrigatoriedade de filiação; o reconhecimento pelo Estado, que
concede o monopólio da representação; e o controle, formal ou não, da seleção de
lideranças. Já no pluralismo: não há um número determinado de categorias de
unidades constituintes do grupo; é irrelevante a autorização ou reconhecimento
por parte do Estado; não possuem o monopólio da representação; e não existe o
controle, pelo Estado, sobre a forma como são definidas suas lideranças (cf.
Rodrigues, 1990: 56).
Guerreiro Ramos lembra que onde as atividades produtivas não são bem
56
diferenciadas, não há a ocorrência de formação de grupos ou classes sociais,
“distintos em sua psicologia” (Ramos, 1961: 60). Quando isto ocorre, passa a
haver a exigência de uma política ideológica, a quinta fase de política de Ramos:
O eleitorado brasileiro já possui os atributos subjetivos que, em toda parte,
constituem o lastro da política ideológica. Está “cissiparizado” em grandes
agrupamentos, cada qual tendendo a participar das lutas políticas em função
do conjunto de seus interesses. A ideologia é precisamente justificação de
interesses. Cada agrupamento é compelido a procurar influenciar o aparelho
estatal e mesmo a controlá-lo, proclamando a racionalidade de suas
pretensões, a vantagem coletiva do prevalecimento de seu ideário no exercício
do poder (Ramos, 1961: 62).
Por ocasião da publicação do livro citado, Ramos considerava que o
Brasil e o povo brasileiro já estavam historicamente maduros e constituídos, e que
a política ideológica seria a principal demanda do povo brasileiro, à época. Então,
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sua maior preocupação seria a crise de representação evidenciada com as eleições
de 3 de outubro de 1960, na qual foram eleitos Jânio Quadros, para Presidente, e
João Goulart, para Vice-Presidente. Os políticos e os partidos não estariam
conscientes do:
[...] aspecto magno da questão nos dias correntes – o da representatividade. O
atual problema partidário não será adequadamente equacionado, enquanto não
se relacioná-lo com a mudança de conteúdo da sociedade brasileira, expressa
no elevado nível de discernimento que atingiram recentemente as massas no
Brasil (Ramos, 1961: 89).
Segundo o autor, poderia ser detectado um avanço na psicologia coletiva
ao se examinar a evolução do trabalhismo desde sua fundação: “Tudo indica o
encerramento do trabalhismo como corrente beneficiária do carisma pessoal de
Getúlio Vargas” (Ramos, 1961: 89). Aqui, ele estaria considerando, uma vez
observadas as fases políticas anteriormente conceituadas, que o trabalhismo seria
uma forma mais avançada de política do que a política populista. No entanto,
considera que o trabalhismo “está longe de ser movimento adulto” (Ramos, 1961:
90).
Apesar de entender que o PTB mereceria ser o partido representativo dos
trabalhadores brasileiros, Ramos lhe atribui alguns defeitos, “doenças infantis”,
que denomina de varguismo, janguismo, peleguismo e expertismo. Varguismo
seria o culto a Getúlio Vargas, que nos seus dois governos, de 1930 a 1945, e de
57
1951 a 1954 teria, segundo Ramos, levado o país a transformações de conteúdo
progressista. No entanto:
O varguismo não se consubstanciou numa doutrina, é um resíduo emocional,
precipitado de impressões, crença popular na bondade intrínseca de Vargas,
como governante, e daqueles que o seguem. Nestas condições, à medida que
passa o tempo, vai perdendo os efeitos eleitorais e as duas últimas eleições
gerais ilustram a quase extinção de sua eficácia (Ramos, 1961: 91).
O janguismo seria a herança política do varguismo. Apoiava-se no fato
de que significativas camadas populares viam João Goulart como um continuador
da obra varguista. Por apresentar-se “na liderança das reivindicações por aumento
de salários, pronunciando-se com freqüência ao lado de causas populares, o Sr.
João Goulart ganhou prestígio incontestável no meio dos trabalhadores” (Ramos,
1961: 92). No entanto, Goulart não teria renovado seus meios de ação política,
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manipulando as cúpulas partidárias e sindicais sem partir para a organização de
trabalhos de base junto aos trabalhadores. Já o peleguismo é considerado, por
Ramos, como um subproduto do varguismo. Para ele, não podemos nos
surpreender por termos criado um sindicalismo qualitativamente inferior quando
os métodos de trabalho partidário contemporâneos a ele são o varguismo e o
janguismo:
O pelego é um burocrata sindical que mantém posições ambivalentes entre o
Governo e os trabalhadores. Sua habilidade consiste em realizar um jogo de
conciliações que permita atender esporadicamente às reivindicações dos
trabalhadores, quando as dificuldades destes atingem o limite da tolerância,
sem prejuízo da segurança ocasional do Governo (Ramos, 1961: 92).
O termo expertismo é utilizado por Ramos como um anglicismo derivado
de expert, perito, conhecedor. Refletiria uma tendência que teria decorrido da
necessidade “de dar expressão ideológico-sistemática ao trabalhismo” (Ramos,
1961: 93).
Em Nacionalismo e democracia no pensamento de Guerreiro Ramos,
Aparecida Maria Abranches destaca que o nacionalismo deve ser visto como uma
interpretação sobre a vida política no Brasil na década de 1950, “na qual se supõe
encontrar ingredientes capazes de apontar para um devir possível” (Abranches,
2006: 102). E, no que pode ser visto como uma compreensão para o fato de os
nacionalistas
não
priorizarem
a
questão
do
populismo
frente
ao
58
desenvolvimentismo, este sim, o objetivo nacional para estes intelectuais e para
quem o populismo poderia ser um elemento a mais na luta para a consecução de
seus objetivos naquela fase, comenta: “o nacionalismo político desaparece diluído
naquela que seria a única forma manifestamente moderna de política até 1964, isto
é, aquela em que seria possível detectar uma percepção pública na ação política
das lideranças: o populismo” (Abranches, 2006: 103).
3.5.
Candido Mendes e o assistencialismo populista
Em Beyond populism 6 , dez anos após o movimento militar de 64, e
aproximadamente quinze anos após sua saída do ISEB, Candido Mendes de
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Almeida 7 defende que a vida política brasileira do pós-guerra é marcada por três
elementos essenciais. Inicialmente, teria surgido uma polarização persistente entre
os seguidores de Vargas e seus opositores. O longo primeiro governo de Vargas,
presidente de 1930 a 1937 e, em seguida, chefe do Estado Novo de 1937 a 1945,
influenciou profundamente a cena política:
The events of the past thirty years may, in fact, be analyzed as different stages
in the confrontation between his heirs and his detractors. From this point of
view, the “revolution” of 1964 can be interpreted as the final victory of the
anti-Vargas forces after twenty years of partial domination by the populist
alliance (Mendes, 1977: 1).
O segundo elemento é que a inflação e a crescente dívida externa
destruíram os esforços no sentido de se dar continuidade a políticas de longo
prazo, que pudessem passar de um governo para os seguintes. As tentativas no
sentido de se debelar a inflação baseadas em políticas ortodoxas de austeridade
encontraram forte resistência social e, aos primeiros sinais de recessão, deram
lugar a políticas destinadas a aumentar o crescimento econômico. Isto fez com que
6
Originalmente publicado em 1974 sob o título: Despues del populismo, impugnación social y
desarollo en America Latina.
7
Candido Mendes de Almeida (1928-) foi membro fundador do IBESP e do ISEB, chefiou, de
1956 a fins de 1960, o Departamento de História Política. Exerceu atividades de Direção e
Consultoria em entidades governamentais e de economia mista. Chefe da Assessoria Técnica da
Presidência da República no Governo Jânio Quadros (1961). Exerceu um mandato de deputado
federal do Rio de Janeiro pelo PSDB.
59
houvesse um relaxamento no controle de crédito, nas medidas destinadas a conter
os gastos públicos, e na pressão por aumentos salariais. A dívida externa passou a
ser um elemento político complicador: “The external debt, which has increased
constantly because of the great need for external assistance, has also exacerbated
the ‘national question’ among the more or less convinced partisans of
nationalism” (Mendes, 1977: 1).
A terceira característica seria a presença ativa das Forças Armadas,
prontas para intervir sempre que os procedimentos “legais” fossem obstaculizados
ou
parecessem
ameaçados:
“Virtually
no
presidential
succession
was
accomplished ‘constitutionally’ during this period and the Brazilian constitutional
framework is extremely fragile” (Mendes, 1977: 1).
Por trás desta marca na nossa vida política encontraríamos alguma
capacidade de adaptação na sociedade brasileira do pós-guerra. Tendo
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amadurecido em sua situação neocolonial derivada de seu status de nação
independente, o Brasil experimentou as dificuldades de uma sociedade que se
modernizava e industrializava, e estas modificações se refletiriam no jogo
político. Segundo Mendes, de uma forma esquemática, a chegada de Getúlio
Vargas ao poder em 1930, marcou o fim da República Velha. Antes, a vida
política era protagonizada por uma pequena elite nos estados de uma forma
altamente descentralizada; as importantes influências políticas eram exercidas
pelos grandes proprietários de terras e pelas grandes empresas exportadoras.
Agora, a vida política começava a ser aberta a novas classes sociais. O eleitorado,
ainda que com a exclusão dos analfabetos, incorporou um número crescente de
empregados e operários nas cidades. A política varguista anterior à guerra,
claramente reconhecia estas mudanças sociais:
Vargas’s prewar policy, which was interventionist in the economic field (it
supported private enterprise and public investment) and on the social front (the
labor code), clearly acknowledge these social changes. The new political
orientation can be seen in the strong push toward democracy in postwar Brazil.
Populism relied on the alliance of two parties: the Social Democratic Party,
which encompassed those traditional social classes who were no longer
threatened by social transformation, and the Brazilian Worker’s Party, which
sought to represent the new forces of urban labor. In the opposite camp, the
National Democratic Union regrouped the capitalist enemies of populism and
recruited into its ranks numerous conservative groups who were the inheritors
of the Old Republic (Mendes, 1977: 2).
60
Candido Mendes pontua que as mudanças estruturais precipitadas pelas
condições que surgiram após 1945 tornaram possível o começo de mudanças
sociais sem que fossem testados os mecanismos de pressão por parte de grupos de
interesse e classes sociais: “Populism benefited from strategies of resource
allocation and from development policy which replaced bargaining mechanisms
with general economic advances in society” (Mendes, 1977: 21).
Para Mendes, o populismo procurou substituir o dinâmico processo de
demandas sociais e pressões coletivas pelo uso dos mecanismos de Estado na
decisão de alocação de recursos: “The fact that the working class had obtained
favorable social legislation without recourse to a general strike clearly points to
the weakening [...] of the reciprocity and bargaining which are the bases of the
democratic model” (Mendes, 1977: 21).
O populismo teria, então, se beneficiado da possibilidade de certos
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grupos de pressão influenciarem as decisões de Estado de alocação de recursos e
subsídios. Talvez em busca da explicação para o fato de que a utilização destas
políticas traduzia-se em perda de produtividade, Mendes afirma:
It goes without saying that the benefits received by certain groups and classes
in this arbitrary redistribution of resources did not correlate with their actual
pressure of bargain power. Only state control of the rate of social change could
create equilibrium between the upper and lower social levels in the community.
The administration became a prisoner of its own manipulations, through the
underutilization of state power and through the reversal of dependency
relations within a patronage society. It is important to underline that
populism’s utilization of statutory regulation had a decisive effect on social
mobility within the country (Mendes, 1977: 21).
Mendes considera que a utilização, de forma populista, das
regulamentações institucionais introduzidas após 1930, teve um efeito decisivo
para a mobilização social. Delas surgiram os mecanismos de assistência através
dos quais o Estado comandava o processo de mudanças no Brasil,
independentemente da força relativa dos grupos em disputa. Como exemplos
destas ações, Mendes cita a instituição do salário mínimo, que se tornou
necessário em função da expansão do mercado interno e do setor industrial, e a
manipulação das taxas de câmbio, com o objetivo de beneficiar a crescente
burguesia nacional. De ações com este viés teria surgido um Estado onipresente,
cuja relação com a sociedade era ambígua:
61
This ambiguity allows the state to avoid the confrontation which would be truly
tested whether the democratic system had indeed been institutionalized. [...],
conflict between workers and management never really revealed the forces
involved and never really came to grips with the power relationships which had
been so radically altered from those pertaining in Brazilian society prior to the
fifties (Mendes, 1977: 21-22).
Acredito que, nos comentários de Mendes com relação à utilização de
subsídios e à alocação política de recursos por parte do Estado, já está presente a
preocupação com a necessidade de se obter votos em uma democracia
representativa. Esta preocupação também está nos fundamentos da avaliação dos
liberais econômicos, como veremos em breve.
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3.6.
Considerações finais
A influência do pensamento cepalino foi marcante sobre os intelectuais
isebianos. A idéia de uma vanguarda racional comandando o processo de
desenvolvimento latino-americano encontrou um solo fértil no Brasil, onde as
idéias socialistas revolucionárias não eram capazes de seduzir parte importante do
eleitorado, apesar de os comunistas (oficialmente na ilegalidade) usarem legendas
de outros partidos “progressistas” para disputar eleições. A noção de
planejamento era vitoriosa naqueles anos, e a possibilidade de mudanças
estruturais de amplo alcance, via ação do Estado, era sedutora, eleitoralmente.
Para os intelectuais estudados neste capítulo, o populismo seria um
fenômeno, produto de uma nova situação proveniente da massificação resultante
de uma urbanização ainda fracamente industrializada, que se daria sem a
articulação de consciência de classe, e da decadência da velha classe dominante de
latifundiários sem a substituição por uma burguesia industrial progressista. A
presença de um líder carismático serviria de catalisador, dadas as outras
condições. A preocupação com as eleições estaduais de outubro de 1954, nas
quais se ia “tornando cada vez mais nítida a superioridade do ademarismo sobre
as demais facções políticas que pretendem disputar o governo de São Paulo” (Que
é o ademarismo, 1981: 23), levou à publicação, no primeiro semestre daquele ano,
62
do artigo Que é o ademarismo, no qual as características acima foram analisadas.
As condições conjunturais da época somaram-se às estruturais acima
citadas no sentido de que o populismo tivesse um ambiente no qual pudesse se
fortalecer. A inflação e a instabilidade política seriam algumas delas. Mas, aqui,
volta a pergunta: qual seria a causa e qual seria a conseqüência? Acredito que a
explicação mais atraente seria aquela que visse um crescimento paralelo das
demandas populistas e do aumento da inflação e da instabilidade.
Quarenta anos se passaram desde que Jaguaribe nos chamou a atenção
para o fato de que, preocupados em conquistar sua clientela, apresentando-se
como lideranças capazes de alcançar melhores condições de vida para a população
em curto prazo, os líderes populistas desenvolveram um estilo de comunicação
direcionado à satisfação imediata dos desejos das massas. Poderíamos interpretar
que uma das características mais fortes do populismo seria esta promessa de
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consecução dos desejos das massas, e para isto seria necessária a ausência de
intermediações como uma garantia de se evitarem negociações proteladoras.
Não era, no entanto, o populismo a questão prioritária para aqueles
intelectuais que pensavam no desenvolvimento do Brasil. Ele deveria ser visto
como uma fase, ou um estágio, dentro de um processo que, otimistas, enxergavam
ser o desenvolvimentismo modernizador. No entanto, os estudos e as referências
feitas pelos autores aqui estudados sobre o fenômeno do populismo no período do
pós-guerra até o movimento militar de 1964, estão repletos de reflexões que nos
ajudam a compreender seu surgimento e sua influência sobre os acontecimentos
da época. Seus argumentos na defesa de se fazerem as reformas necessárias à
nossa modernização levava a que o populismo fosse visto com um olhar
condescendente, uma “fase”, ou um elemento a mais a ser utilizado na luta pelo
alcance de seus objetivos.
Uma importante diferença dos intelectuais do ISEB em relação à Escola
de Sociologia da USP estava na sua recusa em aceitar que o caminho para a
modernização do Brasil passasse, obrigatoriamente, pela revolução:
O ISEB, reproduzindo o padrão de preocupações e as prioridades dos anos 50
no Brasil, não estava particularmente preocupado com a questão da
democracia. Seus membros não adotavam a tese marxista de que a “a
democracia burguesa seria meramente formal”, mas estavam claramente mais
interessados no desenvolvimento do que na democracia. [...] No plano político,
a análise mais interessante dos intelectuais do ISEB em relação à questão da
63
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democracia estava em sua abordagem do populismo político, do tipo praticado
por Vargas, com a democracia. Eles afirmavam que o populismo político podia
não ser uma forma ideal de comportamento político, mas era a primeira
manifestação da democracia, na medida em que abria espaço para que o povo
pela primeira vez se manifestasse politicamente (Bresser-Pereira, 2004:74-75).
4
Populismo e liberalismo econômico
4.1.
O pensamento econômico liberal brasileiro em meados do século XX
Este capítulo analisará as contribuições da vertente liberal do pensamento
econômico brasileiro para a compreensão do fenômeno do populismo no período
de 1945 a 1964 de três brasileiros que se destacaram por suas idéias afinadas com
as do liberalismo. São eles: Eugênio Gudin Filho, Octavio Gouvêa de Bulhões e
Roberto de Oliveira Campos.
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Pela atuação e influência que tiveram, tanto no campo acadêmico quanto
na vida pública, considero-os representativos da visão do pensamento econômico
liberal sobre o fenômeno populista. Aqui serão estudados, prioritariamente, os
textos por eles produzidos que tratam do período estudado neste trabalho, de 1945
a 1964, e no início do regime militar, tendo em vista que foi neste período que
mais fortemente ficou marcada, na visão destes pensadores, a influência do
populismo econômico sobre a sociedade brasileira.
Bielschowsky
os
lista
entre
os
pensadores
representantes
do
neoliberalismo e à direita do desenvolvimentismo (Bielschowsky, 2004: 7),
enquanto Barreiros reconhece seu papel de liderança daquilo que chama de elite
intelectual reformista moderno-burguesa, classificando-os como “a tríade de
intelectuais-sênior,
bastiões
mantenedores
da
coerência
dos
princípios
fundamentais identificadores da elite” (Barreiros, 2006: 164). Embora a
perspectiva economicista destes pensadores fosse claramente hegemônica, quando
vista de uma forma mais ampla (cf. Bresser-Pereira, 1984), havia algumas
diferenças entre eles, dependendo de sua maior ou menor aproximação com temas
tais como o liberalismo econômico clássico, sua propensão a aceitar o
envolvimento do Estado, e suas análises sobre a inflação. Apesar do fato de
admitirem um limitado envolvimento do Estado no processo de desenvolvimento,
suas teorias e práticas procuraram marcar a importância de uma visão ortodoxa e
liberal da economia, tanto como ciência, quanto na execução de políticas públicas.
65
A existência de um pensamento econômico brasileiro é enfatizada por
Mantega e Rego: “[...] para o bem ou para o mal, os pensadores e gestores da
economia ganharam, nos últimos 40 anos, um enorme espaço político e têm
participado das decisões mais importantes da República brasileira” (Mantega e
Rego, 1999: 28). E este pensamento econômico brasileiro pode e deve ser inscrito
no campo de reflexão das Ciências Sociais. Afinal, a teoria econômica não é uma
ciência exata, que faria do futuro uma fatalidade histórica. Ela também é
resultante “da ação prática dos grupos sociais e dos indivíduos, que se movem e
intervêm dentro da latitude que as circunstâncias lhes oferecem” (Mantega e
Rego, 1999: 29).
A crise internacional e as transformações econômicas, políticas e sociais
que se seguiram aos anos 30 do século XX enfraqueceram a tradição da ideologia
econômica brasileira liberal. Em conseqüência, a ideologia liberal teve de passar,
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no Brasil, por transformações que viabilizassem sua ação frente à nova realidade.
Os economistas liberais preocupavam-se, primordialmente, em defender o sistema
de mercado, e dois aspectos caracterizaram sua posição: eram partidários da
redução da intervenção do Estado na economia brasileira e manifestavam-se a
favor de políticas de equilíbrio monetário e financeiro. O principal núcleo de
militância intelectual dos economistas liberais foi a Fundação Getúlio Vargas
(FGV). Pouco depois de sua criação, em 1944, Eugênio Gudin e Octavio Gouvêa
de Bulhões formaram uma divisão de pesquisas econômicas que, em 1950,
ganhou o nome de Instituto Brasileiro de Economia (IBRE). Em 1952, a equipe
passou a dirigir a revista Conjuntura Econômica, da FGV.
Daniel de Pinho Barreiros, em sua tese de doutoramento, enfatiza a
produção de intelectuais que se rebelavam contra as diversas manifestações de
populismo econômico no Brasil:
Pouco espaço para dúvida havia entre as elites intelectuais moderno-burguesas
quando o assunto referia-se à necessária ruptura com o projeto
desenvolvimentista, juntamente com seu “corolário”, o “populismo latinoamericano”. A adesão ao movimento civil-militar de 1964, [...] evidenciava o
entendimento de que dentro dos marcos do desenvolvimentismo, a obtenção do
“bem maior”, prevista como orientação geral dos princípios fundamentais da
elite, jamais seria possível. Com a mesma atenção mantiveram em observação
a administração econômica após-1964, certos de que a luta contra o populismo
e contra o projeto desenvolvimentista dependia de constante vigilância que
pudesse impedir sobrevivências ou recaídas (Barreiros, 2006: 280-281).
66
Gudin é considerado o mentor, tanto de Bulhões, como de Campos. Estes
pensadores preocupavam-se com a inflação, os déficits orçamentários, e as
distorções e subsídios que prejudicavam a formação de preços e a alocação mais
eficiente dos recursos produtivos. Eduardo Raposo, em sua tese de doutorado,
chama a atenção para a importância que teve, no Brasil, o relacionamento pessoal
das elites burocráticas, relacionamento este capaz de compensar a fragilidade do
nosso sistema institucional. Raposo mostra que a antiga Faculdade de Ciências
Econômicas e Administrativas da Universidade do Brasil (onde lecionaram
Gudin, Campos e Bulhões) e o Núcleo de Economia, liderado por Gudin e que se
formou nos anos 40 na Fundação Getúlio Vargas, também no Rio de Janeiro,
serviram de base para a sinergia que existiu nos quadros que colaboraram nas
políticas econômicas do governo Castelo Branco (Raposo, 1997: 109). O ideário
liberal que lhes servia de postulado redundava em propostas econômicas que
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visavam, primordialmente, à estabilidade monetária. A preocupação com a
inflação era imensa, e ela era vista como causa principal dos déficits externos.
4.2.
Eugênio Gudin: um liberal ortodoxo
Eugênio Gudin Filho nasceu em 1886, e morreu em 1986, no Rio de
Janeiro 1 . Formou-se em Engenharia, em 1905, pela Escola Politécnica do Rio de
Janeiro. Passou a interessar-se por economia na década de 20 e, entre 1924 e
1926, publicou seus primeiros artigos sobre matéria econômica no O Jornal, do
Rio de Janeiro, do qual também foi diretor. A partir da década de 30, passou a
integrar importantes órgãos técnicos e consultivos de coordenação econômica
criados pelo governo federal. Participou da fundação, em 1938, da Faculdade de
Ciências Econômicas e Administrativas, posteriormente (1945) incorporada à
Universidade do Brasil, instituição na qual exerceria o magistério até aposentarse, em 1957.
Seu pioneirismo no ensino superior de economia no Brasil foi
reconhecido ao ser designado pelo ministro da Educação do primeiro governo
1
Para informações adicionais sobre a vida de Gudin ver Bielschowsky (2001) e Barreiros (2006).
67
Vargas, Gustavo Capanema, a redigir, em 1944, o projeto de lei que
institucionalizava o referido curso no país. Na década de 40, nos debates travados
no interior dos órgãos técnicos do governo federal, Gudin apresentava-se como
um crítico das medidas econômicas protecionistas. Adepto do monetarismo
ortodoxo, para Gudin os problemas da economia brasileira deveriam ser
enfrentados por um rígido controle da inflação, baseado na redução de
investimentos públicos e na restrição ao crédito. Em 1944, foi escolhido delegado
brasileiro à Conferência Monetária Internacional, realizada em Bretton Woods,
que decidiu pela criação do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco
Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento (BIRD). Entre 1951 e
1955, representou o governo brasileiro junto ao FMI e ao BIRD (Barreiros, 2006).
Primeiro ministro da Fazenda do governo Café Filho, entre agosto de
1954 e abril de 1955, Eugênio Gudin herdou uma difícil situação econômica,
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agravada pelo decreto de Vargas, de maio de 1954, concedendo um aumento de
100% no salário mínimo. Gudin comprometia-se com um plano de estabilização e
com o corte dos déficits do governo, vistos como os principais responsáveis pela
inflação. Sua capacitação era reconhecida internacionalmente: “a escolha de
Gudin, questões políticas internas à parte, relacionava-se ao seu prestígio junto à
comunidade financeira internacional” (Saretta, 2008a). Já em setembro, Gudin
viajou para Washington para o encontro anual do Banco Mundial e do FMI, no
qual pretendia informar sobre o programa de combate à inflação que iria lançar. A
reação das esquerdas logo se fez sentir: “Os críticos ‘nacionalistas’ no Brasil
aproveitaram a sua viagem para atacar Gudin, pela sua missão de ‘pedinte’,
dizendo que sua política monetarista ortodoxa resultaria em estagnação
econômica” (Skidmore, 1976: 199).
As ações de Gudin mais significativas na sua tentativa de controle
monetário foram a de reduzir consideravelmente as reservas monetárias, ao
aumentar o saldo de caixa mínimo exigido aos bancos comerciais, assim como a
obrigatoriedade do recolhimento da metade de todos os novos depósitos na
Superintendência da Moeda e do Crédito (Sumoc), o órgão monetário nacional.
As restrições tiveram conseqüências rápidas e duras: em novembro de 1954, o
Banco do Brasil foi chamado a fazer adiantamentos a diversos bancos, no sentido
de aplacar o pânico que se criou após o fechamento de dois bancos em São Paulo.
No início de 1955, Café Filho cedeu a pressões no sentido de fazer mudanças na
68
política de restrição creditícia. Em abril de 1955, antevendo que os compromissos
políticos de Café Filho trariam danos irreparáveis ao seu programa
antiinflacionário, Gudin demitiu-se (Skidmore, 1976).
Era fundamental, para Gudin, a necessidade de se manter a
previsibilidade do valor da moeda. Uma moeda corroída pela inflação, rejeitada
pelos agentes econômicos, deformaria os investimentos, inviabilizando o
planejamento das empresas e prejudicando o desenvolvimento econômico:
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Era indispensável cuidar da moeda, para que ela constituísse um instrumento
de troca que não prejudicasse em vez de facilitar as transações, tanto do
Comércio e da Indústria, como do consumidor. Porque uma moeda que muda a
toda hora de valor de modo imprevisível, que no fim de uma semana já vale
menos do que valia quando recebida, sobre a qual não se pode orçar coisa
alguma por prazo superior a meses ou mesmo a semanas, que favorece uns e
prejudica ouros, em vez de ser neutra, que dá lugar a injustiças sociais, que
deforma os investimentos, que distorce e prejudica o desenvolvimento
econômico, é profundamente prejudicial ao país (Gudin, 1965: 15).
A busca da estabilidade deveria ser feita com o maior rigor possível, mas
sem utilizar-se da deflação, por seu impacto negativo sobre o nível de emprego, a
produção e a arrecadação: “O que importa é o restabelecimento do equilíbrio.
Assim, os dirigentes da economia de um país, que decidem pôr termo aos males
causados pela inflação, devem limitar-se a fazer cessar essa inflação, e nunca a
proceder a uma deflação” (Gudin, 1965: 17).
Fiel às suas idéias, marcadas pela defesa incondicional do liberalismo
econômico, bem como em suas críticas à utilização exacerbada da política fiscal
no sentido arrecadatório e às teorias econômicas keynesianistas que legitimavam
os déficits públicos, Gudin cita Milton Friedman 2 ainda ao tempo em que as
2
Milton Friedman (1912-2006) nasceu e morreu nos Estados Unidos. Filho de imigrantes, iniciou
sua carreira na Universidade de Columbia. Em 1946 foi para a Universidade de Chicago,
ocupando o cargo de professor de Economia. Foi agraciado com o Prêmio Nobel de Economia em
1976. Por meio de uma combinação entre os valores monetaristas e os ideais clássicos do
liberalismo iria produzir trabalhos marcados pela luta em favor de um governo avesso ao
intervencionismo na economia e pela firme defesa das liberdades individuais. Em Capitalismo e
liberdade, publicado em 1962, expôs os principais argumentos e propostas: a reafirmação da
liberdade individual como o valor fundamental de qualquer sociedade; a necessidade de um
consenso na definição de quais são valores mínimos comuns a esta sociedade, com a conseqüente
limitação do uso da democracia; a necessidade de limitar as funções que deveriam ser do domínio
dos governos; o uso de controles monetários e fiscais como sustentáculos do funcionamento de
uma sociedade livre; a defesa da descentralização; e a utilização de políticas visando à proteção
temporária, como o imposto de renda negativo. Ponto importante para o enfoque monetarista dos
liberais contemporâneos é a preferência pela ação sobre a microeconomia ao invés de ações na
macroeconomia, ou seja, a rejeição da política fiscal em favor de uma administração fiscal
69
teorias de John Maynard Keynes 3 eram politicamente incontestadas:
Contra o uso e abuso da política fiscal tem-se insurgido ultimamente o
eminente professor Milton Friedman, declarando que ‘de todas as ferramentas
à disposição do Governo, a mais importante e de mais rápida ação é, de muito,
a arma monetária, inteligentemente utilizada, a tempo e a hora’ e que os
Keynesianos têm confiado demais nas medidas fiscais e subestimado a
influência da política monetária. Sua previsão de que nos Estados Unidos a
sobrecarga de 10% no Imposto de Renda seria ineficaz, sem o complemento do
descongestionamento monetário, prova ser verdadeira. Conquanto as idéias de
Friedman sejam consideradas por demais radicais pela maioria dos grandes
economistas americanos, suas idéias sobre a política monetária têm tido
indiscutível repercussão (Gudin, 1974: 258).
O círculo vicioso das seguidas emissões de papel-moeda foi denunciado
por Gudin, ao analisar o governo Kubitschek (1956-1961). Durante este governo,
o Congresso Nacional autorizou aquelas emissões como forma de financiar o
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déficit público, o que era visto por Gudin como um ato irresponsável por parte do
Estado e gerador de pressão inflacionária, por vir acompanhado de mais despesas
do governo: “Enquanto o Congresso Nacional puder votar despesas sem indicar as
fontes de receita correspondente, não poderá haver equilíbrio nas contas
financeiras da União” (Gudin, 1965: 53).
Ao emitir dinheiro com o objetivo de cobrir suas despesas, o governo
estaria desvirtuando as qualidades básicas de uma economia de mercado, entre as
quais, a da livre concorrência. Nenhum outro setor estaria em condição de
concorrer com o poder de um governo que assim agisse. Acontece que, assim
procedendo, o governo incentivava a pressão por aumento de salários, lucros e
(monetary rule). Friedman assegura que medidas fiscais tais como mudanças na política de
impostos ou aumento dos gastos governamentais têm pouca influência nas flutuações dos ciclos de
negócios. Um constante e moderado incremento da oferta de dinheiro oferece a melhor expectativa
para se assegurar um cenário futuro com crescimento econômico constante e baixa inflação. A
expansão monetária deve ser fortemente controlada, impedindo que o governo possa decidir sobre
créditos, subsídios ou investimentos, e agindo na prevenção dos seus efeitos inflacionários.
3
John Maynard Keynes (1883-1946) nasceu e morreu na Inglaterra. Foi um dos mais importantes
economistas do século XX. Fortemente influenciado pela crise de 1929, iria defender a intervenção
do Estado na economia, principalmente nos momentos de crise. Suas reflexões, explicitadas
principalmente no livro publicado em 1936, Teoria geral do emprego, do juro e da moeda, teriam
forte impacto no pós-Segunda Guerra. Apesar de apoiar a economia orientada ao mercado,
identificava, no entanto, falhas na “mão invisível” que poderiam ser corrigidas pontualmente pela
ação do governo. Suas principais preocupações eram o desemprego e distribuição da riqueza: “Os
principais defeitos da sociedade econômica em que vivemos são a sua incapacidade para
proporcionar o pleno emprego e a sua arbitrária e desigual distribuição da riqueza e das rendas”
(Keynes, 1983: 253). O seu intervencionismo tinha como principais características: estimular o
investimento na produção; reduzir os juros, diminuindo o interesse pelas aplicações financeiras; e
redistribuir renda via forte taxação de lucros.
70
juros, o que tenderia a reequilibrar o processo em outro patamar de preços. Esta
prática utilizada continuadamente levaria a uma inflação crescente:
Quando o governo emite papel-moeda, para fazer isso ou aquilo, é claro que o
simples fato da criação do dinheiro não importa na realização das obras e sim
em uma tentativa de realizar. Resta saber se a tentativa é ou não coroada de
êxito. O artifício consiste em criar dinheiro para com ele arrancar do público
os materiais e a mão-de-obra necessários às obras governamentais. Com os
bolsos cheios de dinheiro, passa o governo a por eles oferecer preços e salários
mais altos, de modo a arrancá-los das mãos do público que não pode pagar os
mesmos preços. Tal é o mecanismo da inflação produtiva, que – no dizer de
seus adeptos – transfere bens e serviços do consumo do público para os
investimentos que darão a grandeza do Brasil! (Gudin, 1965: 32).
O dinheiro ficava mais disponível, pois, além das emissões feitas pelo
governo, estávamos diante de uma “flexível” política salarial. No intuito de
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alcançar ganhos políticos imediatos, os governos com orientação populista lançam
mão de aumentos salariais acima da produtividade do trabalho, melhorando o
bem-estar dos trabalhadores no curto prazo, sem levar em consideração as
conseqüências de longo prazo de tais políticas. Esta lógica populista produz
distorções, pois o excesso de demanda provocado por estas políticas salariais não
tem uma contrapartida no aumento da capacidade produtiva. O aumento artificial
dos salários reais provoca fortes desequilíbrios, que prejudicam a situação dos
trabalhadores em termos de ganhos reais e emprego 4 . Esta disponibilidade da base
monetária era o diferencial que catalisava a espiral inflacionária, pois:
A alta dos preços é devida, muito principalmente, ao incremento da procura,
decorrente das emissões e dos enormes aumentos de vencimentos e salários. O
negociante de hoje não é mais ganancioso do que o de 30 anos atrás, quando
os preços eram estáveis. A diferença é que, naquele tempo, as tentativas de
elevação dos preços eram frustradas, porque o consumidor se recusava a pagálos por não ter o dinheiro. Hoje os preços sobem porque o dinheiro foi suprido
pelo jato das emissões e dos aumentos de salários (Gudin, 1965: 20) 5 .
4
Esta intervenção do Estado na fixação de salários sem levar em conta os valores de mercado é
vista, pelos liberais contemporâneos, como uma agressão à livre formação de preços, e o salário
seria um destes preços. Para eles, o mercado é uma ordem que se dá em função da interação entre
os indivíduos que dele participam, ações estas que estão apoiadas no seu entendimento sobre a
realidade que os cerca. Como esta realidade não pode ser totalmente captada e varia de indivíduo
para indivíduo, o conhecimento tem falhas e as ações nele baseadas levam a erros e conseqüências
nem previstas nem desejadas. Defrontados com os erros e as conseqüências não intencionais da
ação humana, os indivíduos atualizam o seu conhecimento, através de um processo de aprendizado
que, uma vez mais, vai depender da forma de ver a realidade de cada um. No mercado existe o
sistema de lucros e perdas, um mecanismo impessoal que tende a alocar os recursos disponíveis da
forma mais lucrativa. Este sistema de preços maximiza a eficiência na produção.
5
Artigo publicado em O Globo em 03 de abril de 1961.
71
Gudin foi uma voz combatente contra o populismo salarial, visto como
um excesso demagógico que, em vez de procurar atender aos princípios de
eficiência e utilidade, satisfazia necessidades políticas imediatistas. Para ele, a
fixação dos salários-mínimos, a partir de 1954, em níveis consideravelmente mais
altos do que os da capacidade de produção do país, trazia como conseqüência uma
elevação dos preços e do custo de vida. Estes aumentos de preços e custos
levavam, inevitavelmente, à anulação de quaisquer vantagens imaginadas pelos
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supostos beneficiários:
Na Revista Brasileira de Economia de dezembro passado e em vários artigos
tenho-me referido à diferença entre ‘inflação de demanda’ (demand pull) e
‘inflação de custos’ (cost push) oriunda esta da ‘inflação de salários’. O que
adianta esforçar-se o Ministro da Fazenda por conter a expansão do crédito
bancário e por atingir o equilíbrio orçamentário, se o Ministro do Trabalho,
em uma desbragada, estéril e ilusória política de aumentos insustentáveis de
salários, eleva os mínimos e os demais, muito acima do que permite a melhoria
da produtividade, empurrando conseqüentemente os custos e, portanto, os
preços para cima? (Gudin, 1965: 56-57) 6 .
4.3.
Octavio Gouveia de Bulhões: um liberal pragmático
Octavio Gouveia de Bulhões nasceu em 1906 e morreu em 1990, no Rio
de Janeiro 7 . Fez parte de grupo de intelectuais que deu início aos modernos
estudos da economia brasileira. Bacharel em Direito, foi atraído para os estudos
de economia pelo contato com o livro de Adam Smith8 , Uma investigação sobre a
natureza e causas da riqueza das nações, que o influenciaria ao longo de sua
carreira. Na década de 30, a convite de Luiz Simões Lopes, presidente do DASP
(Departamento Administrativo do Serviço Público), órgão criado por Getúlio
6
Artigo publicado em O Globo, em 12 de dezembro de 1960.
Para mais informações relativas à vida de Octavio Gouveia de Bulhões, ver Saretta (2008b) e
Bulhões (1990).
8
Adam Smith (1723-1790) nasceu e morreu na Escócia. O pensamento e as idéias existentes no
livro acima citado estudaram, de forma sistemática, o desenvolvimento do comércio e da indústria
na Europa, ao mesmo tempo em que atacava as doutrinas mercantilistas. Nele também está contida
a interpretação de Smith sobre como a concorrência e o interesse próprio, usados de forma
racional, podem conduzir ao bem-estar comum. Sua obra é um dos mais importantes trabalhos
intelectuais em defesa do livre comércio e do capitalismo.
7
72
Vargas, foi aos Estados Unidos, onde estabeleceu contatos com importantes
professores norte-americanos de economia, dentre os quais se destacam Harry
Dexter White (1892-1948), que, posteriormente, representou os Estados Unidos
no FMI, de 1946 a 1948, como diretor executivo, e Jacob Viner (1892-1971),
professor de Economia da Universidade de Princeton, que foi um crítico das
posições da CEPAL em relação ao desenvolvimento econômico da América
Latina (Bulhões, 1990: 21). Esta vivência, associada às leituras que fez,
principalmente da obra do economista sueco Knut Wicksell 9 , marcaria boa parte
de suas idéias sobre Economia e de seus escritos mais importantes (Saretta,
2008b: 111). Na sua trajetória profissional, como funcionário do Ministério da
Fazenda notabilizou-se pela ação em favor da criação de aparelhos regulatórios na
área monetária, com destaque para a Sumoc, que serviria de base para a posterior
criação do Banco Central do Brasil. Acredito que esta sua dedicação à criação de
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órgãos regulatórios deve ser vista como coerente com sua visão liberal de
priorizar a administração fiscal, com ênfase para as ações destinadas a agir sobre a
microeconomia, e que privilegiassem o bom funcionamento do mercado.
Vale lembrar que em dois momentos importantes da vida econômica brasileira
Bulhões agiu a favor da criação do Banco Central. Em 1945, criou a
Superintendência da Moeda e do Crédito (SUMOC) que, embora não tivesse
exatamente o mesmo papel de um banco central, desempenhou uma função
importante na administração pública nacional. Mais tarde, em 1964, a SUMOC
se revelaria a base para a criação do Banco Central, também por inspiração de
Bulhões (Saretta, 2008b: 114).
Tanto como professor universitário de Economia, quanto como ministro
da Fazenda (no governo Castelo Branco, de abril de 1964 a março de 1967), os
trabalhos publicados por Bulhões têm como eixo central a preocupação com as
questões monetárias e com a inflação brasileira (Saretta, 2008b: 112). Deixando
explicitada sua certeza de pensador liberal com relação à inexistência de atalhos
para o desenvolvimento, Bulhões faz uma apaixonada defesa dos ideais do
liberalismo clássico, citando as características que deveriam ter os países que
procuram progredir:
9
Knut Wicksell (1851-1926) nasceu e morreu na Suécia. Conforme destacado pelo próprio
Bulhões: “Foi Knut Wicksell, um extraordinário economista da Suécia, não suficientemente
conhecido nos países em desenvolvimento, que deu ênfase à mudança de escala de produção como
característica do investimento e assinalou o acréscimo de produtividade como fonte do lucro”
(Bulhões, 1969: 35).
73
Os países que progridem são aqueles cuja população se dedica ao trabalho
árduo e inteligente. Árduo porque não esmorece ante a presença de obstáculos,
inteligente porque é capaz de remover obstáculos. Trabalho inteligente é o que
resulta de estudos, pesquisas, experiência, meditação. As improvisações levam
ao desperdício. Tornam inútil o esforço despendido. Mas o bom aproveitamento
do trabalho, através da contribuição científica, não dispensa a pertinácia no
produzir e no acumular. Os países que progridem são os que elevam a renda
nacional por meio de repetidos e crescentes investimentos (Bulhões, 1969: 25).
A importância que é dada à transferência de recursos do consumo para o
investimento procura salientar o papel básico do financiamento deste investimento
pela via da poupança. Bulhões destaca que estes investimentos destinam-se ao
aumento da capacidade de produzir bens e, como conseqüência, ao aumento da
renda dos indivíduos (Bulhões, 1969: 37). A forte presença do Estado na
economia de um país é vista por Bulhões como um obstáculo intransponível à
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livre formação de preços pelo mercado. Nos países em desenvolvimento, mesmo
onde deveria atuar, o Estado atuaria de forma oposta ao desejável:
Todos nós sabemos que o Estado, nos países subdesenvolvidos, intervém
consideravelmente no domínio econômico e precipuamente na formação dos
preços de mercado. [Nos países desenvolvidos] os governos se empenham em
impedir que os monopólios deturpem a relatividade dos preços dos bens e
serviços. E, acima de tudo, se esforçam para manter a estabilidade do valor da
moeda, condição básica para a expressividade econômica do sistema de
preços. [...] Nos países subdesenvolvidos, o mercado de preços não tem
liberdade de funcionamento e funciona mal, exatamente porque o Estado
intervém desastradamente no domínio econômico e sobretudo porque as
autoridades ainda não se capacitaram do precípuo dever de preservação do
valor da moeda. Ao contrário, estão inclinados a admitir que a preocupação
com o valor da moeda é contrária ao progresso (Bulhões, 1960: 111-112).
Era, no entanto, pragmático com relação à importância que o Estado
poderia ter no sentido de alavancar o desenvolvimento em certas circunstâncias,
mormente em ambientes de desaceleração econômica. “A intervenção do Estado
como empreendedor tem razão de ser quando se está passando por uma fase
depressiva, por uma fase de difícil remuneração dos empreendimentos” (Bulhões,
1990: 31-32).
A conseqüência inevitável para uma economia em que não houvesse
estabilidade monetária seria uma baixíssima taxa de poupança, uma vez que os
agentes econômicos procurariam se livrar da moeda desvalorizada. Para Bulhões,
74
em assim agindo, os agora improváveis investidores na produção passariam a
alocar seus recursos de maneira conflitante com o interesse geral. Isto porque o
ambiente desfavorável, por incerto, das aplicações em longo prazo, leva à
aplicação dos recursos em empreendimentos que proporcionem resultados
imediatos. Este imediatismo torna-se prioritário em vista das circunstâncias
desfavoráveis aos planejamentos econômicos e financeiros de longo prazo.
Haveria, também, outra distorção na alocação dos recursos: aquela que resultaria
numa opção exagerada para bens de raiz que proporcionem garantia patrimonial.
Esta conseqüente insuficiente formação de poupança traria a redução dos
investimentos, com seus conhecidos efeitos nefastos para o crescimento
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econômico:
Com a intensificação da desvalorização monetária, procura-se acumular bens,
tornando mais acentuado o conflito entre o interesse individual e o interesse
social. Produtores e consumidores adquirem bens de raiz e bens duráveis com o
fim de se precaverem contra a queda do valor da moeda. A preferência que se
observa em favor do consumo sobre a poupança é extraordinária. Não se trata
de aumentar as compras por uma propensão ao consumo, como se costuma
dizer, trata-se, simplesmente, de defesa contra a queda do valor da moeda
(Bulhões, 1960: 74).
A importância da formação de poupança é salientada por Bulhões.
Defendendo a meritocracia, explica que em qualquer sistema econômico, salários
superiores são, normalmente, destinados aos indivíduos com capacidade acima da
média. Quando um indivíduo recebe um salário superior ao comumente recebido,
ele passa a dispor de um poder de compra maior. Caso ele aplicasse todo o seu
excedente em consumo, provavelmente haveria um desperdício de recursos,
principalmente se estivermos diante de um quadro de excesso de demanda. Para
que se possa assegurar um desenvolvimento harmônico da economia, far-se-ia
necessária a aplicação de parte do excedente salarial no financiamento de
investimentos. Acontece que, para que seja atraente a alternativa de poupar, há
que se remunerar a poupança e salvaguardá-la dos perigos inflacionários. Ao
afirmar que o ambiente inflacionário alimenta a especulação, tirando o foco da
eficiência administrativa e inviabilizando a poupança que permitiria a acumulação
de capital necessária ao crescimento econômico brasileiro, Bulhões chama a
atenção para as ações populistas:
75
Mas não será com atitudes demagógicas que chegaremos a resultados
satisfatórios. Se enveredarmos pelo caminho da violência, acabaremos
combatendo o consumo, sem acelerar os investimentos; condenaremos a
especulação, sem destacarmos a eficiência; extirparemos o joio e o trigo, sem
cuidar de separá-los. Evitemos generalizar o que, na verdade, constitui
exceção. É freqüente entre escritores brilhantes exagerar um defeito parcial e
transformá-lo em acontecimento global. O campo econômico é fértil a tais
generalizações porque os cientistas não acompanham a economia, uma vez que
não lhes seduz a imprecisão de seus fenômenos. O grande público, menos
exigente na perfeição dos fatos, também não acompanha a economia porque
seus fenômenos não são explicáveis com a singeleza das parábolas evangélicas.
É, portanto, um campo propício à deturpação, capaz de iludir os cientistas,
enganar o público e açular os demagogos (Bulhões, 1969: 52).
Fica claramente marcada a oposição que Bulhões quer enfatizar entre o
pensamento liberal, em que os beneficios do crescimento econômico somente
podem ser alcançados a longo prazo e com labuta incessante, e o pensamento dos
populistas, com seu discurso voltado à realização das satisfações populares a curto
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prazo. Aqui ele estaria explicitando suas preocupações com a dificuldade de se
convencer a maioria da população sobre a necessidade da aceitação do
pensamento liberal.
4.4.
Roberto Campos: um liberal na política
Roberto de Oliveira Campos 10 nasceu em Cuiabá, em 1917, e morreu no
Rio de Janeiro em 2001. Ingressou no serviço diplomático em 1939. Participou,
com Eugênio Gudin, da Conferência de Bretton Woods, em 1944, quando foram
criados o Banco Mundial e o FMI. Obteve o grau de Master of Arts na
Universidade George Washington, em 1947. Trabalhou no segundo governo
Vargas e no governo Kubitschek, quando teve participação importante no Plano
de Metas. Exerceu os cargos de Embaixador do Brasil em Washington no governo
João Goulart, e em Londres, no governo Geisel. Apoiou o movimento de 1964 e
foi nomeado ministro do Planejamento no governo Castelo Branco. Foi o primeiro
Diretor Econômico do atual Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e
Social, BNDES, no qual também exerceu os cargos de Presidente e
Superintendente. Foi senador por Mato Grosso de 1983 a 1991, e deputado federal
76
pelo Rio de Janeiro de 1991 a 1999 (Perez, 1999).
Durante o início de sua carreira, Roberto Campos defendeu uma
moderada intervenção estatal na economia, desde que ligada ao desenvolvimento
e em conjunto com o setor privado e sem preconceitos contra o capital
estrangeiro. Com a aceleração do gigantismo estatal e da burocratização no Brasil
durante os subseqüentes governos militares, muito especialmente no governo
Geisel, assumiu a posição de liberal econômico ortodoxo e passou a defender que
um país só pode ter liberdade política com liberdade econômica.
Convenceu-se de que o estatismo é trágico e empobrecedor quando foi
embaixador em Londres, nas décadas de 1970 e 1980 e testemunhou o programa
de privatização da economia inglesa, empreendido por Margaret Thatcher 11 . Exkeynesiano, na década de 70 foi influenciado pelas idéias do economista austríaco
Friedrich August von Hayek 12 , a quem conheceu em Londres. Conforme nos
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conta Campos, seu contato com Hayek marcou-o profundamente, fazendo-o
chegar à conclusão de que os governos teriam três tarefas essenciais a cumprir. A
primeira, seria a de controlar a inflação, porque esta, ao não ter sido votada, era
antidemocrática, além de especialmente cruel com os mais pobres. A segunda
tarefa dos governos seria a de promover a universalização da educação básica. Por
último, aos governos caberia a proteção aos desvalidos, no intuito de garantir a
coesão social (Campos, 2008).
Em maio de 1978, quando embaixador em Londres, recebi a visita do professor
Eugênio Gudin. Homenageei-o com um jantar, para o qual convidei lorde
Robbins, o tutor de várias gerações da London School of Economics, e o
grande liberal austríaco Friedrich Hayek. Este presenteou-me com seu livro
autografado “New Studies in Philosophy, Politics, Economics and the History
of Ideas”, que acabara de sair do prelo. E chamou-me atenção para o Capítulo
10
Para mais informações relativas à vida de Roberto de Oliveira Campos ver Perez, 1999.
Margareth Thatcher (1925-) foi Primeira-Ministra da Inglaterra, de 1979 a 1990.
12
Friedrich August von Hayek (1889-1992) nasceu na Áustria e morreu na Alemanha. Recebeu o
prêmio Nobel em Economia em 1974. Seu livro O caminho da servidão, lançado em 1944, é
considerado o manifesto que lança o movimento neoliberal. Neste livro, Hayek empreende uma
pregação em favor da individualidade e de um mercado livre e processador de preços, e contra
qualquer tipo de planejamento central, seja do tipo socialista, seja do tipo keynesiano. Sendo um
cético, não admite a possibilidade de qualquer grupo de homens estar habilitado a dirigir os
destinos de uma sociedade. Os erros seriam menores, ou pelo menos imparciais, em uma sociedade
não planejada ou centralizada. Entre os discursos de Hayek em O caminho da servidão (1944), por
um lado, e A constituição da liberdade (1960) e Direito, legislação e liberdade: uma nova
formulação dos princípios liberais de justiça e economia política (em três volumes, lançados na
década de 70), por outro, há uma mudança de alvo. Se, no primeiro livro seu ataque está centrado
no planejamento centralizado e no marxismo, nos outros dois é o Estado de bem-estar social o
maior inimigo da liberdade.
11
77
5, que começa com uma confissão: há dez anos, se preocupava ele,
infrutiferamente, em entender o sentido da expressão “justiça social”. Desde
então, se passaram mais de três lustros, Hayek faleceu e sou eu que continuo
perplexo ante o terrível encantamento dessa expressão, hoje obrigatória em
nosso discurso político. O princípio basilar do liberalismo (e também do
capitalismo) é que a primeira propriedade do homem é o seu corpo, com as
suas faculdades. É seu primeiro direito o exercício dessas faculdades até o
ponto em que não prejudique o direito de terceiros (Campos, 2008).
A questão da desigualdade foi analisada por Campos a partir da
expressão “justiça social”, discutida, naquele livro por Hayek. Campos afirmava
que esta expressão é desprovida de sentido. A ausência de critérios claros para que
se faça a distribuição desta justiça, bem como para a definição de quem a
distribuiria, faria com que, em uma sociedade de homens livres, todos se
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julgassem injustiçados.
Dois problemas surgem: destrói-se a liberdade e diminui-se a eficiência global,
pois esta vem precisamente do esforço de cada um de desenvolver ao máximo
suas faculdades. [...] Donde concluir Hayek que a noção de justiça social deve
ser substituída pelo conceito de “normas justas de conduta”. As regras do jogo
é que devem ser justas; o resultado será sempre diferente, dependendo das
faculdades e do esforço de cada um. Se “justiça social” significa igualizar os
resultados, é uma mágica besta, um simples “atavismo” do discurso político,
como dizia Hayek. Se o significado é igualizar as condições, o objetivo é
também frustrante, porque as famílias são diferentes; e, a não ser que se queira
destruir a organização familiar [...], os indivíduos crescerão em condições
desiguais. A única tarefa realista para os governos é procurar melhorar as
“oportunidades”, ou antes, remover obstáculos para que os indivíduos exerçam
ao máximo as faculdades que Deus lhes deu. (Campos, 2008).
A dificuldade em conciliar o aumento do desenvolvimento, o combate à
inflação, e uma mais equitativa distribuição da renda, é vista por Campos como
um grande óbice: “eis a cava angústia e o áspero desafio da questão salarial”
(Campos, 1969: 200). Enxergava nos países subdesenvolvidos dois enfoques que
se salientam no trato da questão salarial: o populista, e o que chamou, à época, de
tecnocrático. Este procuraria utilizar as receitas do liberalismo, mas teria
dificuldades de se implementar de forma ortodoxa: “Lutando contra a inércia de
uma longa tradição populista, o enfoque tecnocrático teve limitada aplicação no
Brasil, a partir de meados de 1964” (Campos, 1969: 202). Campos lembra que a
solução liberal para acabar com a pobreza está na criação de riqueza: no processo
de criação de riqueza haveria uma melhora no nível de vida. Para os liberais, há
dois tipos de pobreza, e, para cada um, as soluções têm que ser diferentes. Há a
78
pobreza dos desvalidos que, pelos mais diversos motivos, não estão em condição
de entrar no mercado de trabalho. O liberal reconhece que para estes deve ser
encontrada, por cada sociedade, uma rede de proteção abaixo da qual ninguém
seja permitido cair, sendo, portanto, uma obrigação do Estado, que para este fim
poderia legitimamente tributar, cuidando apenas de não desestimular os incentivos
à produção, pela conseqüente dilapidação da base tributária. Um exemplo desta
proteção é a renda mínima, sugerida por Friedman. Outro tipo de pobreza é a
conjuntural: apesar de capaz de trabalhar, o indivíduo não consegue trabalho e se
torna pobre. O liberal considera que para resolver este problema faz-se necessário
criar mecanismos que favoreçam ao investimento, que criará empregos. Está se
referindo a um ambiente de liberdade para investimentos e movimentação de
capitais (Campos, 1994).
Foi o pensamento de Gudin, no entanto, que mais fortemente influenciou
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Campos: “Gudin foi talvez a maior influência em minha formação profissional”
(Biderman, Cozac e Rego, 1997: 37). Nesta entrevista, Campos comenta que
Gudin ia na contramão das teses hegemônicas da época, sendo um ferrenho crítico
dos monopólios estatais, do relaxamento em relação à estabilidade monetária e
intransigente defensor da idéia clássica liberal de que o Estado deveria atuar
basicamente nas funções de segurança, justiça, educação e saúde (cf. Biderman,
Cozac e Rego, 1997: 37).
Mas, é contra o enfoque populista que Campos vai argumentar. Ele seria
mais distributivo do que produtivo, pois, ao pregar excessivos reajustamentos dos
salários, que excederiam de forma desproporcional os aumentos de produção e
produtividade, estaria alimentando a inflação. Mais ainda, seria demagógico, por
legislar benefícios sociais incompatíveis com a capacidade da economia em
mantê-los:
É supérfluo repetir que o populismo, não só não conseguiu melhorar o padrão
de vida operário, – pois que a espiral de preços anulou as altas salariais –
como diminuiu as oportunidades de emprego, pela estagnação econômica. O
desenvolvimentismo é sem dúvida parte de verbiagem populista; mas apenas da
verbiagem... porque o distributivismo ingênuo e precoce do populismo salarial
reduz a capacidade de investimento da economia e, portanto, sua taxa de
desenvolvimento (Campos, 1969: 200-201).
As possíveis conseqüências econômicas negativas das eleições em
79
democracias representativas com fortes desigualdades não poderiam ser
esquecidas. Esta preocupação estava presente em Campos. Ele enxergava
dificuldades em se montar políticas fiscais rígidas em ambientes democráticos 13 .
A necessidade de se legitimar, pelo voto popular, políticas públicas e ações fiscais
que evitassem a inflação, dificilmente consegue vencer as atraentes promessas
populistas:
Mas existe, sim, uma causticante questão política: é se os processos eleitorais
normais de democracia representativa são compatíveis com as tarefas de
aceleração do desenvolvimento, e, sobretudo, do controle da inflação. A tarefa
do desenvolvimento exige a acumulação de capital e, portanto, a contenção do
consumo. A desinflação é coisa ainda mais séria, pois pode exigir uma
temporária redução do consumo real. Nenhuma dessas coisas provoca
entusiasmo eleitoral (Campos, 1967: 82).
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Acredito que Campos enxergava um componente cultural na atração
exercida, sobre nossa sociedade, pelo populismo salarial, ao qual chama de
“enquistamento de ilusões” (Campos, 1969: 202). Através de um processo de
alheamento à realidade e às evidencias de tentativas passadas, o assalariado
esperaria, em cada novo reajuste, que, por algum milagre, não se repetisse a
experiência anterior de rápida perda do valor aquisitivo do salário pela alta de
preços. Concomitantemente, o político via no populismo salarial uma solução
duplamente agradável, pois se dispensava da impopularidade de tributar, ou de
exigir produtividade no trabalho, e dividia fartamente gordas fatias de um bolo
13
Esta preocupação foi alvo de análise por parte de um dos mais influentes pensadores do
liberalismo contemporâneo. James McGill Buchanan (1919-) nasceu nos Estados Unidos e recebeu
o prêmio Nobel de Economia de 1986. Seus trabalhos chamaram a atenção para a importância de
se levar em consideração a forma pela qual o interesse pessoal dos políticos afeta as decisões de
política econômica dos governos. A teoria da Escolha Pública (Public Choice theory), da qual
Buchanan é um dos mais conhecidos estudiosos, utiliza as ferramentas usadas nos estudos
modernos de Economia para analisar problemas e questões que, originalmente, estavam apenas no
âmbito da Ciência Política. Buchanan argumenta que para compreender as políticas
governamentais deve-se olhar para as estruturas que regulam as decisões políticas. Um interessante
exemplo prático do pensamento da teoria da Escolha Pública seria a explicação da construção de
um orçamento deficitário. Buchanan considera que a Escolha Pública está apoiada no senso
comum, e este diz que um político é bastante parecido com cada um de nós. Um político que
almeja conseguir, ou manter, um cargo, tem responsabilidades, como de fato deve ter, com o seu
eleitorado. Ele deseja ir às suas bases e dizer-lhes que ele diminuiu os impostos que eles pagam, ou
que lhes trouxe benefícios. Coloquemos isto na política econômica e encontramos a natural
tendência que um político tem para criar déficits. Para Buchanan, a revolução econômica
keynesiana deu aos políticos a desculpa que eles precisavam para os déficits. E com isso vieram as
licenças para déficits e irresponsabilidade fiscal: “Why didn't we have deficits before? You see, the
Keynesian economic revolution gave the politicians an excuse for deficits. You give politicians half
an excuse; they play out this natural proclivity” (Buchanan, 2007). Para um melhor entendimento
80
imaginário. Este comportamento social se traduzia em políticas que Campos
condenava e se sentia impotente para impedir, mesmo participando do governo:
Nos vários níveis de Governo, a um empreiteiro “populista” que faz obras e
não paga contas, sucede com intervalo variável, segundo a tolerância social à
desordem financeira, um contador fiscalista e macambúzio, a quem cabe
arrochar o cinto. [...] Vamos ao movimento pendular entre empreiteiros
populistas e contadores fiscalistas. O mais preclaro exemplo dos últimos
tempos foi o do empreiteiro Kubitschek, indiscutivelmente uma pilha de
simpatia humana. Lançou-se em obras além do que previa o “programa de
metas”, o qual, aliás, pressupunha, pelo menos na concepção de seus autores –
o Dr. Lucas Lopes e este humilde escriba – a execução paralela de um
programa de disciplina monetária e de reforma cambial. Entretanto, só o
programa de investimento tinha “sex appeal”. Quanto ao resto, foi relegado ao
“sábio e salutar esquecimento” (Campos, 1967: 71).
Assim sendo, o desenvolvimentismo populista encontraria o beneplácito
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dos agentes econômicos: “O que há de perturbador em tudo isso é a popularidade
do empreiteiro alegre, e a total indiferença do povo pela fadiga honesta do
contador. A irresponsabilidade assume colorido de heroísmo. A decência fiscal é
prova de mesquinhez” (Campos, 1967: 74). Campos enxergava o perigo do
retorno das ações de viés populista anteriores ao movimento militar. Elas estariam
fortemente introjetadas na sociedade brasileira e fazia-se necessário estar atento a
este fenômeno. As preocupações abaixo explicitadas enfatizam a força dos
argumentos eleitorais de cunho populista existentes mesmo dentro de um regime
autoritário:
Vejo mobilizarem-se pressões – a que os novos governantes saberão sem
dúvida resistir – em favor da volta ao palco de antigos fantasmas. A
ressurreição do assistencialismo, traduzido no congelamento de tarifas e
preços, e no regime de subvenções, que disfarçam porém não eliminam o custo
real dos serviços, e atenuam os encargos do presente à custa da criação de
escassez futura. A ressurreição do distributivismo precoce, que promete
reajustamentos salariais além do permitido pelo crescimento da produção e da
produtividade, sancionando o nível anterior de inflação ao invés de reduzi-lo,
ou que busca fórmulas mágicas de expandir crédito sem a formação de
poupança (Campos, 1967: 296) 14 .
O planejamento centralizado era vitorioso nos anos 50, tanto na
acerca do conceito de Escolha Pública e dos argumentos de Buchanan contra o keynesianismo, ver
Buchanan, J. M.; Tullock, G. (1971) e Buchanan, J. M. (1993).
14
Discurso proferido no Hotel Copacabana Palace, Rio de Janeiro, em 17 de abril de 1967, por
ocasião da comemoração de seu qüinquagésimo aniversário.
81
Academia, quanto nas políticas públicas. Contra ele, os liberais se posicionaram
enfaticamente. Segundo sua lógica, todos planejamos, e o fazemos baseados em
nosso próprio conhecimento das condições que nos cercam. No entanto,
argumentam, existem muito mais informações úteis e disponíveis no
conhecimento disperso na sociedade do que jamais poderia ser coletada por uma
agência de planejamento centralizada 15 . Apesar de, durante a década de 50,
Campos ter feito parte dos pensadores que viam na industrialização acelerada por
um Estado planejador um meio para a superação da pobreza e do
subdesenvolvimento, já em 1961 apontava para dúvidas quanto à eficácia do
modelo desenvolvimentista. Ao mesmo tempo em que criticava a CEPAL,
“sempre movida (coitada!) pela preocupação construtiva de dar cobertura teórica
às imprudências dos Governos da região” (Campos, 1964: 89), atacava os que
acreditavam que o desenvolvimento poderia ser conseguido sem maiores
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preocupações com a inflação:
Ora, se alguma lição é lícito tirar das estatísticas, é precisamente que a
inflação brasileira não tem sido “desenvolvimentista”. Pois nos últimos 12
anos, à medida que se acelerava a taxa de inflação, diminuía o ritmo de
formação de capital fixo, o qual, não sendo único, é o mais decisivo elemento
de desenvolvimento (Campos, 1964: 90) 16 .
E, em 1994, fazia uma confissão aberta de seu arrependimento por
admitir uma economia centralmente planejada durante parte de sua vida, por
ocasião do evento 1964 – 30 Anos Depois, realizado em março de 1994, na
15
A estrutura das atividades humanas pode, segundo Hayek, ser considerada de duas maneiras
distintas, as quais levarão a conclusões diametralmente opostas, quando se encara a questão da
possibilidade ou não de serem alteradas intencionalmente. A perspectiva construtivista afirma que
as instituições humanas só servirão aos propósitos humanos caso tenham sido criadas
intencionalmente para este fim. A outra perspectiva é a de que a ordenação da sociedade não se
deveu a instituições e práticas inventadas ou criadas para este fim, mas que, ao contrário, resultou
de um processo no qual, práticas a princípio adotadas por outras razões ou mesmo por acaso,
foram preservadas por terem permitido ao grupo em que surgiram sobressair-se em relação aos
demais. Em oposição ao racionalismo construtivista, por ele rejeitado, Hayek sugere a expressão
racionalismo evolucionista. “A propriedade característica do racionalismo construtivista é, antes,
a de não aceitar a abstração – a de não reconhecer que os conceitos abstratos são um meio de
fazer face à complexidade do concreto, que a nossa mente não é capaz de dominar por inteiro. O
racionalismo evolucionista reconhece as abstrações como o meio indispensável à mente para
enfrentar uma realidade que ela é incapaz de compreender por completo” (Hayek, 1985 I: 29 e
30). Com esta denominação (a de racionalismo evolucionista) acredito que Hayek poderia estar
delineando uma postura que permitisse combinar a noção de uma modificação racional das
instituições com a possibilidade de expô-las a um ambiente no qual elas poderiam ser desafiadas
por instituições alternativas, que poderiam lhes ser qualitativamente superiores.
16
Artigo publicado no Correio da Manhã em 01 de junho de 1961.
82
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro:
Nessa época eu era acometido de ímpetos juvenis de planejamento.
Superestimava enormemente a capacidade da tecnocracia de intuir o futuro e
guiar a sociedade. [...] Foi então que surgiu uma grande controvérsia entre
dois grandes amigos, eu e o professor Eugenio Gudin. Ele tinha horror à
palavra planejamento. [...] Hoje, acho que ele estava perfeitamente certo
(Campos, 1994: 57).
4.5.
Considerações finais
Gudin, Bulhões e Campos foram não somente estudiosos da Economia,
mas também extremamente atuantes na vida pública. Alguns de seus artigos e
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trabalhos são peças de argumentação política, e refletem a conjuntura da época.
Sua preocupação com o populismo estava centrada nos males que viam no
populismo econômico, e este era um problema, no seu entender, nos anos de
democracia do pós-guerra.
Haveria, naquela ocasião, no Brasil, condições para que o populismo
econômico florescesse. Em primeiro lugar, as vozes que ousavam combater o
keynesianismo eram débeis. A pujança do Welfare State no Ocidente
industrializado, e do planejamento centralizado na União Soviética e seus
satélites, facilitavam a aceitação dos discursos de políticos que propunham ações
desenvolvimentistas,
através
de
promessas
eleitorais
sem
preocupações
orçamentárias, e que resultavam em um continuado endividamento. Era a época
de ouro do planejamento e as empresas estatais, atuando em “segmentos
estratégicos”, ganhavam vida e força. Ademais, eleições se ganham com votos, e
os eleitores em países com profundas desigualdades sociais, como o Brasil não se
deixavam seduzir por programas ligados à responsabilidade fiscal quando
confrontados com aqueles que lhe prometiam empregos e redistribuição de renda.
Estava evidente, para os pensadores estudados neste capítulo, que o
projeto desenvolvimentista havia se tornado um óbice que precisava ser
eliminado. Barreiros afirma que, para eles:
Não haveria condições para resolução do impasse econômico criado pelos
83
governos “populistas” se preservados os marcos do Projeto
Desenvolvimentista. Em linhas gerais, somente a ruptura com a estratégia de
crescimento praticada desde 1930 permitiria um recomeço em bases
“racionais” e “eficientes” (Barreiros, 2008: 6).
As idéias econômicas da CEPAL eram o alvo principal das críticas dos
nossos liberais econômicos. Para os intelectuais cepalinos, o desenvolvimento dos
países então subdesenvolvidos só seria possível se decorresse de planejamento e
de estratégia, sendo o Estado o principal agente. Na América Latina não haveria
condições de se aguardar que o desenvolvimento viesse através do jogo do
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mercado. Conforme afirmava Prebisch:
A América Latina tem que acelerar seu ritmo de desenvolvimento econômico e
redistribuir renda em favor das massas populares. O cumprimento deste
objetivo não poderá dilatar-se indefinidamente; nem caberia esperar que o
desenvolvimento econômico se apresentaria e logo sobreviria, como
conseqüência natural, o desenvolvimento social. Ambos devem cumprir-se de
modo compassado. Para consegui-lo, é mister agir racional e deliberadamente
sobre as forças do desenvolvimento, e este não poderá ser o resultado do jogo
espontâneo dessas forças, como sucedeu na evolução capitalista dos países
adiantados (Prebisch, 1964: 20).
A oposição entre monetaristas e desenvolvimentistas pode ser vista como
uma das mais importantes do período estudado. Embora não concordassem
completamente, durante algum tempo, com a ênfase na negação ao planejamento e
à ação motora do Estado (como vimos, Campos acreditou, por algum tempo nas
possibilidades de êxito de um planejamento com viés tecnocrático), nossos
liberais combatiam o desenvolvimentismo cepalino, o qual, na então conjuntura,
tinha forte apelo político.
O distributivismo e a indisciplina fiscal estão nos fundamentos do
populismo econômico. Este crê que podem ser alcançados, com relativa
facilidade, o desenvolvimento econômico e a distribuição de renda por intermédio
do aumento dos investimentos, dos gastos sociais do Estado, e dos salários. De
acordo com os pensadores aqui estudados, as conseqüências serão o déficit
público, a crise fiscal e a inflação. Eles condenaram a irresponsabilidade com que
o gasto dos governos foi tratado pelos regimes ditos populistas, bem como
denunciaram a intromissão de critérios políticos na definição destes gastos. À luz
destes pensamentos, podemos entender o populismo econômico como uma
política que dá ênfase ao crescimento econômico e à redistribuição de renda, ao
84
mesmo tempo em que ignora (ou não se preocupa com) a inflação, o déficit
orçamentário e a reação dos agentes econômicos às políticas não direcionadas ao
mercado. Assim sendo, a questão do populismo é fundamental para entender a
economia do setor público (como também as do setor privado, uma vez que
alteravam as expectativas e traziam insegurança aos investidores) no período
considerado.
Gudin, Bulhões e Campos viam, com clareza, a dificuldade de se
conquistar “corações e mentes” da nossa desigual sociedade para um discurso que
prometia trabalho árduo e recompensas em longo prazo, em oposição a um em
que tudo se resolveria após a próxima eleição. Afinal, existiam condições que, ao
invés de diminuir a força do populismo, trabalhavam no sentido da sua expansão.
Uma delas era o constante crescimento das massas urbanas, trazendo para as
cidades um formidável contingente de indivíduos aptos a votar e sedentos por
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melhores condições de vida. A tradicional extrema desigualdade da nossa
sociedade seria um catalisador que favoreceria o fenômeno.
Esta constatação empírica fez com que, tanto Campos como Gudin, por
vezes, demonstrassem impaciência para a necessidade de ter que se percorrer um
longo caminho pela via democrática em um país com tamanhas desigualdades. E
viam as eleições diretas para a Presidência da República como um complicador
para a implantação das políticas públicas que julgavam necessárias. Gudin diz:
Se temos uma pessoa enferma delegamos a um médico o tratamento; se
queremos fazer uma estrada ou uma ponte chamamos um engenheiro; se
queremos organizar o ensino recorremos a um grupo dos maiores mestres.
Entretanto, quando se trata da tarefa, muito mais delicada, de escolher um
homem com os extraordinários predicados necessários à difícil missão de
Presidente da República, julgamos que ela pode ser entregue ao homem da rua,
que em sua maioria é, por culpa nossa e de nossos antepassados,
lamentavelmente despreparado. Despreparado para escolher, como para
resistir às pressões da demagogia, da corrupção e da emoção (Gudin, 1969:
72).
Campos também se declarou a favor das eleições indiretas:
O grau maior de mobilização popular para as campanhas presidenciais talvez
date da chamada “campanha civilista”, de Rui Barbosa contra Hermes da
Fonseca. Desde então, as eleições diretas passaram a ser fatores de excitação
personalista, de barganhas impeditivas da coerência de comando, de formação
de lideranças ressentidas, que não sabem utilizar a vitória e não consentem em
aceitar a derrota (Campos, 1967: 96).
85
Não vejo, nestas declarações, um apoio à ditadura. São, no entanto,
lamentos com relação à dificuldade de se conseguir, em uma sociedade com
nossas desigualdades, no período considerado, apoio a candidatos que
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prometessem apenas trabalho árduo.
5
Conclusão
O pensamento social brasileiro preocupou-se com o fenômeno do
populismo no período de 1945 a 1964, procurando compreender os processos de
mudança no país, especialmente na relação entre o Estado e a sociedade. Dentre as
várias interpretações sobre este fenômeno, acredito ser possível apontar três
principais. Este trabalho procurou discutir as que trataram das manifestações
populistas no período de 1945 a 1964, oferecidas pela Escola de Sociologia da
Universidade de São Paulo, pelo Instituto Superior de Estudos Brasileiros, e por
representantes do pensamento econômico liberal.
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Uma das causas da emergência do populismo no Brasil foi entendida por
Weffort e Ianni, dois expoentes da Escola de Sociologia da USP, como
conseqüência da crise da dominação oligárquica. Nos regimes oligárquicos, a
burguesia, aliada aos produtores agrícolas, detinha o controle do poder e das
instituições políticas. Sob o impacto de duas guerras mundiais e da crise de 1929,
as oligarquias voltadas à exportação se enfraqueceram. Por sua parte, os novos
grupos sociais, que então surgiam no ambiente urbano, passaram a reivindicar
uma participação política ampliada. A urbanização e a industrialização, nos anos
1930, criaram a possibilidade de mobilidade social para as classes populares e
médias, que não enxergavam as suas reivindicações em termos de luta de classe.
O populismo teria nascido da aliança entre as classes populares e a burguesia
nacional, uma vez que o enfraquecimento das oligarquias criou um vazio político
no qual nenhuma classe conseguia ser hegemonicamente dominante, nem capaz
de ocupar isoladamente o poder. O populismo teria vindo preencher este vazio,
apoiando-se nas novas condições sócio-políticas, e forjando uma coalizão
temporária, em que a idéia de “povo” criava uma ilusão de solidariedade.
Esta combinação de forças heterogêneas no poder constituía o “estado de
compromisso”, base do regime populista: uma vez que nenhum dos grupos
participantes do poder detinha a hegemonia, todos dependiam do Estado, e a ele
dirigiam as mais contraditórias reivindicações. A aliança tácita que está na base do
populismo se apóia sobre um processo de identificação entre o líder, o Estado e as
87
massas. O líder, ou chefe, configura-se não somente como o protetor, mas também
como o porta-voz e intérprete das aspirações populares. Daí resulta a relativa
utilidade dos partidos políticos e a despolitização dos sindicatos. Ligado
diretamente ao povo, o líder populista encarna a soberania do Estado e é o árbitro
dos conflitos entre classes.
Diante da urbanização e da industrialização que ocorriam no Brasil,
surgiam atores sociais diferentes dos da Primeira República. Nas interpretações de
Francisco Weffort e Octavio Ianni, a atração da classe trabalhadora passaria, no
populismo, não pelo plano ideológico, mas pela política social. A sociologia
marxista, fundamental nas análises feitas na Escola de Sociologia da USP,
considerava que a modernização e a urbanização trariam avanços para a
revolução. A proletarização de grande parte da população incrementaria as
contradições entre o capital e o trabalho. Os conflitos seriam desejáveis, por trazer
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novas sínteses. O populismo, ao criar obstáculos à conscientização da classe
proletária, trabalharia no sentido de prejudicar o progresso da revolução. A
política de alianças entre classes foi atacada pelos autores, sendo vista como uma
das principais causas que levaram à derrota das esquerdas, em 1964. A idéia de
política de massas e a busca do entendimento de o que teria levado a classe
operária a abrir mão da revolução em favor da reforma, permitiram um
desenvolvimento intelectual que até hoje repercute na Academia e na agenda
política brasileira.
Deve ser destacado que foi no industrializado Estado de São Paulo que
surgiram dois líderes populistas importantes, Jânio Quadros e Adhemar de Barros,
ao mesmo tempo em que foi lá que ocorreu forte crescimento populacional no
século XX, impulsionado por altos índices de migração interna e de imigrações.
Weffort destaca esta relação, ao ressaltar que estas migrações e a expansão dos
meios de comunicação catalisaram o populismo, uma vez que “colocam amplos
setores da população do país em situação de disponibilidade política” (Weffort,
2003: 158).
Nos estudos de Jaguaribe, Guerreiro Ramos e Candido Mendes,
importantes figuras do ISEB, embora o populismo político não fosse visto como
um procedimento enriquecedor da democracia, o fenômeno não era o alvo maior
de suas preocupações. O foco destes intelectuais estava no desenvolvimento, em
um ambiente reformista que, através da industrialização, traria o crescimento da
88
nossa economia. Embora considerassem que o populismo político não fosse a
forma mais avançada de comportamento político, era uma manifestação da
democracia, uma vez que abria espaço para que o povo se manifestasse
politicamente. Sua principal diferença em relação à Escola de Sociologia da USP
estava na crença (por parte destes intelectuais do ISEB) em que o caminho do
nacional-desenvolvimentismo, em especial a aliança entre o Estado e a burguesia
industrial, iria trazer modernização econômica, seguida de transformações sociais.
Jaguaribe destacou que a necessidade de se conquistar votos apresentando-se
como lideranças capazes de alcançar, em curto prazo, melhores condições de vida
para a população, fez com que os líderes populistas desenvolvessem um estilo de
comunicação direcionado à satisfação imediata dos desejos das massas.
Considero oportuno chamar a atenção para o fato de que o ISEB estava
geograficamente situado na cidade do Rio de Janeiro, então Distrito Federal, com
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ligações institucionais e de vizinhança com o Estado. O fato de seus intelectuais
aceitarem a possibilidade de alianças entre as classes econômicas estava,
possivelmente, ligado à necessidade de equacionar o problema de alcançar o
desenvolvimento em um ambiente democrático, com eleições livres.
Foi fundamental a influência do pensamento cepalino sobre o ISEB. A
idéia de uma vanguarda racional comandando o processo de desenvolvimento
latino-americano encontrou solo fértil no Brasil. A noção de planejamento era
vitoriosa naqueles anos, e a possibilidade de mudanças estruturais de amplo
alcance via ação do Estado era sedutora, eleitoralmente.
As preocupações de Gudin, Bulhões e Campos, intelectuais que
expressaram as preocupações do liberalismo econômico com o populismo,
estavam centradas nas mazelas que viam no populismo econômico. No período de
1945 a 1964, no Brasil, o pensamento keynesianista era dominante. A força das
idéias do Welfare State facilitava a aceitação dos discursos de políticos que
propunham ações desenvolvimentistas, através de promessas eleitorais sem
preocupações orçamentárias. Era, em quase todo o mundo, a época de ouro do
planejamento, e, aqui, as empresas estatais floresciam. Além disso, programas
ligados à responsabilidade fiscal não tinham apelo eleitoral em um país com
profundas desigualdades sociais, como o Brasil. Os liberais viam com clareza a
dificuldade de se conquistar eleitores, na nossa desigual sociedade, para um
discurso que prometia trabalho árduo e recompensas em longo prazo, em oposição
89
a um em que tudo se resolveria após a próxima eleição.
Para os pensadores liberais, o ideário do projeto desenvolvimentista,
apoiado nas idéias econômicas da CEPAL, havia se tornado um obstáculo que
precisava ser eliminado. A oposição entre monetaristas e desenvolvimentistas
pode ser vista como uma das mais importantes do período estudado. Eles
condenaram a irresponsabilidade com que os gastos dos governos foram tratados,
bem como a utilização de critérios políticos na alocação destes gastos. O
populismo econômico pode ser entendido como uma política que dá prioridade ao
crescimento econômico e à redistribuição de renda, ao mesmo tempo em que
ignora (ou não se preocupa com) a inflação, o déficit orçamentário, e a reação dos
agentes econômicos às políticas não direcionadas ao mercado.
Do ponto de vista ideológico, podemos identificar diferenças entre as três
interpretações. Os intelectuais da USP, naquele momento, estavam preocupados
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com o fortalecimento da classe operária urbana, ator político fundamental para
produzir profundas mudanças no capitalismo, via luta de classes. No
entendimento dos intelectuais do ISEB aqui analisados, encontramos uma visão
reformista com afinidades com a perspectiva do reformismo social, na busca de
um desenvolvimento nacional sem rupturas. A visão liberal econômica, que dá
ênfase às vantagens da economia de mercado, está na análise que considera o
populismo econômico um entrave ao crescimento econômico das sociedades.
Podemos dizer que as interpretações do pensamento social brasileiro aqui
estudadas, ajudaram a propagação do debate sobre o fenômeno do populismo no
mundo público. No entanto, em razão dos pressupostos teóricos diferentes que
fundamentavam suas análises, não foram capazes de contribuir para uma definição
precisa do fenômeno. Como vimos, na Escola de Sociologia da USP teve
relevância o conceito de “estado de compromisso” desenvolvido por Weffort, e
que buscava entender a diminuição da importância da luta de classes no período
populista. Dentre as três interpretações, foi nesta que o conceito weberiano de
carisma obteve maior destaque. Por outro lado, os intelectuais do ISEB, que
trabalharam sob influência do pensamento cepalino, viam o populismo como uma
passagem na evolução para a modernização do país, e davam ênfase à
preocupação com o nacional-desenvolvimentismo. Já os pensadores econômicos
liberais se mantinham fiéis ao liberalismo econômico, marcando suas críticas aos
governos que não priorizavam o equilíbrio fiscal.
90
Duas questões quanto ao populismo são recorrentes nos estudos das
Ciências Sociais e da historiografia brasileira. Primeiramente, temos a pergunta de
quando teria surgido o fenômeno do populismo no Brasil. Apesar do fato de que,
tanto Conniff, como José Murilo de Carvalho fazerem referência ao populismo no
governo Pereira Passos, as interpretações aqui estudadas trataram do populismo
no período 1945-1964. Nas três perspectivas analíticas aqui discutidas, o
fenômeno ganhou visibilidade e vitalidade neste período.
Em segundo lugar, discute-se a importância da questão do populismo
para o entendimento do período de 1945 a 1964. Ela é fundamental para que
possamos entender essa etapa da política brasileira, de acordo com o que podemos
deduzir das análises realizadas nas interpretações vistas aqui. Segundo os
representantes do pensamento econômico liberal estudados, não poderemos
entender a economia do setor público sem observar a influência dos políticos
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populistas. Mesmo a economia privada também teve, certamente, suas tomadas de
decisão influenciadas pelos líderes populistas que traziam um discurso político
intimidador à lógica do mercado. Por outro lado, a relação entre o Estado e a
sociedade ficou marcada por fenômenos como manipulação, cooptação ou do
“estado de compromisso”, conforme elaborou Weffort. Podemos dizer que o
discurso populista traz resultados, do ponto de vista eleitoral, quando atua sobre
uma massa popular de uma sociedade com profundas desigualdades sociais, bem
como confere legitimidade aos governantes populistas, até o momento em que
suas ações econômicas produzem os esperados efeitos negativos (inflação, crise
cambial, endividamento, entre outros).
De acordo com as interpretações estudadas, algumas condições presentes
na época, no Brasil, agiram no sentido de favorecer o fortalecimento do fenômeno
do populismo. A emergência das massas populares no processo eleitoral; o
conflito distributivo e a desigualdade de renda no mercado de trabalho; e
instituições políticas ainda em formação, trazendo instabilidade política e
insegurança em relação à normalidade democrática, podem ser destacadas.
Weffort deu ênfase à crise de hegemonia de poder que teria advindo do
enfraquecimento das oligarquias e da ausência de uma classe que pudesse exercer
o poder por si própria. Como conseqüência, abriu-se espaço para que líderes
populistas, em uma relação direta com as massas, alcançassem legitimidade
eleitoral, diminuindo a importância dos partidos políticos e da luta de classes no
91
cenário político. Guerreiro Ramos, apesar de entender que já havia sinais de
populismo na República Velha, afirmou que a política populista só passou a ser
dominante depois do fim do Estado Novo, uma vez que a independência dos
eleitores, comparada ao sistema eleitoral no período oligárquico, criou as
condições para o sucesso eleitoral dos líderes populistas. O populismo seria uma
fase na evolução política brasileira, posterior à fase da oligarquia e anterior à da
política baseada nos grupos de pressão. Gudin marcou suas críticas ao populismo
econômico pela luta contra o desequilíbrio fiscal e contra os aumentos salariais
sem base em aumentos de produtividade, que seriam responsáveis por uma
catastrófica inflação de demanda sem correspondência com uma capacidade de
aumento de produção, em prazos compatíveis.
Apesar de suas divergências, os três grupos aqui estudados tinham um
aspecto em comum: a marca do intelectual. Atuando na esfera acadêmica e na
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esfera pública, todos eles procuraram entender a realidade brasileira para intervir
sobre ela. Escreveram para ser lidos, objetivando participar do debate público e
disputar a definição da agenda pública.
6
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Parte 1: O Surgimento da Sociologia