APRESENTAÇÃO
Sempre é oportuno e digno de nota dedicar um tempo para refletir sobre
o conteúdo de uma revista e proceder à sua apresentação, em particular
da Revista Jurídica UNIGRAN, assentada que está em nomes de escol
que traduzem o pensamento jurídico atual em reflexões cada vez mais
significativas, porque não dizer, complexas como a vida do Direito.
Este número da Revista vem carregado de significado do direito numa
perspectiva que se coloca como vanguarda porque busca consolidar
fundamentos próprios do Estado Democrático de Direito que registra e
sustenta princípios que tem no homem o centro de gravitação. Os temas
abordados refletem esta preocupação.
É necessário registrar com Joseph Schumpeter que quase todas as
sociedades desapareceram antes de terem tido tempo de traduzirem em
ato todas as suas promessas. E as promessas que nos colocamos são muitas,
e muitas fundadas num paradigma de cientificidade já superado.
Nos últimos anos têm crescido a consciência da periculosidade das
ilusões humanas, em particular daquelas ilusões vinculadas ao domínio
ilimitado sobre a natureza, na crença profunda e incondicional da técnica
em que é assentado o milagre do progresso econômico auto-regulado e
alimentado somente sobre a perspectiva do interesse privado.
A ilusão da dominação da natureza e do seu uso para o benefício comum
da humanidade, conduziu a uma exploração excessiva e despreocupada
dos recursos naturais, à catástrofe ecológica, à ameaça nuclear, à destruição
da camada de ozônio, e à emergência da biotecnologia, da engenharia
genética e da conseqüente conversão do corpo em mercadoria última.
A promessa de uma paz perpétua, escreveu Boaventura de Souza
Santos1 , baseada no comércio, na racionalização científica dos processos
de decisão e das instituições, levou ao desenvolvimento tecnológico da
guerra e ao aumento sem precedentes do seu poder destrutivo. A promessa
de uma sociedade mais justa e livre, fundada na criação da riqueza tornada
possível pela conversão da ciência em força produtiva, conduziu à
espoliação do chamado Terceiro Mundo e a um abismo cada vez maior
1 Crítica da razão indolente. São Paulo: Cortez, 2002, p. 56.
Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 4 | n. 8 | jul./dez. 2002.
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entre o Norte e o Sul. No século que se sucedeu morreu mais gente de
fome do que em qualquer dos séculos anteriores, e mesmo nos países
mais desenvolvidos continua a subir a percentagem dos socialmente
excluídos, aqueles que vivem abaixo do nível de pobreza.
É essa ilusão que o direito tem procurado desvelar numa reflexão
filosófica sobre a possibilidade de uma ética relevante para reorientar a
convivência mundial e que passa pela dignidade humana.
É indispensável hoje uma ética global: aquela que se produz com o
nascimento de uma consciência não individual, mas planetária, capaz de
orientar a prática daqueles que ocupam posição central nas decisões.
O alarme sobre a dinâmica mais perigosa e devastadora da nossa
condição histórica nos foi dado na segunda guerra mundial, em particular
pela força destrutiva expressa não somente nas armas bélicas, mas também
no holocausto e, sob outra forma, no bombardeio atômico, demonstrado
tanto pela força destrutiva das armas, quanto e principalmente pela
precariedade da consciência moral das pessoas, dos povos, dos governos.
É essa precariedade da consciência moral que se busca superar na
(re)construção dos direitos humanos e que passa primeiro pela tomada de
consciência da dignidade da pessoa humana, dos direitos humanos.
Nesse sentido, o jurista hoje cumpre sua tarefa. (Re)coloca a dignidade
da pessoa no centro do debate. É o homem a referência, a medida e a
expressão do Direito. Em que pesem os esforços de situar questões como
poder, legitimidade, força como questões centrais ou como objeto da
ideologia política, é o homem, sua dignidade, o feixe central.
Os textos aqui apresentados, cada um sobre um aspecto do direito,
buscam refletir sua posição atual numa perspectiva de avanço e numa
perspectiva de transformação. Têm o homem como centro. Efetivamente,
sobre o Direito não se pode antecipar conclusões; justificam-se as
conclusões porque não se pode dizer do homem e de seus direitos como
verdades axiomáticas colocadas a priori. É sua construção que tem que
ser objetivada.
É o que se visualiza neste número da Revista Jurídica Unigran.
Prof. Dr. Helder Baruffi
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