Pesquisa e escrita dos textos
Angélica Brito Silva
Carla Galdeano
Larissa Maia Artoni
Silvia Maria Azevedo
Revisão linguística
André Luís de Araújo, SJ
Produção
Pateo do Collegio
Fotografia
Helmuth Nils Loose
Projeto Gráfico
Núcleo de Comunicação Integrada - Brasil Centro Leste
Frederico Zarnauskas
Bicentenário de Restauração da Companhia de Jesus
1814-2014
TEXTOS PUBLICADOS EM COMEMORAÇÃO AO
BICENTENÁRIO DE RESTAURAÇÃO DA COMPANHIA DE JESUS
São Paulo
Pateo do Collegio / Edições Loyola
2013
Apresentação
“DOIS PERÍODOS DE UMA MESMA
HISTÓRIA, NUM MESMO ESPÍRITO”
O texto que ora apresentamos é o fruto do trabalho de pesquisa e redação de muitas mãos: a equipe de historiadoras e colaboradores do Pateo
do Collegio. A finalidade deste texto base é ajudar, como subsídio, as Obras
da Companhia de Jesus a prepararem as comemorações do Bicentenário de
Restauração da Companhia de Jesus, cujo slogan será:“Dois períodos de uma
mesma história, num mesmo Espírito”.
A novidade da Companhia de Jesus em relação a outras Ordens, com fortes
obrigações conventuais internas, é que a Companhia foi, desde o seu nascimento, uma Ordem imersa no mundo e, por isso, não isenta de conflitos com
colonos e autoridades. Um dos traços marcantes e distintivos da ação apostólica da Companhia de Jesus sempre foi o “fazer pensar”. Pode-se dizer que
um dos motivos mais obscuros da Coroa Portuguesa, entenda-se, do Marquês
de Pombal, para a expulsão dos jesuítas do Brasil e empenho para a extinção
da Companhia de Jesus, no mundo inteiro, foi o engajamento dos jesuítas em
ensinar as pessoas a pensarem. O Marquês de Pombal queimou a biblioteca
dos jesuítas, um ato profundamente simbólico. A grande capacidade dos jesuítas consistia na manipulação dos signos, além de serem grandes produtores
de documentos.
A oportunidade de celebrarmos os duzentos anos de restauração da Companhia de Jesus é ocasião especial de, como afirma o P. Adolfo Nicolás, “aprender
do passado”, pois esse aprendizado “é uma maneira de reconhecer nosso
lugar na história da salvação como companheiros de Jesus, que redime por
inteiro a história humana”.
P. Carlos A. Contieri, SJ
Coordenador das Comemorações do Bicentenário na BRC
Diretor do Pateo do Collegio
Sumário
I - PERSEGUIÇÃO E EXTINÇÃO
Página 6
II - A PRESERVAÇÃO DA ORDEM NO ORIENTE
Página 16
III - O PROCESSO DE RESTAURAÇÃO DA COMPANHIA DE JESUS
Página 19
IV - A RESTAURAÇÃO NO BRASIL
Página 22
V - A COMPANHIA DE JESUS RESTAURADA
Página 27
BIBLIOGRAFIA
Página 30
Perseguição e Extinção
“Primeiramente, declaro e protesto que a Companhia de Jesus,
recentemente extinta, nunca deu motivo à sua supressão.
Eu declaro e protesto com aquela certeza moral que se pode ter um
superior bem informado sobre o que se passa na sua Ordem.
Em segundo lugar, declaro e protesto que não dei motivo para o meu encarceramento.
Isto declaro e protesto com aquela soberana certeza e evidência que
cada pessoa tem de suas próprias ações.
Este segundo protesto, faço-o somente porque é necessário para a
fama da extinta Companhia de Jesus, de quem eu era Superior Geral. [...]
Para satisfazer ao meu dever de cristão, declaro que, com o auxílio de Deus,
sempre perdoei e sinceramente perdoo aqueles que me afligiram e
ofenderam em primeiro lugar, por todos os males feitos e
pelos rigores usados para com os religiosos da Companhia e pelas
circunstâncias que acompanharam sua extinção;
e, enfim, pelo meu encarceramento e pelos rigores acrescentados,
e pelo prejuízo que isso deu à minha reputação: fatos que são públicos e
conhecidos no universo todo.”
“Enfim, peço e suplico que quem, qualquer que ele seja,
vir estas minhas declarações e protestos, os torne públicos,
em quanto puder, em todo o universo.
Peço-o e suplico-o por todos os títulos de humanidade, justiça e
caridade cristã que podem mover cada um a cumprir este mesmo desejo e vontade.”
Fragmentos de Testamento do P. Lorenzo Ricci (de próprio punho), 19 de Novembro de 1775,
cinco dias antes de sua morte, no cárcere do Castelo de Sant´Angelo. (COHIBA, 1992)
Bicentenário de Restauração
da Companhia de Jesus
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Os anos que antecederam a expulsão da
Companhia de Jesus do Brasil, em 1759, podem dar-nos uma impressão errônea da plenitude alcançada. Os três grandes problemas
que a Companhia enfrentou, no século XVII,
pareciam ter sido resolvidos: as tensões com
as autoridades e os colonos, em função das
aldeias e da liberdade indígena, as dívidas dos
colégios e as restrições à admissão à Companhia pelos naturais da terra. No entanto, esse
sentimento de superação tornou-se uma
cortina nebulosa que ocultou as verdadeiras
razões de perseguição à Companhia.
Os choques com os colonos por causa das aldeias e a escravização dos índios – o
que, entre outras situações, ocasionou a expulsão, por treze anos, dos jesuítas do próspero Colégio de São Paulo de Piratininga –
haviam praticamente desaparecido no Sul e
no Sudeste e diminuído muito na região do
Maranhão e do Grão Pará. Isso se deu em
grande parte devido à alteração da economia com os descobrimentos das minas de
ouro, à diminuição da utilização da mão de
obra nativa e também a certa acomodação
por parte dos jesuítas, com uma diminuição
sensível do espírito missionário na Província
do Brasil.
A superação das dívidas dos colégios
ocorreu por meio de doações, do trabalho
nas fazendas jesuíticas e da criação de rendas fixas, formando um patrimônio para a
manutenção dos colégios. Essa solução vista
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Bicentenário de Restauração
da Companhia de Jesus
de fora provocou muitos juízos equivocados
sobre a existência de um tesouro.
Além disso, com a ascensão de Sebastião José de Carvalho e Melo, Conde de Oeiras e futuro Marquês de Pombal, ao cargo de
ministro português, a Companhia de Jesus e
seu modo de proceder voltaram a ser foco
de animosidades. “Aparece, nesta altura, na
História da Companhia de Jesus na Assistência de Portugal, um ministro régio, que nela
entra, como na história de César se fala de
Brutos que o feriu, e cuja celebridade se alimenta parasitariamente da grandeza de César.” (LEITE, 1938, p. 337).
E, com a chegada do governador Francisco Xavier de Mendonza, irmão do Marquês de Pombal, ao Maranhão e ao Grão
Pará, as antigas divergências se exacerbaram.
Em 1751, foram enviadas ao governador algumas instruções de Portugal: dar total liberdade aos índios, diminuir o poder dos religiosos,
com oposição, principalmente, aos jesuítas, e
aplicar o Tratado de Limites entre Portugal e
Espanha, cujos problemas o novo governador
atribuía às maquinações dos missionários. Assim, as relações entre o governador e os jesuítas foram se tornando cada vez mais tensas.
O Marquês de Pombal obteve do
Papa Bento XIV a nomeação de seu primo,
o Cardeal Francisco Saldanha, como visitador
apostólico para a reforma dos jesuítas portugueses. Ao mesmo tempo, procurou estreitar
as relações com as cortes bourbônicas, francesa e espanhola, formando uma forte aliança
para a expulsão da Companhia de Jesus dos
domínios portugueses e para a posterior supressão da Companhia de Jesus.
Com isso, as provocações e hostilidades foram crescendo, sobretudo com o terremoto de Lisboa, em 1755, e os discursos e
acusações do padre Malagrida ao governo do
Marquês de Pombal, bem como os protestos
contra a criação da Companhia Geral do Comércio do Grão-Pará e Maranhão.
E, a partir desse momento, o rei Dom
José, sob influência do Marquês de Pombal,
passou a pressionar o Papa Clemente XIII,
a fim de ordenar a expulsão dos jesuítas de
todos os domínios portugueses e a extinção
da Companhia de Jesus. No entanto, o Papa
defendeu um julgamento justo somente aos
jesuítas acusados, não procedendo à expulsão e supressão de toda a Companhia que,
desde 1540, vinha auxiliando muito o trabalho da Igreja.
Por outro lado, nos anos precedentes
à expulsão, o Marquês de Pombal ordenou
várias leis que diminuíram a atuação dos jesuítas: em Portugal, foram impedidos de pregar e confessar; no Grão Pará, quatro jesuítas
foram deportados para Portugal sem que se
formulassem quaisquer acusações; e, em 1755,
todos os índios foram declarados livres. Essa
lei determinou o fim das aldeias, convertidas
Bicentenário de Restauração
da Companhia de Jesus
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em vilas, em 1757, e, com isso, todos os bens
dos jesuítas do Maranhão foram confiscados.
Os jesuítas foram, ainda, acusados de
participação no atentado contra o rei Dom
José, gravemente ferido em 3 de setembro
de 1758. Na ocasião, o Duque de Aveiro, o
Marquês de Távora e toda sua família, principais réus do crime, foram presos e executados, tiveram todos os bens confiscados
e todos os escudos foram destruídos. Até
mesmo os túmulos de seus antepassados
foram violados.
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Essas e outras injúrias contra os jesuítas fizeram ainda com que dois padres fossem
acusados de disparar peças de artilharia dentro do Forte de São Miguel, em uma batalha
já vencida, no ano de 1757, nas margens do
Rio Uruguai, região das Missões. Entretanto,
o padre Anselmo Eckart e seu companheiro
de missão padre, Antônio Meisterburg, nem
sequer sabiam da existência dessa fortaleza
e ambos os padres nunca pisaram em solo
espanhol, como era o caso do Paraguai, pois
trabalharam no Maranhão e no Pará, território português.
Esse acontecimento teve importância decisiva para o início da perseguição aos
jesuítas, visto que se pretendia ver nele a
participação ativa da Companhia de Jesus.
Desse modo, em 12 de janeiro de 1759,
foram indiciados mais onze culpados, todos
jesuítas, entre eles o padre João Henriques,
Provincial de Portugal, o padre Malagrida e
o padre Moreira, confessor dos reis. Todos
foram presos sem julgamento e em diferentes cárceres.
Por causa disso, o governo português
escreveu à Santa Sé, exigindo uma audiência
para comunicar ao Papa Clemente XIII as
exigências em relação às condenações dos
jesuítas: os mais culpados teriam a pena capital; os menos culpados seriam extraditados
para a África e os não contaminados seriam
exilados em Roma. O Papa resistiu a tais exigências e respondeu em uma Bula, das mais
honrosas para a Companhia, continuando a
defender um julgamento justo para os jesuítas acusados.
O juiz Supremo era irmão de Dom
José, mas, ao ver que os demais juízes eram
corruptos e as testemunhas vacilantes, pediu
demissão do cargo. Nesse momento, então,
conhecemos Paulo de Carvalho e Mendonça, irmão mais novo do Marquês de Pombal,
quem passa a ser o juiz substituto do Santo
Ofício que julgou e condenou a uma violenta
morte o padre Malagrida.
Assim se manterá a justiça: distinguindo
os inocentes dos culpados, e se algum
laxismo se introduziu na Companhia de
Jesus, ela será chamada ao primitivo estado de perfeição. Como é impossível que
num corpo tão dilatado como a Companhia de Jesus não se encontrem alguns
membros contaminados de imperfeições
que devem ser purificados ou amputados,
Bicentenário de Restauração
da Companhia de Jesus
assim nos parece incrível que não haja
entre eles muitíssimos inocentes, homens retos, perfeitos e santos, como nos
consta a nós e a toda a Igreja de Deus;
homens que, por todas as quatro partes
do mundo, propagaram a verdadeira fé
e que, com seus trabalhos, suores e até
com o próprio sangue, fecundaram as
terras incultas dos bárbaros; homens que
trouxeram ao redil de Cristo inúmeros
cristãos e gentios, que ilustraram a Igreja com a doutrina e a erudição dos seus
escritos e a defenderam contra os seus
inimigos; homens entre os quais há santos que veneramos nos altares, por quem
sabemos Vossa Majestade tem particular
devoção, embora muitíssimos outros sejam também dignos de tal honra. Por isso
pedimos a Vossa Majestade, com todo
o afeto do nosso coração paternal, que,
como filho obediente e fiel, ratifique o
que por nós for determinado, permita
que a causa da Companhia seja examinada por juízes especialmente delegados
por nós e que os réus com culpa provada possam ser punidos por estes, não
se tomando os inocentes por culpados.
E, assim, a Companhia, tão grande benemérita da Igreja, principalmente naquelas
longínquas terras de missão, purificada de
seus erros, seja conservada nos reinos de
Vossa Majestade.
Carta do Papa Clemente XIII a Dom
José I, 1759 (ECKART, 1987 p. 79).
Apesar disso, muitas foram as circunstâncias que o Governo Pombalino usou para
justificar a expulsão imediata e total dos padres jesuítas, em 1759, de todos os domínios
portugueses. Alguns jesuítas foram declarados
rebeldes, traidores, adversários e agressores,
e expulsos de Portugal e dos seus domínios,
e nenhuma pessoa, exceto as que o fizessem
por imediata ordem régia, poderia ter com
eles correspondência verbal ou por escrito,
sob pena de morte e confisco de bens.
Durante o tempo da prisão e mesmo antes do embarque, os jovens e não
professos foram muito pressionados a deixarem a Companhia. Houve total liberdade
aos que o fizessem, sem danos, em virtude
dos poderes concedidos ao Cardeal Saldanha. Contudo, foram poucos os que o fizeram: na Bahia, 44 de 166; no Rio, 56 de 202;
em Belém, 9 de 129. Aos que foram enviados a Lisboa, a sua chegada, novamente
foi-lhes proposto deixar a Companhia e 10
realizaram, 16 foram presos em masmorras,
e os demais foram embarcados para estados pontifícios. Para aqueles que estavam
no Maranhão, o Governador reservava um
ódio especial: 25 deles que já estavam em
Portugal e outros 15 foram repartidos em
várias províncias portuguesas e, sem interrogatórios ou processos, foram condenados e presos até o final de suas vidas.
Quando a Companhia foi expulsa do Brasil,
havia cerca de 2617 missionários em toda
a América Latina.
Bicentenário de Restauração
da Companhia de Jesus
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Nesse mesmo ano, Carlos III subiu ao
trono espanhol e um de seus primeiros atos
foi a instauração do Tratado de El Pardo, que
buscou resoluções para os conflitos fronteiriços na América do Sul entre os reinos de
Espanha e Portugal. Esse Tratado favoreceu
a retomada das relações entre os dois reinos, que passaram a coordenar uma frente
de Estados europeus para solicitar ao Papa a
supressão canônica da Companhia de Jesus.
A decisão de expulsar os jesuítas da
Espanha já existia, mas o rei Carlos III estava esperando um acontecimento grandioso,
como o motim de Madri, para aumentar o
sentimento antijesuíta na Espanha. Em 1766,
o governo espanhol manipulou essa manifestação popular em um golpe jesuíta contra a
Coroa. Foi dito ao Rei, por seus ministros, que
os jesuítas instigaram o povo para que fizesse
um motim, em Madri e em outras províncias,
a fim de derrubar Carlos III. Esse acontecimento fez com que, em menos de um ano,
os jesuítas fossem banidos da Espanha e de
suas colônias.
Com o documento Pragmática Sanción, de Carlos III, a Companhia de Jesus foi
expulsa de todos os domínios da coroa espanhola. Começa, também, a ofensiva contra os jesuítas na França. Quando sobreveio
a perseguição geral europeia, a Companhia
de Jesus estava em plena vitalidade dentro da
Igreja e, talvez por isso, atraiu a ira de seus
detratores.
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Bicentenário de Restauração
da Companhia de Jesus
Nesta hipótese, rogo a Vossa Santidade
que essa resolução minha seja vista puramente como uma indispensável econômica
providência tomada, com maduro exame
e profundíssima meditação. Fazendo-me,
Vossa Santidade, esta justiça, dará seguramente sobre esta ação (como lhe suplico)
e sobre todas as minhas, que do mesmo
modo se dirigem à maior honra e glória de
Deus, sua Santa Apostólica bênção.
Carta de Carlos III ao Papa Clemente XIII,
31 de Março 1767. (ARCHIVO JESUÍTICO DE LA ANTIGUA PROVINCIA DE
QUITO)
Em resposta, o Papa Clemente XIII
escreve:
Caríssimo Filho Nosso em Cristo, Saúde
e Bênção Apostólica. Entre tantas adversidades que temos experimentado, nestes
últimos anos do Nosso Pontificado, nenhuma infligiu ao nosso coração paternal tão
acerba dor como a última carta de Vossa
Majestade... Também tu, meu filho! O Rei
Católico Carlos III, o mais querido dos
nossos filhos, encherá o cálice da nossa
aflição com o fel da mais profunda amargura, tão intensa que levará ao sepulcro a
nossa infeliz velhice, inundar de lágrimas e
de dores! Será que o piedosíssimo Rei da
Espanha, Carlos III, usará, para destruição
completa de uma Ordem Religiosa, tão útil
e querida à sua Igreja, o braço do poder
que Deus lhe concedeu para promover e
defender a Sua Glória e a honra da mesma
Santa Igreja?
Carta do Papa Clemente XIII, em 16 de
Abril de 1767, em Roma (ARCHIVO JESUÍTICO DE LA ANTIGUA PROVINCIA
DE QUITO)
Com a morte do Papa Clemente XIII,
protetor da Companhia, o Marquês de Pombal
teve a esperança de, sob o pontificado de um
novo Papa, conseguir, finalmente, a completa
destruição da Companhia. E, em 19 de Maio
de 1769, foi eleito Papa o Cardeal Lorenzo
Ganganelli, com o nome de Clemente XIV.
Os dois membros da família pombalina, Francisco Xavier de Mendonza e Paulo de
Carvalho, tornam-se apenas coadjutores nesta destruição, pois, nesse momento da história, os protagonistas da extinção dos jesuítas
ficam mais evidentes: o Marquês de Pombal e
as cortes bourbônicas – chamadas de aliadas
pelo Marquês e pelo novo Pontífice, o Papa
Clemente XIV, nas seguintes cartas:
[...] Em terceiro lugar, em todos os particulares e mesmo nos negócios dessa Real
Corte, queira ter a bondade de no-los
comunicar, secretamente, pois nos lisonjeamos de poder dar-lhe alguma prova do
nosso sincero afeto. No assunto que também interessa a outras cortes, pedimos-lhe
que tenha confiança em nós e não permita
que pelos aliados nos sejam feitos certos
embates pouco comedidos, que não con-
Bicentenário de Restauração
da Companhia de Jesus
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duzam com segurança ao almejado fim
que nos propomos alcançar. Confie no
senhor comendador Almada, por nós cordialmente estimado, e tenha satisfação em
conservar em segredo esta nossa confiança, comunicando-a, no entanto, a sua Majestade fidelíssima, a quem paternalmente
damos a nossa bênção apostólica compreendida à real família e ao senhor mesmo a
estendemos.
Clemente XIV escreve ao Conde de Oeiras (Marquês de Pombal), a 28 de Agosto
de 1769. (LOPES, 2006, p. 18).
[...] Quanto ao negócio da causa comum
com as outras cortes que têm instado
pela dita extinção dos jesuítas, ficando El
Rei pela carta de Vossa Santidade, na certeza em que Vossa Santidade o põe de que
quer efetivamente extinguir os jesuítas,
logo que para isso tiver prudente segurança e vendo claramente que Vossa Santidade não a teve, nem tem, nas circunstâncias
em que até agora se achou: não cabia na
consumada circunspecção e filial ternura
do dito Monarca, mandar ao referido seu
plenipotenciário outra instrução, que não
fosse a que ele secretissimamente comunicará a Vossa Santidade.
Carta Resposta do Conde de Oeiras ao
Papa Clemente, em 5 de Outubro de
1769. (LOPES, 2006, p. 18).
Outra questão complicada para a Coroa Portuguesa tratava-se da economia dos
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Bicentenário de Restauração
da Companhia de Jesus
jesuítas, e o grande temor pombalino era a
grande capacidade intelectual desses religiosos: o medo do “ensinar a pensar” e a liberdade conquistada a partir dos ensinamentos
do Evangelho. Tanto assim que, após a expulsão, todos os livros escritos por jesuítas,
em qualquer lugar em que se encontrassem,
foram queimados.
O Marquês de Pombal declarou guerra,
ainda, aos santos da Companhia. Ele encerrou as
comemorações de São Francisco de Borja, protetor contra os terremotos, e mandou tirar dos breviários de todo o clero secular todas as referências e lições próprias de Santo Inácio. Os restos
mortais do padre José de Anchieta, enterrados na
Igreja de São Tiago, na Bahia, também foram expulsos do Brasil.
A conspiração contra os jesuítas apossou-se de todas as cortes da Dinastia Bourbon e das
de Portugal e Espanha. O último e decisivo golpe
foi a medonha alternativa: ou suprimir os jesuítas,
ou ver a França, Espanha, Portugal, Nápoles e Parma passar para um cisma e a Revolução Francesa
foi um dos desfechos desse drama. De tal forma
que, pelo Breve Dominus ac Redemptor, de 21 de
Julho de 1773, a Companhia foi supressa.
Todavia, Catarina II, da Rússia, publicou uma
ordem imperial mantendo e protegendo a Companhia de Jesus em seus territórios, permitindo,
também, a entrada de outros jesuítas que haviam
sido exilados de suas regiões. Por outro lado, os
jesuítas ficaram em dúvida sobre se cumpririam
ou não as ordens da Imperatriz, dado que elas se confrontavam com
as do Papa Clemente XIV, quem, em uma conversa com o ministro
Aranda, da Espanha, disse um dia que “indiferente coisa lhe era viver
ou morrer” (LOPES, 2006).
Assim, em 22 de Setembro de 1774, morria o Pontífice
Clemente XIV, aos 68 anos de idade. E, em 15 de fevereiro de
1775, era eleito o Papa Pio VI. Este, por sua vez, ao abrir o cofre
de seu antecessor, encontrou um documento que pedia para ser
analisada, novamente, a questão sobre a supressão da Companhia de Jesus.
De tal forma que o Papa Pio VI, já havia determinado o dia
da liberação do cárcere, do Padre Geral Lorenzo Ricci. Porém, este
não conseguiu suportar todos os malefícios causados pela prisão e
acabou falecendo. Em seu túmulo, na Igreja do Gesú, foi escrito:
Aquele que mereceu ter sepultura neste templo sagrado.
Muito sofreu pelo Nome de Jesus. Na mesma morte, prestes
a comparecer diante do Divino Juiz, tomou a Deus como
testemunha da sua própria inocência e da inocência dos seus
súditos. A todos os inimigos perdoou de coração: Assim quis
morrer como Cristo morreu. Liberto dum duplo cárcere,
no castelo de Sant’Angelo, passou entre coros de anjos ao
Castelo Celestial. Trinta círios alumiam o cadáver exangue.
Com glorioso esplendor que tão grande homem mereceu.
(LEITE, 1938).
Aos 24 de Fevereiro de 1777, morreu também Dom José
I, e a 10 de Março de 1777, os prisioneiros jesuítas de São Julião
foram soltos. Ao se abrirem as portas do cárcere, a população portuguesa comemorou. Percebeu-se, então, o descontentamento do
povo contra o Marquês de Pombal. A longa odisseia dos padres
jesuítas para a Restauração da Companhia de Jesus estava apenas
começando.
Bicentenário de Restauração
da Companhia de Jesus
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A Preservação da Ordem no Oriente
Apesar de supressa, a Companhia de Jesus
se manteve viva graças a sua presença no
Oriente. Em 1772, a Polônia – nação onde
a presença dos jesuítas era praticamente hegemônica – foi dividida entre as potências
russa, austríaca e prussiana. Essa divisão fez
com que a proporção de jesuítas aumentasse significativamente entre os súditos dessas
monarquias.
Na Prússia, o Rei Frederico II combateu as ordens da Santa Sé e anulou o Breve
de supressão, declarando, por diversas vezes,
sua autonomia para decidir sobre os assuntos de seus súditos e em particular sobre a
Companhia de Jesus em seu território. Assim,
o Rei tomou como resolução a conservação
dos jesuítas em terras prussianas.
O principal motivo dessa conservação foi o papel desempenhado pelos jesuítas na educação. Frederico II defendeu os
padres jesuítas, chegando a afirmar que, na
religião católica, nunca encontrara melhores
padres, sob todos os pontos de vista e que,
dificilmente, poderiam ser substituídos na
educação da juventude prussiana (LACOUTURE, 1992).
Bicentenário de Restauração
da Companhia de Jesus
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Dessa maneira, até a morte de Frederico II, em 1786, os jesuítas da Prússia
viveram em comunidade, de forma ativa e
influente. Após sua morte e com a ascensão
de seu filho, Frederico Guilherme, os jesuítas
foram obrigados a se dispersar, dirigindo-se
principalmente para o império russo.
Assim como Frederico II, a czarina russa
Catarina II desafiou Roma. Quando o Breve
papal foi comunicado a São Petersburgo, Catarina II proibiu sua publicação e difusão. Além
disso, ordenou, em 03 de Outubro de 1773,
a publicação da ordem imperial de proteção
à Companhia de Jesus na Rússia, autorizando
a entrada de quaisquer jesuítas em seu território. Com esse gesto, Catarina II abriu seu
império para o Ocidente e deu um forte impulso à educação; acreditava que a formação
da juventude deveria ser a base de um Estado
esclarecido e que a tolerância era o cúmulo da
sabedoria. Foi por meio de sua admiração ao
trabalho educacional promovido pelos jesuítas
que a czarina, do mesmo modo que Frederico
II, protegeu a Companhia de Jesus da supressão levada a cabo pela Santa Sé.
Além dessa proteção oficial, Catarina
II realizou uma série de medidas para ampliar
as possibilidades de ação dos jesuítas em seu
território. Entre elas, a mais importante foi a
abertura do Noviciado de Polotsky que, além
de formar novos membros para a Companhia, possibilitou a admissão de antigos jesuítas espalhados pelo mundo. Foi nesse contex-
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Bicentenário de Restauração
da Companhia de Jesus
to que Catarina II escreveu ao Papa:
Os motivos pelos quais concedo proteção
aos jesuítas baseiam-se na razão e na justiça, bem como na esperança de que serão
úteis aos meus Estados. Este grupo de homens pacatos e inocentes viverá no meu
império porque de todas as Sociedades
católicas é a mais apropriada para instruir
os meus súditos e inspirar-lhes sentimentos de humanidade e os verdadeiros princípios da Religião cristã. (LACOUTURE,
1992, p. 31).
Outra medida importante iniciada por
Catarina II e continuada por seu sucessor,
Paulo I, foi a campanha para oficialização da
existência da Companhia de Jesus em território russo. Essa campanha culminou com a
solicitação de uma sanção oficial do Papa Pio
VII, que foi conquistada em 1801, por meio
do Documento Catholicae Fidei.
Com essa sanção oficial do Papa, o império russo possibilitou o aumento do número de membros na Companhia de Jesus, bem
como a efetivação de suas atividades tradicionais como o ensino, a ação social e a evangelização. Esse crescimento gradual da Companhia em terras russas e a admissão massiva
de estrangeiros oriundos de territórios onde
a Ordem permanecia supressa fizeram com
que a Companhia de Jesus se mantivesse verdadeiramente internacional, mesmo que em
território russo.
O Processo de Restauração
da Companhia de Jesus
Com a aprovação oficial da existência
da Companhia de Jesus no império russo,
houve a possibilidade de avanços para a restauração mundial. Nesse contexto, diversas
outras monarquias começaram a solicitar ao
Papa a legitimação dos jesuítas em suas respectivas nações.
Essa pressão se dava majoritariamente acerca de uma restauração propriamente
dita, uma vez que as tentativas por parte de
alguns padres para que a Companhia fosse refundada não eram aceitas pela grande
maioria dos membros da Ordem. O Espírito
da Companhia de Jesus permanecia vivo e fiel
ao Espírito dos primeiros companheiros de
Santo Inácio; portanto, a Companhia deveria
ser restaurada, evidenciando a manutenção
do espírito inaciano, e não refundada como
uma nova Ordem.
Nesse sentido, um dos primeiros movimentos que se seguiram à campanha de
Catarina II em prol da restauração da Companhia de Jesus foi o de Fernando IV, Rei de
Nápoles e filho de Carlos III da Espanha. Fernando IV tinha nos jesuítas homens de confiança para tratar da educação em seu reino.
Dessa forma, buscou manter e legitimar a
permanência e a atuação da Companhia de
Jesus em seus domínios e procurou o padre
Joseph Pignatelli – homem de confiança tanto
do Rei quanto da Companhia –, solicitando-lhe que os jesuítas cuidassem da educação
em seu território. Como condição para esse
20
Bicentenário de Restauração
da Companhia de Jesus
trabalho, Fernando IV e Joseph Pignatelli realizaram uma intensa campanha para a restauração da Companhia de Jesus em Nápoles e
nas duas Sicílias.
Então, superando diversas dificuldades diplomáticas e hierárquicas com os bispos, com outras monarquias e com a Santa
Sé, Fernando IV e Joseph Pignatelli conseguiram que o Papa Pio VII assinasse o Breve
que restaurava a Companhia de Jesus em
Nápoles e nas duas Sicílias. Com isso, dos
168 sobreviventes da antiga província de
Nápoles, 135 reingressaram na Ordem nos
anos que sucederam o Breve de restauração
de Pio VII.
Outras campanhas importantes para a
ampliação da restauração da Companhia de
Jesus foram realizadas: em 1803, houve o reinício das atividades no Noviciado da Inglaterra, onde antigos membros da Ordem renovavam suas profissões de fé e formavam novos
jesuítas; em 1806, jesuítas norte-americanos,
com auxílio do império russo, abriram um
Noviciado nos Estados Unidos com o mesmo propósito.
No entanto, a restauração da Companhia não se deu de forma contínua, gradual; as
invasões napoleônicas romperam o processo
de restauração. Napoleão, juntamente com
seus exércitos, invadiu os Estados Pontifícios e
fez do Papa Pio VII seu prisioneiro. Além disso,
em 1810, o líder francês dissolveu todos os
grupos religiosos, expulsando cerca de 4600
religiosos de Roma.
Se por um lado as invasões napoleônicas dificultaram o processo de restauração da Companhia de Jesus, por outro, elas
corromperam as relações entre a Rússia e
o Ocidente, retirando do império oriental
o papel de asilo privilegiado e devolvendo
à Companhia o poder internacional junto
às capitais ocidentais. Com isso, os jesuítas passaram a agir em solo europeu com
maior autonomia. Além disso, as derrotas
militares de Napoleão e a decorrente soltura de seus prisioneiros – entre eles o
Papa – reacendeu a campanha de restauração da Companhia de Jesus, fazendo com
que as solicitações de restauração parcial
da Ordem convergissem para sua restauração total.
Assim, na manhã de 07 de Agosto de
1814, Pio VII celebrou a missa no Altar de
Santo Inácio. Na ocasião, todos os cardeais
da cidade bem como cerca de cem jesuítas
sobreviventes à época da supressão estavam
presentes. Após a missa, o Papa solicitou ao
Monsenhor Cristaldi a leitura da Bula Sollicitudo Omnium Ecclesiarum e a entregou
ao Provincial Panizzoni, que representava o
Padre Geral Brzozowski. Diante de todos
aqueles jesuítas, dos cardeais e até mesmo
de Carlos IV, rei da Espanha, o Papa fez ler
a Bula que restaurava a Companhia de Jesus
em todo o mundo.
Bicentenário de Restauração
da Companhia de Jesus
21
A Restauração no Brasil
A Companhia de Jesus retornou ao Brasil em 1842, por meio
de um grupo de padres espanhóis. Estes, devido à Revolução
Liberal espanhola de 1835, foram obrigados a interromper
suas atividades na Espanha, sendo posteriormente transferidos à Argentina a convite do ditador Juan Manuel Rosas.
Na Argentina, Rosas desejava, por meio da influência
dos padres jesuítas, promover sua administração. E como esses religiosos não compactuavam com seu governo e com
suas intenções em manipulá-los, a Companhia passou a ser
pressionada pelo Estado e por seus simpatizantes, obrigando
os missionários a se refugiarem em Montevidéu.
Assim, uma vez estabelecidos no Uruguai, os padres
começaram a buscar novas alternativas de ação, dentre elas
retornar às antigas reduções indígenas no Brasil e no Paraguai. E, para tanto, o padre Mariano Berdugo vai à cidade do
Rio de Janeiro e estabelece boas relações com o internúncio Ambrósio Campodonico e com o bispo Dom Manuel
Rodrigues de Araújo quem promove, entre julho de 1842
e janeiro de 1843, a ida de jesuítas para atuarem no Rio
Grande do Sul.
Em 1842, então, os padres fundam uma residência em
Porto Alegre, que serviria de base para a organização das
primeiras missões populares. Essas missões consistiam em
visitas ao interior do Estado, a pequenas cidades e vilas, nas
Bicentenário de Restauração
da Companhia de Jesus
23
quais, ao serem convidados e previamente
autorizados pelo clero local, realizariam pregações, missas, procissões, catequeses entre
outras atividades sacramentais. Destaca-se,
também, nesse período, a criação, em Porto
Alegre, de uma escola de latim, em 1847, e
entre 1848 e 1852, a realização de missões
junto aos índios Kaingáng.
Durante a realização das missões populares junto às comunidades rurais, os padres de origem espanhola solicitaram, junto à Província da Áustria e da Alemanha, a
presença de jesuítas de língua alemã, devido
à grande quantidade de imigrantes estabelecidos em colônias no Estado do Rio Grande
do Sul. Assim, a partir de 1849, chegam ao
Brasil os primeiros jesuítas austríacos e alemães que, pouco a pouco, vão substituindo
os padres espanhóis.
Já o estabelecimento dos jesuítas espanhóis, na cidade de Desterro, atual Florianópolis, ocorreu no ano de 1843, também a
pedido das autoridades locais, visto que a cidade sofria da falta de assistência espiritual e
de colégios suficientes para a educação dos
jovens. Como se vê, em Santa Catarina, a
Companhia iniciou seus trabalhos por meio
de missões populares, no interior, além de
assistirem a paróquias e irmandades cristãs.
Em 1845, em virtude do incentivo
das autoridades locais, os jesuítas passam a
lecionar em escola própria, inaugurando o
24
Bicentenário de Restauração
da Companhia de Jesus
Colégio dos Missionários, que oferecia ensino gratuito e era subsidiado pelo governo.
O colégio, em seu primeiro ano de existência, não possuía prédio próprio com toda a
infraestrutura necessária, de modo que, para
isso, a Companhia compra um sítio, a primeira propriedade adquirida após o restabelecimento no Brasil, e já em 1846 o colégio
passa a funcionar em nova localidade, realizando o atendimento de alunos internos das
Províncias do Brasil e do Prata.
Apesar dos esforços, a missão na cidade de Desterro seria interrompida em
1855, entre outros motivos, pelo alto custo
do colégio, pela interrupção da contribuição
financeira que o Estado até então fornecia
aos estudantes, pelo aumento do número
de padres e irmãos e, consequentemente,
das despesas. Outro fator relevante era a insalubridade da cidade, o que ocasionou um
surto de febre amarela, vitimando, na comunidade jesuítica, três alunos e seis padres, em
1853, provocando o fechamento do Colégio
dos Missionários nesse mesmo ano.
De tal sorte que, com a interrupção
das atividades na cidade de Desterro e em
Porto Alegre e do trabalho realizado junto
aos índios Kaingáng, a missão hispânica chegou praticamente ao fim, com a transferência dos religiosos para outras províncias.
Apesar disso, a Companhia de Jesus
manteve-se na Região Sul do Brasil graças
à continuidade dos trabalhos dos padres de
origem alemã que, desde 1849, começaram
a atuar, primeiro na colônia de São Leopoldo
e depois por toda a região. Os trabalhos que
no início resumiam-se à assistência pastoral,
com o tempo, passaram a abranger a fundação de paróquias próprias, colégios e seminários. Foi o caso, por exemplo, do Colégio
de Nossa Senhora da Imaculada Conceição
(1869), em São Leopoldo, que inicialmente
tinha a intenção de formar professores de
ensino primário e cultivar vocações sacerdotais. Posteriormente transformou-se em
colégio secundário (1869-1912), seminário
entre os anos 1913-1956 e finalmente na
Universidade do Vale do Rio Sinos em 1969.
Noutra perspectiva, quando abordamos a reinserção dos jesuítas nas demais
regiões do Brasil, temos na figura do padre
Jaques Razzini, nomeado visitador da missão
do Brasil, ações que foram fundamentais
para a ampliação do alcance missionário. O
padre Razzini foi o responsável pela articulação da criação do Colégio São Luís, em
Itu (1867), do Colégio Santíssimo Salvador,
novamente na cidade de Desterro (18651870), e de missões no Nordeste do Brasil.
A reintrodução dos jesuítas, em sua
maioria de origem italiana, no Nordeste
do país, deu-se a partir da cidade de Recife. Convidados pelo Bispo de Olinda, Dom
Manuel do Rego Medeiros, para inicialmente
atuarem como professores em um Seminá-
rio, rapidamente passaram a ser solicitados,
também, para abrirem um colégio próprio e
atenderem à grande demanda que existia na
região por formação escolar.
O Colégio São Francisco Xavier
(1867-1874) passou, então, a funcionar
como a base para a realização de outros ministérios, bem diversificados entre si, como a
assistência espiritual a vilas e fazendas da região, atendimento da população carcerária e
para além da atuação junto ao meio jornalístico, ao escreverem matérias sobre o poder
papal e a atuação da Igreja e da Companhia
de Jesus no Brasil.
Contudo, os jesuítas estrangeiros foram obrigados a deixar sua missão no Nordeste, em 1874, devido ao acirramento do
conflito na cidade de Recife, com grupos
maçons. Os mesmos eram contrários à presença de padres de outras nacionalidades
e atacavam todos aqueles que apoiavam as
reformas promovidas pelos bispos locais,
que tinham como objetivo coibir o avanço
da maçonaria. Os jesuítas, que eram grandes
apoiadores dos bispos e que defendiam o
poder papal, foram extremamente perseguidos, ocasionando, com sua expulsão, o encerramento das atividades naquele ano.
Administrativamente, os primeiros
trabalhos realizados no Brasil pela Companhia de Jesus foram promovidos pela Província da Espanha, através da Missão Argentina,
Bicentenário de Restauração
da Companhia de Jesus
25
nas regiões do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina, a partir de 1843. Receberam o
nome de Missão Paraguaia os trabalhos que
englobavam os Estados acima citados entre
1844 e 1865.
Com isso, a partir de 1865, a Missão
Brasileira passa a depender diretamente da
Província Romana (1865-1869), que realizaria a sua bifurcação, em 22/07/1869. Deixava,
assim, a residência de Porto Alegre, e os jesuítas de língua alemã sob direção da Província Germânica. Os demais missionários permaneceriam sob as orientações da Província
Romana, tendo, no Colégio São Luís de Itu,
o centro de suas atividades, usando-o como
base para alcançar outras regiões brasileiras.
Como parte das realizações da Província
Romana, temos a fundação dos Colégios
Anchieta (1886), em Nova Friburgo, e de
Santo Inácio, no Rio de Janeiro.
Em linhas gerais, podemos concluir
que as missões realizadas pela Companhia
de Jesus no Brasil, em meados do século
XIX, bem como sua restauração, não faziam
parte de um plano pré-estabelecido e, sim,
de uma sucessão de respostas às oportunidades e solicitações que lhe eram apresentadas. As ações passam a tomar uma
forma mais delineada a partir do generalato
do Padre Beckx que, através do visitador Jaques Razzini, buscava fomentar a abertura
de colégios que serviriam de suporte para
a expansão e realização de outras Missões.
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Bicentenário de Restauração
da Companhia de Jesus
A Companhia de Jesus Restaurada
A atuação da Companhia de Jesus sempre
esteve direcionada para a universalidade de
sua Missão. Desde sua fundação, em 1540,
os primeiros jesuítas buscaram conhecer e
vivenciar a cultura dos povos para os quais
propagavam a fé. Passados 473 anos de sua
fundação, estando presente em mais de 130
países, a Companhia de Jesus continua a ser
uma Ordem universal que caminha com o
novo. Em trecho do texto de sua 35ª Congregação Geral, encontramos essa identidade da Companhia: “A medida que o mundo
se transforma, muda também, o contexto de
nossa missão”.
As Congregações Gerais são assembleias que se realizam por convocação do
Padre Geral, quando são detectadas necessidades de mudanças no corpo apostólico da
Companhia, como eleição do Padre Geral,
mudanças nas Constituições ou o fechamento de Casas etc., ou quando a missão universal necessita de novas diretrizes para enfrentar os desafios do mundo atual, como as
necessidades espirituais e materiais da Igreja
e dos povos. A primeira Congregação Geral
foi realizada em 1558, e a última, a 35ª, foi
convocada em 02 de fevereiro de 2006 e
concluída em 06 de março de 2008. Desde
a Restauração da Companhia, em 1814, já fo-
28
Bicentenário de Restauração
da Companhia de Jesus
ram realizadas 16 Congregações Gerais.
A Companhia conhece as necessidades do mundo hoje e, por isso, pode atuar
em várias frentes, como as ações pela defesa
da ecologia, o conhecimento dos mecanismos
prós e contras da globalização, a necessidade
do aprofundamento do diálogo inter-religioso,
o aperfeiçoamento constante do apostolado
intelectual para o desenvolvimento social, o
contato com os aborígenes, o Serviço Jesuíta
de Refugiados, e a Rede Jesuíta de Educação
etc., que são trabalhos que os jesuítas desenvolvem sempre com o olhar voltado para a
construção de um mundo melhor, a serviço
da fé e da promoção da justiça.
O missionário Francisco Xavier escreveu, em 1549, o que está a toda prova nos
dias de hoje: “Acima de tudo, não abandoneis um bem universal por um bem particular, como a pregação por alguma confissão, o
ensinamento cotidiano das orações na hora
marcada por qualquer outra obra (útil a um
simples) particular”. (ANAIS, 2006, p. 32)
As palavras do padre Peter-Hans Kolvenbach completam as do missionário do
Oriente e expressam o que é a Missão da
Companhia de Jesus:
Para um jesuíta, a globalização não deveria
ser algo desconcertante. Mesmo se Inácio
não prega esses termos, ele queria que, em
seguimento ao mistério da Encarnação, a
Companhia atuasse na tensão universal
e particular, que se torna, em tradução
moderna, pensar no mundial e trabalhar
no local. O espírito de um jesuíta deveria
sempre se mover para o universal e estar concretamente disponível para servir
em toda parte do mundo onde a carência apostólica é maior. De outro lado, ele
deveria inserir-se no trabalho em terreno
local, aprender as línguas e as culturas locais. Abrir-se ao universal, discernindo nele
o que é positivo e o que pode tornar-se
negativo e, ao mesmo tempo, trabalhar no
particular, no local, sem acantonar-se nele
ou ser dele prisioneiro, eis o que Inácio
via como ideal também para nós. (ANAIS,
2006, p. 10)
Neste Bicentenário de Restauração, a
Companhia de Jesus comemora a data, reavivando sua história durante o período mais
difícil de sua existência, o século XVIII, e todo
o esforço daqueles que sempre acreditaram
no legado que Santo Inácio deixou. O que
houve foi uma retirada e a restauração que
hoje se comemora.
Bicentenário de Restauração
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Angélica Brito Silva Carla Galdeano Larissa Maia Artoni Silvia Maria