Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa Lato Sensu em Relações Internacionais e Diplomáticas na América do Sul Trabalho de Conclusão de Curso IMPACTOS DO FOCEM NAS ASSIMETRIAS DO MERCOSUL: ANÁLISE MULTICRITÉRIO DOS MEIOS DISTRITBUTIVOS Autor: Lucas Soares Portela Orientador: Dr. Ironildes Bueno da Silva Brasília - DF 2013 LUCAS SOARES PORTELA IMPACTOS DO FOCEM NAS ASSIMETRIAS DO MERCOSUL: ANÁLISE MULTICRITÉRIO DOS MEIOS DISTRITBUTIVOS Artigo apresentado ao curso de graduação em Relações Internacionais e Diplomáticas na América do Sul da Universidade Católica de Brasília, como requisito parcial para obtenção do Título de pós-graduação em Relações Internacionais. Orientador: Dr. Ironildes Bueno da Silva Brasília 2013 2 IMPACTOS DO FOCEM NAS ASSIMETRIAS DO MERCOSUL: ANÁLISE MULTICRITÉRIO DOS MEIOS DISTRIBUTIVOS LUCAS SOARES PORTELA RESUMO Criado para reduzir as assimetrias na América do Sul, o MERCOSUL tem apresentado um aumento nas diferenças econômicas e sociais de seus membros. O objetivo deste artigo é analisar em que medida as ações do Fundo para a Convergência Estrutura do MERCOSUL (FOCEM), visando à redução de assimetrias, resultam em uma distribuição equitativa no MERCOSUL. Para tanto, utiliza a análise multicritério para avaliar os projetos do FOCEM e seus impactos, tendo como referências três variáveis: equidade; desenvolvimento como liberdade; e nível de cooperação. Ao final deste trabalho nota-se uma equidade na distribuição dos recursos deste fundo, porém uma ineficiência no desenvolvimento de liberdades sociais, e uma tendência ao unilateralismo na elaboração e aplicação dos projetos. Por fim, o crescimento das assimetrias entre o Brasil e seus vizinhos do MERCOSUL, em termos de FOCEM, pode se dar por uma maior eficiência na aplicação dos recursos por parte do Brasil face aos demais. Palavras-chave: MERCOSUL. Assimetrias. FOCEM. Análise multicritério. 1 INTRODUÇÃO O Brasil pode ser considerado um líder natural dentro do subcontinente da América do Sul. Tal afirmativa é embasada não somente na discrepância em favor do território brasileiro em relação aos demais países da região (COUTO, 2012), mas também devido às assimetrias nas outras várias dimensões do poder, como a social e a econômica (COUTO, 2012). Apesar de esta posição gerar poder ao Brasil, ela requer uma maior responsabilidade. Este dever é configurado por uma maior parcela dos custos para redução das assimetrias na região (DOMINGUES & PEREIRA JR, 2012, p. 07), ou seja, dar estímulos para produzir desenvolvimento dentro da América do Sul. Depois de duas décadas de existência do MERCOSUL, de acordo com Renato Baumann (2012), percebe-se uma permanência das assimetrias, contrariando o objetivo do MERCOSUL. Além disto, de acordo com Wilson de Almeida (2003), esta integração acaba excluindo regiões periféricas dos próprios atores, com o nordeste no caso brasileiro, contradizendo a integração completa. Por fim, há descontentamento regional em relação ao Brasil, pois essas assimetrias tem favorecido este ator em detrimento dos demais (MACHADO & PESSOA, 2006, p. 53). 3 De acordo com Leandro Couto (2012) essas assimetrias são de carater estrutural, apresentando disparidades nos campos econômico e social. Assim, o Fundo para a Convergência Estrutura do MERCOSUL (FOCEM) é o principal programa de redução de assimetrias do bloco, sendo o objeto deste artigo. Por meio das considerações anteriormente, este artigo analisa em que medida as ações do FOCEM resultam em uma distribuição equitativa no MERCOSUL. Para norteador o estudo, o argumento central é: o MERCOSUL, por meio do FOCEM, apresenta mecanismos distributivos equitativos, entretanto com dificuldades quanto a sua aplicação. Observado este argumento, o artigo será dividido em quatro partes: “mecanismos distributivos” na teoria de integração regional; métodos de avaliação dos mecanismos distributivos; análise dos impactos distributivos dos projetos do FOCEM; e conclusão. Na primeira parte são analisadas as características de mecanismos distributivos equitativos. Como ciência que estuda a alocação de recursos escassos por agentes racionais (PAIVA & CUNHA, 2008, p. 15), torna-se necessário a sua abordagem para embasamento teórico. Assim, poderemos compreender a importância do papel dos mecanismos distributivos e suas características dentro da integração regional. Posteriormente, se avalia o método para análise dos mecanismos distributivos. Este tópico verifica as variações no método, como cada uma se aplica e qual a melhor se adéqua ao contexto da pesquisa no MERCOSUL. Para tanto será utilizado às obras de Balassa (1961), Brant (2009) e o manual de análise de projetos preparado pela Unidade Responsável pela Avaliação DG Política Regional Comissão Europeia (COMISSÃO EUROPEIA, 2003). Na quarta parte, verifica-se os projetos. Na amostra do artigo compreende os projetos do FOCEM no âmbito da Argentina, Brasil, Uruguai e Paraguai. Apesar de a Venezuela ter ingressado no MERCOSUL em 2012, não houve utilização deste fundo nos anos compreendidos na pesquisa por parte deste ator, ou seja, entre o ano de 2007, marco inicial dos primeiros projetos, e o de 2012, ano anterior a elaboração deste estudo. Sendo assim, não há ainda a possibilidade de verificar os impactos de sua participação no fundo. 4 Finalizando, após estas três partes aqui propostas, analisamos as ações utilizadas no bloco mercosulino para desenvolvimento dos Estados Partes. A partir disto, são apresentadas as conclusões, em que se verificam quais países do grupo recebem mais benefícios em cada projeto descrito, apontando o nível de equidade, de liberdade e de cooperação gerada por cada um. A contribuição final é a apresentação das falhas do fundo para a redução das assimetrias, como também considerações para uma melhor aplicação de projetos futuros. 2 MECANISMOS DISTRIBUTIVOS NA INTEGRAÇÃO REGIONAL Em Economia, o objeto de estudo é a racionalidade do individuo na alocação de recursos. Diante disto, este tópico analisa os mecanismos distributivos se adéquam a realidade da integração regional. É também observada a relação entre integração regional e os conceitos de igualdade e equidade. Assim, a ciência econômica tem como objetivo puro: Estuda a alocação de recursos escassos (dinheiro, capacidade de trabalho, energia, etc.) entre fins alternativos (lazer, segurança, sucesso, etc.) por parte dos proprietários de recursos que buscam obter o máximo benefício por unidade de dispêndio. (PAIVA & CUNHA, 2008, p. 15). Neste artigo entende-se que os indivíduos fazem escolhas que podem não ser consideradas racionais, assim podendo tomar decisões equivocadas. Esta premissa também esta vinculada com as decisões dentro de uma integração regional. Neste caso, os agentes decisórios são os responsáveis por escolherem em quais projetos alocar as verbas de um fundo como o FOCEM. Essas escolhas podem favorecer igualmente a todos ou mais um ator do que outro, dependendo da distribuição. Em termos de justiça social, as escolhas anteriormente citadas podem ser de cunho igualitário ou equitativo. De acordo com John Rawls (1971, p. 303), a categoria igualitária não gera justiça, pois concede as mesmas oportunidades para todas as pessoas; já a categoria equitativa gera justiça, pois cria maior oportunidade para o indivíduo mais desprovido. Sabendo disto, é necessário compreender quais os objetivos de uma integração regional, para referenciar os objetivos dos quais estão envolta os projetos do FOCEM: 5 Propomo-nos definir integração econômica como um processo e uma situação. Encarada como um processo implica medidas destinadas à abolição de discriminações entre unidades econômicas de diferentes Estados; como situação pode corresponder à ausência de várias formas de discriminação entre economias nacionais. (BALASSA, 1961, p.12) Baseado neste autor, a melhor definição para nosso estudo é a primeira, ou seja, a integração como processo, pois os projetos de desenvolvimento fazem parte do processo de integração e não da situação. Assim, no âmbito do MERCOSUL, uma ação igualitária, proporcionaria para o Brasil um crescimento relativo maior do que os demais países do bloco (informação verbal).1 Uma ação equitativa, entretanto gera uma redução das assimetrias, como ocorreu com a China e seus vizinhos, em que houve um crescimento modesto da liderança chinesa, face ao crescimento considerável dos demais países (informação verbal).2 Entretanto, alguns cuidados fazem-se necessário para a avaliação da distribuição, pois de acordo com o Institucionalismo Histórico: Neste sentido, o que distingue o institucionalismo histórico é sua ênfase nos efeitos que as instituições exercem na política com o passar do tempo e sua rejeição das explicações funcionalistas para o desenho institucional: de acordo com o funcionalismo, as instituições são vistas como algo deliberadamente desenhado para desempenharem funções específicas, tai como provisão de informações relevantes ou adoção de políticas confiáveis – com pouca ou nenhuma atenção sendo dada ao legado histórico de tais instituições. Já o institucionalismo histórico afirma que as escolhas institucionais tomadas no passado podem persistir, moldando e constrangendo os atores no futuro. (BRANT, 2009, p. 75-76) Assim, as instituições são moldadas pelas escolhas tomadas no decorrer da história. Diante disto, projetos equitativos podem não ser benéficos para o bloco quando tais instituições evoluem erroneamente e favorecem mais um país provido de melhores condições do que os demais. Tal evolução aumentaria a discriminações dentro de uma integração. Para alcançar o objetivo apontado anteriormente por Brant (2009), serão necessários projetos que favoreçam os membros desprovidos de recursos financeiros e desenvolvimento social. Estas iniciativas, entretanto, não devem surgir 1 Informação fornecida por Renato Baumann em apresentação na Embaixada da África do Sul, em Brasília, em outubro de 2012. De acordo com o estudo realizado por Baumann (2012), embora os indicadores econômicos do MERCOSUL cresçam, percebe-se em nível unilateral um aumento proporcionalmente maior do Brasil quando comparado com os demais. 2 Ibidem. 6 somente dos tomadores de decisão dos países necessitados, mas também empreendidas pelos Estados com maior desenvolvimento por meio da cooperação. O Institucionalismo Histórico também contribui ao enfatizar a importância das agendas e processos de negociações. De acordo com Pierson (1996 apud BRANT, 2009, p. 76), esta teoria concede uma importância secundária nas negociações em si, pedindo uma atenção superior ao processo e agendas do bloco. Por isto, este estudo deslumbrou, principalmente, os projetos financiados pelo FOCEM, sem maiores atenções aos procedimentos para aprovação de suas propostas. Considerado esses pressupostos, sob a ótica da integração regional, as análises de mecanismos distributivos apresentam as seguintes relações: QUADRO 1 – Relações de Mecanismos Distributivos e Integração Regional PROJETOS TIPO DE JUSTIÇA DESCRIÇÃO Gera as mesmas oportunidades para todos os membros, independente da questão social e financeira dos países. Assim um país com maior capacidade de desenvolvimento ganhará a mesma oportunidade de um Igualitários Justiça de Oportunidade país de oportunidades limitadas. Quando relativizado os resultados, percebe-se um aumento das assimetrias. Somente apresenta-se como positiva, caso os atores estejam no mesmo patamar de desenvolvimento. Geram oportunidades distintas para os membros, dependendo da questão social e financeira dos países. Assim, um país com maior capacidade de desenvolvimento ganha oportunidades limitadas, face o país com menor capacidade de desenvolvimento. Equitativos Justiça de Resultados Quando analisado os resultados, percebe-se uma redução das discriminações. Somente há um aumento das assimetrias quando a aplicação da verba apresenta melhor aplicação, em termos de custo-benefício, por parte dos países com maior preparo, usualmente os mais desenvolvidos. Fonte: Elaboração própria a partir de Ralws (1971). Portanto, para reduzir as assimetrias dentro de um bloco regional são necessários projetos equitativos que apresentem um maior poder distributivo em favor dos países com menor capacidade de desenvolvimento. Esta distribuição, porém, também deve ser equitativa em termos de “benefícios” para a população menos favorecida. Diante disto, um FOCEM equitativo em termos financeiros, não reduzirá as assimetrias do MERCOSUL, pois os projetos brasileiros concederam maior oportunidade para seus nacionais face aos demais Estados. Para a liderança brasileira se demonstrar benéfica dentro do MERCOSUL, ela deve assumir os custos de projetos que pouco lhe auxilie em termos de desenvolvimento social. No 7 próximo tópico é abordada a questão técnica da aplicabilidade do modelo de análise dos mecanismos distributivos, e posteriormente aplicação aos projetos do FOCEM. 3 ANÁLISES DE MECANISMOS DISTRIBUTIVOS Os modelos de análises dos mecanismos distributivos são utilizados para verificar possíveis efeitos de uma ação sobre dada sociedade. Eles possibilitam verificar se um projeto, em termos específicos, gera somente desenvolvimento econômico ou também desenvolvimento social. Este método também pode ser utilizado para análise de assimetrias, pois de acordo com Alcides Vaz (2012), a natureza distributiva tem vinculos com assimetrias economicas e sociais. . De acordo com o manual de análise de custos e benefícios do FEDER (COMISSÃO EUROPEIA, 2003, p. 135-136), 3 existem dois métodos para se avaliar os impactos distributivos: a aplicação do índice de GINI; e a análise multicritério. O índice de GINI é popular nos estudos sobre distribuição de renda, bemestar social, pobreza e desenvolvimento econômico (NISHI, 2010, p. 02). O seu caráter multidisciplinar permite a utilização deste índice também para os demais estudos sobre distribuição. Assim pode ser utilizado para a distribuição dos recursos do FOCEM e dos desenvolvimentos sociais propostos, verificando também a tendência simétrica advinda dos projetos deste fundo. Ele consiste em utilizar a “Curva de Lorenz” 4 para calcular a razão entre área de concentração e área de perfeita desigualdade (NISHI, 2010, p. 04). A área de concentração trata-se da área criada pela Curva de Lorenz, em relação à linha de igualdade perfeita e a área da desigualdade total seria o cenário em que somente um ator detém o monopólio de todos os recursos. Para aplicar este índice na realidade do FOCEM deve-se utilizar no lugar da variável renda, alguma variável na área do projeto em questão, por exemplo, projetos econômicos pode se utilizar o Produto Interno Bruto (PIB), já no campo social pode se utilizar o nível de atendimento em programa social ou escolaridade. 3 FEDER é a sigla que designa o Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional destinado a redução das assimetrias da União Européia. 4 É a curva que mostra a variação de renda em função da população (NISHI, 2010, p. 03). 8 Além disto, dependendo do projeto, a variável população também deverá ser alterada de acordo com o objetivo do projeto, ou seja, caso o objetivo seja aumentar as vias de escoamento de produção, deve-se olhar a quantidade de rodovias. Por sua vez, a análise multicritério é utilizada para comparar alternativas, políticas e cursos de ação, identificando impactos, além de ações eficazes e de ações que devem ser modificadas (FERNANDES, 1996 apud BOAS, 2006, p. 06). Embora não tenha como função principal analisar mecanismos de distribuição, o manual do FEDER (COMISSÃO EUROPEIA, 2003, p. 135) sugere esta metodologia como também indicada para estes fins. Assim, esse modelo possibilita quantificar quem recebe maior parte dos recursos distribuídos em uma região. Em termos de linhas gerais, essa análise é composta por seis etapas (SOARES, 2003 apud BOAS, 2006, p. 08-09): identificação do problema; identificação de um conjunto de ações potenciais; elaboração de critérios; avaliação de critérios; determinação de peso dos critérios; e agregação de critérios. Identificar o problema possibilita saber sobre a área dos projetos (BOAS, 2006, p. 08). Isto referencia as escolhas de critérios. Além disto, um modelo de análise utilizado para um projeto de meio ambiente apresentará variáveis distintas de um projeto militar, assim esse exercício adéqua às diversas particularidades de cada setor. Feito isto, passa-se para a identificação do conjunto de ações potenciais. Em um terceiro momento serão elaborados os critérios utilizados para verificar os efeitos dos projetos, políticas e conjuntos de ações apontadas no procedimento anterior. Depois é realizada a avaliação dos critérios elaborados. Esta ocorre por meio de uma tabela de desempenho, contendo os projetos e ações nas linhas da tabela e os critérios nas colunas (BOAS, 2006, p. 09). Por fim realiza a agregação dos critérios, permitindo um julgamento ao comparar cada ação. No caso específico deste artigo os projetos são os programas do MERCOSUL e as linhas de ações de cada um, em especial os com objetivos de reduzir as assimetrias. A dificuldade deste método surge na determinação de critérios, não pela sua complexidade, mas pela subjetividade, pois como visto, são os critérios nos quais o pesquisador considera prioridade para redução das assimetrias na região do MERCOSUL. 9 Entre esses dois métodos, levando em consideração as características de cada um deles, conclui-se o método multicritério como o mais apropriado aos objetivos apresentados na introdução deste estudo. Três motivos nos levam a tal conclusão, o índice GINI é apropriado para utilização em situações em que uma das variáveis é “população”, sendo de complexa utilização com demais variáveis. O segundo motivo seria a necessidade de padrão das variáveis ao comparar os resultados obtidos pelo índice GINI. Por último, a ausência de dados estatísticos do programa do FOCEM e da realidade do MERCOSUL para aplicação no modelo GINI. Por último, a possibilidade de quantificar variáveis qualitativas, torna a avaliação multicritério atraente para este estudo. Diante disto, o próximo tópico se ocupa em realizar a estruturação e adaptação da análise multicritério. 4 AVALIAÇÃO DOS PROJETOS DO FOCEM A análise multicritério, embora apropriada, requer ainda adaptações para o seu uso nas Relações Internacionais, em especial no estudo das assimetrias regionais. Compreendendo as regras anteriormente descritas desta metodologia, parte-se neste instante para a etapa de estruturação do modelo. Este tópico realiza esta tarefa. O objetivo do FOCEM, como já supracitado, é a redução das assimetrias, realizada por meio de seus programas. De acordo com Bittarello & Morgado (2009, p. 02), o FOCEM começou a concretizar-se em 2004 e herdou os aspectos políticos dos fundos europeus, que também foram criados para reduzir as assimetrias: [O FOCEM] tem por finalidade o aprofundamento do processo de integração regional no Cone Sul, por meio da redução destas assimetrias, do incentivo à competitividade e do estímulo à coesão social entre os países-membros do bloco. O conceito de fundos estruturais está então intimamente ligado com a integração regional: trata-se de um instrumento estrutural que ajuda os estados-membros de um processo de integração a reduzir as disparidades sociais e econômicas, estabilizando a economia regional. (BITTARELLO & MORGADO, 2009, p. 02). O aumento destas assimetrias dentro do MERCOSUL gera impacto não somente na estabilidade da economia regional, como visto na citação acima, como também para as negociações, conforme aponta Alcidez Vaz e Marcos Figueira (2006). 10 Para tal redução, o FOCEM dispõe de quatro programas, nos quais os projetos são alocados (MERCOSUL, 2005): QUADRO 2 - Programas do FOCEM DESCRIÇÃO Contribui para o desenvolvimento e ajuste estrutural das economias menores e regiões menos desenvolvidas. Ex.: Desenvolvimento modernização e recuperação de vias de transporte modal e I estrutural multimodal; distribuição de combustíveis fósseis e biocombustíveis; geração, transporte e distribuição de energia elétrica; saneamento ambiental e de macrodrenagem. Contribui à competitividade no âmbito do MERCOSUL, assim como a pesquisa e desenvolvimento de novos produtos e Ganhos de II processos produtivos. Ex.: crescimento e associativismo das Competitividade pequenas e médias empresas; Geração de conhecimentos tecnológicos. Contribui para o desenvolvimento social e poderão incluir projetos de interesse comunitário em áreas da saúde humana, Desenvolvimento da redução da pobreza e do desemprego. Ex.: implementação III Social de unidades de serviço de atenção básica à saúde; melhoria da capacidade hospitalar; ensino fundamental, educação de jovens e adultos e ensino profissionalizante. Visa à melhora da estrutura institucional do MERCOSUL e a Reforço IV seu eventual desenvolvimento. Ex.: aumento da eficiência das Institucional próprias instituições do bloco. Fonte: Elaboração própria a partir de MERCOSUL (2005); Bittarello & Morgado (2009). PROGRAMA OBJETIVO Os projetos do FOCEM são enquadrados dentro de cada um destes programas. Devido à variedade de cada um destes programas, é necessário utilizar critérios universais de avaliação. O primeiro deles que pode ser aplicado em qualquer projeto do FOCEM é a variável “Equidade”, conceituada anteriormente. Dentro do contexto da análise, um projeto equitativo é aquele em que o valor financiado pelo FOCEM está inversamente relacionado com a posição de cada um dos membros em termos de desenvolvimento. Assim, se o Brasil é o mais desenvolvido (CIA, 2013), ele deve usufruir da menor cota dos financiamentos, enquanto o Paraguai, de menor desenvolvimento (CIA, 2013), deve usufruir de maior parte das verbas. O segundo critério é o indicador de tipo de liberdade que o projeto desenvolve. De acordo com Amartya Sen (2010, p. 195) existem dois tipos de liberdade: construtiva e instrumental. A primeira diz respeito ao desenvolvimento representado pelo crescimento econômico. O segundo é representado por aumento do acesso, por parte dos habitantes de uma região, de bens e serviços. Para realizar a análise dos projetos, é necessária a quantificação destes dois dados, portanto, 11 atribui-se valor 10 para a “liberdade construtiva”, enquanto a “liberdade instrumental” 20 e quando o projeto gera os dois, consequentemente gera 30. Essa escala ocorre para evitar a redução de assimetrias aparentes, pois nem sempre divisas é sinônimo de estruturas e serviços adequados para o cidadão. A terceira variável é a “interdependência”. De acordo com Bouzas (2009, p. 02), por gerar um laço de dependência entre os atores, uma ação com características de interdependência pode desencadear um efeito spill-over, ou seja, um efeito cascata. Apesar de este autor associar o conceito à balança de comércio exterior, no caso das relações simétricas nas integrações regionais, este conceito está associado à capacidade de um projeto envolver atores terceiros, aumentando a integração entre eles e a dependência. Assim programas unilaterais, tanto no efeito quanto na execução, recebem pontuação -5, enquanto outro que gera “interdependência” recebe pontuação 10. Desta forma, os critérios de avaliação podem ser resumidos da seguinte forma: QUADRO 3 – Critérios para Avaliações de Simetrias em Projetos VARIÁVEL PONTUAÇÃO Aponta a porcentagem de verbas do FOCEM utilizadas por um dado país. Se a porcentagem reflete inversamente o cenário de distribuição Equidade de desenvolvimento dentro do MERCOSUL, mais equitativo será dado ano, quanto mais diretamente proporcional for, menor a equidade. A liberdade é promovida pelo aumento de desenvolvimento, este pode apresentar duas características: instrumental, quando promove somente Tipo de Liberdade a questão social; e construtiva, quando promove a questão econômica. O desenvolvimento real gera pontuação de 10, o desenvolvimento instrumental de 20, quando aplicado os dois gera 30 pontos. Quando não há gera pontuação negativa de -10, quando há a pontuação Interdependência é positiva: 10. Fonte: Elaboração própria a partir de Rawls (1971); Sen (2010); Bouzas (2009). Esses três critérios nos possibilitam saber se um projeto tem uma tendência simétrica baixa, neutra ou alta. Se ele gera mais liberdades do que outro programa, ou seja, se gera acesso da população aos bens e benefícios. E por fim, permite compreender se gera mais integração do que outro. Após avaliar os projetos do FOCEM por meio desses critérios, o resultado pode ser resumido em duas tabelas, uma geral e outra sobre evolução histórica dos projetos: 12 TABELA 1: Tendências Simétricas dos Projetos do FOCEM – Série Histórica (2007-2012) PORCENTAGEM DE GASTOS DO FOCEM POR MEMBROS 2007 2008 2009 2010 2011 2012 Argentina 0 0 0 5,03 0 0 Brasil Paraguai 0 69,08 0 100 0 0 8,59 73,63 7,81 0 0 33,04 Uruguai 14,68 0 0 12,74 92,19 66,96 NÍVEL LIBERDADE GERADO PELOS PROJETOS 2007 2008 2009 2010 2011 2012 Argentina 0 0 0 90 0 0 Brasil 0 0 0 60 20 0 Paraguai 120 190 0 50 0 30 Uruguai 140 0 0 10 20 10 NÍVEL DE COOPERAÇÃO 2007 2008 2009 2010 2011 2012 0 0 0 -5 0 0 Argentina Brasil 0 0 0 25 -5 0 Paraguai -30 -35 0 -15 0 -5 Uruguai -15 0 0 10 5 -5 Fonte: Elaboração própria a partir de FOCEM (2013). TABELA 2: Balanço Geral dos Projetos do FOCEM por Membro Argentina Brasil Paraguai Uruguai TOTAL Recursos (Milhões de USD) 32,8 60,5 632,4 232,2 958,1 Participação (%) 3,43 6,32 66,01 24,24 100,00 Projetos 4 5 17 10 36 Programa I 1 2 10 5 18 Programa II 1 2 4 2 9 Programa III 2 1 3 3 9 Fonte: Elaboração própria a partir de FOCEM (2013). Finalizando, a primeira tabela demonstra os resultados da análise multicritério, ela é composta de progressões históricas sobre cada uma das variáveis mencionadas anteriormente. Já a segunda realiza um balancete geral sobre os recursos do fundo utilizado pelos países membros e a porcentagem de uso destes recursos, além da quantidade de projetos, tanto gerais, como por programa. 13 5 CONCLUSÃO Após submissão dos projetos do FOCEM ao modelo de análise multicritério, os resultados encontrados demonstram uma distribuição condizente com o desenvolvimento dos Estados. Entretanto, o estudo também demonstrou problemas com a aplicação desta distribuição. Foi detectada nos projetos do FOCEM uma tendência unilateral na realização dos projetos; ausência de uma Política de Estado associado às iniciativas do FOCEM; ineficiência na produção de “liberdades” há limitadas iniciativas geradoras de cooperação; e aplicação limitada de projetos estruturais. Ao analisar o orçamento dos projetos do FOCEM, confirma-se a utilização do principio da Equidade. De acordo com os documentos analisados, os países com menor desenvolvimento são os que menos contribuem para o fundo, porém são os que mais recebem característica de equidade positiva. Além disto, durante três anos, ou seja, até 2010, o fundo foi utilizado unicamente por esses membros menos desenvolvidos e pelo próprio arranjo multilateral. Entretanto, algumas considerações necessitam ser feitas. No que diz respeito ao institucionalismo histórico, o FOCEM continua a perseguir seu objetivo inicial: promover a convergência estrutural; desenvolver competitividade; e promover coesão social. Porém vale ressaltar a necessidade de mais esforços para o fortalecimento do sistema de integração. Isto porque, se observar as tendências simétricas dos projetos do FOCEM, percebe-se uma predominância de iniciativas de execução unilateral por parte dos Estados. Nota-se também um foco unilateral nas destinações destes projetos, pois poucos se destinam a realizações multilaterais, os demais focam questões locais dos membros. Ainda na questão da multilateral e unilateral. O único ano que houve uma predominância destes projetos foi em 2009, porém pelo fato de não haver iniciativas unilaterais neste ano em questão. O motivo desta ausência de projetos é a crise de 2008, provocando uma economia de verbas pelo fundo e o foco no fortalecimento da instituição, visando à redução de impactos da crise. Sendo assim as iniciativas do FOCEM não apresentam características de cooperação, salvo exceção do Brasil no ano 2010, e do Uruguai no ano de 2009 e 2010. 14 O unilateralismo do FOCEM também é notório no âmbito do programa II, Ganhos de Competitividade, porque eles focam criações ou fortalecimento de polos industriais e tecnológicos de âmbito nacional. Embora também destinado à exportação, esses polos não são ideais para a redução das assimetrias, pois gera competitividade entre os próprios membros do MERCOSUL, assim um projeto usa de esforços contra outro também do FOCEM. O ideal seria projetos para construção de polo industrial regional, por exemplo, um polo regional de linha branca no Brasil, ou um polo regional automotivo na Argentina, ou seja, utilizar das vantagens comparativas para gerar competitividade em âmbito internacional. Convergindo as verbas dos projetos desses ambitos para um projeto único, o MERCOSUL ganharia em competitividade, qualidade e eficiência, pois utilizaria critérios logísticos para instalações desses polos. Essa tendência de unilateralismo poderia ser benéfica caso os recursos fossem utilizados de forma continua e de acordo com uma política de Estado. Entretanto, foi notada no estudo uma utilização descontinua dos recursos, por exemplo, o Paraguai investiu 69% dos recursos no primeiro ano e 100% no segundo, porém no terceiro não investiu nada, retomando um investimento de 73% em 2010, reduzindo para zero novamente em 2011 e aumentando para 33% no ano seguinte. Infere-se uma destinação das verbas não condizente com uma Política de Estado ou meta dos países, mas conforme o surgimento de projetos nos órgãos responsáveis pelo FOCEM. Além disto, a premissa apontada por Wilson Almeida (2003), descrita na introdução deste estudo, continua constante no bloco, pois a maioria dos projetos tem como objetivo região com maior condição técnica do que as periféricas, causando assimetrias também entre os subnacionais de um ator. Essa insuficiência também é notória quando verificamos o nível de “liberdades” geradas pelos projetos. Embora a maior parte da verba tenha sido utilizada pelos pelo Paraguai e Uruguai, percebe-se pouca produção de “liberdade” por parte destes, ou seja, muitas vezes os benefícios projetados somente são de caráter de desenvolvimento econômico, deixando de lado a esfera social. Melhor compreensão desta conclusão quando observado os dados de 2010, em que o Brasil e a Argentina, com apenas 13,62% do orçamento projetaram mais do que o dobro de desenvolvimento proposto por Paraguai e Uruguai, detentores do resto do orçamento. 15 Por fim, o crescimento das assimetrias entre o Brasil e seus vizinhos do MERCOSUL, em termos de FOCEM, pode se dar por uma maior eficiência na aplicação dos recursos por parte do Brasil face aos demais. Em termos de liberdade, o Brasil apresenta relativa facilidade para aplicação de projetos sociais, visto seu avanço estrutural. A liderança brasileira, assim, deveria criar projetos para favorecer os demais países, em especial o Paraguai e Uruguai. Uma solução possível a estas questões levantadas seria a criação de uma comissão de convergência política para os projetos do FOCEM, fomentando o fator integração e cooperação nas suas elaborações. Impactos del FOCEM en las asimetrías en el MERCOSUR: análisis criterio múltiples de los medios de distribución. Resumen: Diseñado para reducir las desigualdades en América del Sur, MERCOSUR ha mostrado un aumento de las diferencias económicas y sociales de sus miembros. El objetivo de este trabajo es analizar en qué medida las acciones del Fondo de Convergencia Estructura del MERCOSUR (FOCEM), con el objetivo de reducir las asimetrías, generan una distribución equitativa en el bloque. Para esto, utilizamos el análisis de criterios múltiples para evaluar los proyectos y sus impactos en el FOCEM, tomando como referencia tres variables: la equidad, el desarrollo de la libertad, y el nivel de cooperación. Al final de este artículo hay una distribución equitativa percibida de los recursos de este fondo, pero una ineficiencia en el desarrollo de las libertades sociales, y una tendencia al unilateralismo en la preparación y ejecución de proyectos. Por último, el crecimiento de las asimetrías entre Brasil y sus vecinos del MERCOSUR en términos de FOCEM se debe a un uso más eficiente de los recursos por parte de Brasil contra el otro. Palavras-chave: MERCOSUR. Asimetrías. FOCEM. Análisis Criterio Múltiples. REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALMEIDA, Wilson. Mercosul: Efeitos da integração assimétrica. Goiânia: Editora e Espaço de Cultura Brasileira, 2003. BALASSA, Bela. Teoria da integração econômica. Lisboa: Livraria Clássica Editora, 1961. BAUMANN, Renato. The BRICS and their neighbors: Issues to be considered in the design of the BRICS Development Bank. In: Apresentação na Embaixada da África do Sul, Brasília, 2012. BITTARELLO, L.; MORGADO, L. F. Assimetrias de mercado e o papel do FOCEM na consolidação do MERCOSUL: A procura de um novo paradigma de 16 desenvolvimento. Observatoire Politique de l’Amérique latine et des Caraïbes. [S.I.]: Sciences Po, 2010. BRANT, Leonardo Nemer Caldeira (org). 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