DEFENSE AND SECURITY OF BRAZIL IN SOUTH AMERICA: THE CASE OF TRIPLE BORDER AREA Por Márcio Roberto Coelho dos Reis - Mestrando – PPGRI/UERJ Abstract: The brazilian government has implemented, between 2005 and 2012, a series of diplomatic initiatives for economic and political integration in South America, by the Ministry of Foreign Affairs (MRE) as well as various technical-military actions along the borders, led by National Armed Forces and with the support of the state's police and by the Federal Police. Both movements contribute to strengthen Brazil's insertion in the region, as well as enable the execution of the national defense strategy, recently developed under the Ministry of Defense (MD). The aim is thus a link between the two policies, foreign and defense policy, aimed at further integration of the shares of the respective ministries. Given the above, this research aims to study politics for Defence and Security of the brazilian State in South America. We want to understand, in general, as these two fields are linked, as well as the limits of institutional action of the State in both fields. Specifically, we will focus our attention on the actions on the border between Brazil, Argentina and Paraguay, known as the Triple Border Area, where the high incidence of illegal activities came to classify the region as dangerous in the context of international security. Keywords: Brazilian Foreign Policy – Defense – Triple Border Area I – Introdução O Estado brasileiro tem implementado, entre 2005 e 2012, uma série de iniciativas diplomáticas de integração econômica e política na América do Sul, a cargo do Ministério das Relações Exteriores (MRE), assim como diversas ações técnico-militares ao longo das fronteiras, comandadas pelas Forças Armadas nacionais e contando com o apoio das polícias estaduais e da Polícia Federal. Ambos os movimentos contribuem para reforçar a inserção do Brasil na região, bem como viabilizar a execução da estratégia de defesa nacional, recentemente elaborada no âmbito do Ministério da Defesa (MD). Busca-se, assim, uma 1 articulação entre as duas políticas, externa e de defesa, visando a uma futura integração das ações dos respectivos ministérios. Dentre as regiões fronteiriças abrangidas pelas operações militares destaca-se a divisa entre Brasil, Argentina e Paraguai, conhecida como Tríplice Fronteira, na qual a grande incidência de atividades ilícitas chegou a classificar a região como perigosa no âmbito da segurança internacional. O objetivo deste trabalho, será verificar a relevância das ações de política externa do Estado Brasileiro sobre a Tríplice Fronteira, no âmbito da segurança e defesa nacionais. Outrossim, este texto constitui uma reflexão preliminar acerca do tema, no âmbito de nossa pesquisa, ora em fase final de elaboração do texto dissertativo para a obtenção do título de Mestre no Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. II – Defesa e Segurança no Brasil e na América Latina II.1 – Política e Estratégia de Defesa brasileira Desde 1999, com a criação do Ministério da Defesa, órgão que substitui o antigo Estado-Maior das Forças Armadas e consolida o controle das autoridades civis sobre os aparatos materiais, técnicos e burocráticos das três Armas, o Estado brasileiro tem se ocupado da tentativa de integrar as ações do Exército, Marinha e Aeronáutica no âmbito da defesa, bem como promover a integração desta à dinâmica da política externa brasileira. Neste sentido, nos últimos anos foram elaborados os documentos norteadores da política brasileira recente para a defesa: a Política Nacional de Defesa (PND), instituída pelo decreto nº 5.484, de 30 de junho de 2005 (atualização da PND publicada em 1996); a Estratégia Nacional de Defesa (END), decreto nº 6.703, de 18 de dezembro de 2008; e o Livro Branco de Defesa Nacional, apresentado ao Congresso Nacional pela mensagem presidencial nº 323, de 17 de julho de 2012. A Política Nacional de Defesa de 2005 traça as linhas gerais da condução dos objetivos nacionais em defesa e segurança, tendo como base a análise do contexto internacional recente e o papel do Brasil no concerto mundial, com especial relevância para o âmbito regional, da América do Sul. O documento também estabelece os conceitos de segurança e defesa adotados para a formulação da PND: 2 I – Segurança é a condição que permite ao País preservar sua soberania e integridade territorial, promover seus interesses nacionais, livre de pressões e ameaças, e garantir aos cidadãos o exercício de seus direitos e deveres constitucionais; II – Defesa Nacional é o conjunto de medidas e ações do Estado, com ênfase no campo militar, para a defesa do território, da soberania e dos interesses nacionais contra ameaças preponderantemente externas, potenciais ou manifestas. (BRASIL, 2005, p. 2). Tendo como princípio a complementação e ampliação dos aspectos pontuados pela PND, a Estratégia Nacional de Defesa visa à articulação entre diversos órgãos do Estado brasileiro (civis e militares), dos setores produtivos privados e da sociedade civil em prol da realização dos objetivos expressos pela Política de Defesa. Como destaque, temos a associação direta entre as estratégias de defesa e desenvolvimento, assim expressadas: 1- Estratégia nacional de defesa é inseparável de estratégia nacional de desenvolvimento. Esta motiva aquela. Aquela fornece escudo para esta. Cada uma reforça as razões da outra. Em ambas, se desperta para a nacionalidade e constrói-se a Nação. Defendido, o Brasil terá como dizer não, quando tiver que dizer não. Terá capacidade para construir seu próprio modelo de desenvolvimento. (BRASIL, 2008, p. 8). Para Lima (2010, p. 414), a END é um documento inovador no campo de formulação estratégica. A autora assinala alguns aspectos considerados relevantes neste contexto: Em primeiro lugar, sua natureza de documento público aberto ao debate da opinião pública. (...) a sugestão da formação de uma comunidade de política externa e estratégia, com a participação de militares, diplomatas e acadêmicos para o intercâmbio de ideias e ações compartilhadas. (...) Dois outros pontos substantivos também relevantes: a securitização das questões energéticas e de ciência e tecnologia, num contexto em que a posse de recursos energéticos e o desenvolvimento de novas tecnologias se tornam dois fatores principais de competição na geopolítica das nações no século XXI. A publicação mais recente do conjunto de formulações políticas e estratégicas de defesa e segurança é o Livro Branco de Defesa Nacional, lançado pelo Ministério da Defesa em julho de 2012. O Livro Branco “soma-se à Estratégia Nacional de Defesa e à Política Nacional de Defesa como documento esclarecedor sobre as atividades de defesa do Brasil.” (Ministro da Defesa Celso Amorim, in BRASIL, 2012, p. 8). Este documento também possui a finalidade de compartilhar os objetivos de defesa do Estado brasileiro para com os demais países da América do Sul, como medida de construção de confiança mútua, afastando 3 possíveis inseguranças oriundas da vizinhança continental, em meio ao contexto atual de expansão do poder e influência do Brasil pelo subcontinente. A Política, a Estratégia, e o Livro Branco de Defesa Nacional formalizam um dos objetivos da criação, no governo de Fernando Henrique Cardoso, do Ministério da Defesa: a articulação entre os comandos das três Forças Armadas na consecução das operações de defesa, a subordinação plena das mesmas às instituições civis do Estado e à Constituição, e a maior integração entre as políticas externa e de defesa. No concernente a articulação operacional, desde a criação do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas (EMCFA), órgão interno ao MD criado pela Lei complementar nº 136, de 25 de agosto de 2010, são realizadas operações conjuntas nas áreas de fronteira terrestre (Operações “Ágata”) e nas áreas de interesse prioritário para a Defesa Nacional (Operações “Amazônia” e “Atlântico”), incluindo a atuação de diversos outros órgãos federais (ministérios, polícias Federal e Rodoviária Federal, Receita Federal, etc), das forças policiais estaduais e autoridades municipais das áreas de abrangência das operações, caracterizando-as como operações de defesa e segurança. O Plano Estratégico de Fronteiras (decreto nº 7.496, de 8 de junho de 2011) regulamenta a participação de todos os órgãos listados acima nestas operações, bem como prevê a parceria com os países vizinhos às fronteiras monitoradas pelas ações conjuntas. Em se tratando da articulação entre a política externa e a política de defesa, percebe-se que a diplomacia e a defesa ainda tem um longo caminho a trilhar para atingir um perfil de política integrada. Alsina Jr (2009, p. 80) elenca quatro fatores que contribuem para explicar a insuficiência do grau de articulação entre as políticas mencionadas acima: a baixa prioridade da política de defesa; a ausência de direção política efetiva sobre a política de defesa; o perfil não confrontacionista da política externa; e a ausência de mecanismos operacionais de articulação entre as políticas externa e de defesa. O autor também afirma que a disjunção entre estas políticas pode ter sido ampliada a partir do governo Collor, pois neste período houve modificações importantes na política externa brasileira, ao contrário do quadro de continuidade apresentado pela política de defesa (Idem, p. 84). Lima (2010) também aponta para a existência de rotas paralelas da política externa e da política de defesa como uma constante na história do país a partir da instauração do regime republicano. A autora, no entanto, considera que três iniciativas recentes foram importantes para estabelecer pontes entre as duas políticas: a criação do Ministério da Defesa, no governo Cardoso (1999), que induziu as três Forças a coordenarem ações em conjunto; e no governo 4 Lula a criação do Conselho de Defesa Sul-Americano (CDS) e a elaboração da Estratégia Nacional de Defesa. Lima destaca a importância do aparecimento concomitante do CDS (no âmbito regional sul-americano) e da END (no âmbito do Brasil), “em vista do temor que a emergência brasileira provoca nos vizinhos, em particular na Argentina.” (pp. 404, 409-410). II.2 – Panorama de Defesa e Segurança na América do Sul Os últimos sete anos (2005-2012) testemunharam grandes mudanças políticas e sociais na América do Sul, desde o estabelecimento de governos de cunho nacionaldesenvolvimentista e base popular1 até a concretização de um amplo processo de integração política regional. Embora o subcontinente ainda padeça de seus históricos problemas sociais, houve significativa ascensão das classes de baixa renda e redução dos índices de pobreza, com especial destaque para o Brasil e a Venezuela. Constatam-se mudanças também no âmbito da segurança regional, tanto em aspectos negativos como positivos. Herz (2010, p.332), por exemplo, assinala que desde o final da Guerra Fria as Américas têm sido a segunda região mais pacífica no planeta, sendo a Europa a mais pacífica. Além disso, poucos tem sido os conflitos entre Estados na região, sendo que as últimas guerras foram o conflito entre o Peru e o Equador em 1995 e a Guerra das Malvinas em 1982. A autora destaca o florescer de uma nova cultura política nas relações entre as nações do continente, na qual [...] o multilateralismo, relações baseadas em regras universais e a resolução de contenciosos pela via legal e pela negociação são práticas positivamente avaliadas no contexto da cultura política sul-americana. Na prática, esse novo contexto político regional pode ser observado na aproximação recente entre países com rivalidade histórica (e contenciosos idem), como no caso das maiores forças do continente, Brasil e Argentina, que desde a década de 1980 tem aprofundado as relações de parceria e responsabilidade perante o continente, com a resolução das pendências 1 Os principais governos que se encaixam neste perfil foram/são: Argentina: Néstor Kirchner (2003-2007) e Cristina Kirchner (2007-2011-2015); Bolívia: Evo Morales (2006-2013); Brasil: Lula da Silva (2003-2010) e Dilma Rousseff (2011-2014); Chile: Michele Bachelet (2006-2010); Equador: Rafael Correa (2007-2011-2015), Paraguai: Fernando Lugo (2008-2012); Uruguai: José Mujica (2010-2015); Venezuela: Hugo Chávez (19992013), sucedido por Nicolás Maduro (até 2020). 5 sobre a região da Bacia do Prata (que remontam ao século XIX) e dos acordos sobre o uso de energia nuclear para fins pacíficos. A Argentina também solucionou divergências territoriais com o Chile, a questão das ilhas do Canal de Beagle, que por pouco não levou os dois países à guerra. Há um detalhe curioso deste momento de relativa paz na América do Sul, em relação aos gastos com defesa. Se por um lado os gastos militares de cada nação em relação ao seu respectivo Produto Interno Bruto (PIB) são baixos, por outro os países da América do Sul tem buscado renovar suas Forças Armadas, como ilustram os casos da Venezuela (um dos trinta maiores compradores de armas do mundo) e do Brasil, atualmente em processo de renovação da frota de caças de combate aéreo (Herz, 2010, p.332-333). Não há na região o uso de tecnologia nuclear para fins bélicos, garantia estabelecida pelo Tratado de Tlatelolco (1967) e a Declaração de Cartagena (1991). Dentro deste cenário de relativa paz interestatal abre-se espaço para que diversas questões do âmbito da segurança emerjam e passem a ocupar as agendas dos Estados sulamericanos. Caamaño (2010, p.236) considera alguns fatores primordiais para o aparecimento destes conflitos, como [...] a porosidade das fronteiras, a falta de controle sobre as mesmas pelas autoridades nacionais, o fácil intercâmbio das populações por sua língua em comum, cultura e tradições, a infiltração de organizações criminosas nas instituições responsáveis pela segurança, etc. Este autor considera a existência de três tipos de conflitos no continente: as crises internas (intervenções das Forças Armadas no Estado, ataques à governabilidade democrática, as desigualdades econômicas e sociais, as crises na integridade territorial); os conflitos interestatais (a permanência de disputas territoriais e fronteiriças2); as ameaças transnacionais (o crime organizado, uma certa “cultura do narcotráfico”, o terrorismo, as maras e pandillas, os grupos guerrilheiros – citando os casos da FARC e ELN na Colômbia (Idem, pp. 236 – 242). Em que pesem os inconvenientes causados à defesa e segurança continentais pelos tipos de conflito acima mencionados, dos quais destacamos o terceiro tipo, a integração 2 Caamaño cita: Bolívia e Chile, pelo acesso boliviano ao mar; Argentina e Reino Unido, pela Ilhas Malvinas; Argentina e Chile, por setores da Antártida; Colômbia e Venezuela, pela questão da fronteira do Golfo da Venezuela; Chile e Peru, em litígio sobre limites marítimos, Guiana e Venezuela, por posse de território rico em minérios; Suriname - Guiana Francesa – Guiana, por disputas de fronteira; e por fim, Colômbia e Nicarágua, por posse de territórios (ilhas) e limites territoriais. (2010, pp. 238-239). 6 política sul-americana nunca esteve tão em voga quanto no contexto atual, num aspecto geral desde 2004, com a fundação da União de Nações Sul-Americanas (Unasul), e, no que concerne à defesa e a segurança, do Conselho de Defesa Sul-Americano (CDS). Para além dos discursos anti-imperialistas que muitas vezes dão o tom dos debates sobre a integração sul-americana, a existência de fóruns de discussão que tenham como interlocutores as nações do subcontinente, fora dos auspícios do “Grande Irmão” do norte, é condição indispensável para a realização de políticas regionais integradas que contribuam para promover a paz e o desenvolvimento. III – Um caso em particular: contextualizando a Tríplice Fronteira Diante das questões ora expostas acerca das ameaças à segurança na América do Sul, uma região destaca-se das demais, a chamada “Tríplice Fronteira” entre Argentina, Brasil e Paraguai, a mais notória das nove tríplices fronteiras que o Brasil possui ao longo de seu território, principalmente por esta interseção possuir três cidades de alguma relevância econômica e demográfica: Foz do Iguaçu (Brasil), Ciudad Del Este (Paraguai) e Puerto Iguazú (Argentina). Juntas, estas cidades somam uma população de mais de 500 mil habitantes. Os marcos divisórios das cidades são os rios Paraná e Iguaçu (que se encontram nessa região), e são interligadas pelas Pontes da Amizade (Foz – Ciudad) e Tancredo Neves (Foz – Puerto). A região começa a ser povoada em fins do século XIX (1888), numa ocupação simultânea de Brasil e Argentina após a Guerra do Paraguai. Este ponto de encontro foi considerado estratégico em termos geopolíticos pelos dois governos, mas até a década de 1940 o povoamento foi esparso na região. O acirramento das disputas pela preponderância no cenário geopolítico sul-americano entre os dois países, a partir dos anos 1950, provoca um incremento da ocupação e povoamento da Tríplice Fronteira, fenômeno que encontra o seu auge na década de 1970, época da construção da barragem e da usina hidrelétrica de Itaipu. Um grande fluxo migratório se firmou na região, não apenas entre brasileiros, argentinos e paraguaios. Ciudad Del Este e Foz do Iguaçu estavam se tornando, desde o final da década de 1960, um dos principais destinos de imigrantes de origem árabe no Brasil. Estes migravam de seus países em virtude dos vários conflitos ocorridos no Oriente Médio na segunda metade do século XX, com destaque para os refugiados da Guerra Civil do Líbano (1975-1990). 7 Estimativas mais recentes – embora não totalmente corretas ou confiáveis – enumeram cerca de 18.000 imigrantes de origem árabe na região, majoritariamente libaneses, confirmando a Tríplice Fronteira como a segunda maior comunidade de descendência árabe da América Latina, abaixo apenas de São Paulo (AMARAL, 2010, p.30). A Tríplice Fronteira tem figurado no noticiário, nos últimos anos, como área de intensas atividades terroristas. A partir da resposta do governo norte-americano aos atentados ocorridos em seu território no dia 11 de setembro de 2001, qual seja o endurecimento da política externa para com as áreas periféricas do planeta, a Tríplice Fronteira passou a figurar nos relatórios do Departamento de Estado e de órgãos de inteligência e segurança como área de extensa e perigosa atividade terrorista, em virtude da já mencionada grande comunidade árabe que habita a região. Na verdade, é possível localizar no tempo um momento anterior, no qual a Tríplice Fronteira já era considerada pelas autoridades norte-americanas como uma área vinculada ao terrorismo internacional. Em 1992, um atentado contra a Embaixada de Israel em Buenos Aires provocou a morte de 29 pessoas. Apenas dois anos depois, em 1994, ocorre um novo atentado, dessa vez contra a Asociacíon Mutual Israelita Argentina (AMIA), no qual um carro-bomba deixou 85 mortos e aproximadamente 300 pessoas feridas. Estes eventos colocaram a América do Sul no raio das atenções dos Estados Unidos em relação ao terrorismo internacional. O governo norte-americano, através da atuação de seus órgãos de inteligência, constrói o discurso que qualifica a Tríplice Fronteira como um foco de grupos terroristas em pleno Cone Sul. Posteriormente, essa ênfase na presença de células terroristas diminui, passando a Tríplice Fronteira a ser uma região financiadora de grupos terroristas atuantes pelo mundo, no discurso estadunidense. Ao analisar o tema do terrorismo na América do Sul, Mônica Herz (2010, p.333) considera que [...] a presença de células terroristas operando na região não tem sido detectada, e as preocupações com o tema referentes a áreas específicas, como uma de nossas tríplices fronteiras (Argentina, Brasil, Paraguai), são geradas pela presença de organizações islâmicas com fins diversos ou pela existência de atividades criminais de outro tipo. A ausência de evidências concretas de atividades terroristas na região parece não alterar a posição de Caamaño (2010, p. 241) sobre a questão, na qual o autor acredita que a Tríplice Fronteira pode estar abrigando sim “extremistas islâmicos capazes de realizar ações terroristas”. O autor pontua que 8 [...] o débil controle estatal nessa zona facilita todo tipo de atividades ilícitas: tráfico de armas e drogas, lavagem de dinheiro, contrabando de todo tipo de bens e produtos, etc. O que parece já estar provado é o apoio financeiro que essas comunidades estão prestando a organizações extremistas. Apesar da notoriedade adquirida pela Tríplice Fronteira em relação às supostas atividades terroristas, nossa pesquisa não tem como objetivo abordar esse debate, a não ser de maneira contextualizadora. Interessa-nos mais o papel da Tríplice Fronteira a partir da quantidade de atividades ilícitas registradas na região de Foz do Iguaçu, Ciudad del Este e Puerto Iguazu, como o contrabando de cigarros e bebidas, falsificação de produtos variados, tráfico de drogas e armas, entre outros, no âmbito das ações do Estado brasileiro nas áreas de fronteira. É grande a incidência de operações da Polícia Federal brasileira em Foz do Iguaçu com o objetivo de combater os crimes transfronteiriços. Com a vigência do Plano Estratégico de Fronteiras, as operações conjuntas das Forças Armadas e demais órgãos públicos denominadas “Ágata” (abrangendo a Tríplice Fronteira tivemos as operações Ágata 2 e 5) ampliam os mecanismos de combate a estes delitos, mesclando-os entre as áreas da segurança e da defesa. IV – Considerações Finais Retomemos, pois, algumas das considerações que permearam este texto no intuito de elucidar nossa questão inicial: qual a relevância da Tríplice Fronteira Argentina-BrasilParaguai na política externa brasileira, no âmbito da segurança e da defesa? Nos últimos anos, a partir de 2008, com a publicização da Estratégia Nacional de Defesa, o Estado brasileiro iniciou um esforço de articulação e integração entre as duas esferas de sua atuação do campo internacional, a diplomacia e a defesa, expressões distintas porém complementares da natureza soberana e independente de um Estado-nação moderno. Através da estrutura recém-montada do Ministério da Defesa (criado em 1999), as três Forças Armadas abandonariam o seu perfil isolacionista, adotando uma práxis operacional conjunta e articulada com os objetivos da política externa formulada pelo Ministério das Relações Exteriores. Mais do que isso, esperava-se que ambos os ministérios, MRE e MD, passassem a elaborar conjuntamente as políticas externa e de defesa nacional, como um braço único do desenvolvimento do país. 9 Tem-se visto algumas iniciativas neste sentido, como a série de operações conjuntas das Forças Armadas com diversos órgãos da administração federal, estados e municípios, consignadas ao Plano Estratégico de Fronteiras. Estas operações tem como objetivo o combate, em várias frentes, aos ilícitos transnacionais que assolam longas faixas das fronteiras brasileiras, tendo como zona “preferencial” a Tríplice Fronteira. Esta, por sua vez, carrega a (má) fama de ser uma região dominada pela criminalidade, na qual proliferam diversos tipos de delitos, da falsificação ao contrabando e tráfico. Pela presença maciça de imigrantes de origem árabe (libanesa), especificidade do processo de povoamento da área, a Tríplice Fronteira tem ainda de carregar o pesado fardo da estreita vigilância dos órgãos de inteligência norte-americanos, que consideram a região um reduto do terrorismo internacional em plena América. Os governos brasileiros, ao longo do tempo, sempre refutaram essa tese. No atual estágio de formulação da Estratégia Nacional de Defesa, a Tríplice Fronteira não está entre as zonas estratégicas para a defesa nacional; há muito a Bacia do Prata deixou de ser uma prioridade de nossa política de defesa, que hoje volta-se para a defesa dos interesses brasileiros no Atlântico Sul, e na exploração dos recursos de nossas águas jurisdicionais, área comumente chamada de “Amazônia Azul”, além da região amazônica “verde”, esta uma prioridade dos militares desde meados do século XX. Voltando, então, para a nossa questão, o quão relevante a Tríplice Fronteira é diante da política e dos objetivos da defesa nacional? Sem a mínima pretensão em esgotar o assunto, proponho uma reflexão. A Política Nacional de Defesa, entre outras considerações, atribui como uma das funções das Forças Armadas a execução de missões de garantia da lei e da ordem, nos termos da Constituição. No nosso entender, esta função remonta a uma tradição difusa de proteção do Estado e das instituições por parte dos militares, o que por vezes se confundiu com interferência direta no Estado, com consequências já conhecidas. Do ponto de vista das ações militares, a função expressa tanto na PND, como na END e no Livro Branco, filiada àquela tradição da qual mencionamos, proporciona às Forças Armadas a autonomia para agir sob os dois signos operacionais, da defesa e da segurança, entendendo uma como desdobramento da outra. Assim, as operações realizadas no âmbito do Plano Estratégico de Fronteiras, tais como as operações Ágata nas fronteiras Centro-Sul (incluindo a Tríplice Fronteira) tem o caráter de operações de natureza “mista” – defesa e segurança – nas quais a atuação das Forças Armadas pode confundir-se com a ação de uma 10 força policial padrão, indo de encontro à sua essência enquanto corporação estatal dedicada à guerra. Nesse sentido, a Tríplice Fronteira sempre será uma região de relevância na política externa brasileira, seja no âmbito da segurança interna ou da defesa. A questão que surge para o prosseguimento da pesquisa é se essa natureza “mista” das operações conjuntas organizadas pelos Ministérios da Defesa, da Justiça e das Relações Exteriores, de fato contribui para a realização dos objetivos da Defesa Nacional, expressos nos três documentos norteadores, e quais os limites da atuação das Forças Armadas nestas mesmas operações. V – Referências Bibliográficas ALSINA JR., J.P.S. Política externa e poder militar no Brasil: universos paralelos. Rio de Janeiro: FGV, 2009. (Coleção FGV de Bolso; Série Entenda o mundo). AMARAL, Arthur Bernardes do. A Tríplice Fronteira e a Guerra ao Terror. Rio de Janeiro: Apicuri, 2010. BRASIL. MINISTÉRIO DA DEFESA. Política Nacional de Defesa. Brasília, 2005. ______________. Estratégia Nacional de Defesa. Brasília, 2008. ______________. Livro Branco de Defesa Nacional. Brasília, 2012. CAAMAÑO, L., Conflictos Regionales y Armamentismo em América Latina, Apud REQUENA, M., (org) Luces Y Sombras de La Seguridad Internacional em los Albores Del Siglo XXI, Tomo II, IUGM- UNED, Madrid, 2010. HERZ, M. Segurança Internacional na América do Sul. “in” JOBIM, N. / ETCHEGOYEN, S. W., / ALSINA, J. P. Segurança Internacional: Perspectivas Brasileiras, Rio de Janeiro, FGV, 2010. LIMA, M. R S. de Diplomacia, Defesa e a Definição Política dos Objetivos Internacionais: O Caso Brasileiro “in” JOBIM, N. / ETCHEGOYEN, S. W., / ALSINA, J. P. Segurança Internacional: Perspectivas Brasileiras, Rio de Janeiro, FGV, 2010. MINISTÉRIO DA DEFESA. Sítio Eletrônico. Disponível em: www.defesa.gov.br. Acesso em 04/03/13. __________________. PORTAL DE OPERAÇÕES MILITARES DO MINISTÉRIO DA DEFESA EM AÇÕES CONJUNTAS. Disponível em: www.operacoes.defesa.mil.br. Acesso em 20/04/13. 11 POLÍCIA FEDERAL. Sítio Eletrônico. Estatísticas de Operações. Disponível em: http://www.dpf.gov.br/agencia/estatisticas/2012. Acesso em 23/04/13. 12