Pesquisa e escrita dos textos Angélica Brito Silva Carla Galdeano Larissa Maia Artoni Silvia Maria Azevedo Revisão linguística André Luís de Araújo, SJ Produção Pateo do Collegio Fotografia Helmuth Nils Loose Projeto Gráfico Núcleo de Comunicação Integrada - Brasil Centro Leste Frederico Zarnauskas Bicentenário de Restauração da Companhia de Jesus 1814-2014 TEXTOS PUBLICADOS EM COMEMORAÇÃO AO BICENTENÁRIO DE RESTAURAÇÃO DA COMPANHIA DE JESUS São Paulo Pateo do Collegio / Edições Loyola 2013 Apresentação “DOIS PERÍODOS DE UMA MESMA HISTÓRIA, NUM MESMO ESPÍRITO” O texto que ora apresentamos é o fruto do trabalho de pesquisa e redação de muitas mãos: a equipe de historiadoras e colaboradores do Pateo do Collegio. A finalidade deste texto base é ajudar, como subsídio, as Obras da Companhia de Jesus a prepararem as comemorações do Bicentenário de Restauração da Companhia de Jesus, cujo slogan será:“Dois períodos de uma mesma história, num mesmo Espírito”. A novidade da Companhia de Jesus em relação a outras Ordens, com fortes obrigações conventuais internas, é que a Companhia foi, desde o seu nascimento, uma Ordem imersa no mundo e, por isso, não isenta de conflitos com colonos e autoridades. Um dos traços marcantes e distintivos da ação apostólica da Companhia de Jesus sempre foi o “fazer pensar”. Pode-se dizer que um dos motivos mais obscuros da Coroa Portuguesa, entenda-se, do Marquês de Pombal, para a expulsão dos jesuítas do Brasil e empenho para a extinção da Companhia de Jesus, no mundo inteiro, foi o engajamento dos jesuítas em ensinar as pessoas a pensarem. O Marquês de Pombal queimou a biblioteca dos jesuítas, um ato profundamente simbólico. A grande capacidade dos jesuítas consistia na manipulação dos signos, além de serem grandes produtores de documentos. A oportunidade de celebrarmos os duzentos anos de restauração da Companhia de Jesus é ocasião especial de, como afirma o P. Adolfo Nicolás, “aprender do passado”, pois esse aprendizado “é uma maneira de reconhecer nosso lugar na história da salvação como companheiros de Jesus, que redime por inteiro a história humana”. P. Carlos A. Contieri, SJ Coordenador das Comemorações do Bicentenário na BRC Diretor do Pateo do Collegio Sumário I - PERSEGUIÇÃO E EXTINÇÃO Página 6 II - A PRESERVAÇÃO DA ORDEM NO ORIENTE Página 16 III - O PROCESSO DE RESTAURAÇÃO DA COMPANHIA DE JESUS Página 19 IV - A RESTAURAÇÃO NO BRASIL Página 22 V - A COMPANHIA DE JESUS RESTAURADA Página 27 BIBLIOGRAFIA Página 30 Perseguição e Extinção “Primeiramente, declaro e protesto que a Companhia de Jesus, recentemente extinta, nunca deu motivo à sua supressão. Eu declaro e protesto com aquela certeza moral que se pode ter um superior bem informado sobre o que se passa na sua Ordem. Em segundo lugar, declaro e protesto que não dei motivo para o meu encarceramento. Isto declaro e protesto com aquela soberana certeza e evidência que cada pessoa tem de suas próprias ações. Este segundo protesto, faço-o somente porque é necessário para a fama da extinta Companhia de Jesus, de quem eu era Superior Geral. [...] Para satisfazer ao meu dever de cristão, declaro que, com o auxílio de Deus, sempre perdoei e sinceramente perdoo aqueles que me afligiram e ofenderam em primeiro lugar, por todos os males feitos e pelos rigores usados para com os religiosos da Companhia e pelas circunstâncias que acompanharam sua extinção; e, enfim, pelo meu encarceramento e pelos rigores acrescentados, e pelo prejuízo que isso deu à minha reputação: fatos que são públicos e conhecidos no universo todo.” “Enfim, peço e suplico que quem, qualquer que ele seja, vir estas minhas declarações e protestos, os torne públicos, em quanto puder, em todo o universo. Peço-o e suplico-o por todos os títulos de humanidade, justiça e caridade cristã que podem mover cada um a cumprir este mesmo desejo e vontade.” Fragmentos de Testamento do P. Lorenzo Ricci (de próprio punho), 19 de Novembro de 1775, cinco dias antes de sua morte, no cárcere do Castelo de Sant´Angelo. (COHIBA, 1992) Bicentenário de Restauração da Companhia de Jesus 7 Os anos que antecederam a expulsão da Companhia de Jesus do Brasil, em 1759, podem dar-nos uma impressão errônea da plenitude alcançada. Os três grandes problemas que a Companhia enfrentou, no século XVII, pareciam ter sido resolvidos: as tensões com as autoridades e os colonos, em função das aldeias e da liberdade indígena, as dívidas dos colégios e as restrições à admissão à Companhia pelos naturais da terra. No entanto, esse sentimento de superação tornou-se uma cortina nebulosa que ocultou as verdadeiras razões de perseguição à Companhia. Os choques com os colonos por causa das aldeias e a escravização dos índios – o que, entre outras situações, ocasionou a expulsão, por treze anos, dos jesuítas do próspero Colégio de São Paulo de Piratininga – haviam praticamente desaparecido no Sul e no Sudeste e diminuído muito na região do Maranhão e do Grão Pará. Isso se deu em grande parte devido à alteração da economia com os descobrimentos das minas de ouro, à diminuição da utilização da mão de obra nativa e também a certa acomodação por parte dos jesuítas, com uma diminuição sensível do espírito missionário na Província do Brasil. A superação das dívidas dos colégios ocorreu por meio de doações, do trabalho nas fazendas jesuíticas e da criação de rendas fixas, formando um patrimônio para a manutenção dos colégios. Essa solução vista 8 Bicentenário de Restauração da Companhia de Jesus de fora provocou muitos juízos equivocados sobre a existência de um tesouro. Além disso, com a ascensão de Sebastião José de Carvalho e Melo, Conde de Oeiras e futuro Marquês de Pombal, ao cargo de ministro português, a Companhia de Jesus e seu modo de proceder voltaram a ser foco de animosidades. “Aparece, nesta altura, na História da Companhia de Jesus na Assistência de Portugal, um ministro régio, que nela entra, como na história de César se fala de Brutos que o feriu, e cuja celebridade se alimenta parasitariamente da grandeza de César.” (LEITE, 1938, p. 337). E, com a chegada do governador Francisco Xavier de Mendonza, irmão do Marquês de Pombal, ao Maranhão e ao Grão Pará, as antigas divergências se exacerbaram. Em 1751, foram enviadas ao governador algumas instruções de Portugal: dar total liberdade aos índios, diminuir o poder dos religiosos, com oposição, principalmente, aos jesuítas, e aplicar o Tratado de Limites entre Portugal e Espanha, cujos problemas o novo governador atribuía às maquinações dos missionários. Assim, as relações entre o governador e os jesuítas foram se tornando cada vez mais tensas. O Marquês de Pombal obteve do Papa Bento XIV a nomeação de seu primo, o Cardeal Francisco Saldanha, como visitador apostólico para a reforma dos jesuítas portugueses. Ao mesmo tempo, procurou estreitar as relações com as cortes bourbônicas, francesa e espanhola, formando uma forte aliança para a expulsão da Companhia de Jesus dos domínios portugueses e para a posterior supressão da Companhia de Jesus. Com isso, as provocações e hostilidades foram crescendo, sobretudo com o terremoto de Lisboa, em 1755, e os discursos e acusações do padre Malagrida ao governo do Marquês de Pombal, bem como os protestos contra a criação da Companhia Geral do Comércio do Grão-Pará e Maranhão. E, a partir desse momento, o rei Dom José, sob influência do Marquês de Pombal, passou a pressionar o Papa Clemente XIII, a fim de ordenar a expulsão dos jesuítas de todos os domínios portugueses e a extinção da Companhia de Jesus. No entanto, o Papa defendeu um julgamento justo somente aos jesuítas acusados, não procedendo à expulsão e supressão de toda a Companhia que, desde 1540, vinha auxiliando muito o trabalho da Igreja. Por outro lado, nos anos precedentes à expulsão, o Marquês de Pombal ordenou várias leis que diminuíram a atuação dos jesuítas: em Portugal, foram impedidos de pregar e confessar; no Grão Pará, quatro jesuítas foram deportados para Portugal sem que se formulassem quaisquer acusações; e, em 1755, todos os índios foram declarados livres. Essa lei determinou o fim das aldeias, convertidas Bicentenário de Restauração da Companhia de Jesus 9 em vilas, em 1757, e, com isso, todos os bens dos jesuítas do Maranhão foram confiscados. Os jesuítas foram, ainda, acusados de participação no atentado contra o rei Dom José, gravemente ferido em 3 de setembro de 1758. Na ocasião, o Duque de Aveiro, o Marquês de Távora e toda sua família, principais réus do crime, foram presos e executados, tiveram todos os bens confiscados e todos os escudos foram destruídos. Até mesmo os túmulos de seus antepassados foram violados. 10 Essas e outras injúrias contra os jesuítas fizeram ainda com que dois padres fossem acusados de disparar peças de artilharia dentro do Forte de São Miguel, em uma batalha já vencida, no ano de 1757, nas margens do Rio Uruguai, região das Missões. Entretanto, o padre Anselmo Eckart e seu companheiro de missão padre, Antônio Meisterburg, nem sequer sabiam da existência dessa fortaleza e ambos os padres nunca pisaram em solo espanhol, como era o caso do Paraguai, pois trabalharam no Maranhão e no Pará, território português. Esse acontecimento teve importância decisiva para o início da perseguição aos jesuítas, visto que se pretendia ver nele a participação ativa da Companhia de Jesus. Desse modo, em 12 de janeiro de 1759, foram indiciados mais onze culpados, todos jesuítas, entre eles o padre João Henriques, Provincial de Portugal, o padre Malagrida e o padre Moreira, confessor dos reis. Todos foram presos sem julgamento e em diferentes cárceres. Por causa disso, o governo português escreveu à Santa Sé, exigindo uma audiência para comunicar ao Papa Clemente XIII as exigências em relação às condenações dos jesuítas: os mais culpados teriam a pena capital; os menos culpados seriam extraditados para a África e os não contaminados seriam exilados em Roma. O Papa resistiu a tais exigências e respondeu em uma Bula, das mais honrosas para a Companhia, continuando a defender um julgamento justo para os jesuítas acusados. O juiz Supremo era irmão de Dom José, mas, ao ver que os demais juízes eram corruptos e as testemunhas vacilantes, pediu demissão do cargo. Nesse momento, então, conhecemos Paulo de Carvalho e Mendonça, irmão mais novo do Marquês de Pombal, quem passa a ser o juiz substituto do Santo Ofício que julgou e condenou a uma violenta morte o padre Malagrida. Assim se manterá a justiça: distinguindo os inocentes dos culpados, e se algum laxismo se introduziu na Companhia de Jesus, ela será chamada ao primitivo estado de perfeição. Como é impossível que num corpo tão dilatado como a Companhia de Jesus não se encontrem alguns membros contaminados de imperfeições que devem ser purificados ou amputados, Bicentenário de Restauração da Companhia de Jesus assim nos parece incrível que não haja entre eles muitíssimos inocentes, homens retos, perfeitos e santos, como nos consta a nós e a toda a Igreja de Deus; homens que, por todas as quatro partes do mundo, propagaram a verdadeira fé e que, com seus trabalhos, suores e até com o próprio sangue, fecundaram as terras incultas dos bárbaros; homens que trouxeram ao redil de Cristo inúmeros cristãos e gentios, que ilustraram a Igreja com a doutrina e a erudição dos seus escritos e a defenderam contra os seus inimigos; homens entre os quais há santos que veneramos nos altares, por quem sabemos Vossa Majestade tem particular devoção, embora muitíssimos outros sejam também dignos de tal honra. Por isso pedimos a Vossa Majestade, com todo o afeto do nosso coração paternal, que, como filho obediente e fiel, ratifique o que por nós for determinado, permita que a causa da Companhia seja examinada por juízes especialmente delegados por nós e que os réus com culpa provada possam ser punidos por estes, não se tomando os inocentes por culpados. E, assim, a Companhia, tão grande benemérita da Igreja, principalmente naquelas longínquas terras de missão, purificada de seus erros, seja conservada nos reinos de Vossa Majestade. Carta do Papa Clemente XIII a Dom José I, 1759 (ECKART, 1987 p. 79). Apesar disso, muitas foram as circunstâncias que o Governo Pombalino usou para justificar a expulsão imediata e total dos padres jesuítas, em 1759, de todos os domínios portugueses. Alguns jesuítas foram declarados rebeldes, traidores, adversários e agressores, e expulsos de Portugal e dos seus domínios, e nenhuma pessoa, exceto as que o fizessem por imediata ordem régia, poderia ter com eles correspondência verbal ou por escrito, sob pena de morte e confisco de bens. Durante o tempo da prisão e mesmo antes do embarque, os jovens e não professos foram muito pressionados a deixarem a Companhia. Houve total liberdade aos que o fizessem, sem danos, em virtude dos poderes concedidos ao Cardeal Saldanha. Contudo, foram poucos os que o fizeram: na Bahia, 44 de 166; no Rio, 56 de 202; em Belém, 9 de 129. Aos que foram enviados a Lisboa, a sua chegada, novamente foi-lhes proposto deixar a Companhia e 10 realizaram, 16 foram presos em masmorras, e os demais foram embarcados para estados pontifícios. Para aqueles que estavam no Maranhão, o Governador reservava um ódio especial: 25 deles que já estavam em Portugal e outros 15 foram repartidos em várias províncias portuguesas e, sem interrogatórios ou processos, foram condenados e presos até o final de suas vidas. Quando a Companhia foi expulsa do Brasil, havia cerca de 2617 missionários em toda a América Latina. Bicentenário de Restauração da Companhia de Jesus 11 Nesse mesmo ano, Carlos III subiu ao trono espanhol e um de seus primeiros atos foi a instauração do Tratado de El Pardo, que buscou resoluções para os conflitos fronteiriços na América do Sul entre os reinos de Espanha e Portugal. Esse Tratado favoreceu a retomada das relações entre os dois reinos, que passaram a coordenar uma frente de Estados europeus para solicitar ao Papa a supressão canônica da Companhia de Jesus. A decisão de expulsar os jesuítas da Espanha já existia, mas o rei Carlos III estava esperando um acontecimento grandioso, como o motim de Madri, para aumentar o sentimento antijesuíta na Espanha. Em 1766, o governo espanhol manipulou essa manifestação popular em um golpe jesuíta contra a Coroa. Foi dito ao Rei, por seus ministros, que os jesuítas instigaram o povo para que fizesse um motim, em Madri e em outras províncias, a fim de derrubar Carlos III. Esse acontecimento fez com que, em menos de um ano, os jesuítas fossem banidos da Espanha e de suas colônias. Com o documento Pragmática Sanción, de Carlos III, a Companhia de Jesus foi expulsa de todos os domínios da coroa espanhola. Começa, também, a ofensiva contra os jesuítas na França. Quando sobreveio a perseguição geral europeia, a Companhia de Jesus estava em plena vitalidade dentro da Igreja e, talvez por isso, atraiu a ira de seus detratores. 12 Bicentenário de Restauração da Companhia de Jesus Nesta hipótese, rogo a Vossa Santidade que essa resolução minha seja vista puramente como uma indispensável econômica providência tomada, com maduro exame e profundíssima meditação. Fazendo-me, Vossa Santidade, esta justiça, dará seguramente sobre esta ação (como lhe suplico) e sobre todas as minhas, que do mesmo modo se dirigem à maior honra e glória de Deus, sua Santa Apostólica bênção. Carta de Carlos III ao Papa Clemente XIII, 31 de Março 1767. (ARCHIVO JESUÍTICO DE LA ANTIGUA PROVINCIA DE QUITO) Em resposta, o Papa Clemente XIII escreve: Caríssimo Filho Nosso em Cristo, Saúde e Bênção Apostólica. Entre tantas adversidades que temos experimentado, nestes últimos anos do Nosso Pontificado, nenhuma infligiu ao nosso coração paternal tão acerba dor como a última carta de Vossa Majestade... Também tu, meu filho! O Rei Católico Carlos III, o mais querido dos nossos filhos, encherá o cálice da nossa aflição com o fel da mais profunda amargura, tão intensa que levará ao sepulcro a nossa infeliz velhice, inundar de lágrimas e de dores! Será que o piedosíssimo Rei da Espanha, Carlos III, usará, para destruição completa de uma Ordem Religiosa, tão útil e querida à sua Igreja, o braço do poder que Deus lhe concedeu para promover e defender a Sua Glória e a honra da mesma Santa Igreja? Carta do Papa Clemente XIII, em 16 de Abril de 1767, em Roma (ARCHIVO JESUÍTICO DE LA ANTIGUA PROVINCIA DE QUITO) Com a morte do Papa Clemente XIII, protetor da Companhia, o Marquês de Pombal teve a esperança de, sob o pontificado de um novo Papa, conseguir, finalmente, a completa destruição da Companhia. E, em 19 de Maio de 1769, foi eleito Papa o Cardeal Lorenzo Ganganelli, com o nome de Clemente XIV. Os dois membros da família pombalina, Francisco Xavier de Mendonza e Paulo de Carvalho, tornam-se apenas coadjutores nesta destruição, pois, nesse momento da história, os protagonistas da extinção dos jesuítas ficam mais evidentes: o Marquês de Pombal e as cortes bourbônicas – chamadas de aliadas pelo Marquês e pelo novo Pontífice, o Papa Clemente XIV, nas seguintes cartas: [...] Em terceiro lugar, em todos os particulares e mesmo nos negócios dessa Real Corte, queira ter a bondade de no-los comunicar, secretamente, pois nos lisonjeamos de poder dar-lhe alguma prova do nosso sincero afeto. No assunto que também interessa a outras cortes, pedimos-lhe que tenha confiança em nós e não permita que pelos aliados nos sejam feitos certos embates pouco comedidos, que não con- Bicentenário de Restauração da Companhia de Jesus 13 duzam com segurança ao almejado fim que nos propomos alcançar. Confie no senhor comendador Almada, por nós cordialmente estimado, e tenha satisfação em conservar em segredo esta nossa confiança, comunicando-a, no entanto, a sua Majestade fidelíssima, a quem paternalmente damos a nossa bênção apostólica compreendida à real família e ao senhor mesmo a estendemos. Clemente XIV escreve ao Conde de Oeiras (Marquês de Pombal), a 28 de Agosto de 1769. (LOPES, 2006, p. 18). [...] Quanto ao negócio da causa comum com as outras cortes que têm instado pela dita extinção dos jesuítas, ficando El Rei pela carta de Vossa Santidade, na certeza em que Vossa Santidade o põe de que quer efetivamente extinguir os jesuítas, logo que para isso tiver prudente segurança e vendo claramente que Vossa Santidade não a teve, nem tem, nas circunstâncias em que até agora se achou: não cabia na consumada circunspecção e filial ternura do dito Monarca, mandar ao referido seu plenipotenciário outra instrução, que não fosse a que ele secretissimamente comunicará a Vossa Santidade. Carta Resposta do Conde de Oeiras ao Papa Clemente, em 5 de Outubro de 1769. (LOPES, 2006, p. 18). Outra questão complicada para a Coroa Portuguesa tratava-se da economia dos 14 Bicentenário de Restauração da Companhia de Jesus jesuítas, e o grande temor pombalino era a grande capacidade intelectual desses religiosos: o medo do “ensinar a pensar” e a liberdade conquistada a partir dos ensinamentos do Evangelho. Tanto assim que, após a expulsão, todos os livros escritos por jesuítas, em qualquer lugar em que se encontrassem, foram queimados. O Marquês de Pombal declarou guerra, ainda, aos santos da Companhia. Ele encerrou as comemorações de São Francisco de Borja, protetor contra os terremotos, e mandou tirar dos breviários de todo o clero secular todas as referências e lições próprias de Santo Inácio. Os restos mortais do padre José de Anchieta, enterrados na Igreja de São Tiago, na Bahia, também foram expulsos do Brasil. A conspiração contra os jesuítas apossou-se de todas as cortes da Dinastia Bourbon e das de Portugal e Espanha. O último e decisivo golpe foi a medonha alternativa: ou suprimir os jesuítas, ou ver a França, Espanha, Portugal, Nápoles e Parma passar para um cisma e a Revolução Francesa foi um dos desfechos desse drama. De tal forma que, pelo Breve Dominus ac Redemptor, de 21 de Julho de 1773, a Companhia foi supressa. Todavia, Catarina II, da Rússia, publicou uma ordem imperial mantendo e protegendo a Companhia de Jesus em seus territórios, permitindo, também, a entrada de outros jesuítas que haviam sido exilados de suas regiões. Por outro lado, os jesuítas ficaram em dúvida sobre se cumpririam ou não as ordens da Imperatriz, dado que elas se confrontavam com as do Papa Clemente XIV, quem, em uma conversa com o ministro Aranda, da Espanha, disse um dia que “indiferente coisa lhe era viver ou morrer” (LOPES, 2006). Assim, em 22 de Setembro de 1774, morria o Pontífice Clemente XIV, aos 68 anos de idade. E, em 15 de fevereiro de 1775, era eleito o Papa Pio VI. Este, por sua vez, ao abrir o cofre de seu antecessor, encontrou um documento que pedia para ser analisada, novamente, a questão sobre a supressão da Companhia de Jesus. De tal forma que o Papa Pio VI, já havia determinado o dia da liberação do cárcere, do Padre Geral Lorenzo Ricci. Porém, este não conseguiu suportar todos os malefícios causados pela prisão e acabou falecendo. Em seu túmulo, na Igreja do Gesú, foi escrito: Aquele que mereceu ter sepultura neste templo sagrado. Muito sofreu pelo Nome de Jesus. Na mesma morte, prestes a comparecer diante do Divino Juiz, tomou a Deus como testemunha da sua própria inocência e da inocência dos seus súditos. A todos os inimigos perdoou de coração: Assim quis morrer como Cristo morreu. Liberto dum duplo cárcere, no castelo de Sant’Angelo, passou entre coros de anjos ao Castelo Celestial. Trinta círios alumiam o cadáver exangue. Com glorioso esplendor que tão grande homem mereceu. (LEITE, 1938). Aos 24 de Fevereiro de 1777, morreu também Dom José I, e a 10 de Março de 1777, os prisioneiros jesuítas de São Julião foram soltos. Ao se abrirem as portas do cárcere, a população portuguesa comemorou. Percebeu-se, então, o descontentamento do povo contra o Marquês de Pombal. A longa odisseia dos padres jesuítas para a Restauração da Companhia de Jesus estava apenas começando. Bicentenário de Restauração da Companhia de Jesus 15 A Preservação da Ordem no Oriente Apesar de supressa, a Companhia de Jesus se manteve viva graças a sua presença no Oriente. Em 1772, a Polônia – nação onde a presença dos jesuítas era praticamente hegemônica – foi dividida entre as potências russa, austríaca e prussiana. Essa divisão fez com que a proporção de jesuítas aumentasse significativamente entre os súditos dessas monarquias. Na Prússia, o Rei Frederico II combateu as ordens da Santa Sé e anulou o Breve de supressão, declarando, por diversas vezes, sua autonomia para decidir sobre os assuntos de seus súditos e em particular sobre a Companhia de Jesus em seu território. Assim, o Rei tomou como resolução a conservação dos jesuítas em terras prussianas. O principal motivo dessa conservação foi o papel desempenhado pelos jesuítas na educação. Frederico II defendeu os padres jesuítas, chegando a afirmar que, na religião católica, nunca encontrara melhores padres, sob todos os pontos de vista e que, dificilmente, poderiam ser substituídos na educação da juventude prussiana (LACOUTURE, 1992). Bicentenário de Restauração da Companhia de Jesus 17 Dessa maneira, até a morte de Frederico II, em 1786, os jesuítas da Prússia viveram em comunidade, de forma ativa e influente. Após sua morte e com a ascensão de seu filho, Frederico Guilherme, os jesuítas foram obrigados a se dispersar, dirigindo-se principalmente para o império russo. Assim como Frederico II, a czarina russa Catarina II desafiou Roma. Quando o Breve papal foi comunicado a São Petersburgo, Catarina II proibiu sua publicação e difusão. Além disso, ordenou, em 03 de Outubro de 1773, a publicação da ordem imperial de proteção à Companhia de Jesus na Rússia, autorizando a entrada de quaisquer jesuítas em seu território. Com esse gesto, Catarina II abriu seu império para o Ocidente e deu um forte impulso à educação; acreditava que a formação da juventude deveria ser a base de um Estado esclarecido e que a tolerância era o cúmulo da sabedoria. Foi por meio de sua admiração ao trabalho educacional promovido pelos jesuítas que a czarina, do mesmo modo que Frederico II, protegeu a Companhia de Jesus da supressão levada a cabo pela Santa Sé. Além dessa proteção oficial, Catarina II realizou uma série de medidas para ampliar as possibilidades de ação dos jesuítas em seu território. Entre elas, a mais importante foi a abertura do Noviciado de Polotsky que, além de formar novos membros para a Companhia, possibilitou a admissão de antigos jesuítas espalhados pelo mundo. Foi nesse contex- 18 Bicentenário de Restauração da Companhia de Jesus to que Catarina II escreveu ao Papa: Os motivos pelos quais concedo proteção aos jesuítas baseiam-se na razão e na justiça, bem como na esperança de que serão úteis aos meus Estados. Este grupo de homens pacatos e inocentes viverá no meu império porque de todas as Sociedades católicas é a mais apropriada para instruir os meus súditos e inspirar-lhes sentimentos de humanidade e os verdadeiros princípios da Religião cristã. (LACOUTURE, 1992, p. 31). Outra medida importante iniciada por Catarina II e continuada por seu sucessor, Paulo I, foi a campanha para oficialização da existência da Companhia de Jesus em território russo. Essa campanha culminou com a solicitação de uma sanção oficial do Papa Pio VII, que foi conquistada em 1801, por meio do Documento Catholicae Fidei. Com essa sanção oficial do Papa, o império russo possibilitou o aumento do número de membros na Companhia de Jesus, bem como a efetivação de suas atividades tradicionais como o ensino, a ação social e a evangelização. Esse crescimento gradual da Companhia em terras russas e a admissão massiva de estrangeiros oriundos de territórios onde a Ordem permanecia supressa fizeram com que a Companhia de Jesus se mantivesse verdadeiramente internacional, mesmo que em território russo. O Processo de Restauração da Companhia de Jesus Com a aprovação oficial da existência da Companhia de Jesus no império russo, houve a possibilidade de avanços para a restauração mundial. Nesse contexto, diversas outras monarquias começaram a solicitar ao Papa a legitimação dos jesuítas em suas respectivas nações. Essa pressão se dava majoritariamente acerca de uma restauração propriamente dita, uma vez que as tentativas por parte de alguns padres para que a Companhia fosse refundada não eram aceitas pela grande maioria dos membros da Ordem. O Espírito da Companhia de Jesus permanecia vivo e fiel ao Espírito dos primeiros companheiros de Santo Inácio; portanto, a Companhia deveria ser restaurada, evidenciando a manutenção do espírito inaciano, e não refundada como uma nova Ordem. Nesse sentido, um dos primeiros movimentos que se seguiram à campanha de Catarina II em prol da restauração da Companhia de Jesus foi o de Fernando IV, Rei de Nápoles e filho de Carlos III da Espanha. Fernando IV tinha nos jesuítas homens de confiança para tratar da educação em seu reino. Dessa forma, buscou manter e legitimar a permanência e a atuação da Companhia de Jesus em seus domínios e procurou o padre Joseph Pignatelli – homem de confiança tanto do Rei quanto da Companhia –, solicitando-lhe que os jesuítas cuidassem da educação em seu território. Como condição para esse 20 Bicentenário de Restauração da Companhia de Jesus trabalho, Fernando IV e Joseph Pignatelli realizaram uma intensa campanha para a restauração da Companhia de Jesus em Nápoles e nas duas Sicílias. Então, superando diversas dificuldades diplomáticas e hierárquicas com os bispos, com outras monarquias e com a Santa Sé, Fernando IV e Joseph Pignatelli conseguiram que o Papa Pio VII assinasse o Breve que restaurava a Companhia de Jesus em Nápoles e nas duas Sicílias. Com isso, dos 168 sobreviventes da antiga província de Nápoles, 135 reingressaram na Ordem nos anos que sucederam o Breve de restauração de Pio VII. Outras campanhas importantes para a ampliação da restauração da Companhia de Jesus foram realizadas: em 1803, houve o reinício das atividades no Noviciado da Inglaterra, onde antigos membros da Ordem renovavam suas profissões de fé e formavam novos jesuítas; em 1806, jesuítas norte-americanos, com auxílio do império russo, abriram um Noviciado nos Estados Unidos com o mesmo propósito. No entanto, a restauração da Companhia não se deu de forma contínua, gradual; as invasões napoleônicas romperam o processo de restauração. Napoleão, juntamente com seus exércitos, invadiu os Estados Pontifícios e fez do Papa Pio VII seu prisioneiro. Além disso, em 1810, o líder francês dissolveu todos os grupos religiosos, expulsando cerca de 4600 religiosos de Roma. Se por um lado as invasões napoleônicas dificultaram o processo de restauração da Companhia de Jesus, por outro, elas corromperam as relações entre a Rússia e o Ocidente, retirando do império oriental o papel de asilo privilegiado e devolvendo à Companhia o poder internacional junto às capitais ocidentais. Com isso, os jesuítas passaram a agir em solo europeu com maior autonomia. Além disso, as derrotas militares de Napoleão e a decorrente soltura de seus prisioneiros – entre eles o Papa – reacendeu a campanha de restauração da Companhia de Jesus, fazendo com que as solicitações de restauração parcial da Ordem convergissem para sua restauração total. Assim, na manhã de 07 de Agosto de 1814, Pio VII celebrou a missa no Altar de Santo Inácio. Na ocasião, todos os cardeais da cidade bem como cerca de cem jesuítas sobreviventes à época da supressão estavam presentes. Após a missa, o Papa solicitou ao Monsenhor Cristaldi a leitura da Bula Sollicitudo Omnium Ecclesiarum e a entregou ao Provincial Panizzoni, que representava o Padre Geral Brzozowski. Diante de todos aqueles jesuítas, dos cardeais e até mesmo de Carlos IV, rei da Espanha, o Papa fez ler a Bula que restaurava a Companhia de Jesus em todo o mundo. Bicentenário de Restauração da Companhia de Jesus 21 A Restauração no Brasil A Companhia de Jesus retornou ao Brasil em 1842, por meio de um grupo de padres espanhóis. Estes, devido à Revolução Liberal espanhola de 1835, foram obrigados a interromper suas atividades na Espanha, sendo posteriormente transferidos à Argentina a convite do ditador Juan Manuel Rosas. Na Argentina, Rosas desejava, por meio da influência dos padres jesuítas, promover sua administração. E como esses religiosos não compactuavam com seu governo e com suas intenções em manipulá-los, a Companhia passou a ser pressionada pelo Estado e por seus simpatizantes, obrigando os missionários a se refugiarem em Montevidéu. Assim, uma vez estabelecidos no Uruguai, os padres começaram a buscar novas alternativas de ação, dentre elas retornar às antigas reduções indígenas no Brasil e no Paraguai. E, para tanto, o padre Mariano Berdugo vai à cidade do Rio de Janeiro e estabelece boas relações com o internúncio Ambrósio Campodonico e com o bispo Dom Manuel Rodrigues de Araújo quem promove, entre julho de 1842 e janeiro de 1843, a ida de jesuítas para atuarem no Rio Grande do Sul. Em 1842, então, os padres fundam uma residência em Porto Alegre, que serviria de base para a organização das primeiras missões populares. Essas missões consistiam em visitas ao interior do Estado, a pequenas cidades e vilas, nas Bicentenário de Restauração da Companhia de Jesus 23 quais, ao serem convidados e previamente autorizados pelo clero local, realizariam pregações, missas, procissões, catequeses entre outras atividades sacramentais. Destaca-se, também, nesse período, a criação, em Porto Alegre, de uma escola de latim, em 1847, e entre 1848 e 1852, a realização de missões junto aos índios Kaingáng. Durante a realização das missões populares junto às comunidades rurais, os padres de origem espanhola solicitaram, junto à Província da Áustria e da Alemanha, a presença de jesuítas de língua alemã, devido à grande quantidade de imigrantes estabelecidos em colônias no Estado do Rio Grande do Sul. Assim, a partir de 1849, chegam ao Brasil os primeiros jesuítas austríacos e alemães que, pouco a pouco, vão substituindo os padres espanhóis. Já o estabelecimento dos jesuítas espanhóis, na cidade de Desterro, atual Florianópolis, ocorreu no ano de 1843, também a pedido das autoridades locais, visto que a cidade sofria da falta de assistência espiritual e de colégios suficientes para a educação dos jovens. Como se vê, em Santa Catarina, a Companhia iniciou seus trabalhos por meio de missões populares, no interior, além de assistirem a paróquias e irmandades cristãs. Em 1845, em virtude do incentivo das autoridades locais, os jesuítas passam a lecionar em escola própria, inaugurando o 24 Bicentenário de Restauração da Companhia de Jesus Colégio dos Missionários, que oferecia ensino gratuito e era subsidiado pelo governo. O colégio, em seu primeiro ano de existência, não possuía prédio próprio com toda a infraestrutura necessária, de modo que, para isso, a Companhia compra um sítio, a primeira propriedade adquirida após o restabelecimento no Brasil, e já em 1846 o colégio passa a funcionar em nova localidade, realizando o atendimento de alunos internos das Províncias do Brasil e do Prata. Apesar dos esforços, a missão na cidade de Desterro seria interrompida em 1855, entre outros motivos, pelo alto custo do colégio, pela interrupção da contribuição financeira que o Estado até então fornecia aos estudantes, pelo aumento do número de padres e irmãos e, consequentemente, das despesas. Outro fator relevante era a insalubridade da cidade, o que ocasionou um surto de febre amarela, vitimando, na comunidade jesuítica, três alunos e seis padres, em 1853, provocando o fechamento do Colégio dos Missionários nesse mesmo ano. De tal sorte que, com a interrupção das atividades na cidade de Desterro e em Porto Alegre e do trabalho realizado junto aos índios Kaingáng, a missão hispânica chegou praticamente ao fim, com a transferência dos religiosos para outras províncias. Apesar disso, a Companhia de Jesus manteve-se na Região Sul do Brasil graças à continuidade dos trabalhos dos padres de origem alemã que, desde 1849, começaram a atuar, primeiro na colônia de São Leopoldo e depois por toda a região. Os trabalhos que no início resumiam-se à assistência pastoral, com o tempo, passaram a abranger a fundação de paróquias próprias, colégios e seminários. Foi o caso, por exemplo, do Colégio de Nossa Senhora da Imaculada Conceição (1869), em São Leopoldo, que inicialmente tinha a intenção de formar professores de ensino primário e cultivar vocações sacerdotais. Posteriormente transformou-se em colégio secundário (1869-1912), seminário entre os anos 1913-1956 e finalmente na Universidade do Vale do Rio Sinos em 1969. Noutra perspectiva, quando abordamos a reinserção dos jesuítas nas demais regiões do Brasil, temos na figura do padre Jaques Razzini, nomeado visitador da missão do Brasil, ações que foram fundamentais para a ampliação do alcance missionário. O padre Razzini foi o responsável pela articulação da criação do Colégio São Luís, em Itu (1867), do Colégio Santíssimo Salvador, novamente na cidade de Desterro (18651870), e de missões no Nordeste do Brasil. A reintrodução dos jesuítas, em sua maioria de origem italiana, no Nordeste do país, deu-se a partir da cidade de Recife. Convidados pelo Bispo de Olinda, Dom Manuel do Rego Medeiros, para inicialmente atuarem como professores em um Seminá- rio, rapidamente passaram a ser solicitados, também, para abrirem um colégio próprio e atenderem à grande demanda que existia na região por formação escolar. O Colégio São Francisco Xavier (1867-1874) passou, então, a funcionar como a base para a realização de outros ministérios, bem diversificados entre si, como a assistência espiritual a vilas e fazendas da região, atendimento da população carcerária e para além da atuação junto ao meio jornalístico, ao escreverem matérias sobre o poder papal e a atuação da Igreja e da Companhia de Jesus no Brasil. Contudo, os jesuítas estrangeiros foram obrigados a deixar sua missão no Nordeste, em 1874, devido ao acirramento do conflito na cidade de Recife, com grupos maçons. Os mesmos eram contrários à presença de padres de outras nacionalidades e atacavam todos aqueles que apoiavam as reformas promovidas pelos bispos locais, que tinham como objetivo coibir o avanço da maçonaria. Os jesuítas, que eram grandes apoiadores dos bispos e que defendiam o poder papal, foram extremamente perseguidos, ocasionando, com sua expulsão, o encerramento das atividades naquele ano. Administrativamente, os primeiros trabalhos realizados no Brasil pela Companhia de Jesus foram promovidos pela Província da Espanha, através da Missão Argentina, Bicentenário de Restauração da Companhia de Jesus 25 nas regiões do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina, a partir de 1843. Receberam o nome de Missão Paraguaia os trabalhos que englobavam os Estados acima citados entre 1844 e 1865. Com isso, a partir de 1865, a Missão Brasileira passa a depender diretamente da Província Romana (1865-1869), que realizaria a sua bifurcação, em 22/07/1869. Deixava, assim, a residência de Porto Alegre, e os jesuítas de língua alemã sob direção da Província Germânica. Os demais missionários permaneceriam sob as orientações da Província Romana, tendo, no Colégio São Luís de Itu, o centro de suas atividades, usando-o como base para alcançar outras regiões brasileiras. Como parte das realizações da Província Romana, temos a fundação dos Colégios Anchieta (1886), em Nova Friburgo, e de Santo Inácio, no Rio de Janeiro. Em linhas gerais, podemos concluir que as missões realizadas pela Companhia de Jesus no Brasil, em meados do século XIX, bem como sua restauração, não faziam parte de um plano pré-estabelecido e, sim, de uma sucessão de respostas às oportunidades e solicitações que lhe eram apresentadas. As ações passam a tomar uma forma mais delineada a partir do generalato do Padre Beckx que, através do visitador Jaques Razzini, buscava fomentar a abertura de colégios que serviriam de suporte para a expansão e realização de outras Missões. 26 Bicentenário de Restauração da Companhia de Jesus A Companhia de Jesus Restaurada A atuação da Companhia de Jesus sempre esteve direcionada para a universalidade de sua Missão. Desde sua fundação, em 1540, os primeiros jesuítas buscaram conhecer e vivenciar a cultura dos povos para os quais propagavam a fé. Passados 473 anos de sua fundação, estando presente em mais de 130 países, a Companhia de Jesus continua a ser uma Ordem universal que caminha com o novo. Em trecho do texto de sua 35ª Congregação Geral, encontramos essa identidade da Companhia: “A medida que o mundo se transforma, muda também, o contexto de nossa missão”. As Congregações Gerais são assembleias que se realizam por convocação do Padre Geral, quando são detectadas necessidades de mudanças no corpo apostólico da Companhia, como eleição do Padre Geral, mudanças nas Constituições ou o fechamento de Casas etc., ou quando a missão universal necessita de novas diretrizes para enfrentar os desafios do mundo atual, como as necessidades espirituais e materiais da Igreja e dos povos. A primeira Congregação Geral foi realizada em 1558, e a última, a 35ª, foi convocada em 02 de fevereiro de 2006 e concluída em 06 de março de 2008. Desde a Restauração da Companhia, em 1814, já fo- 28 Bicentenário de Restauração da Companhia de Jesus ram realizadas 16 Congregações Gerais. A Companhia conhece as necessidades do mundo hoje e, por isso, pode atuar em várias frentes, como as ações pela defesa da ecologia, o conhecimento dos mecanismos prós e contras da globalização, a necessidade do aprofundamento do diálogo inter-religioso, o aperfeiçoamento constante do apostolado intelectual para o desenvolvimento social, o contato com os aborígenes, o Serviço Jesuíta de Refugiados, e a Rede Jesuíta de Educação etc., que são trabalhos que os jesuítas desenvolvem sempre com o olhar voltado para a construção de um mundo melhor, a serviço da fé e da promoção da justiça. O missionário Francisco Xavier escreveu, em 1549, o que está a toda prova nos dias de hoje: “Acima de tudo, não abandoneis um bem universal por um bem particular, como a pregação por alguma confissão, o ensinamento cotidiano das orações na hora marcada por qualquer outra obra (útil a um simples) particular”. (ANAIS, 2006, p. 32) As palavras do padre Peter-Hans Kolvenbach completam as do missionário do Oriente e expressam o que é a Missão da Companhia de Jesus: Para um jesuíta, a globalização não deveria ser algo desconcertante. Mesmo se Inácio não prega esses termos, ele queria que, em seguimento ao mistério da Encarnação, a Companhia atuasse na tensão universal e particular, que se torna, em tradução moderna, pensar no mundial e trabalhar no local. O espírito de um jesuíta deveria sempre se mover para o universal e estar concretamente disponível para servir em toda parte do mundo onde a carência apostólica é maior. De outro lado, ele deveria inserir-se no trabalho em terreno local, aprender as línguas e as culturas locais. Abrir-se ao universal, discernindo nele o que é positivo e o que pode tornar-se negativo e, ao mesmo tempo, trabalhar no particular, no local, sem acantonar-se nele ou ser dele prisioneiro, eis o que Inácio via como ideal também para nós. (ANAIS, 2006, p. 10) Neste Bicentenário de Restauração, a Companhia de Jesus comemora a data, reavivando sua história durante o período mais difícil de sua existência, o século XVIII, e todo o esforço daqueles que sempre acreditaram no legado que Santo Inácio deixou. O que houve foi uma retirada e a restauração que hoje se comemora. Bicentenário de Restauração da Companhia de Jesus 29 Bibliografia ALDAMA, Antônio de. Como foi escrito o Breve da Supressão da Companhia de Jesus: 21 de julho de 1773. Salvador: Comissão de História da Província Jesuítica da Bahia, 1992. ARENAS, Mar García. La colaboración hispano-portuguesa contra la Compañía de Jesús (1767-1768). 2007. Disponível em: http://biblioteca.universia.net; acesso em 26/02/2013. ASSUNÇÃO, Paulo de. Negócios jesuíticos: o cotidiano da administração dos bens divinos. São Paulo: EDUSP, 2004. BANGERT, William V. História da Companhia de Jesus. São Paulo: Loyola, 1985. BRUCKER, Joseph. 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