COSTURAS CON TEMPORÂNEAS TRICÔ, BORDADO, TAPEÇARIA, CROCHÊ E TECELAGEM INVADEM A CENA DA ARTE DE PONTA NO BRASIL E NO MUNDO por JULIANA MONACHESI ATIVISMO Fotomural da artista americana Lisa Anne Auerbach, criado para a instalação no centro cultural Nottingham Contemporary, na Inglaterra FIOS Em sentido horário, a partir da foto acima, Giovanni (2009), bordado sobre fotografia de Maurizio Anzeri; Sem Título (2011), escultura da brasileira Maria Nepomuceno; e My Nympheas (2011), pintura da egípcia Ghada Amer feita com gel acrílico e bordado E squeça o mote tecnológico do control+C, control+V. Recortar e costurar é o imperativo da vez. Entre as mais fortes e persistentes tendências da arte desde o início dos anos 2010, o movimento tem entre seus expoentes nomes hypados como os da artista polonesa Goshka Macuga – destaque na Documenta 13, em Kassel –, da portuguesa Joana Vasconcelos – escalada para a Bienal de Veneza deste ano –, de Sheila Hi- O REVIVAL DO ARTS-AND-CRAFTS NÃO TOMOU DE ASSALTO A CENA CONTEMPORÂNEA NESTE INÍCIO DE DÉCADA POR MODISMO. TRATA-SE DE UMA RESPOSTA À ACELERAÇÃO GENERALIZADA DA VIDA 150 | HARPER’S BAZAAR | Fevereiro 2013 cks, que deslumbrou os visitantes da Bienal de São Paulo em 2012, e da egípcia Ghada Amer, conhecida pelos bordados eróticos. No Brasil, os crochês tridimensionais de Maria Nepomuceno e Carolina Ponte, além das delicadas tramas de Fernando Marques Penteado e dos patchworks readymade de Alexandre da Cunha atestam que o País deixou (e faz tempo) de seguir o trendy em arte, para ditá-lo ao lado dos principais representantes de manifestações globais. E o revival do arts-and-crafts não tomou de assalto a cena contemporânea neste início de década por modismo.Trata-se de uma resposta estética e política à aceleração generalizada da vida. As artes da vovó, como se sabe, exigem tempo e paciência. E dedicar longos períodos de ócio criativo ao meticuloso manuseio de agulhas, novelos, tesoura, linhas e lãs, convenhamos, é uma atitude contundente frente à velocidade avassaladora que engolfou o nosso mundo. Para a americana Lisa Anne Auerbach, tricotar suéteres é também uma forma de protesto. No lugar dos proverbiais ursinhos, renas ou flores que marcaram o estilo-vovó de confeccionar casaquinhos, FOTOS: CORTESIA MAURIZIO ANZERI; CORTESIA A GENTIL CARIOCA; CORTESIA CHEIM & READ; NA PÁGINA AO LADO, PETER MALLET/CORTESIA HAUNCH OF VENISON; CORTESIA STACEY PAGE; E CORTESIA GALERIA ZIPPER TRICOTANDO Em sentido horário, a partir da obra abaixo, Melanie (2011), fotografia bordada sobre linho, da artista americana Stacey Page; esculturas de crochê e tapeçaria da brasileira Carolina Ponte, ambas de 2011; e Tetris Waves (2012), instalação da portuguesa Joana Vasconcelos com azulejos, crochê, tecidos, adereços, poliéster, MDF e ferro amorosamente, com as próprias mãos, a artista estampa frases como “When there’s nothing more to burn, you’ve got to set yourself on fire” ou “Keep abortion legal”. Formada em 1994 no Art Center College of Design, em Pasadena, Lisa se inspirou na cultura faça-você-mesmo e no fascínio que tinha pelos suéteres personalizados do guitarrista da banda Cheap Trick para aprender a tricotar. Hoje, participa de exposições em galerias e museus pelo mundo, além de ser editora, ativista e modelo das campanhas publicitárias fake que desenvolve para suas criações. N a interseção entre arte e utilitário, qual seria o melhor lugar para suas obras de tricô? “Visto os suéteres em minha vida cotidiana. Eles são melhores quando usados no mundo, que é a maneira ideal de ver o trabalho. Há uma transformação quando a obra se torna parte de uma coleção. Acho que isso é verdade para a maioria das obras de arte, mas, para o meu trabalho, há uma diferença maior entre a forma como ele existe no mundo (em um ser humano) e como ele existe em um museu”, diz em entrevista à Harper’s Bazaar. Outra característica desse arts-and-crafts contemporâneo é que os artistas homens estão aderindo, sem cerimônia. O italiano Maurizio Anzeri, por exemplo, borda intrincadas geometrias sobre fotografias antigas que garimpa em mercados de pulga – e tem obras na coleção da Saatchi Gallery, em Londres. Com precisão de alfaiate, e absorvendo influências que vão de uma tribo de Papua-Nova Guiné à Versace, ele não se incomoda com o arcaísmo da técnica.“Tudo já foi feito, mas não por mim.” O Brasil não pára de “exportar” nomes ligados à arte têxtil de pegada contemporânea: Alexandre da Cunha é representado em Nova York pela CRG Gallery, Maria Nepomuceno está na Victoria Miro, de Londres, e ambos, junto de outros conterrâneos, vêm sendo escalados para expôr em mostras que investigam o retorno às artes manuais, o diálogo entre arte e moda ou mesmo as poéticas analógicas como militância à desaceleração.Viva a slow art. Fevereiro 2013 | HARPER’S BAZAAR | 151