ISSN: 2316-3992
O STAROVERI: A INFLUÊNCIA DA TECNOLOGIA MIDIÁTICA NA PRÁTICA CULTURAL1
Marcos Pedro da SILVA2 e Débora Cristina TAVARES3
Resumo
Este trabalho pretende analisar as transformações ocorridas na prática cultural da Colônia Russa em Primavera do Leste-Mato Grosso, aos olhos da comunicação e mediações culturais. Acredita-se que as mudanças são
ressignificações da tradição cultural e da religiosidade e está diretamente ligada aos novos recursos decorrentes
das tecnologias midiáticas que vem sendo inserida em seu cotidiano e dando novos significados.
Palavras-chave: : : Cultura Popular; Mediação Cultural; Religião; Mídia; Cultura; Cultura Russa.
1 Trabalho apresentado no 1 Encontro Centro-Oeste de História da Mídia – Alcar CO 2012, 31/10 e 01/11 2012, Unigrm/
Dourados/ MS.
2 Mestrando em Estudo de Cultura Contemporânea – ECCO - UFMT, email: [email protected]
3 Professora Doutora do Curso de Comunicação Social da UFMT e Coordenadora do Grupo de Pesquisa e Estudo de Mídia e
Cultura, email: [email protected]
Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 – edição especial, p. 24-33, nov 2012
SILVA, Marcos Pedro
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Introdução
Quando se fala da manifestação cultural da Colônia Russa em Primavera do Leste, MT é necessário primeiramente contextualizar ao longo de sua história todos os acontecimentos que marcaram e ressignificaram esta cultura.
Essa busca será analisada desde sua saída da Rússia e sua chegada ao Estado de Mato Grosso. Fatos esses que
vem entrelaçados e englobados através do processo imigratório gerado pelo conflito religioso e político em seu
local de origem. Tentar responder quais os fatores que motivaram a sua vinda para esse novo mundo, assim considerado por eles, é uma questão bastante delicada. O que se tem de concreto sobre a Comunidade Russa no Brasil
são poucos registros de fatos históricos ou relatos deixados pelos primeiros imigrantes ao se estabelecerem no Brasil
e principalmente em Mato Grosso, os poucos recortes de jornais, sites e revistas são esses postulados que trazem
informações importantes para melhor compreensão sobre o seu contexto sócio-cultural de sua chegada.
Para situar o que caracteriza esses fatos culturais, se faz necessário um breve relato histórico. Segundo Lucena
Filho (2007, p.151) “não é possível analisar uma manifestação cultural sem considerar sua historicidade e as
variáveis sociais, econômicas, políticas e culturais do lugar onde o fato ocorre”.
Esta pesquisa trata da influência da tecnologia midiática na prática cultural da Colônia Russa em Primavera
do Leste - MT. Em síntese, é procurar descrever como esse processo manifestou e/ou manifesta com a chegada
da tecnologia midiática, quais as alterações em sua prática religiosa, e, principalmente, o seu modo de vida, pois
geram muitos questionamentos e problemas a serem respondidos.
A ideia para produção deste artigo foi inspirada na observação feita aos logos de 2008 até os dias atuais e
leitura do texto “Imigração Russa no Brasil: aos olhos da comunicação” percorre um contexto amplo de possibilidades. Baseadas na teoria dos meios, às mediações, mundialização e cultura encontram parâmetros para serem
analisadas as interações entre a prática cultural e a mídia no contexto local, como os meios estão vinculados
à prática cotidiana desse grupo. Essa nova configuração cultural é potencializada pela influência dos meios de
comunicação de massa: a internet, o celular e a televisão, entre outros elementos midiáticos na contemporaneidade, principalmente analisando como esses aspectos de mudanças se dão em relação com a mídia.
Para tanto, foi realizada uma pesquisa bibliográfica, a fim de trazer mais informações a respeito da história
da cultura russa e dos meios de comunicação e das teorias de Cultura de massa e cibercultura bem como a realização de pesquisa documental que possibilitasse as análises e exemplificação do objeto de estudo.
Os Staroveri em Mato Grosso
Diferentes dos imigrantes que fixaram suas moradias ao sul e sudeste do Brasil, os russos que vieram para
região centro-oeste pertencia a um movimento religioso, denominado os Staroveri ou “velhos crentes”. Surgido
a partir de 26 de Outubro de 1917, com a implantação do marxismo-leninismo na Rússia, aboliu todas as propriedades privadas e a religião pertencente a essa comunidade rural, das quais muitos deixaram o seu local de
origem para exilarem em países vizinhos.
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Os russos tradicionais ou camponeses como são chamados, despojados de suas propriedades agrícolas
foram impedidos de exercer a sua fé, resistiram aproximadamente durante dois anos às perseguições de que foram vítimas na Rússia. Durante esta perseguição sofreram ao longo das estepes siberianas4 , das quais os russos
fundamentalistas tiveram de cumprir um demorado périplo para a fuga, que consumiu quase uma geração. Inicialmente muitos foram para outros países como China, Mandchúria e Mongólia, nações onde nasceram alguns
imigrantes que reside em Mato Grosso e varias regiões do Brasil. Com a chegada da Segunda Guerra Mundial
e outras revoluções acabaram por expulsá-los, de cidade em cidade, de país em país. Já entediado de tantas
perseguições buscaram uma nova pátria em outros países, dentre esses o Brasil. Um numeroso grupo decidiu dar
um basta ao exílio e buscar novos caminhos, onde pudessem encontrar tranquilidade, segurança e viver em paz
e praticar principalmente, os rituais do cristianismo primitivo de suas crenças.
Essa cidade caracterizada na linguagem Bíblica a Canaã, o especialista em cultura russa Zabolotsky (2007,
p.74) explica que foi encontrada no início da década de sessenta, as primeiras famílias que se estabeleceram no
município de Primavera do Leste, no cerrado matogrossense, a uma distância de trezentos quilômetros da capital. O
pioneiro desta expedição foi senhor Wassily Killy, que enfrentou a dura vida do serrado, construindo cabanas improvisadas, espalhadas pelas futuras fazendas. Nelas foram estabelecidas regras de conduta dos velhos crentes, como
a divisão de tarefas entre homens, mulheres, meninos e meninas. Com o sucesso do plantio e a fartura das colheitas, novas famílias de imigrantes russos brancos vieram para esta região, juntando-se aos pioneiros. Transformaram
a mata virgem em fervilhante concentração de tratores, semeadores, colhedeiras, caminhões e veículos novos.
Mesmo estando em uma região aparentemente isolada, o modo de vida permanece ainda completamente
diferente do homem urbano. O uso da tecnologia industrial aplicada no plantio sempre esteve presente, com
grandes máquinas que contribuíram na plantação do milho, soja, arroz. Surgiram também, casas, hortas e jardins, moinho doméstico e fábricas de rações. Transformando-o no celeiro da região. As residências denotam
um estilo particular, que são erguidas pelo grupo seguindo um estilo camponês russo, têm variações brasileiras
para se adaptar ao clima de muito sol e chuva, em vez de neve e gelo. As paredes das casas são, na maioria, de
madeira ou às vezes de alvenaria. Dispõe ainda de equipamentos domésticos rústicos, para garantir certa autosuficiência para as famílias. O forno de barro e o fogão a lenha são indispensáveis.
Nesta comunidade as mulheres têm por costumes usarem vestidos longos e cumpridos, lenços e tranças no
cabelo, tecem e bordam, costuram as roupas de toda família. Além dos afazeres domésticos. Tudo é aproveitado, nem que seja para fabricar vodka fina, a brashkva, feita de arroz fermentado ou de frutas especialmente
preparado para as ocasiões festivas, entretanto, é considerado um excelente refresco. Para eles a ociosidade é
um pecado no seio da comunidade.
4 É vegetação rasteira, clima frio e seco, longe da influência marítima e perto de barreiras montanhosas. principalmente nos
EUA, na Mongólia, na Sibéria e na China.
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Esse modelo incomum, aos nossos olhos, das práticas culturais da comunidade russa, agrega-se desde muito
cedo a formação educacional das crianças, sendo até certo ponto rígida, embora não apresenta certa severidade. São introduzidas na infância nas práticas e ministério do cristianismo ortodoxo.
Além do catecismo convencional, aprendem a ler textos antigos, em russo e grego helênico, que servirá de ajuda na leitura da Bíblia cristã primitiva e para os cânticos religiosos. Com paciência e obstinação, os pais ensinam
os filhos pequenos a falar e ler em russo. Além da propedêutica dos caminhos da virtude cristã do catolicismo ortodoxo, não se descuidam em colocá-lo em escola pública para aprender o português e cursar o ensino fundamental
e médio. Embora algumas famílias não permitissem que as adolescentes ou jovens terminassem o ensino médio, o
papel da mulher nessa comunidade é cumprir com as obrigações do lar, como uma boa dona de casa, princípios
esses que são estabelecidos por considerarem uma família extremamente patriarcal.
Apesar do tempo em que vive nesta região, ainda são visto com certa estranheza. Isso certamente em virtude
de seus trajes, hábitos, costumes e, principalmente, por causa da língua, a escrita em cirílico (alfabeto eslavo) e
a religião onde moram. O que também gera um distanciamento entre a comunidade urbana, é o fato de serem
auto-suficiente em tudo faz, rarefazendo os contatos com a vizinhança e com as pessoas da cidade. Mas de modo
algum se isolam em sua comunidade por completo, nem formam grupos fechados na integra. O contato que se
tem está ligado diretamente com as relações comerciais. Mesmo com esse contato urbano, os próprios integrantes
dessa comunidade procuram ou mantém certo distanciamento dos hábitos e práticas desse homem urbano, procura cumprir os padrões e regras que são estabelecidas e ensinadas desde muito cedo e que devem ser cumpridas e
preservadas por cada um. Além de estimularem numerosa prole, as crianças são nascidas por uma parteira à moda
antiga, e são batizados pelo Padre Gabryl Kosnitchov, o líder em Mato Grosso.
Sobre o casamento, é um momento muito festivo, chega a durar aproximadamente três a cinco dias de comemoração. Zabolotsky (2007) comenta:
Os jovens casam cedo. O noivo oferta uma flor da grinalda que a noiva usa durante
o noivado. Escolhem os acompanhantes para os preparativos do casamento. As vizinhas e
parentas costuram, bordam e, principalmente, trocam segredos do matrimônio com a futura
esposa. Quanto o rapaz, neste período, dedica-se às despedidas de solteiro, com os amigos
e muita braskhva. Enquanto isso, seus parentes lhe preparam o enxoval, resumindo em várias rubaskas, (camisas) alguns pares de trussi (calças) e os indispensáveis paissocos (cintos
tecidos e bordados em casa) dos blusões (ZOBOLOTSKY, 2007, p.75).
Nesse contexto da citação acima, percebe-se nessa manifestação casamenteira uma tradição arcaica que
ainda hoje são realizadas e cumpridas. O casamento na colônia é feita a moda antiga, onde as famílias presam
pela escolha noivo ou noiva para o filho ou filha. Podendo ainda nessas escolhas os pretendentes pertencer a
uma dessas comunidades russas existente no Brasil ou no exterior, desde que mantenha os mesmos ritos religiosos, padrões e regras, e, principalmente que professa a religião ortodoxa. Já houve caso na comunidade, de
brasileiro que se converteu ao catolicismo ortodoxo e todas as suas práticas, e conseguiu o consentimento dos
pais para se casar. Fazer parte dessa comunidade, não é somente se converter, mas, é necessário cumprir todos
os ritos religiosos e tradição, bem como estabelecer sua moradia na colônia.
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Além de todos esses elementos importantes para o pertencimento nessa comunidade, existem ainda inúmeras
colônias em várias regiões do Brasil como: Goiás, Mato Grosso, São Paulo e Rio Grande do Sul e no exterior Bolívia, Argentina, Chile, Estado Unidos e Canadá. A semelhança entre elas são suas práticas ritualísticas da religião
ortodoxa, com suas características primitivas de cultuar. Ordeiros, disciplinados e devotados ao trabalho, demonstram através de sua fé que ainda mantêm a solidez da comunidade contra desagregações e tentações da sociedade globalizada e permissiva, principalmente ao uso das tecnologias midiáticas que, embora em menor impacto,
também os tem alcançado.
Com essas mudanças, algumas comunidades deixaram de preservar a sua tradição, principalmente as vestimentas como era de praxe, incorporaram um novo modelo, agregou-se também em sua prática o uso da tecnologia midiática ao modo de vida. Com a virada do século e entrar no terceiro milênio cristão, pretendia continuar
vestindo e vivendo como viviam seus velhos ancestrais da velha Rússia czarista. Embora ainda hoje exista comunidade que preserva os moldes de seus antepassados, como é o caso da colônia russa em Primavera do Leste. Mesmo
assim as mudanças e alterações só ocorreram através desse contato com as novas tecnologias.
Panorama da Religião Ortodoxa
Sobre a Religião Ortodoxa é importantes compreender todo o processo histórico como a história se escreveu ao
longo do tempo, começando a divisão do mundo romano em Império do Ocidente (ano 395). De um lado o latino,
que abrange todo o Ocidente, de outro, famílias de ritos que constituem as chamadas Igrejas Orientais, encarnações da vida cristã em diversas culturas milenares do Oriente, como a grega, egípcia, russa, romena cristianismo
sérvio, búlgaro, georgiano e outras.
A Igreja Ortodoxa professa a Doutrina autêntica do Cristo, tal e qual como foram reveladas dos seus próprios
lábios e exercidas pelos Apóstolos no primeiro século da era cristã, então na Palestina e cidades de Jerusalém, Damasco e Antioquia, transmitida pelos Apóstolos aos seus próprios sucessores e aos fiéis, e preservada zelosamente
em sua pureza cristalina através dos séculos.
É considerada a doutrina certa e justa, compreendida sem subtração e sem acréscimo nas Sagradas Escrituras, na
Tradição e nos Sete Concílios Ecumênicos. Chama-se Ortodoxia a doutrina que observa os ensinamentos do Nosso
Senhor Jesus Cristo, reverenciados e propagados pela Igreja Ortodoxa, para glorificar a Deus e salvar as almas.
A Cristandade ficou dividida entre duas igrejas: Católica Romana, e Católica Ortodoxa (orto: reto; doxo: fé). A
religião Ortodoxa atingiu o apogeu com Igreja Russa criada 988, pelo Príncipe Vladimir.
As Igrejas Católicas Romanas e Católicas Ortodoxa são uma só, fundada por Jesus Cristo e estabelecida pelos
Santos Apóstolos. Apresentam mínimas diferenças no dogma, algumas na liturgia e na hierarquia eclesiástica.
A fé na Ortodoxia, cuja crença contribuiu e ajudaram os colonos a suportar as dificuldades encontradas ao
longo da vida e dos sofrimentos com a chegada ao Brasil, sem dúvida foi o elo integrador e de união entre eles,
bem como a resistência e preservação da própria cultura.
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Sendo denominado como Católico Ortodoxo ou Ortodoxo. Os russos descendentes professam de maneira
inquestionável a sua fé, freqüenta as liturgias estabelecendo vinculo com o ofício religioso expressada na prática
do seu cotidiano, tudo esta associado a religiosidade que é o fator primordial. Começando pelo calendário festivo da comunidade. Segue e observa o calendário Juliano que divergem do romano, a única diferença de um
para outro que um tem treze dias a mais.
Esta religiosidade com o passar dos anos percebe-se uma nítida diferença da geração anterior e a atual.
Enquanto a geração anterior externa uma religiosidade mais íntima, mais compenetrada por ocasião dos ofícios
litúrgicos. A geração atual participa mais descontraída dos atos litúrgicos e sua religiosidade aparenta ser mais
superficial. Isso se observa através da comparação dos comportamentos dessas gerações.
Além da religião, segundo Jacinto Zobolotsky (2007):
Os imigrantes e descendentes, principalmente os mais idosos, preservam, ainda hoje,
alguns usos e costumes, transmitidos de geração em geração. As mulheres mais velhas costumam usar lenços na cabeça e vestidos com estampas coloridas. Os noivos por ocasião do
casamento, após a Liturgia, são recebidos pelos pais, com um ícone, em geral da Virgem
Maria. Ele é colocado em um lugar de honra em seu novo lar, para as orações. Simbolizando
a vida, força, trabalho, hospitalidade e abundância fazem-se a partilha do pão e sal, para
que nunca falte aos noivos o pão e sal. É também usado para dar boas vindas na recepção
a visitantes ilustres (ZOBOLOTSKY, 2007, p. 156).
Em algumas casas, ainda hoje se preservam o “ângulo belo”, iluminado pela lampatka, um ângulo na entrada onde são colocados os ícones. A preferência é por um lugar alto, para elevar o olhar ao Altíssimo, que significa a presença de Deus na casa. Quem conhece a tradição, ao entrar na casa, após saudar o dono, inclina-se,
faz o sinal da cruz.
Quando um cristão ortodoxo morre, coloca-se envolto de sua cabeça, uma espécie de faixa com inscrições
em russo ventchik5, significando que o finado cumpriu em vida com honra, seus compromissos religiosos e sua
missão aqui na terra, sendo como um passaporte da Terra para o Céu.
Novos Desafios da Cultura Russa
As condições vividas pelos antepassados influenciaram na formação dos imigrantes russos e se seus descendentes: embora sendo tímidos, pacatos, retraídos, desconfiado, mais são tementes a Deus e às leis dos homens.
Até então com sua chegada era taxados de comunistas, por causa da revolução 1923, I e II guerras mundiais,
ditadura de Vargas e a ditadura militar que cortaram as relações com a pátria mãe. Neste contexto conturbado
Zobolotsky (2007) comenta:
as casas dos imigrantes eram revistadas e livros levados para o Quartel. Muitos documentos foram queimados, livros, ícones e relíquias (ZOBOLOTSKY, 2007, p.178).
5 Significa: “Deus Santo, Deus Forte, Deus Imortal, tende piedade de nós”.
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Diante de todos esses acontecimentos, as mudanças estão acontecendo paulatinamente. Os filhos e netos já
quase não querem falar a língua russa e boa parte de suas tradições estão esquecidas. Através das influências de
outras culturas, diminuindo sensivelmente o número de fiéis, causando apreensão, os poucos que tem procuram,
confiam em Deus e conservam sua fé da maneira mais viva possível, contudo, nessa busca sente-se necessidade
de resgatar a sua identidade e signos que ao longo do tempo foram deixadas.
Quando procuramos compreender as mudanças na pratica cultural da comunidade russa em Primavera do
Leste, esse consumismo pela tecnologia midiática, principalmente pelo uso do celular e a televisão, trazem outros
significados e sentidos na forma de ver o mundo real. A importância que esses meios de comunicação têm, se
assim pode dizer, é estar conectado a uma realidade presente e cada vez mais a interagindo com a multiplicidade
cultural, sem negar a sua identidade, e sim, absorvendo elementos que somam a sua prática diária. Embora seja
difícil para eles, diante de tudo que tem presenciado, a impossibilidade em permanecer neutralizado, intacto e
longe desse mundo globalizado esta sendo impossível, pois esse novo ver desperta o desejo dessa nova geração
pelo uso desenfreado das tecnologias midiáticas. Lembrando que a utilização desses meios de comunicação
até algum tempo atrás, não era permitido. Embora algumas famílias ainda hoje não permitissem o uso dessas
tecnologias. As proibições para o staroveri se resumem na prática religiosa do catolicismo ortodoxo, que vê o
mundo como uma influência má e que até mesmo poderá desviar dos bons costumes ou negar a sua própria fé.
Para quem conhece a colônia russa em Primavera do Leste, MT, continua por algumas famílias mais conservadoras a desqualificar todos esses avanços, procuram de toda maneira neutralizar essa nova forma e bem de
consumo do homem contemporâneo. A nova geração que esta se erigindo na comunidade se apegou as esses
meios tecnológicos que facilita a vida e o contato rápido com toda a novidade global. Um ponto determinante,
como já citado, é o uso do celular e da televisão, o uso era muito restrito, mesmo “distante” dessa tecnologia
midiática, contraria os próprios princípios bíblicos que são pregados pela liderança religiosa, sobre tais proibições. As observações em loco, apresentou uma outra realidade, se por um lado existem as proibições, por outro
existe uma tecnologia industrial (maquinário) de ponta muito utilizado no seu dia-a-dia e sempre esteve presente,
servindo de suporte necessário no plantio e na colheita de seus seriais.
Para Stuart Hall (2002):
quando mais a vida social se torna mediada pelo mercado global de estilos lugares e
imagens, pelas imagens da mídia e pelo sistema de comunicação globalmente interligado,
mais a identidades se tornam desvinculadas, desalojada de tempos, lugares, histórias e tradições específicas e parecem flutuar livremente (HALL, 2002, p.75)
O medo que ainda paira em algumas famílias, que essa juventude deixe seus hábitos e costumes que ao
longo dos tempos foram carregados por uma tradição e posição religiosa. Hoje, são visíveis as alterações que
gradativamente vem dando outros significados, mudando o comportamento dessa nova geração. O novo é visto
com uma certa aversão dos mais religiosos. Esse contato esta mais presente no ambiente escolar, e com a cidade.
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As novidades que são apresentadas por outras pessoas, das quais não fazem parte da colônia, trazem uma
gama de informações e novidades tecnológicas pertinentes a atualidade, que despertam nessa juventude russa
o desejo por esse bem de consumo.
Com a chegada da televisão, o uso dentro de suas casas só é permitido com uma certa moderação e limitação. Procuram assistir novelas épicas, nada que venha denegrir os bons costumes e princípios religiosos. Toda
comunidade traz pautado a religiosidade como algo de maior importância e simbolismo cristão a ser representado no seu dia-a-dia.
Se por um lado o meio de comunicações tem estado presente, em contra partida buscam nos princípios
religiosos uma vida de fé e prática. Por outro lado agrega-se de maneira não tão espontânea, cuja finalidade
ao mesmo tempo permiti a essa nova geração a utilização dessa tecnologia midiática, mais também que saiba
dialogar e viver de uma forma harmoniosa, sem perder os princípios religiosos.
Cada vez mais a cultura local vem se posicionando no contexto globalizado, suas manifestações passam
por uma atualização. Estabelece procedimentos da comunicação, pelos quais as manifestações populares se
expandem, se socializam, convivem com outras cadeias comunicacionais, sofrem modificações por influências
da comunicação massificada e globalizada se modificam quando apropriadas por tais signos.
Stuart Hall, (2002) faz uma abordagem:
que a globalização se refere àqueles processos, atuantes numa escala global, que atravessam fronteiras nacionais integrando e conectando comunidades e organizações em novas
combinações de espaço-tempo, tornando o mundo, em realidade e em experiência, mais
interconectado (HALL, 2002, p.67).
Para compreensão das transformações ocorridas nas práticas culturais da comunidade russa, alguns teóricos
culturais argumentam que há uma tendência em direção a uma maior interdependência global que esta levando
ao colapso todas as identidades culturais. Isto é, está produzindo uma fragmentação cultural, a multiplicidade de
estilos, a ênfase no efêmero, no flutuante, no impermanente, na diferença no pluralismo cultural e na hibridação.
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Considerações Finais
Pensando no contexto dessa comunidade na representação histórica e fatos que foram extremamente importantes desde sua vinda, carregam consigo as práticas religiosas, contudo as experiências vividas estão entrelaçadas ao seu modo de vida anteriormente cultuado na velha Rússia. O modelo tradicional da própria cultura deveria ser praticado em sua nova pátria, o Brasil. Confrontado com a dura realidade do país, o multiculturalismo
e a chegada de diversas culturas vindas de várias partes do mundo, nesse mesmo período, fugindo das guerras
e das revoluções, houve um choque cultural. Nesse impacto cultural agregaram-se outros valores e símbolos às
vezes imperceptíveis a suas práticas.
Este conjunto de símbolos e tradições culturais apresentados contempla a fala de Lucena Filho (2007) quando
afirma que:
As manifestações da cultura de um povo abraçam não apenas as suas instituições e
linguagens. As culturas se expressam via transmissão de múltiplos signos, símbolos e ícones, vivenciados nas suas crenças, danças, na musicalidade, na religiosidade, nas comidas
típicas, na literatura, na oralidade, nas suas produções artísticas e nas suas festas (LUCENA
FILHO, 2007, p. 154).
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REFERÊNCIAS
CANCLINI, Néstor García. Culturas Híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. 3. ed. São Paulo:
Edusp, 2000.
HALL, Stuart. A Identidade Cultural na Pós-Modernidade. DP&A editora. Rio de Janeiro: 2002.
LUCENA FILHO, S. A. A festa junina em Campina Grande-PB: uma estratégia de folkmarketing. 1. ed. João Pessoa-PB: Editora universitária/UFPB, 2007.
MARTÍN-BARBERO, J.. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia. 2. ed. Rio de Janeiro:
Editora UFRJ, 2003.
ORTIZ, Renato. Mundialização e Cultura. 11. Ed. São Paulo: Editora Basiliense, 2011.
ZOBOLOTSKY, Jacinto Anatólio. A Imigração Russa no Rio Grande do Sul: os longos caminhos da esperança. 4.
ed. Rio Grande do Sul: Editora Martins Livreiro, 1998.
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