Educação Pública nas Metrópoles Brasileiras impasses e novos desenlaces UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO Reitor Vice-reitor João Grandino Rodas Hélio Nogueira da Cruz EDITORA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO Diretor-presidente Presidente Vice-presidente Diretora Editorial Editora-assistente Plínio Martins Filho COMISSÃO EDITORIAL Rubens Ricupero Carlos Alberto Barbosa Dantas Chester Luiz Galvão Cesar Ivan Gilberto Sandoval Falleiros Mary Macedo de Camargo Neves Lafer Sedi Hirano Cristiane Silvestrin Carla Fernanda Fontana Educação Pública nas Metrópoles Brasileiras impasses e novos desenlaces Mônica G. T. do Amaral Maria Cecília Cortez C. de Souza (orgs.) ©2011 Mônica G. T. do Amaral e Maria Cecília Cortez C. de Souza Direitos desta edição reservados à Paco Editorial. Nenhuma parte desta obra pode ser apropriada e estocada em sistema de banco de dados ou processo similar, em qualquer forma ou meio, seja eletrônico, de fotocópia, gravação, etc., sem a permissão da editora e/ou autor. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Educação pública nas metrópoles brasileiras: impasses e novos desenlaces / Mônica G. T. do Amaral, Maria Cecília Cortez C. de Souza, orgs. – Jundiaí, SP: Paco Editorial; São Paulo: Edusp, 2011. 320 p. Inclui bibliografia. Vários autores. ISBN: 978-85-314-1325-4 1. Avaliação educacional 2. Educação e Estado 3. Escolas públicas 4. Política e educação I. Amaral, Mônica G. T. do. II. Souza, Maria Cecília Cortez C. de. 11-12766 CDD: 379.81 Índices para catálogo sistemático: 1. Brasil : Educação pública 2. Brasil : Estado e Educação 379.81 379.81 Paco Editorial Rua 23 de Maio, 542 - Piso Superior Vianelo - Jundiaí-SP - 13207-070 11 4521-6315 | 2449-0740 www.editorialpaco.com.br [email protected] Este livro foi editado em parceria com: Edusp – Editora da Universidade de São Paulo Av. Corifeu de Azevedo Marques, 1975, térreo 05581-001 – Butantã – São Paulo – SP – Brasil Divisão Comercial: Tel. (11) 3091-4008 / 3091-4150 SAC (11) 3091-2911 - Fax (11) 3091-4151 www.edusp.com.br – e-mail: [email protected] Printed in Brazil 2011 Foi feito o depósito legal Sumário Prefácio................................................................................................................7 Apresentação...................................................................................................... 9 PARTE 1: Limites e possibilidades da formação docente: da pseudocultura à formação do professor pesquisador 1. Limites da formação: pensando políticas de avaliação no Brasil Paula Nascimento da Silva............................................................................23 2. As práticas socializadoras e a escola pública Ana Celina Aquino Vasconcellos.......................................................41 3. Educação inclusiva: de que se queixam os professores de escola pública? Cláudia Prioste..................................................................................71 4. A trama e a urdidura do trabalho do professor-pesquisador em sala de aula Mônica G. T. do Amaral.....................................................................95 PARTE 2: Juventude, consumismo e preconceito: da educação crítica ao interculturalismo na escola 5. Juventude, consumismo e preconceito Maria Cecília Cortez C. de Souza e Paula Nascimento da Silva........125 6. A educação crítica frente aos apelos de consumo da indústria cultural: da “alfabetização para a publicidade” ao “fortalecimento do eu Paula Theophilo de Saboia..............................................................143 7. O jovem militante do movimento hip hop e agente de prevenção no combate às DST/AIDS Teresa Cristina Lara de Moraes..............................................................175 8. Discriminação e preconceito: a sombra do “olhar branco” sobre o “olhar para si” dos alunos indígenas Pankararu na escola pública Edson Yukio Nakashima..........................................................................203 PARTE 3: Formas de contestação urbana nas metrópoles: identidade, arte e política..........................................229 9. Entre a “mesmidade” e a metamorfose – a constituição da identidade de jovens professoras na contemporaneidade Tatiana Karinya Rodrigues..............................................................231 10. Hibridismos culturais “glocais” do hip hop Maíra Soares Ferreira......................................................................259 11. A estética transgressora do rap e do funk: em direção à reversão dialética da educação pública nas metrópoles brasileiras Mônica G. T. do Amaral...................................................................279 12. Permanências e inovações na cultura escolar brasileira Maria Cecília Cortez C. de Souza.....................................................301 Prefácio Realismo e esperança Olhar para a escola pública brasileira, em todos os seus aspectos dilacerantes, pode nos dar a sensação de nos transformarmos em súbitas pedras, a entrar em paralisia por não encontrar saídas imediatas para mudar a sua situação. Pois a escola ainda é o bem maior que temos na vida e, se levada a sério, é um local notável que media nossa relação com a cultura humana, a porta de ingresso no mundo do espírito. Daí a indignação e o sofrimento de ver a casa em ruínas, abandonada à sua própria sorte. Se, entretanto, quisermos ler com propriedade Educação pública nas metrópoles brasileiras: impasses e novos desenlaces, organizado pelas pesquisadoras e coautoras Mônica do Amaral e Maria Cecília Cortez de Souza, devemos nos preparar para o impacto de sua novidade. As escolas públicas da periferia são notáveis pelas precariedades, mas nem sempre nos damos conta de certa riqueza artística nas mãos de seus alunos. Ela porta consigo uma estética da transgressão atravessando músicas de protesto, poesias com alto teor rítmico, danças, malabarismos e requebros nada convencionais. Que não entram em compasso, é evidente, com o currículo oficial, mas estão lá, na vivência dos alunos. Num rico bairro da cidade de São Paulo, as pesquisadoras foram encontrar uma escola pública ali encravada para atender a uma população pobre e favelada, extremamente diversificada quanto às suas origens étnicas, atraída como mão de obra para a construção do Estádio do Morumbi nos anos 50. Os pesquisadores ouviram os jovens, atuaram junto a eles, prestaram a atenção nas suas músicas de protesto com ritmos vindos de tradições culturais híbridas, ligadas ao movimento internacional do hip hop, aos cancioneiros populares nordestinos e às culturas negra e indígena brasileiras. Mônica G. T. do Amaral e Maria Cecília Cortez C. de Souza (orgs.) E foram urdindo a trama de seus artigos com um delicado toque de beleza a revelar o seu carinho pelos alunos da escola pública. O leitor se vê entre a desolação pelos aspectos tristes da situação finamente capturada e a alegria de perceber que algo pode ser feito e foi feito num curto espaço de tempo, pois que a pesquisa realizou uma ação política a favor dos alunos, de sua criatividade artística não reconhecida, de seus anseios e afirmações realistas sobre o que a sociedade brasileira lhes reserva. Realismo e esperança, em resumo: os jovens são muito jovens ainda, podem sonhar e também celebrar, com humor e picardia, os seus protestos ritmados em prosa e verso. Iray Carone Professora do Programa de Pós-Graduação do Instituto de Psicologia da USP. 8 Apresentação Esta coletânea caminha na contramão das tendências fluidas e pouco sedimentadas das relações humanas e da cultura contemporânea, principalmente no campo da educação, uma vez que se propõe a levar a sério o sentido da publicação dos trabalhos de pesquisa acadêmica. A liberdade de criar motivos para viver e enfrentar o tédio da vida contemporânea – em que a preocupação pela sobrevivência se coloca como necessidade e interesses opressivos, atingindo não apenas os mais pobres – talvez esteja obstada pelo descaso e desprezo pela cultura e pela educação na sociedade brasileira contemporânea, como observou Olgária Matos. Na direção contrária a essas tendências, este livro é o resultado do esforço coletivo de pesquisadores jovens e pesquisadores experientes, no sentido de se debruçarem sobre a educação pública com um olhar cortante e bem delineado do ponto de vista dos campos teóricos abraçados. Trata-se, também, de refletir uma preocupação com as pesquisas documental e de campo, que, embora tenham resultado em dissertações de mestrado, teses de doutorado, duas livres-docências e um memorial de titulação, não teriam sentido se não fossem devolvidas ao público – afinal, ele é o principal interessado e verdadeiro financiador da pesquisa universitária, sob a forma de trabalhos que resultaram nos artigos desta coletânea. A pesquisa de campo realizada em escola pública, que subsidiou grande parte dos trabalhos aqui apresentados, cujo projeto tinha o título de “Culturas Juvenis X Cultura Escolar: como repensar as noções de tradição e autoridade no âmbito da educação?” (Fapesp, 2006/2008), foi coordenada por uma de nós, a Profa. Mônica do Amaral. Tinha como objetivo analisar o modo com que as noções de autoridade e tradição, tal como concebidas pela cultura escolar, poderiam ser repensadas a partir de possíveis “mutações culturais” promovidas Mônica G. T. do Amaral e Maria Cecília Cortez C. de Souza (orgs.) pelo amplo espectro de culturas juvenis. Nesse sentido, pretendia-se desenvolver um olhar atento, voltado para as formas criativas e de protesto encontradas pelos adolescentes como meio de expressão de suas necessidades emocionais e interesses culturais, que estariam presentes em suas preferências musicais, de dança e outras formas plásticas de expressão artística. Considerou-se, ainda, fundamental investigar, para além do processo de precarização das condições de trabalho do professor, como as novas tendências da cultura, em que prevalecem o vazio e o individualismo exacerbados. Esse vazio e esse individualismo transpareciam no desânimo e na falta de disposição por parte dos professores para repensar sua atuação em sala de aula, impedindo-os, muitas vezes, de visualizar a criatividade presente em suas próprias iniciativas, no sentido de tornar mais viva e significativa a qualidade das relações estabelecidas no cotidiano escolar. Movidos pelo desejo de mobilizar professores, estagiários e alunos em torno de um projeto de melhoria do ensino, de modo a repensar a relação do adolescente com a escola, foi-nos essencial a constituição de uma equipe expressiva de professores (contamos com a participação de doze professores bolsistas), estagiárias da ONG Casulo (em número de três) e de orientandos (participaram desde o início quatro mestrandos e uma doutoranda), mantendo reuniões semanais, cujos estudos e experiência de trabalho docente forneceram-nos chaves de leitura fundamentais para a interpretação do material oriundo das intervenções em salas de aula e questionários aplicados junto aos alunos. A ideia, depois de fazermos um amplo diagnóstico dos problemas da escola, era envolver professores, estagiários e orientandos de mestrado e doutorado, mais diretamente em subprojetos de pesquisa que visassem à melhoria do ensino público. O projeto pretendeu, ainda, promover uma espécie de ampliação do espaço educativo, estendendo o debate à própria comunidade que estava situada no entorno da escola. Para tanto, procuramos articular a pesquisa na escola com as atividades desenvolvidas pela ONG Ca10 Educação Pública nas Metrópoles Brasileiras sulo, com longa experiência de trabalho comunitário dirigido, em especial, à população juvenil – entre 12 e 24 anos – na região (no bairro Real Parque, São Paulo). Depois de obtida uma boa caracterização dos pontos nevrálgicos da escola, da comunidade atendida por ela e das culturas juvenis mais apreciadas pelos alunos, centramos força na realização de quatro oficinas em sala de aula, com a participação de professores pesquisadores, orientandos e coordenadora da pesquisa em torno dos seguintes temas: grupo de culturas brasileiras: culturas negras e sertanejas; grupo de cultura indígena Pankararu; grupo de cultura hip hop; grupo de relações amorosas na adolescência. A partir do trabalho realizado em cada uma dessas oficinas, desenvolvemos estudos e reflexões com alunos e professores que, no final, acabaram resultando em projetos de trabalho interdisciplinares em sala de aula, em torno de temáticas relativas ao multiculturalismo e diversidade étnica, concebendo-os como constitutivos da história do povo brasileiro, cujo debate ficava normalmente restrito ao âmbito universitário, mas que a equipe considerou fundamental que fosse incorporado ao currículo da escola, antecipando-se, de algum modo, à efetivação da própria lei que tornava obrigatório o ensino da cultura afro-brasileira1. As reflexões apresentadas inspiraram-se, em grande parte, neste instigante trabalho de campo realizado em uma escola pública que trazia consigo a história sofrida de diferentes etnias oriundas do Nor1 Cf site de educação do Ministério da Educação: Todas as escolas públicas e particulares da educação básica devem ensinar aos alunos conteúdos relacionados à história e à cultura afro-brasileiras. Desde o início da vigência da Lei nº 10.639, em 2003, a temática afro-brasileira se tornou obrigatória nos currículos do ensino fundamental e médio. Apesar disso, a maioria dos alunos ainda não conhece a contribuição histórico-social dos descendentes de africanos ao país. “A lei não foi implementada de maneira a abarcar todos os alunos e professores. O que há são ações pontuais de iniciativa de movimentos negros, do MEC ou de universidades federais”, informa a coordenadora-geral de diversidade e inclusão social da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad), Leonor de Araújo. 11 Mônica G. T. do Amaral e Maria Cecília Cortez C. de Souza (orgs.) deste que migraram para o Sudeste em busca de trabalho desde os anos 50, mas que, em contrapartida, trouxeram consigo tradições culturais aparentemente díspares, que se mesclaram e hibridaram umas com as outras nas mais diferentes formas. Muitos desses aspectos foram abordados sob diferentes ângulos tanto na tese de livre-docência de uma de nós, a Profa. Mônica do Amaral, quanto nas dissertações de mestrado de Edson, Tatiana e Maíra. Os demais trabalhos, de Paula Sabóia, Teresa Cristina e Ana Celina, embora não dissessem respeito diretamente a esta pesquisa, acabaram dialogando com os trabalhos de reflexão envolvidos nessa intervenção na escola pública. O capítulo escrito por Cláudia Prioste, em que ela trata da educação inclusiva, é um recorte de sua pesquisa de mestrado sobre o tema, orientada pela Profa. Izabel Galvão. Atualmente, Cláudia realiza sua pesquisa de doutorado sob a supervisão da Profa. Mônica Amaral, debruçando-se sobre as relações entre a subjetividade adolescente e a internet no mundo contemporâneo. Contando com bolsa Capes, realiza estágio de doutorado na França. Por sua vez, outra de nós, a Profa. Maria Cecília Cortez Christiano de Souza integrou a reflexão contida neste livro, porque vinha acompanhando o trabalho de pesquisa que o inspirou, algumas vezes participando de bancas, outras vezes das discussões teóricas e metodológicas. Também os cursos que elaborávamos isoladamente, mas que nossos orientandos frequentavam em conjunto, aprofundaram a colaboração. Nessa linha de ideias, resolvemos convidar Paula Nascimento da Silva para publicar aqui seus trabalhos, dada a ligação estreita entre suas pesquisas de mestrado e doutorado (com bolsa Fapesp/Capes/ Santander) e as preocupações centrais desta coletânea. Paula trabalha tanto com as incidências das avaliações nacionais no campo da formação quanto com o consumismo que é imposto como condição de inserção social das classes populares. Os trabalhos apresentados resultaram de recortes teóricos e de campo, os mais variados, de uma realidade complexa como nos pa12 Educação Pública nas Metrópoles Brasileiras rece ser a educação pública neste país, envolvendo uma diversidade de olhares, como, por exemplo, os oriundos da teoria crítica, da psicanálise; ou um olhar antropológico que se articula com a teoria dos campos, de teor psicanalítico; ou ainda uma reflexão histórico-social contemporânea, em que está presente a preocupação com a multiplicidade de interesses culturais dos jovens brasileiros e com as dificuldades enfrentadas por uma cultura escolar defasada no que concerne às exigências relativas à diversidade intelectual, étnica e cultural dos alunos. São artigos que traduzem, também, preocupações com a escassez de espaços alternativos e não escolares em que os jovens possam se apropriar, expressar, desenvolver, cultivar diferentes formas de ver seu presente, depreender outros significados de seu passado e imaginar futuros possíveis para suas vidas. O livro está dividido em três partes: A primeira parte, Limites e possibilidades da formação docente: da pseudocultura à formação do professor pesquisador, compõe-se de quatro trabalhos nos quais são discutidas questões relativas à formação – docente e discente – à luz de autores dos campos filosófico e psicanalítico que, em princípio, pouco têm a ver com a educação, mas que, como veremos, trazem importantes contribuições. Em Limites da formação: pensando políticas de avaliação no Brasil, de Paula Nascimento da Silva, a autora propõe uma interessante e rica discussão a respeito das políticas de avaliação do ensino público adotadas pelo Estado, que estariam muito mais a serviço das tendências neoliberais a enxugar a máquina – passando de executor a avaliador, além de adotar de maneira irrefletida a mentalidade competitiva do setor privado, com ênfase nos resultados – do que propriamente preocupadas com uma formação ampla (Bildung), como Theodor Adorno acreditava devesse ser o objetivo da educação. Deixa claro como os diversos sistemas de avaliação (como o Enem) estão conformando o ensino de tal maneira que se promove o aprofundamento da pseudoformação, para a qual tem contribuído não apenas a indústria cultural, mas a baixa qualidade do ensino. 13 Mônica G. T. do Amaral e Maria Cecília Cortez C. de Souza (orgs.) No artigo As práticas socializadoras e a escola pública, de Ana Celina Aquino Vasconcellos, a autora propõe-se a perscrutar a polifonia do ethos cultural dos alunos de uma escola religiosa da cidade do Rio de Janeiro que se propôs a direcionar seu projeto pedagógico do ensino fundamental para as crianças de baixa renda de duas comunidades vizinhas – as favelas do Vidigal e da Chácara do Céu. Inspirando-se em autores como Pierre Bourdieu, Daniel Thin e ponderando sobre a visão crítica de Maria Helena Souza Patto a respeito das distorções na recepção do pensamento de Bourdieu no Brasil, em particular com relação à ideia de “capital cultural”, procura investigar as condições para o sucesso escolar das classes populares, sem desconsiderar os fundamentos econômicos que sustentam a dominação cultural subjacente a uma determinada concepção de “civilização escolar”, cujos pilares universalizantes encontram-se fortemente enraizados na cultura escolar. No artigo Educação inclusiva: de que se queixam os professores de escola pública?, de Cláudia Prioste, a autora retoma sua pesquisa da dissertação de mestrado e apresenta uma discussão aprofundada sobre os impasses de natureza subjetiva envolvidos no convívio com o diferente, resultando, muitas vezes, em um queixume sem solução no lugar do enfrentamento das dificuldades de implantação de uma política de educação inclusiva. A proposta da autora é pensar sobre as possibilidades de escuta do professor, propiciando-lhe condições para reflexão sobre suas queixas e, assim, implicar-se no processo de mudança para uma educação que seja capaz de acolher as singularidades dos alunos. Trata-se de uma reflexão interessante, que é feita a partir da psicanálise e das reflexões contemporâneas desenvolvidas, por exemplo, por Bauman, destacando o campo de suspeição que se abre com as incertezas de uma “existência líquido-moderna”. Por fim, o artigo A trama e a urdidura do trabalho do professor-pesquisador em sala de aula, de Mônica G. T. do Amaral, aborda uma questão que põe em xeque a validade das propostas de formação con14 Educação Pública nas Metrópoles Brasileiras tinuada ou mesmo de projetos de ensino dirigidos aos professores, implementados pelo Estado, muitas vezes alheios às reais necessidades dos professores em suas múltiplas e variadas experiências nas unidades da rede pública de ensino em São Paulo. Considera fundamental que se constituam, entre o corpo docente, “comunidades interpretativas” (BOAVENTURA Santos, 2006), que, aliadas ao método do “olhar participante” (Canevacci, 2005) em direção à multivocidade dos interesses culturais dos alunos, possam converter o trabalho em sala de aula em pesquisa continuada realizada por professores-pesquisadores de sua própria realidade de trabalho, com toda a complexidade envolvida no ensino público nas metrópoles brasileiras. Uma maneira muito mais eficaz de se promover a melhoria do ensino público, uma vez dotada de substantiva capacidade de formação docente. A segunda parte, Juventude, consumismo e preconceito: da educação crítica ao interculturalismo na escola, envolve artigos cujos objetos de reflexão entrelaçam-se em torno da questão do preconceito e das formas de contestação ou mesmo de afirmação possíveis para os jovens pobres moradores das regiões periféricas das metrópoles brasileiras. Ao mesmo tempo, apontam caminhos para a educação crítica dessas populações tão açodadas pela violência, pela discriminação e pelos apelos ao consumo da indústria cultural, para a qual um projeto de educação pública de cunho emancipatório seria essencial. No artigo de Maria Cecília Cortez Christiano de Souza e Paula Nascimento da Silva, Juventude, consumismo e preconceito, orientadora e orientanda se reúnem para fazer avançar a discussão em torno de uma problemática tratada na dissertação de mestrado desta última. Propõem uma discussão importante sobre as relações perversas que se estabelecem entre o olhar estigmatizante da sociedade brasileira sobre o jovem pobre urbano, a violência que pesa sobre ele e a exigência de uma “boa aparência”. Um imperativo que lhe é imposto para que expresse, desse modo, sua condição de consumidor, praticamente o único modo possível de inserção social para as classes populares, 15