AS BARREIRAS PARA APLICAÇÃO DA ARBITRAGEM, TENDO EM VISTA O PARADIGMA DO PODER JUDICIÁRIO E A COMODIDADE DO PROFISSIONAL DO DIREITO. Andirá Cristina Cassoli Zabin Advogada; Graduada pela Puc/Campinas Pós-graduada em Direito Civil e Processual Civil pela Unimep; Professora Universitária. RESUMO O objetivo do presente artigo é o de tentar demonstrar as barreiras políticas e sociais para a implementação e expansão da Justiça Arbitral no Brasil tendo em vista o tradicionalismo trazido pela Justiça Pública, focando seu poder em paradigmas que não acompanharam a evolução da sociedade, bem como da ausência de espírito inovador e alguns advogados, acomodados com o sistema que lhes é oferecido. INTRODUÇÃO Por mais solidária e pacífica que seja a vida social, conflitos de interesse sempre existirão diante da individualidade que resguarda cada um dos homens, de um lado alguém exigirá uma pretensão a qualquer dos bens da vida em face de outra pessoa que resistirá. Afastando-se da autotutela admitida em períodos rudes da sociedade, por volta do ano 3000 a.C na antiga Babilonia e na Grécia, o homem passou a admitir que terceiros tomassem por si decisões em casos de conflito de interesses1. Texto net Surgiu então o embrião dos meios alternativos de solução de conflitos, a mediação, a conciliação e julgamentos realizados pelo “arbiter”, que era escolhido pelas partes e proferia decisões validas e incontestáveis. Concebeu-se então uma modalidade de Justiça, por alguns chamada de “Justiça Privada” 2, Szklarowsky , Leon Frejda . Uma Nova Visão da Arbitragem. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5468. Acessado em 17 de outubro de 2006. 2 Oppetit, Bruno Apud: PITOMBO, Eleonora M. Bagueira Leal. Relevância do advogado para a arbitragem. Revista 1 realizada sem a interferência estatal, deixando ao poder do árbitro a aplicação da solução mediante a equidade. Foi somente com a expansão do Império Romano que adveio a Justiça Estatal, em estrutura semelhante a dos dias atuais, onde um Juiz, em tese distante das partes passava a impor suas decisões extinguindo os conflitos. Aos poucos, as soluções privadas de conflitos foram esmuecendo-se e a imposição jurisdicional estatal ganhou força, deixando que a arbitragem perdesse força, à tradição e confiança depositada em um Juiz representante de um poder estatal, dito pela lei imparcial que abriu a oportunidade para o indivíduo buscar o Judiciário como meio de socorro para toda e qualquer questão. Até formar-se o caos, o afogamento do Poder Judiciário, acarretando a morosidade dos julgamentos decorrente do acúmulo de casos à espera de uma decisão. Por tal razão, foi necessário voltar os olhos aos antigos meios de solução de conflitos, que hoje em puro paradóxico são tomados como novidades, como é o caso dos meios alternativos de solução de conflitos, tais como as mediações, conciliações e arbitragens. Assim recebidos tais meios como “novidade” jurídica cabe aos novos profissionais do direito se adaptarem a este tipo de Justiça, quebrarem os paradígmas e dógmas, adequando-se as mudanças do mundo jurídico, tarefa árdua diante do tradicionalismo da jurisdição estatal. 1. O PODER DOS JUÍZES E A COMODIDADE DE ADVOGADOS: BARREIRA DA ALTERNATIVIDADE Quando da divisão dos três Poderes, Montesquie vivia uma realidade social distinta da atual, onde se pregava o “Estado Mínimo”, pregando-se a liberdade como primor e refúgio de todos os problemas. Com o passar do tempo e a dinamização da sociedade, o Estado teve de sobressair visando sempre a pacificação social, chamando para si toda e qualquer responsabilidade, principalmente no âmbito do Poder Judiciário, o aplicador das leis. Desde sua concepção, para garantir sua atuação o Poder Judiciário tratou de garantir a seus membros um poder intocável, representado desde a disposição geográfica em um Tribunal ou uma sala de audiências, onde o Magistrado apõe seu assento em um nível mais elevado aos das partes e seus procuradores, até suas vestimentas seculares, mantendo uma relação distante, triangular, do Advogado. São Paulo, Ano XXVI, nº 87. p. 46-51, set. 2006. tentando demonstrar de superioridade. Por tal razão, a concepção popular desenvolveu a crença de se temer ao Magistrado, fazendo do acesso à Justiça uma forma de “ameaça” à parte contrária, pois se amigavelmente a lide não se resolvesse o Juiz decidiria, assim, um direito, tornou-se forma de coação, o que levou ao aumento da procura da solução judicial. Enclausurada em si mesmo, a jurisdição estatal deixou de apreciar a evolução social que se passava, as duas Guerras Mundiais, a criação de organismos internacionais, a revolução industrial, e a evolução tecnológica, chegando em tempos amplamente globalizados, o que acabava por impulsionar novas discussões. Enquanto um mar de modernidade se estendia, o Poder Judiciário se manteve inerte e superior, todavia não contava com o fato de que esta sociedade atual o buscaria para a resolução de seus conflitos. É por tal apego às tradições imobilizantes que a sociedade se vinculou a um Judiciário “antigo”, porém de intenso poder, impondo por sua aparência quase divina certo temor reverêncial aos súditos do Estado, que cegos só se permitem enxergar o Juiz como meio de solução para seus conflitos de interesses. De certo, a distribuição de tal imagem se deve tanto à própria Magistratura, mas também e não em menor parcialidade aos advogados. Acomodados com o meio que lhes é imposto, os profissionais do direito, chamados de combatentes, precursores da defesa das partes, nada fazem para ao menos diluir o “absolutismo” judicial. Infelizmente, após a conquista do diploma de bacharel, alguns advogados deixam em suas gavetas a adaptação tecnológica, a preparação, a instigação de como e melhor auxiliar seu cliente. Saldando as exceções, alguns profissionais do direito se esquivam da atualização, da preocupação com o novo, sentindo-se confortáveis em suas salas, esperando seus clientes, utilizando seus velhos modelos. A importância do advogado para o cliente não se atém somente à capacidade postulatória imposta pelas vias legais, mas também pelo seu dever se antes do Juiz, saber os prós e contras de uma demanda, a possibilidade de resolver problemas mais rapidamente e sem desgastes econômicos ou emocionais, a contribuição intelectual, a demonstração de empreendedorismo e, principalmente, vontade, o que lhe garante não apenas ser imprescindível à Justiça, mas à confiança da parte. Abarrotado, afogado em demandas, atualmente o Judiciário ganhou conotações antes nunca difundidas, como moroso, legalista, formalista, e assim o Poder Público não teve outra saída senão a reforma do estado e a própria reforma jurisdicional. Ao em vez de aperfeiçoamento e aplicação tecnológica no próprio sistema jurídico estatal, preferível o retrocesso, retornando-se as mínguas ao mesmo “Estado mínimo” do século dezoito, o que levou ao resgate dos meios alternativos de solução de conflitos, dentre eles a arbitragem. Hodiernamente, tomada como novidade, a arbitragem ainda é pouco utilizada na pacificação de lides, o que decorre da própria concepção socorrista de que só o Juiz em sua “divindade” pode salvar. Além do “efeito vinculante” da própria Magistratura, a repúdia ao inovador tomada por alguns advogados, acaba por impedir a expansão da utilização dos meios alternativos de solução de conflitos, o que deve ser modificado. 2. MEDIAÇÃO, CONCILIAÇÃO E ARBITRAGEM A conciliação, a mediação e a arbitragem são meios alternativos de resolução de litígios postos à disposição das partes que possuem o direito de escolher o sistema de decisão assim como os próprios julgadores. A conciliação ocorre quando um terceiro ou terceiros (conciliadores) desenvolvem esforços e se empenham, com sugestões e propostas, para o consenso dos interessados diretos em resolver os conflitos. Já a mediação é um diálogo entre duas ou mais partes em conflito, assistidas por um mediador, para que possam chegar a um acordo satisfatório para ambas as partes sem propor qualquer solução, prevalecendo a vontade das partes. Finalmente, a arbitragem, onde o árbitro, ou conjunto de árbitros, substituindo a vontade das partes em divergência, decide a pendência, avaliando situação, as provas, impondo sua posição favorecendo uma ou outra parte. No Brasil a arbitragem teve seu início desde as Ordenações Filipinas e Manuelinas na época da colonização portuguesa, passando pela assinatura da Convenção interamericana sobre Arbitragem Comercial e Internacional (Panamá, 1975), e ainda a Convenção de Nova Iorque, chegando a criação da Lei de Arbitragem, a Lei 9307 de 1996. Segundo esta Lei, as questões levadas à arbitragem são de natureza dispostiva, sendo proibido, ao menos por enquanto, a exposição de questões criminais, ou mesmo civis não patrimoniais3. As partes conflitantes escolhem seus árbitros, ficam sob a responsabilidade destes a 3 “Art. 1º- As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis. “Art. 23 – A sentença arbitral sra proferida no prazo estipulado pelas partes. Nada tendo sido convencionado, o prazo para a presentação da sentença é de seis meses, contado da instituição da abitragem, ou da substtuição do tentativa de mediação ou conciliação, havendo a transação por estes meios o conflito está solucionado, não havendo, as partes se submetem a uma decisão arbitral. A submissão a este tipo de Justiça se faz contratualmente seja pela cláusula previamente pactuada ou termo de compromisso, e o prazo máximo se solução da lide é de 6 meses, sob pena de nulidade do procedimento4. Conforme expõe tal diploma jurídico primeiramente busca-se a conciliação ou mediação para a tentativa de acordo entre as partes, só então se frustrado o acordo, a decisão arbitral se sobressairá e se fará absoluta, indiscutível na esfera judicial, a não ser para declaração de sua nulidade. Por tal razão, mesmo sendo eleito em decorrência da confiança das partes, o árbitro deve agir com imparcialidade, competência, diligência e discrição, garantindo assim o bom andamento da Justiça arbitral. 3. O ADVOGADO E A ARBITRAGEM: ACEITAÇÃO DA INOVAÇÃO NO MUNDO JURÍDICO Talvez o sistema jurídico estatal na ânsia de imposição igualitária de justiça tenha ainda que indiretamente influenciado na comodidade de alguns advogados, que se vêem envoltos da dita tradição, que conhecem desde os bancos da faculdade. A imagem criada pela sociedade do “bom advogado” vem contaminada. As partes buscam mesmo que inconscientemente uma pessoa de certa idade, de vestimenta séria e impecável sentada atrás de uma mesa repleta de livros ultrapassados, já amarelados pelo tempo que outrora eram folheados. A visão, ainda maçante de Juízes e Justiça se prende a homens “incontestáveis” atrás de imponentes mesas de madeira maciça, usando de palavras rebuscadas, segurando a balança e a espada de Têmis em suas mãos. Pura ilusão tradicionalista, basta conviver no meio para observamos em alguns casos a impotência dos Magistrados frente a uma sala tomada de processos, escassez de funcionários, dentre outros problemas burocráticos. Neste mesmo sentido assevera Dalmo de Abreu Dallari: “Assim o Judiciário envelheceu e o que muitos, dentro dele, veneram como tradições não passa de sinais de velhice”. árbitro”. 4 “Art. 4º- A cláusula compromissória é a convenção através da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possa vir a sugir, relativamente a tal contrato.” “Art. 9º – O compromisso arbitral é a convenção através da qual as partes submetem um litígio à arbitragem de uma ou mais pessoas, podendo ser judicial ou extrajudicial.” Na tentativa de desatravancar tais paradigmas certas mudanças legislativas estão tomadas, uma delas foi a regulamentação da arbitragem, pretendendo assim uma solução à estagnação do Judiciário, porém, para que a sociedade a conheça e que tal procedimento ganhe força, cabe ao advogado abrir-se para as exigências mercadológicas de trabalho e aceitar o novo, agindo na busca de conhecimento e flexibilidade5 de adaptação às novidades. Tomando-se os meios alternativos de resolução de litígio como um resgate, absolutamente necessário que o advogado conheça seus critérios para que possa expor com segurança qual o melhor caminho a ser seguido pela parte, se vale a pena a proprosição de uma ação judicial ou a discussão de decisão arbitral. Nos dizeres de Eleonora M. Bagueira Leal Coelho Pitombo: “...cabe salientar, como intróito, não somente a relevância do advogado para a arbitragem, mas também a grande importância da arbitragem para o advogado”.6 Conhecendo o Direito Arbitral, o advogado pode e deve atuar previamente à existência de um problema jurídico, aconselhando ao cliente que além do convencional sistema judicial, existe a arbitragem que pode lhe trazer vantagens. Caso seja escolhido tal tipo de solução de conflitos, em se tratando de questão contratual, cabe ao advogado a implementação da cláusula compromissória, alertando o afastamento do socorro judicial. Ou ainda, se já existente o conflito, deve o advogado ainda expor a possibilidade de arbitragem caso a lide a comporte, e assim se atenha a produção do termo de compromisso arbitral.7 Do mesmo modo que sua participação é essencial à Justiça, o advogado é essencial ao procedimento arbitral, propiciando maior técnica jurídica à defesa das partes, além da fiscalização da atuação dos árbitros. E mais, proferida a sentença arbitral dentro dos limites legais, é papel do advogado impugná-las ou satisfazê-las pela via processual mediante execução, nos moldes dos ditames contidos no Código de Processo Civil. CONCLUSÃO Conforme o exposto, críticas foram levantadas sobre o engessamento tanto do Poder Judiciário, quanto dos meios de atuação de alguns advogados fechados para as inovações jurídicas. 5 DALLARI, Dalmo de abreu. O Poder dos Juízes. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 6. 6 IN: Relevância do advogado para a arbitragem. Revista do Advogado. São Paulo, Ano XXVI, nº 87. p. 46-51, set. 2006. 7 Vide nota 4. Dentro de um Estado paternalista, a fixação de sua exclusiva responsabilidade de solução de conflitos é ainda uma questão cultural, de difícil rompimento, sendo necessária a adaptação social quanto aos meios alternativos de solução de conflitos. Este método de origem remota, volta para a tentativa de desobstrui o judiciário estatal, necessitando para tanto quebrar o paradigma de que o Juiz seria a única fonte de Justiça, e do apoio dos advogados, atentos à novidade. O profissional deve estar bem preparado para alertar seu cliente sobre a melhor solução a ser tomada, sobre as facilidades e vantagens da arbitragem para a defesa de direitos. Não se pretende a abolição do Poder dos Juízes, muitos méritos persistem como o princípio do Juiz Natural, o devido processo legal, o acesso à Justiça, ressaltando a gratuidade aos economicamente desprovidos. A real intensão é a de buscar novos meios para que as partes a melhor forma de solucionar seus conflitos. Assim, sabiamente citava Platão: “que os primeiros juízes sejam aqueles que o demandante e demandado tenham eleito, a que o nome de árbitros convém mais que o de juízes; que o mais sagrado dos tribunais seja aquele em que as partes tenham criado e eleito de comum acordo” BIBLIOGRAFIA CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e Processo. 2ª ED., São Paulo: Atlas, 2004. DALLARI, Dalmo de Abreu. O Poder dos Juízes. São Paulo: Saraiva, 1996. LEMES, Selma. A Lei de Arbitragem a caminho de seus oito anos. Ùltima instância Revista Jurídica, Opinião. no site: http://www.senado.gov.br. PITOMBO, Eleonora M. Bagueira Leal. Relevância do advogado para a arbitragem. Revista do Advogado. São Paulo, Ano XXVI, nº 87. set. 2006. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Vol I. 26ª ed. São Paulo: reista Forense, 1999.