F.S. Valente, K.D. Reis, F.A. Soares, et al. 2011. Ablação de canal auditivo vertical em um cão.
Acta Scientiae Veterinariae. 39(4): 1004.
Acta Scientiae Veterinariae, 2011. 39(4): 1004.
CASE REPORT
ISSN 1679-9216 (Online)
Pub. 1004
Ablação de canal auditivo vertical em um cão
Vertical Ear Canal Ablation in a dog
Fernanda Soldatelli Valente¹ , Kauê Danilo Helene Lemos dos Reis¹, Frederico Aécio Carvalho Soares¹, Tatiane
da Silva Mottin¹ & Emerson Antonio Contesini²
RESUMO
Background: The external otitis is an inflammatory process that gets at the pinna and the external acoustic meatus of many
animals; it can be a pathological process with acute, chronic or still recurrent chronic evolution. In dogs, the external otitis
has high clinic importance. This condition could do stenosis or acoustic duct occlusion, inhibiting the ear’s cleanliness and
the application of topical preparations as a way of medical treatment. The vertical acoustic duct’s ablation is indicated when
all this are ill; however the horizontal duct keeps normal. This employment’s goal is report a case of ablation at vertical
acoustic duct in a male dog, Husky Siberiano race, seven years old which showed chronic and recurrent external otitis.
Case: A dog with chronic and recurrent otitis historic and some bids of medicated treatments, without success therapeutic,
it was rescued at Hospital of Clínicas Veterinárias at Universidade Federal do Rio Grande do Sul. The owner also reported that the acoustic duct was completely closed and the canine was prostrate and aggressive. In the physical exam was
observed stenosis of the right acoustic canal, where had a small orifice, approximately 2 mm, whereby purulent secretion
was drained. The patient was submitted to screening’s exams like: complete CBC and skull radiography. In the presence
of the historic and alterations observed in the clinical exam, it was routed to make an ablation of the vertical acoustic duct.
The postoperative consisted of antibiotic, anti-inflammatory and analgesics. External point dehiscence happened, choosing
healing it for second intention. At forty-fifth day postsurgical, the canine had already shown completely wound’s healing,
without secretion by ostium at horizontal auditory duct and without any sign of pain to handle the ear.
Discussion: The acoustic duct’s stenosis in the canine reported happened because of the chronicle external otitis that can
change permanently the size and the external acoustic duct’s characteristics. The surgical proceeding made is an alternative
technique that has been used when the entire vertical duct is found, grossly, distorted or filled in with a hyperplastic mucosa. The antibiotic used after surgery until the culture result and susceptibility testing it was amoxicillin with clavulanic
acid, once which has already known the effectiveness on external and medium otitis treatment. The dehiscence of some
points and the wound’s infection happened probably cause of the surgical manipulation of inflamed and septic tissues or
still cause of the inappropriate dead space closing or inappropriate drainage. It was chosen the healing for second intention
using in it an ointment composed by collagenase and chloramphenicol. It was used an ear solution in locus, containing
anti-inflammatory, antibacterial and anesthetic to minimize the inflammation, infection and pain at external ear, even after
surgical treatment. The discomfort and the pain to manipulate and touch at right ear were obvious on clinical treatment
and also what it was identified by the owner like an aggressive animal’s behavior decreased substantially after the surgical
proceeding, could be classified as absent at the revaluation in forty-fifth days postoperative. The vertical portion’s ablation
of the acoustic duct is a technique little used and documented in veterinary medicine, once that has really indications points.
The surgical proceeding showed to be important, because allow the secretions drainage, the application of topical agents
in the horizontal acoustic duct and the pain’s control caused by chronicle and recurrent otitis in this patient.
Keywords: ear diseases, stenosis, optical surgery, canine.
Descritores: otopatias, estenose, cirurgia ótica, canino.
Received: June 2011
www.ufrgs.br/actavet
Accepted: August 2011
¹Residente do Hospital de Clínicas Veterinárias (HCV), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre, RS, Brasil. ²Departamento
de Medicina Animal, Faculdade de Veterinária (FaVet), UFRGS, Porto Algre. CORRESPONDÊNCIA: F.S. Valente [[email protected] - FONE:
+55 (51) 3308-6106]. Av. Bento Gonçalves n. 9090, Bairro Agronomia. CEP 91540-000 Porto Alegre, RS, Brasil.
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INTRODUÇÃO
resposta à dor aguda após manipulação e palpação
na base do pavilhão auricular, além de sinais como
inclinação e balançar da cabeça. A inspeção do canal
auditivo esquerdo não demostrou alterações. Os demais parâmetros clínicos encontravam-se dentro do
normal para a espécie.
A otite externa é um processo inflamatório que
atinge o pavilhão auricular e o meato acústico externo
de diversos animais, podendo ser um processo patológico com evolução aguda, crônica ou ainda crônica
recidivante [2]. Em cães, a otite externa possui grande
importância clínica, estimando-se que cerca de 5 a
20% dos cães sejam acometidos por alguma forma
dessa doença [6,14], sendo a otite crônica responsável
por até 76,7% dos casos de otopatias em cães [3].
As otites externas podem causar estenose ou
oclusão do canal auditivo, impedindo a limpeza do
ouvido e a aplicação de preparações tópicas como
forma de tratamento médico [9]. Os procedimentos
cirúrgicos normalmente promovem uma eficiente
drenagem e ventilação do ouvido externo, além de
facilitar a colocação de agentes tópicos no interior do
canal horizontal [4,12,15].
A ablação do canal auditivo vertical é utilizada
na tentativa de salvação do canal horizontal funcional, quando o canal vertical encontra-se gravemente
enfermo [8]. A remoção total do canal vertical pode
resultar em diminuição da exsudação e da dor pósoperatórias [4]. Essa técnica combina as vantagens da
ablação total (remoção do canal vertical cronicamente
infectado) com as da resseção lateral do canal auditivo
(drenagem, ventilação e preservação da audição) [1,8].
O objetivo deste trabalho é relatar um caso
de ablação de canal auditivo vertical em um cão que
apresentava otite externa crônica e recidivante.
Figura 1. Face interna do pavilhão auricular direito, onde se observa a
estenose do meato auditivo externo do canino (seta azul), no pré-cirúrgico.
O canino foi submetido a exames complementares, tais como hemograma completo e radiografia
craniana. O hemograma não apresentou qualquer
alteração digna de nota. No exame radiográfico do
crânio, o conduto auditivo e a bula timpânica de ambos os lados estavam radiolucentes, não evidenciando
alterações significativas.
Diante do histórico de otite crônica recidivante
com insucesso terapêutico e das alterações observadas
no exame clínico, optou-se pelo tratamento cirúrgico
nesse paciente. Dessa forma, o cão foi encaminhado
para a realização de uma ablação do canal auditivo
direito.
Submeteu-se o paciente ao seguinte protocolo
anestésico: medicação pré-anestésica utilizando cloridrato de tiletamina + cloridrato de zolazepam (zoletil
50)¹ (2 mg/kg, IM), citrato de fentanila (4 µg/kg, IV)
e manutenção com isoflurano, por via inalatória, vaporizado em oxigênio a 100%. Além disso, foi realizado
bloqueio do nervo auriculotemporal com lidocaína (2
mg/kg) e cloridrato de bupivacaína (2 mg/kg) e infusão
contínua de citrato de fentanila (5 µg/kg/min).
O procedimento cirúrgico constou em ablação
do canal auditivo vertical, também conhecido como
técnica da ablação modificada, conforme já descrito
em literatura [1,4,8] (Figura 2).
RELATO DE CASO
Um cão, macho, da raça Husky Siberiano, sete
anos de idade, massa corporal de 26 kg, foi atendido
no Hospital de Clínicas Veterinárias da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul (HCV-UFRGS) apresentando histórico de otite crônica e recidivante com
várias tentativas de tratamentos medicamentosos,
porém sem sucesso terapêutico. Foi relatado, ainda,
um episódio recente de infestação por larvas de moscas
no ouvido direito, sucedido por fechamento completo
do canal auditivo. Além disso, de acordo com a proprietária, o cão estava prostrado e com comportamento
agressivo nos últimos dias.
Ao exame físico, observou-se estenose do
canal auditivo direito (Figura 1) com presença de um
pequeno orifício de aproximadamente 2 mm, pelo
qual drenava secreção purulenta. O canino apresentava
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Ao 17º dia de pós-cirúrgico, foram retirados
os pontos restantes e prescrita aplicação de pomada
de colagenase + cloranfenicol (kollagenase)² sobre a
ferida, duas vezes ao dia. Além disso, incluiu-se o tratamento tópico com uma preparação otológica contendo
cetoconazol + sulfato de tobramicina + fosfato sódico
de dexametasona + cloridrato de lidocaína (otoguard)³.
Após 45 dias do procedimento cirúrgico, o
canino já apresentava completa cicatrização da ferida, sem presença de secreção pelo óstio do conduto
auditivo horizontal e sem qualquer sinal de dor a
manipulação da orelha (Figuras 3A e 3B).
A
B
Figura 2. Aspecto final da ablação do canal
auditivo vertical, no pós-cirúrgico imediato,
demonstrando o novo óstio auditivo (seta verde)
e o fechamento da pele em forma de T, conforme
técnica descrita em literatura.
O conduto auditivo vertical e a secreção presente no mesmo foram enviados para análise histopatológica e cultura com antibiograma, respectivamente.
O exame histopatológico do conduto revelou otite
crônica. A cultura da secreção otológica evidenciou a
presença do bacilo Enterococcus faecalis. No antibiograma mostrou-se sensível a amoxicilina com ácido
clavulânico e tobramicina e resistente à neomicina,
norfloxacina, lincomicina e estreptomicina.
O pós-operatório constou de amoxicilina com
ácido clavulânico (25 mg/kg, BID, 10 dias), dipirona
(25 mg/kg, TID, seis dias), cloridrato de tramadol (4
mg/kg, TID, quatro dias), meloxicam (0,1 mg/kg, SID,
três dias), além de limpeza dos pontos (solução de
cloreto de sódio 0,9%) e atadura sobre a orelha direita,
duas vezes ao dia, e colar elizabetano, até a retirada
dos pontos.
No 10º dia de pós-operatório, o animal retornou ao HCV-UFRGS apresentando deiscência de
alguns pontos, inflamação do conduto e infecção do
ferimento. Foi introduzido na terapia medicamentosa
carprofeno (4 mg/kg, SID, sete dias), ranitidina (2 mg/
kg, BID, sete dias) e o antimicrobiano já prescrito foi
mantido, por mais sete dias, além da limpeza da ferida
com solução salina isotônica.
Figura 3. Observa-se completa cicatrização da ferida cirúrgica, aos 45
dias de pós-operatório. A) Face interna do pavilhão auricular direito. B)
Óstio do conduto auditivo horizontal (seta vermelha).
DISCUSSÃO
A estenose do canal auditivo no canino relatado ocorreu devido à otite externa crônica, que pode
alterar permanentemente o tamanho e a característica
do canal auditivo externo [1,6].
O procedimento cirúrgico realizado nesse paciente é uma técnica alternativa que tem sido utilizada
quando todo o canal vertical se encontra grosseiramente distorcido ou preenchido com mucosa hiperplásica
[1,8]. Não foi necessária a ablação do canal auditivo
total (ACAT), uma vez que o canal horizontal não
apresentava sinais de calcificação, ossificação ou
hiperplasia epitelial grave e sua abertura não estava
estenosada, o que impediria a drenagem adequada de
secreções [4,9]. Além disso, a radiografia craniana
não evidenciou sinais de otopatia média ou neoplasia
intercorrente, que justificasse a realização de ACAT
em conjunto com uma osteotomia bular [4,9,16].
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aos antibióticos sistêmicos e tópicos utilizados, contribuindo para a eficácia do tratamento.
O desconforto e a dor na manipulação e
palpação da orelha direita evidentes no atendimento
clínico e, também identificados pela proprietária como
comportamento agressivo do animal, diminuíram
consideravelmente após o procedimento cirúrgico,
podendo ser classificado como ausente na reavaliação aos 45 dias de pós-operatório. Nesse momento,
não foi necessária a utilização de qualquer forma de
contenção física ou química para exame completo da
região auditiva.
A presença de estenose no meato auditivo,
histórico de otites recidivantes com insucesso nos tratamentos médicos e dor/desconforto do canino, foram
os fatores decisivos para a escolha da terapia cirúrgica
contra a otite externa. A ablação da porção vertical do
canal auditivo é uma técnica ainda pouco utilizada e
documentada em medicina veterinária, uma vez que
possui indicações bem pontuais. O procedimento
cirúrgico realizado mostrou ser importante, uma vez
que permitiu a drenagem das secreções, a aplicação
de agentes tópicos no canal auditivo horizontal e o
controle da dor causada pela otite crônica e recidivante
nesse paciente.
O antimicrobiano utilizado no pós-cirúrgico,
até o resultado de cultura e testes de sensibilidade,
foi amoxicilina com ácido clavulânico, uma vez que
já possui eficácia conhecida no tratamento de otite
externa e otite média [5,15,19]. Um estudo recente
revelou que mais de 90% dos isolados bacterianos
em cães que sofreram cirurgia ótica eram suscetíveis
à amoxicilina-clavulanato [18].
A deiscência de alguns pontos e infecção do
ferimento ocorreu, provavelmente, pela manipulação
cirúrgica de tecidos inflamados e infectados ou, ainda, pelo fechamento inadequado de espaço morto ou
drenagem inadequada [1,4]. A infecção pós-operatória
ocorre em até 40% dos pacientes que sofrem ablação
[1]. Optou-se, então, pela cicatrização por segunda
intenção, utilizando-se uma pomada composta por
colagenase e cloranfenicol, que demostrou extrema
eficácia no processo cicatricial da ferida cutânea [17].
A solução otológica utilizada teve o intuito
de minimizar a inflamação, infecção e, consequentemente, dor e desconforto presentes no ouvido externo,
mesmo após o tratamento cirúrgico. Dessa forma,
utilizou-se uma preparação contendo antimicrobiano
(tobramicina), anti-inflamatório (dexametasona) e
anestésico local (lidocaína). A tobramicina, aminoglicosídeo tópico, vem sendo amplamente utilizada
por apresentar menor toxicidade e atuar em cepas
resistentes a outros fármacos [7].
Enterococcus faecalis, isolado no exame
bacteriológico, é um bacilo incomumente encontrado
em amostras de secreção auricular [10,11,13]. Além
disso, embora a otite possa ser causada por apenas uma
espécie de bactéria, mais comumente é isolada a combinação de microorganismos [8]. Apesar dos poucos
estudos desse patógeno como causador de otites média
e externa em caninos, E. faecalis mostrou-se sensível
NOTAS INFORMATIVAS
¹Laboratório Virbac - Avenida Engenheiro Eusébio Stevaux,
1368 - Jurubatuba, São Paulo. SP, Brasil.
²Laboratório Cristália Produtos Químicos Farmacêuticos
Ltda. Rod. Itapira - Lindóia, Km 14 - Ponte Preta. Itapira,
SP, Brasil.
³Laboratório Cepav Pharma LTDA - Rua Dom Bento Pickel,
605 Casa Verde Alta. São Paulo, SP, Brasil.
Declaration of interest. The authors report no conflicts
of interest. The authors alone are responsible for the
content and writing of the paper.
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