DEFENSE AND SECURITY OF BRAZIL IN SOUTH AMERICA: THE CASE OF
TRIPLE BORDER AREA
Por Márcio Roberto Coelho dos Reis - Mestrando – PPGRI/UERJ
Abstract: The brazilian government has implemented, between 2005 and 2012, a series of
diplomatic initiatives for economic and political integration in South America, by the
Ministry of Foreign Affairs (MRE) as well as various technical-military actions along the
borders, led by National Armed Forces and with the support of the state's police and by the
Federal Police. Both movements contribute to strengthen Brazil's insertion in the region, as
well as enable the execution of the national defense strategy, recently developed under the
Ministry of Defense (MD). The aim is thus a link between the two policies, foreign and
defense policy, aimed at further integration of the shares of the respective ministries. Given
the above, this research aims to study politics for Defence and Security of the brazilian State
in South America. We want to understand, in general, as these two fields are linked, as well as
the limits of institutional action of the State in both fields. Specifically, we will focus our
attention on the actions on the border between Brazil, Argentina and Paraguay, known as the
Triple Border Area, where the high incidence of illegal activities came to classify the region
as dangerous in the context of international security.
Keywords: Brazilian Foreign Policy – Defense – Triple Border Area
I – Introdução
O Estado brasileiro tem implementado, entre 2005 e 2012, uma série de iniciativas
diplomáticas de integração econômica e política na América do Sul, a cargo do Ministério das
Relações Exteriores (MRE), assim como diversas ações técnico-militares ao longo das
fronteiras, comandadas pelas Forças Armadas nacionais e contando com o apoio das polícias
estaduais e da Polícia Federal. Ambos os movimentos contribuem para reforçar a inserção do
Brasil na região, bem como viabilizar a execução da estratégia de defesa nacional,
recentemente elaborada no âmbito do Ministério da Defesa (MD). Busca-se, assim, uma
1
articulação entre as duas políticas, externa e de defesa, visando a uma futura integração das
ações dos respectivos ministérios.
Dentre as regiões fronteiriças abrangidas pelas operações militares destaca-se a divisa
entre Brasil, Argentina e Paraguai, conhecida como Tríplice Fronteira, na qual a grande
incidência de atividades ilícitas chegou a classificar a região como perigosa no âmbito da
segurança internacional. O objetivo deste trabalho, será verificar a relevância das ações de
política externa do Estado Brasileiro sobre a Tríplice Fronteira, no âmbito da segurança e
defesa nacionais. Outrossim, este texto constitui uma reflexão preliminar acerca do tema, no
âmbito de nossa pesquisa, ora em fase final de elaboração do texto dissertativo para a
obtenção do título de Mestre no Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
II – Defesa e Segurança no Brasil e na América Latina
II.1 – Política e Estratégia de Defesa brasileira
Desde 1999, com a criação do Ministério da Defesa, órgão que substitui o antigo
Estado-Maior das Forças Armadas e consolida o controle das autoridades civis sobre os
aparatos materiais, técnicos e burocráticos das três Armas, o Estado brasileiro tem se ocupado
da tentativa de integrar as ações do Exército, Marinha e Aeronáutica no âmbito da defesa,
bem como promover a integração desta à dinâmica da política externa brasileira. Neste
sentido, nos últimos anos foram elaborados os documentos norteadores da política brasileira
recente para a defesa: a Política Nacional de Defesa (PND), instituída pelo decreto nº 5.484,
de 30 de junho de 2005 (atualização da PND publicada em 1996); a Estratégia Nacional de
Defesa (END), decreto nº 6.703, de 18 de dezembro de 2008; e o Livro Branco de Defesa
Nacional, apresentado ao Congresso Nacional pela mensagem presidencial nº 323, de 17 de
julho de 2012.
A Política Nacional de Defesa de 2005 traça as linhas gerais da condução dos
objetivos nacionais em defesa e segurança, tendo como base a análise do contexto
internacional recente e o papel do Brasil no concerto mundial, com especial relevância para o
âmbito regional, da América do Sul. O documento também estabelece os conceitos de
segurança e defesa adotados para a formulação da PND:
2
I – Segurança é a condição que permite ao País preservar sua soberania e integridade
territorial, promover seus interesses nacionais, livre de pressões e ameaças, e garantir aos
cidadãos o exercício de seus direitos e deveres constitucionais;
II – Defesa Nacional é o conjunto de medidas e ações do Estado, com ênfase no campo
militar, para a defesa do território, da soberania e dos interesses nacionais contra ameaças
preponderantemente externas, potenciais ou manifestas. (BRASIL, 2005, p. 2).
Tendo como princípio a complementação e ampliação dos aspectos pontuados pela
PND, a Estratégia Nacional de Defesa visa à articulação entre diversos órgãos do Estado
brasileiro (civis e militares), dos setores produtivos privados e da sociedade civil em prol da
realização dos objetivos expressos pela Política de Defesa. Como destaque, temos a
associação direta entre as estratégias de defesa e desenvolvimento, assim expressadas:
1- Estratégia nacional de defesa é inseparável de estratégia nacional de desenvolvimento. Esta
motiva aquela. Aquela fornece escudo para esta. Cada uma reforça as razões da outra. Em
ambas, se desperta para a nacionalidade e constrói-se a Nação. Defendido, o Brasil terá como
dizer não, quando tiver que dizer não. Terá capacidade para construir seu próprio modelo de
desenvolvimento. (BRASIL, 2008, p. 8).
Para Lima (2010, p. 414), a END é um documento inovador no campo de formulação
estratégica. A autora assinala alguns aspectos considerados relevantes neste contexto:
Em primeiro lugar, sua natureza de documento público aberto ao debate da opinião pública.
(...) a sugestão da formação de uma comunidade de política externa e estratégia, com a
participação de militares, diplomatas e acadêmicos para o intercâmbio de ideias e ações
compartilhadas. (...) Dois outros pontos substantivos também relevantes: a securitização das
questões energéticas e de ciência e tecnologia, num contexto em que a posse de recursos
energéticos e o desenvolvimento de novas tecnologias se tornam dois fatores principais de
competição na geopolítica das nações no século XXI.
A publicação mais recente do conjunto de formulações políticas e estratégicas de
defesa e segurança é o Livro Branco de Defesa Nacional, lançado pelo Ministério da Defesa
em julho de 2012. O Livro Branco “soma-se à Estratégia Nacional de Defesa e à Política
Nacional de Defesa como documento esclarecedor sobre as atividades de defesa do Brasil.”
(Ministro da Defesa Celso Amorim, in BRASIL, 2012, p. 8). Este documento também possui
a finalidade de compartilhar os objetivos de defesa do Estado brasileiro para com os demais
países da América do Sul, como medida de construção de confiança mútua, afastando
3
possíveis inseguranças oriundas da vizinhança continental, em meio ao contexto atual de
expansão do poder e influência do Brasil pelo subcontinente.
A Política, a Estratégia, e o Livro Branco de Defesa Nacional formalizam um dos
objetivos da criação, no governo de Fernando Henrique Cardoso, do Ministério da Defesa: a
articulação entre os comandos das três Forças Armadas na consecução das operações de
defesa, a subordinação plena das mesmas às instituições civis do Estado e à Constituição, e a
maior integração entre as políticas externa e de defesa. No concernente a articulação
operacional, desde a criação do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas (EMCFA), órgão
interno ao MD criado pela Lei complementar nº 136, de 25 de agosto de 2010, são realizadas
operações conjuntas nas áreas de fronteira terrestre (Operações “Ágata”) e nas áreas de
interesse prioritário para a Defesa Nacional (Operações “Amazônia” e “Atlântico”), incluindo
a atuação de diversos outros órgãos federais (ministérios, polícias Federal e Rodoviária
Federal, Receita Federal, etc), das forças policiais estaduais e autoridades municipais das
áreas de abrangência das operações, caracterizando-as como operações de defesa e segurança.
O Plano Estratégico de Fronteiras (decreto nº 7.496, de 8 de junho de 2011) regulamenta a
participação de todos os órgãos listados acima nestas operações, bem como prevê a parceria
com os países vizinhos às fronteiras monitoradas pelas ações conjuntas.
Em se tratando da articulação entre a política externa e a política de defesa, percebe-se
que a diplomacia e a defesa ainda tem um longo caminho a trilhar para atingir um perfil de
política integrada. Alsina Jr (2009, p. 80) elenca quatro fatores que contribuem para explicar a
insuficiência do grau de articulação entre as políticas mencionadas acima: a baixa prioridade
da política de defesa; a ausência de direção política efetiva sobre a política de defesa; o perfil
não confrontacionista da política externa; e a ausência de mecanismos operacionais de
articulação entre as políticas externa e de defesa. O autor também afirma que a disjunção
entre estas políticas pode ter sido ampliada a partir do governo Collor, pois neste período
houve modificações importantes na política externa brasileira, ao contrário do quadro de
continuidade apresentado pela política de defesa (Idem, p. 84).
Lima (2010) também aponta para a existência de rotas paralelas da política externa e
da política de defesa como uma constante na história do país a partir da instauração do regime
republicano. A autora, no entanto, considera que três iniciativas recentes foram importantes
para estabelecer pontes entre as duas políticas: a criação do Ministério da Defesa, no governo
Cardoso (1999), que induziu as três Forças a coordenarem ações em conjunto; e no governo
4
Lula a criação do Conselho de Defesa Sul-Americano (CDS) e a elaboração da Estratégia
Nacional de Defesa. Lima destaca a importância do aparecimento concomitante do CDS (no
âmbito regional sul-americano) e da END (no âmbito do Brasil), “em vista do temor que a
emergência brasileira provoca nos vizinhos, em particular na Argentina.” (pp. 404, 409-410).
II.2 – Panorama de Defesa e Segurança na América do Sul
Os últimos sete anos (2005-2012) testemunharam grandes mudanças políticas e sociais
na América do Sul, desde o estabelecimento de governos de cunho nacionaldesenvolvimentista e base popular1 até a concretização de um amplo processo de integração
política regional. Embora o subcontinente ainda padeça de seus históricos problemas sociais,
houve significativa ascensão das classes de baixa renda e redução dos índices de pobreza, com
especial destaque para o Brasil e a Venezuela.
Constatam-se mudanças também no âmbito da segurança regional, tanto em aspectos
negativos como positivos. Herz (2010, p.332), por exemplo, assinala que desde o final da
Guerra Fria as Américas têm sido a segunda região mais pacífica no planeta, sendo a Europa a
mais pacífica. Além disso, poucos tem sido os conflitos entre Estados na região, sendo que as
últimas guerras foram o conflito entre o Peru e o Equador em 1995 e a Guerra das Malvinas
em 1982. A autora destaca o florescer de uma nova cultura política nas relações entre as
nações do continente, na qual
[...] o multilateralismo, relações baseadas em regras universais e a resolução de contenciosos
pela via legal e pela negociação são práticas positivamente avaliadas no contexto da cultura
política sul-americana.
Na prática, esse novo contexto político regional pode ser observado na aproximação
recente entre países com rivalidade histórica (e contenciosos idem), como no caso das maiores
forças do continente, Brasil e Argentina, que desde a década de 1980 tem aprofundado as
relações de parceria e responsabilidade perante o continente, com a resolução das pendências
1
Os principais governos que se encaixam neste perfil foram/são: Argentina: Néstor Kirchner (2003-2007) e
Cristina Kirchner (2007-2011-2015); Bolívia: Evo Morales (2006-2013); Brasil: Lula da Silva (2003-2010) e
Dilma Rousseff (2011-2014); Chile: Michele Bachelet (2006-2010); Equador: Rafael Correa (2007-2011-2015),
Paraguai: Fernando Lugo (2008-2012); Uruguai: José Mujica (2010-2015); Venezuela: Hugo Chávez (19992013), sucedido por Nicolás Maduro (até 2020).
5
sobre a região da Bacia do Prata (que remontam ao século XIX) e dos acordos sobre o uso de
energia nuclear para fins pacíficos. A Argentina também solucionou divergências territoriais
com o Chile, a questão das ilhas do Canal de Beagle, que por pouco não levou os dois países à
guerra. Há um detalhe curioso deste momento de relativa paz na América do Sul, em relação
aos gastos com defesa. Se por um lado os gastos militares de cada nação em relação ao seu
respectivo Produto Interno Bruto (PIB) são baixos, por outro os países da América do Sul tem
buscado renovar suas Forças Armadas, como ilustram os casos da Venezuela (um dos trinta
maiores compradores de armas do mundo) e do Brasil, atualmente em processo de renovação
da frota de caças de combate aéreo (Herz, 2010, p.332-333). Não há na região o uso de
tecnologia nuclear para fins bélicos, garantia estabelecida pelo Tratado de Tlatelolco (1967) e
a Declaração de Cartagena (1991).
Dentro deste cenário de relativa paz interestatal abre-se espaço para que diversas
questões do âmbito da segurança emerjam e passem a ocupar as agendas dos Estados sulamericanos. Caamaño (2010, p.236) considera alguns fatores primordiais para o aparecimento
destes conflitos, como
[...] a porosidade das fronteiras, a falta de controle sobre as mesmas pelas autoridades
nacionais, o fácil intercâmbio das populações por sua língua em comum, cultura e tradições, a
infiltração de organizações criminosas nas instituições responsáveis pela segurança, etc.
Este autor considera a existência de três tipos de conflitos no continente: as crises
internas (intervenções das Forças Armadas no Estado, ataques à governabilidade democrática,
as desigualdades econômicas e sociais, as crises na integridade territorial); os conflitos
interestatais (a permanência de disputas territoriais e fronteiriças2); as ameaças transnacionais
(o crime organizado, uma certa “cultura do narcotráfico”, o terrorismo, as maras e pandillas,
os grupos guerrilheiros – citando os casos da FARC e ELN na Colômbia (Idem, pp. 236 –
242).
Em que pesem os inconvenientes causados à defesa e segurança continentais pelos
tipos de conflito acima mencionados, dos quais destacamos o terceiro tipo, a integração
2
Caamaño cita: Bolívia e Chile, pelo acesso boliviano ao mar; Argentina e Reino Unido, pela Ilhas Malvinas;
Argentina e Chile, por setores da Antártida; Colômbia e Venezuela, pela questão da fronteira do Golfo da
Venezuela; Chile e Peru, em litígio sobre limites marítimos, Guiana e Venezuela, por posse de território rico em
minérios; Suriname - Guiana Francesa – Guiana, por disputas de fronteira; e por fim, Colômbia e Nicarágua, por
posse de territórios (ilhas) e limites territoriais. (2010, pp. 238-239).
6
política sul-americana nunca esteve tão em voga quanto no contexto atual, num aspecto geral
desde 2004, com a fundação da União de Nações Sul-Americanas (Unasul), e, no que
concerne à defesa e a segurança, do Conselho de Defesa Sul-Americano (CDS). Para além
dos discursos anti-imperialistas que muitas vezes dão o tom dos debates sobre a integração
sul-americana, a existência de fóruns de discussão que tenham como interlocutores as nações
do subcontinente, fora dos auspícios do “Grande Irmão” do norte, é condição indispensável
para a realização de políticas regionais integradas que contribuam para promover a paz e o
desenvolvimento.
III – Um caso em particular: contextualizando a Tríplice Fronteira
Diante das questões ora expostas acerca das ameaças à segurança na América do Sul,
uma região destaca-se das demais, a chamada “Tríplice Fronteira” entre Argentina, Brasil e
Paraguai, a mais notória das nove tríplices fronteiras que o Brasil possui ao longo de seu
território, principalmente por esta interseção possuir três cidades de alguma relevância
econômica e demográfica: Foz do Iguaçu (Brasil), Ciudad Del Este (Paraguai) e Puerto
Iguazú (Argentina). Juntas, estas cidades somam uma população de mais de 500 mil
habitantes. Os marcos divisórios das cidades são os rios Paraná e Iguaçu (que se encontram
nessa região), e são interligadas pelas Pontes da Amizade (Foz – Ciudad) e Tancredo Neves
(Foz – Puerto).
A região começa a ser povoada em fins do século XIX (1888), numa ocupação
simultânea de Brasil e Argentina após a Guerra do Paraguai. Este ponto de encontro foi
considerado estratégico em termos geopolíticos pelos dois governos, mas até a década de
1940 o povoamento foi esparso na região. O acirramento das disputas pela preponderância no
cenário geopolítico sul-americano entre os dois países, a partir dos anos 1950, provoca um
incremento da ocupação e povoamento da Tríplice Fronteira, fenômeno que encontra o seu
auge na década de 1970, época da construção da barragem e da usina hidrelétrica de Itaipu.
Um grande fluxo migratório se firmou na região, não apenas entre brasileiros, argentinos e
paraguaios. Ciudad Del Este e Foz do Iguaçu estavam se tornando, desde o final da década de
1960, um dos principais destinos de imigrantes de origem árabe no Brasil. Estes migravam de
seus países em virtude dos vários conflitos ocorridos no Oriente Médio na segunda metade do
século XX, com destaque para os refugiados da Guerra Civil do Líbano (1975-1990).
7
Estimativas mais recentes – embora não totalmente corretas ou confiáveis – enumeram cerca
de 18.000 imigrantes de origem árabe na região, majoritariamente libaneses, confirmando a
Tríplice Fronteira como a segunda maior comunidade de descendência árabe da América
Latina, abaixo apenas de São Paulo (AMARAL, 2010, p.30).
A Tríplice Fronteira tem figurado no noticiário, nos últimos anos, como área de
intensas atividades terroristas. A partir da resposta do governo norte-americano aos atentados
ocorridos em seu território no dia 11 de setembro de 2001, qual seja o endurecimento da
política externa para com as áreas periféricas do planeta, a Tríplice Fronteira passou a figurar
nos relatórios do Departamento de Estado e de órgãos de inteligência e segurança como área
de extensa e perigosa atividade terrorista, em virtude da já mencionada grande comunidade
árabe que habita a região. Na verdade, é possível localizar no tempo um momento anterior, no
qual a Tríplice Fronteira já era considerada pelas autoridades norte-americanas como uma
área vinculada ao terrorismo internacional. Em 1992, um atentado contra a Embaixada de
Israel em Buenos Aires provocou a morte de 29 pessoas. Apenas dois anos depois, em 1994,
ocorre um novo atentado, dessa vez contra a Asociacíon Mutual Israelita Argentina (AMIA),
no qual um carro-bomba deixou 85 mortos e aproximadamente 300 pessoas feridas. Estes
eventos colocaram a América do Sul no raio das atenções dos Estados Unidos em relação ao
terrorismo internacional. O governo norte-americano, através da atuação de seus órgãos de
inteligência, constrói o discurso que qualifica a Tríplice Fronteira como um foco de grupos
terroristas em pleno Cone Sul. Posteriormente, essa ênfase na presença de células terroristas
diminui, passando a Tríplice Fronteira a ser uma região financiadora de grupos terroristas
atuantes pelo mundo, no discurso estadunidense.
Ao analisar o tema do terrorismo na América do Sul, Mônica Herz (2010, p.333)
considera que
[...] a presença de células terroristas operando na região não tem sido detectada, e as
preocupações com o tema referentes a áreas específicas, como uma de nossas tríplices
fronteiras (Argentina, Brasil, Paraguai), são geradas pela presença de organizações islâmicas
com fins diversos ou pela existência de atividades criminais de outro tipo.
A ausência de evidências concretas de atividades terroristas na região parece não alterar a
posição de Caamaño (2010, p. 241) sobre a questão, na qual o autor acredita que a Tríplice
Fronteira pode estar abrigando sim “extremistas islâmicos capazes de realizar ações
terroristas”. O autor pontua que
8
[...] o débil controle estatal nessa zona facilita todo tipo de atividades ilícitas: tráfico de armas
e drogas, lavagem de dinheiro, contrabando de todo tipo de bens e produtos, etc. O que parece
já estar provado é o apoio financeiro que essas comunidades estão prestando a organizações
extremistas.
Apesar da notoriedade adquirida pela Tríplice Fronteira em relação às supostas
atividades terroristas, nossa pesquisa não tem como objetivo abordar esse debate, a não ser de
maneira contextualizadora. Interessa-nos mais o papel da Tríplice Fronteira a partir da
quantidade de atividades ilícitas registradas na região de Foz do Iguaçu, Ciudad del Este e
Puerto Iguazu, como o contrabando de cigarros e bebidas, falsificação de produtos variados,
tráfico de drogas e armas, entre outros, no âmbito das ações do Estado brasileiro nas áreas de
fronteira. É grande a incidência de operações da Polícia Federal brasileira em Foz do Iguaçu
com o objetivo de combater os crimes transfronteiriços. Com a vigência do Plano Estratégico
de Fronteiras, as operações conjuntas das Forças Armadas e demais órgãos públicos
denominadas “Ágata” (abrangendo a Tríplice Fronteira tivemos as operações Ágata 2 e 5)
ampliam os mecanismos de combate a estes delitos, mesclando-os entre as áreas da segurança
e da defesa.
IV – Considerações Finais
Retomemos, pois, algumas das considerações que permearam este texto no intuito de
elucidar nossa questão inicial: qual a relevância da Tríplice Fronteira Argentina-BrasilParaguai na política externa brasileira, no âmbito da segurança e da defesa?
Nos últimos anos, a partir de 2008, com a publicização da Estratégia Nacional de
Defesa, o Estado brasileiro iniciou um esforço de articulação e integração entre as duas
esferas de sua atuação do campo internacional, a diplomacia e a defesa, expressões distintas
porém complementares da natureza soberana e independente de um Estado-nação moderno.
Através da estrutura recém-montada do Ministério da Defesa (criado em 1999), as três Forças
Armadas abandonariam o seu perfil isolacionista, adotando uma práxis operacional conjunta e
articulada com os objetivos da política externa formulada pelo Ministério das Relações
Exteriores. Mais do que isso, esperava-se que ambos os ministérios, MRE e MD, passassem a
elaborar conjuntamente as políticas externa e de defesa nacional, como um braço único do
desenvolvimento do país.
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Tem-se visto algumas iniciativas neste sentido, como a série de operações conjuntas
das Forças Armadas com diversos órgãos da administração federal, estados e municípios,
consignadas ao Plano Estratégico de Fronteiras. Estas operações tem como objetivo o
combate, em várias frentes, aos ilícitos transnacionais que assolam longas faixas das
fronteiras brasileiras, tendo como zona “preferencial” a Tríplice Fronteira.
Esta, por sua vez, carrega a (má) fama de ser uma região dominada pela criminalidade,
na qual proliferam diversos tipos de delitos, da falsificação ao contrabando e tráfico. Pela
presença maciça de imigrantes de origem árabe (libanesa), especificidade do processo de
povoamento da área, a Tríplice Fronteira tem ainda de carregar o pesado fardo da estreita
vigilância dos órgãos de inteligência norte-americanos, que consideram a região um reduto do
terrorismo internacional em plena América. Os governos brasileiros, ao longo do tempo,
sempre refutaram essa tese.
No atual estágio de formulação da Estratégia Nacional de Defesa, a Tríplice Fronteira
não está entre as zonas estratégicas para a defesa nacional; há muito a Bacia do Prata deixou
de ser uma prioridade de nossa política de defesa, que hoje volta-se para a defesa dos
interesses brasileiros no Atlântico Sul, e na exploração dos recursos de nossas águas
jurisdicionais, área comumente chamada de “Amazônia Azul”, além da região amazônica
“verde”, esta uma prioridade dos militares desde meados do século XX.
Voltando, então, para a nossa questão, o quão relevante a Tríplice Fronteira é diante da
política e dos objetivos da defesa nacional? Sem a mínima pretensão em esgotar o assunto,
proponho uma reflexão. A Política Nacional de Defesa, entre outras considerações, atribui
como uma das funções das Forças Armadas a execução de missões de garantia da lei e da
ordem, nos termos da Constituição. No nosso entender, esta função remonta a uma tradição
difusa de proteção do Estado e das instituições por parte dos militares, o que por vezes se
confundiu com interferência direta no Estado, com consequências já conhecidas.
Do ponto de vista das ações militares, a função expressa tanto na PND, como na END
e no Livro Branco, filiada àquela tradição da qual mencionamos, proporciona às Forças
Armadas a autonomia para agir sob os dois signos operacionais, da defesa e da segurança,
entendendo uma como desdobramento da outra. Assim, as operações realizadas no âmbito do
Plano Estratégico de Fronteiras, tais como as operações Ágata nas fronteiras Centro-Sul
(incluindo a Tríplice Fronteira) tem o caráter de operações de natureza “mista” – defesa e
segurança – nas quais a atuação das Forças Armadas pode confundir-se com a ação de uma
10
força policial padrão, indo de encontro à sua essência enquanto corporação estatal dedicada à
guerra.
Nesse sentido, a Tríplice Fronteira sempre será uma região de relevância na política
externa brasileira, seja no âmbito da segurança interna ou da defesa. A questão que surge para
o prosseguimento da pesquisa é se essa natureza “mista” das operações conjuntas organizadas
pelos Ministérios da Defesa, da Justiça e das Relações Exteriores, de fato contribui para a
realização dos objetivos da Defesa Nacional, expressos nos três documentos norteadores, e
quais os limites da atuação das Forças Armadas nestas mesmas operações.
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12
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