1 UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS – CEJURPS CURSO DE DIREITO - BIGUAÇU RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR DANO AMBIENTAL DECORRENTE DE POLUIÇÃO TRANSFRONTEIRIÇA: ASPECTOS DESTACADOS JOÃO SOARES DE SOUZA Biguaçu (SC), junho de 2008. 2 UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS – CEJURPS CURSO DE DIREITO - BIGUAÇU RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR DANO AMBIENTAL DECORRENTE DE POLUIÇÃO TRANSFRONTEIRIÇA: ASPECTOS DESTACADOS JOÃO SOARES DE SOUZA Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito. Orientador: Professor Doutor Artur Jenichen Filho Biguaçu (SC), junho de 2008. 3 AGRADECIMENTO Agradeço ao orientador do conteúdo, Professor Doutor Artur Jenichen Filho, por sua dedicação e, principalmente, pela paciência e incentivo na orientação, fatores imprescindíveis para a execução e conclusão desta monografia. A minha família que, com muito carinho e apoio, não mediram esforços para que eu chegasse até esta etapa de minha vida. E especialmente a minha esposa Sirley que muito me incentivou e ajudou chegar até a etapa final deste curso. Finalmente, a todos aqueles que, de uma forma ou de outra colaboraram para a construção do presente trabalho. 4 TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo. Biguaçu (SC), 16 de junho de 2008. João Soares de Souza Graduando 5 PÁGINA DE APROVAÇÃO A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, elaborada pelo graduando João Soares de Souza, sob o título Responsabilidade Internacional dos Estados por Danos Ambientais decorrentes de Poluição Transfronteiriça: aspectos destacados, foi submetida em 16/06/2008 à banca examinadora composta pelos seguintes professores: Professor Artur Jenichen Filho (presidente), Professor Rafael Burlani (membro) e Guilherme Bez Marques (membro), e aprovada com a nota 8,3 (oito vírgula três). Biguaçu (SC), 16 de junho de 2008. Prof. Artur Jenichen Filho Orientador e Presidente da Banca Professora MSc. Helena Nastassya Paschoal Pitsíca Responsável pelo Núcleo de Prática Jurídica 6 ROL DE ABREVIATURA E SIGLAS CDI: Comissão de Direito Internacional da ONU (Genebra) CIJ: Corte Internacional de Justiça (Haia) ECO/92: Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Desenvolvimento (Rio de Janeiro, 1992) OCDE: Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (Paris) OEA: Organização dos Estados Americanos (Washington) ONG: Organização Internacional Não Governamental ONU: Organização das Nações Unidas (New York e Genebra) PNUMA: Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Nairob) TCA: Tratado de Cooperação Amazônica (Brasília) e 7 ROL DE CATEGORIAS Rol de categorias que o autor considera estratégicas à compreensão do seu trabalho, com seus respectivos conceitos operacionais. Direito Internacional do Meio Ambiente Conjunto de regras do Direito Internacional devidamente desenvolvidas, tendo em vista a preservação do meio ambiente. (SILVA, 1995, p. 7) Meio Ambiente Internacional: Recursos naturais, seja abióticos seja bióticos, como o ar, água, a fauna e a flora, e a interação de tais fatores; propriedade que formam parte da herança cultural; e os aspectos característicos da paisagem” (SOARES, 2003, p. 893). Espaços Ambientais Internacionais Aqueles que não tem referencial necessário aos limites dos Estados, mas que se definem em função de normas ambientais internacionais, tais como habitat de animais protegidos, o clima, o ozônio que envolve a atmosfera terrestre e outros fenômenos tipificados pela norma jurídica internacional (SOARES, 2003, p. 99). Dano Ambiental Perda ou dano por prejuízo ao meio ambiente, na condição de que a compensação pelo prejuízo ao meio ambiente, outra que aquela relativa a lucros cessantes de tal prejuízo, seja limitada a custos ou medidas de restabelecimento efetivamente tomadas ou a serem tomadas” (SOARES, 2003, p. 893). Poluição “Todo o tipo de transformação ou degradação da qualidade ambiental decorrente de qualquer conduta ou atividade humana que, voluntária ou involuntariamente, ilícita ou licitamente, possa alterar, contaminar, destruir, ou descaracterizar os bens ou recursos integrantes do meio ambiente (naturais, culturais, sanitários), comprometendo, diante do conseqüente desequilíbrio ecológico-ambiental, direta ou 8 indiretamente, tanto a vida, a saúde e o bem-estar da pessoa humana e as condições sócio-econômicas das pessoas físicas e jurídicas (de direito público e de direito privado) como as condições de vida de todas as espécies animais, vegetais e microorgânicas terrestres e aquáticas.” (CUSTÓDIO, 2006, p. 556). Poluição Transfronteiriça Designa a poluição cuja fonte física se situa total ou parcialmente numa zona submetida à jurisdição nacional de um Estado e que produz efeitos danosos numa zona submetida à jurisdição de outro Estado (SOARES, 2003, p. 216) Responsabilidade Internacional “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude do qual o Estado a que é imputado um ato ilícito segundo o direito internacional deve uma reparação ao Estado contra o qual este ato foi cometido.” (MELLO, 2000, p. 485). Responsabilidade Internacional Subjetiva A Responsabilidade Internacional Subjetiva é o instituto que tem como fato gerador um ato comissivo ou uma abstenção (elemento objetivo), qualificados como ilícitos, atribuíveis ao Estado (elemento subjetivo), que são a causa de uma obrigação de reparar (...). (MELLO, 2000, P. 735) Responsabilidade internacional Objetiva: Consiste na reparação devida em função da prática de um ato lícito, que, embora permitido no Direito Internacional, culmine em prejuízos para outro Estado. O dever de reparar independe de culpa. (SOARES, 2003, p. 722) 9 SUMÁRIO RESUMO ............................................................................................... X ABSTRACT ...........................................................................................XI INTRODUÇÃO ........................................................................................1 CAPÍTULO 1............................................................................................6 DIREITO INTERNACIONAL DO MEIO AMBIENTE .............................. 6 1.1. CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA ................................................................6 1.2. FONTES DAS OBRIGAÇÕES NO DIREITO INTERNACIONAL DO MEIO AMBIENTE ..............................................................................................8 1.2.1. OS TRATADOS INTERNACIONAIS............................................................. .11 1.2.2. COSTUME INTERNACIONAL ...................................................................... 12 1.2.3. OS PRINCÍPIOS GERAIS DE DIREITO .........................................................13 1.2.4. AS DECISÕES JUDICIÁRIAS E A DOUTRINA INTERNACIONAIS..........................................................................................13 1.3. PRINCÍPIOS DO DIREITO INTERNACIONAL DO MEIO AMBIENTE..............15 1.3.1. PRINCÍPIO DO DIREITO À SADIA QUALIDADE DE VIDA...........................15 1.3.2. PRINCÍPIO DO ACESSO EQÜITATIVO AOS RECURSOS NATURAIS .....................................................................................................16 1.3.3. PRINCÍPIOS DO USUÁRIO-PAGADOR E POLUIDOR PAGADOR .....................................................................................................18 1.3.4. PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO .......................................................................19 1.3.5. PRINCÍPIO DA PREVENÇÃO .......................................................................20 1.3.6. PRINCÍPIO DA REPARAÇÃO ........................................................................21 1.3.7. PRINCÍPIO DA INFORMAÇÃO.......................................................................22 1.3.8. PRINCÍPIO DA PARTICIPAÇÃO ...................................................................23 1.3.9. PRINCÍPIO DA OBRIGATORIEDADE DA INTERVENÇÃO DO PODER PÚBLICO........................................................................................................24 1.4. FUNDAMENTOS DA RESPONSABILIDADE ................................................25 CAPÍTULO 2 .........................................................................................31 A RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL SUBJETIVA DOS ESTADOS..............................................................................................31 2.1. CONCEITO DE RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL .............................31 2.2. ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DA RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL SUBJETIVA DOS ESTADOS ..................................................31 2.2.1. ATO ILÍCITO ..................................................................................................31 2.2.2. IMPUTABILIDADE .........................................................................................33 2.2.3. DANO .............................................................................................................34 10 2.3. OS ATOS DOS ÓRGÃOS DO ESTADO ...........................................................36 2.4. ESGOTAMENTO DOS RECURSOS INTERNOS .............................................39 2.5. AS CONSEQÜÊNCIAS JURÍDICAS DA RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL SUBJETIVA DOS ESTADOS.....................................................42 2.5.1. A CESSAÇÃO DO COMPORTAMENTO ILÍCITO .........................................42 2.5.2. A REPARAÇÃO STRICTU SENSU................................................................44 2.5.3. INDENIZAÇÃO ...............................................................................................47 2.5.4. A SATISFAÇÃO..............................................................................................50 2.5.5. AS SEGURANÇAS E GARANTIAS DE NÃO REPETIÇÃO DO COMPORTAMENTO ILÍCITO....................................................................................51 CAPÍTULO 3 .........................................................................................53 RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL OBJETIVA DOS ESTADOS..............................................................................................53 3.1. A POLÊMICA ACERCA DO TEMA DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA DOS ESTADOS...............................................................................54 3.2. ELEMENTOS CONSTITUTIVOS E AS CONSEQÜÊNCIAS PELOS DANOS CAUSADOS ........................................................................................55 3.3. A POLUIÇÃO TRANSFRONTEIRIÇA E A RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL OBJETIVA ...........................................................................57 3.3.1. POLUIÇÃO TRANSFRONTEIRIÇA ...............................................................57 3.4. A CONVENÇÃO EUROPÉIA SOBRE RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANOS RESULTANTES DE ATIVIDADES PREJUDICIAIS AO MEIO AMBIENTE – CONVEÇÃO DE LUGANO..........................................................66 3.5. AS CAUSAS DE EXCLUSÃO DA RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS .................................................................................................72 CONCLUSÃO ........................................................................................78 REFERÊNCIAS DAS FONTES CITADAS ............................................85 ANEXOS ................................................................................................88 11 RESUMO A evolução histórica da responsabilidade civil está alicerçada na doutrina subjetiva da culpa. Entretanto, as transformações sociais que passaram a ocorrer desde o século XIX, com a Revolução Industrial, e mais tarde no século XX, com a Revolução Tecnológica, reclamaram uma mudança desse modelo subjetivista, em virtude de sua insuficiência em fornecer respostas adequadas e justas ao cenário então instalado decorrente dessas transformações. É nesse cenário que surge a intitulada responsabilidade objetiva, a qual se fundamenta na teoria do risco, dispensando a prova de culpa para viabilizar a indenização. A presente pesquisa busca averiguar o sistema de responsabilização internacional do Estado, especificamente quanto aos danos causados ao meio ambiente pela poluição transfronteiriça. Para tanto, serão feitas algumas considerações iniciais concernentes ao histórico do Direito Internacional Ambiental, seguindo-se de uma breve exposição sobre as fontes do Direito Ambiental Internacional, consideradas as mesmas fontes do Direito Internacional. Mais adiante, cuida do assunto propriamente dito: a teoria da responsabilidade internacional do Estado, aprofundando o tema com a pesquisa das teorias de responsabilização subjetiva ou por culpa e objetiva ou por risco, construídas pela doutrina, ressaltando-se a atuação da CDI na codificação da responsabilidade internacional do Estado. A ênfase recai nos projetos Ago e Arangio-Ruiz, assim conhecidos em face dos nomes de seus relatores (Roberto Ago e Arangio-Ruiz). Na seqüência dirige-se à análise específica da poluição transfronteiriça e à Responsabilidade Internacional Objetiva, inserindose, neste título, a análise do Protocolo sobre Responsabilidade e Compensação por Danos Resultantes do Movimento Transfronteiriço de Resíduos Perigosos e seu Depósito (Protocolo da Basilléia) e da Convenção Européia sobre Responsabilidade Civil por Danos Resultantes de Atividades Prejudiciais ao Meio Ambiente (Convenção de Lugano). Por fim, adentrou-se pormenorizadamente nas causas de exclusão da responsabilidade internacional, nos seus dois sistemas (subjetiva e objetiva). Palavras-Chave: responsabilidade internacional, meio ambiente, poluição transfronteiriça. 12 ABSTRACT The historical development of civil liability is based on the subjective theory of fault. However, the social changes that have occurred since the nineteenth century, with the Industrial Revolution, and later in the twentieth century, with the technological revolution, called for a change in that theory, because of its failure to provide fair and appropriate responses. It is in that scenario that appears the objective liability, based on the theory of risk, with no need of the proof of guilt to demand the payment of the damages. This research tries to analyze the international liability system of the governments, specifically when the damage is caused to the environment by cross border pollution. To achieve that purpose, there will be some initial considerations concerning the history of International Environmental Law, followed by a brief explanation about the sources of International Environmental Law, considering the the same sources of international law. Later on, it takes care of the matter itself: the theory of international liability of the government, refining the theme with the research of the subjective and objective theories of liability, caused by fault or risk built by the doctrine emphasizing the role of CDI in creatind an international code of the liability of the government. The emphasis are on projects Ago and Arangio-Ruiz, known by these names after the name of Roberto Ago and ArangioRuiz. Later on, this research specifically analyzes the cross border pollution and the International Objective Liability, including the analysis of the Protocol on Liability and Compensation for Damages Resulting from Cross Border Movement of Hazardous Wastes and their deposit (Basilléia Protocol) and the European Convention on Civil Liability for Damage Resulting from Environmental Harmful Activities (Lugano Convention). Finally, it is analyzed, in details, the causes the international responsibility is excluded, in the two systems (subjective and objective). Keywords: international liability, environment, cross border pollution. 1 INTRODUÇÃO Nos dias de hoje, o progresso científico e tecnológico, aliado a uma crescente capacidade comercial, impulsionou o homem a interferir cada vez mais no ambiente. Ante a degradação crescente do meio ambiente, a atingir todo o planeta no decorrer do século XX, intensificou-se a preocupação com tal questão. O tema obteve projeção no cenário internacional a partir da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, realizada em Estocolmo (Suécia), em 1972, que proclama, em seu princípio n° 1, o meio ambiente como um direito fundamental do ser humano. A partir daí, o problema ambiental ultrapassou as barreiras nacionais e passou a ser considerado como de responsabilidade de toda a humanidade, traspassando fronteiras. Já não basta a ação isolada dos Estados, uma vez que as conseqüências das ações agressivas ao meio ambiente não conhecem fronteiras políticas. Daí a necessidade de unificação das políticas ambientais dos Estados. Desde então, os Estados e as organizações internacionais buscam ampliar a cooperação internacional para a proteção do meio ambiente, que já ostenta um número considerável de tratados e convenções. A presente monografia tem por objeto investigar as circunstâncias que poderão levar os Estados a ser responsabilizados internacionalmente por danos ambientais decorrentes de poluição gerada em seu território, mas de conseqüências transfronteiriças. A escolha do tema, além da curiosidade e da vontade de aprofundar a questão da responsabilidade internacional nos casos de poluição ocorrida num Estado e com conseqüências noutro, teve influência dos vários desastres ocorridos com derramamento de petróleo nos rios brasileiros, muitos deles por desaguarem em rios internacionais podem atingir os países vizinhos, caso em que poderia haver responsabilização do Estado poluidor. Cita-se o desastre ocorrido em 16 de julho de 2 2000, na Refinaria Presidente Getúlio Vargas, da Petrobrás, localizada no município de Araucária, a 24 quilômetros de Curitiba, que teria culminado com o vazamento de cerca de 4 milhões de litros de petróleo. A mancha de óleo atingiu o rio Barigüi, afluente do rio Iguaçu, preocupando os países vizinhos, já que o rio Iguaçu deságua no rio Paraná, seguindo o curso entre o Paraguai e a Argentina. Outro exemplo a ser destacado é o caso da usina termoelétrica de Candiota, em Bagé, no Rio Grande do Sul que provoca a formação de chuvas ácidas no Uruguai. Estes casos comprovam a dispersão do gás poluente citado através do vento, que ocorre chuvas ácidas não apenas no local da emissão do gás, mas também em outras áreas, muitas vezes com grande distância. O trabalho está dividido em três capítulos. O primeiro capítulo, “Direito Internacional do Meio Ambiente”, será introduzido por uma contextualização histórica do Direito Internacional Meio Ambiente, em que se destaca a Declaração sobre o Meio Ambiente Humano, adotada em Estocolmo, ressaltando sua importância como documento a partir do qual, alavancados por seus princípios, se multiplicaram os instrumentos internacionais que buscam a preservação do meio ambiente. A seguir, será destacado o sistema jurídico internacional, com a identificação dos fundamentos e das fontes do Direito Internacional Meio Ambiente, consideradas as mesmas fontes do Direito Internacional, ou seja, aquelas enumeradas no art. 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça, que seriam os tratados internacionais, o costume internacional, os princípios gerais de direito e, como meios auxiliares para determinação do significado e alcance das primeiras, as decisões judiciais e a doutrina internacional. Foram acrescentadas a essas fontes internacionais as declarações unilaterais dos Estados soberanos (com efeitos jurídicos no âmbito do Direito Internacional) e as decisões tomadas pelas organizações internacionais. Nesse capítulo, também serão evidenciados os princípios do Direito Internacional do Meio Ambiente segundo a doutrina de Paulo Affonso Leme Machado, a maioria dos quais tem apoiado em declarações internacionais. Os princípios são a base do ordenamento jurídico, verdadeiros norteadores dos legisladores na confecção de nova legislação, dos próprios aplicadores do direito no exercício da profissão e das pessoas que se relacionam com o meio ambiente. 3 Assim, para que o Direito Ambiental tenha aplicabilidade e efetividade, é de capital importância que, além da ciência das leis e das demais legislações ambientais, sejam do senso comum seus princípios fundamentais, pois são estes as normas de valor genérico que orientarão sua compreensão, aplicação e integração ao sistema jurídico como um todo, estando tais princípios positivados ou não. Assim, serão associados os princípios do direito à sadia qualidade de vida; do acesso eqüitativo aos recursos naturais; do usuário-pagador e poluidor pagador; da precaução; da prevenção; da reparação; da informação; da participação; e da obrigatoriedade da intervenção do poder público. Por fim, serão estabelecidas as bases conceituais do instituto da responsabilidade. No segundo capítulo, “A Responsabilidade Internacional Subjetiva dos Estados, será analisada a responsabilidade internacional subjetiva do Estado, tida pelo Professor Guido Soares como sistema geral, para, no capítulo seguinte, ser abarcado o sistema especial (objetiva), conforme regulamentado em textos normativos. Após conceituação e delimitação dos elementos constitutivos da responsabilidade subjetiva, prosseguir-se-á com a análise da conduta proveniente do Estado que tenha o condão de impulsionar esta responsabilização (atos dos órgãos do Estado), bem como do tema relativo ao esgotamento dos recursos internos. A seguir, serão analisadas as conseqüências jurídicas da responsabilidade internacional subjetiva do Estado, quais sejam a cessação do comportamento ilícito, a reparação strictu sensu, a indenização, a satisfação e as seguranças e garantias de não-repetição do comportamento ilícito. O terceiro capítulo abordará o tema “A Responsabilidade Internacional Objetiva dos Estados”, evidenciando a problematização que envolve a responsabilização do Estado, segundo um critério objetivo, mais precisamente a necessidade de previsão nos tratados e de que as ações realizadas pelos Estados sejam aceitas como lícitas pelo Direito Internacional, prosseguindo-se com o esclarecimento dos elementos constitutivos e a análise das conseqüências pelos danos causados. Na seqüência será realizada uma pequena digressão acerca do conceito de poluição, classificando-a de acordo com os setores ambientais que são afetados, onde será ressaltado o conceito de transfronteiriço e sua ligação ao conceito de poluição, em cujo item, com intuito de conhecer a forma pela qual se disciplinam as conseqüências por eventuais prejuízos causados ocasionado por um 4 Estado no Território do outro, será analisado o Protocolo sobre Responsabilidade e Compensação por Danos Resultantes do Movimento Transfronteiriço de Resíduos Perigosos e seu Depósito, conhecido como o Protocolo da Basiléia e, também, com o mesmo fim, será analisada a Convenção Européia sobre Responsabilidade Civil por Danos Resultantes de Atividades Prejudiciais ao Meio Ambiente, denominada a Convenção de Lugano. Completando o capítulo, serão estudadas as causas de exclusão da responsabilidade internacional, nos seus dois sistemas (subjetiva e objetiva). Os autores cujas obras serviram como marcos teóricos foram, principalmente, Paulo Affonso Leme Machado, com sua obra o Direito Ambiental Brasileiro, e o professor Guido Soares, com suas obras “Curso de Direito Internacional Público” e “Direito Internacional do Meio Ambiente: Emergência, Obrigações e Responsabilidades”. Destarte, muitas das referências doutrinárias neste estudo terão como fonte os ensinamentos deste mestre, em face do reconhecimento por muitos autores de sua valiosa contribuição doutrinária acerca do tema, a exemplo de Luís Cezar Ramos Pereira, que afirma, em sua obra “Ensaio sobre a Responsabilidade Internacional do Estado”, que o autor esgota o assunto sobre a responsabilidade internacional estatal sobre a questão do meio ambiente, asseverando que depois daquele escrito, não há o que se falar sobre o tema, pois, seria repetitivo.” (PEREIRA, 2000, p. 215). A monografia encerra com as considerações finais, nas quais são apresentados os pontos conclusivos destacados, seguidos de estimulação à continuidade dos estudos e de reflexões sobre a responsabilidade internacional dos Estados por poluição transfronteiriça. Em razão de sua importância para o Direito Internacional do Meio Ambiente, integram, ainda, a presente monografia os seguintes anexos: Anexo I Declaração de Estocolmo sobre o Meio Ambiente Humano, 1972; e Anexo II – Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, a ECO/92. Para a presente monografia foram levantadas as seguintes hipóteses: 5 1. Existe um Direito Internacional do Meio Ambiente com características próprias e separadas do Direito Internacional ou Privado, a ponto de constituir-se num ramo autônomo da Ciência Jurídica. 2. A responsabilidade internacional dos Estados pela reparação do dano ambiental é objetiva e baseada na teoria do risco integral. Quem exerce atividades suscetíveis de causar danos ao ambiente sujeita-se à reparação do prejuízo, independentemente de ter agido ou não com culpa. Quanto à Metodologia empregada, foi adotada na fase de investigação o Método Indutivo, e as demais fases (tratamento dos dados e relatório dos resultados), foram compostas na base lógica Indutiva. Nas diversas fases da pesquisa, foram acionadas as técnicas, do Referente, da Categoria, do Conceito Operacional e da Pesquisa Bibliográfica. 6 CAPÍTULO I DIREITO INTERNACIONAL DO MEIO AMBIENTE 1.1. CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA O I Congresso Internacional para a Proteção da Natureza, realizado em Paris, no ano de 1923, é reconhecido por muitos como o primeiro evento voltado para a preservação do meio ambiente. Para GERALDO EULÁLIO DO NASCIMENTO E SILVA, referido evento “representa o primeiro passo importante no sentido de abordar o problema no seu conjunto.” No entanto, nesta época, o enfoque não era o da proteção da natureza, mas sim “(...) a proteção dos interesses econômicos e comerciais. Em outras palavras, o objetivo era evitar a extinção de importante fonte de renda.” (1995, p. 25). O destaque dado a tal evento, reconhecido como o primeiro voltado para a preservação do meio ambiente, pode dar a impressão de não ter havido, até então, uma preocupação com a preservação do meio ambiente. Relatos históricos mostram, contudo, que tal preocupação pode ter origem nos primórdios da civilização. CELSO DE ALBUQUERQUE MELLO informa que: (...) o direito florestal surgiu na Babilônia em 1900 a.C.; o Código Hitita, redigido entre 1380 a 1340 a.C., tem norma proibindo a poluição da Água. Em 1370 a.C. o faraó Akenaton cria a primeira reserva natural. No século III a.C. o imperador Asoca adota um edito protegendo diferentes espécies de animais selvagens. A bíblia tem passagem pregando a moderação e responsabilidade no uso de recursos naturais. (1997, p. 1169). Outros acontecimentos importantes ocorridos antes do I Congresso Internacional para a Proteção da Natureza também demonstram a preocupação com a preservação ambiental, como bem assinala GERALDO EULÁLIO DO NASCIMENTO E SILVA (1995, p. 25), a exemplo da proclamação real de 1306, do rei Eduardo I, proibindo o uso do carvão em fornalhas abertas, na cidade de 7 Londres. No Brasil, pode-se citar a criação, em 1635, das primeiras conservatórias visando à proteção do pau-brasil como propriedade real, a assinatura, em 1796, da primeira Carta Régia sobre a conservação das florestas e madeiras e a fundação do Jardim Botânico, em 1808, por Dom João VI. O enfoque econômico começou a mudar a partir de 1954, com a Convenção Internacional para a Prevenção da Poluição do Mar por Óleos, sendo este “(...) o primeiro tratado de defesa do meio ambiente ou, mais precisamente, contra a poluição.” (SILVA, 1995, p.26). A doutrina considera a Conferência sobre o Meio Ambiente de Estocolmo, de 1972, como ponto de partida do movimento ecológico internacional. “Apesar de não estabelecer regra concreta, essa declaração propiciou a primeira moldura conceitual abrangente para a formulação e implementação estruturada do Direito Internacional do Meio Ambiente” (WOLD, 2003, p. 7). GUIDO SOARES assim afirma que: A partir de 1960, a movimentação dos Estados em favor de uma regulamentação global do meio ambiente foi notável. Até a data memorável do decêndio de 5 a 15 de junho de 1972, quando se realizaria a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, em Estocolmo, várias convenções internacionais afirmariam a pujança do direito que então emergia, o Direito Internacional do Meio Ambiente, o qual teria sua certidão de maturidade plena firmada naquele evento na Suécia. (2003, p. 50) Assevera o autor que a Declaração sobre o Meio Ambiente Humano, adotada em Estocolmo pela referida Conferência das Nações, pode ser considerada: “[...]como um documento com a mesma relevância para o Direito Internacional e para a Diplomacia dos Estados que teve a Declaração Universal dos Direitos do Homem (adotada pela Assembléia Geral da ONU em 10-12-1945) [...]”, uma vez que “[...] ambas as Declarações “têm exercido o papel de verdadeiros guias e parâmetros na definição dos princípios mínimos que devem figurar tanto nas legislações domésticas dos Estados, quanto na adoção dos grandes textos do Direito Internacional da atualidade.” (SOARES, 2003, p. 55). Desde então, alavancados pelos princípios ou pelo processo de formulação da Declaração de Estocolmo, de 1972, multiplicaram-se os instrumentos internacionais que buscam a preservação do meio ambiente. 8 Além disso, logo após a edição da Declaração de Estocolmo, de 1972, foi criado o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), primeiro projeto ambiental internacional voltado à coordenação de esforços da comunidade internacional para questões relativas ao meio ambiente e sua proteção jurídica. Muito embora se tratem de importantes e significativos eventos, “(...) o Direito Internacional do Meio Ambiente permaneceu como um campo significativamente restrito durante as décadas de 1970 a 1980 (...)”, modificando-se esse quadro em 1992, com a Conferência da ONU sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (UNCED), ocorrida no Rio de Janeiro. (WOLD, 2003, p. 7). O Direito Internacional do Meio Ambiente é, portanto, uma resposta ao interesse público transnacional que despertara, à medida que os problemas ambientais tornavam-se mais sérios. Com o agravamento dos problemas ambientais e com o estabelecimento de uma consciência ecológica na opinião pública internacional, a qual passou a exigir uma tutela internacional do meio ambiente, surge o Direito Internacional do Meio Ambiente ao longo do século XX. 1.2. FONTES DAS OBRIGAÇÕES NO DIREITO INTERNACIONAL DO MEIO AMBIENTE A comunidade internacional é regida por normas internacionais, as quais criam direitos e deveres para seus destinatários. Essas normas são reveladas por meio do estudo das fontes do Direito Internacional, havendo nítida inter-relação entre elas (SOARES, 2002, p. 57). Adotam-se como parte das fontes formais do direito internacional, tradicionalmente, aquelas constantes do artigo 38 da Corte Internacional de Justiça, ou seja, os tratados internacionais, o costume internacional, os princípios gerais de 9 direito e, como meios auxiliares para determinação do significado e alcance das primeiras, as decisões judiciárias e a doutrina internacional.1 As fontes positivadas naquele documento, contudo, não são taxativas, remanescendo, portanto, outras de igual magnitude. Nesse sentido, assevera GUIDO SOARES: “Contudo, já à época de sua adoção [Estatuto da Corte Permanente de Justiça Internacional que fora aproveitado pela atual Corte Internacional de Justiça], não representava o melhor rol das fontes do Direito Internacional, pois não consagrava duas realidades então existentes: a) as declarações unilaterais dos Estados com efeitos jurígenos no Direito Internacional, reconhecidas como fontes formais pela doutrina dominante na época e, com alguma justificativa, b) as decisões tomadas pelas organizações internacionais intergovernamentais (hoje denominadas OIGs, por oposição às ONGs”. (2002, p. 55). A doutrina informa que também são fontes formais do Direito Internacional as declarações unilaterais dos Estados soberanos (com efeitos jurídicos no âmbito do Direito Internacional) e as decisões tomadas pelas organizações internacionais. É oportuno salientar que, diferentemente do que ocorre no ordenamento jurídico brasileiro, onde as normas constitucionais possuem evidente supremacia sobre todas as outras, as fontes do Direito Internacional possuem a mesma hierarquia. GUIDO SOARES, ao tratar do assunto, preleciona: “Na Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados de 1969, nos dois dispositivos em que o jus cogens se encontra expressamente mencionado, em nenhum momento há referência a hierarquia de fontes; eles referem-se a hierarquia entre normas e ambos se relacionam a questões referentes à validade dos tratados internacionais. Trata-se do art. 53 (insculpido em seção relacionada à nulidades de tratados) e do art. 64 (em seção relacionada à extinção e à suspensão da execução de tratados), ambos incluídos na Parte V da Convenção, que se auto-intitula: “Nulidade, Extinção e Suspensão da Aplicação dos Tratados”. (2002, p. 132). 1 O art. 38 da Carta das Nações Unidas, promulgada no Brasil pelo Decreto n. 19.841 de 22.10.1945, dispõe o seguinte: “1. A corte, cuja função é decidir de acordo com o direito internacional as controvérsias que lhe forem submetidas, aplicará: a) convenções internacionais, de caráter geral ou especial, que estabeleçam regras expressamente reconhecidas pelos Estados em litígio; b) o costume internacional, como prova de uma prática geral aceita como lei; c) os princípios gerais de direito reconhecidos pelas Nações civilizadas; d) sem prejuízo dos dispositivos do artigo 59, as decisões judiciais e os ensinamentos dos publicistas mais qualificados das diferentes Nações, como meios auxiliares para determinação de regras de direito. 2. Este dispositivo não prejudicará o poder que tem a corte de decidir uma questão ex aequo et bono, se as partes concordarem com isto.” (MAZZUOLI, 2004, p. 39). 10 Importante, também, salientar a lição de JOSÉ FRANCISCO REZEK acerca do tema: “Não há hierarquia entre as normas de direito internacional público, de sorte que só a análise política – de todo independente da lógica jurídica – faz ver um princípio geral, qual o da não-intervenção nos assuntos domésticos de certo Estado, como merecedor de maior zelo que um mero dispositivo contábil inscrito em tratado bilateral de comércio ou tarifas.” (2002, p. 2). Como visto, são consideradas fontes do Direito Internacional do Meio Ambiente, tradicionalmente, as mesmas fontes do Direito Internacional, ou seja, aquelas enumeradas no art. 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça, verbis: “ 1. A Corte, cuja função é decidir de acordo com o direito internacional as controvérsias que lhe forem submetidas, aplicará: a) as convenções internacionais, quer gerais, quer especiais, que estabeleçam regras expressamente reconhecidas pelos Estados litigantes; b) o costume internacional, como prova de uma prática geral aceita como sendo o direito; c) os princípios gerais de direito, reconhecidos pelas nações civilizadas; d) sob reserva da disposição do art. 59, as decisões judiciárias e a doutrina dos juristas mais qualificados das diferentes nações, como meio auxiliar para a determinação das regras de direito. 2. A presente disposição não prejudicará a faculdade da Corte de decidir uma questão ex aequo et bono, se as partes com isso concordarem.” (SOARES, 2003, p. 171). Tal rol foi elaborado por ocasião do final da Primeira Guerra e, já naquela época, não representava a melhor relação das fontes do Direito Internacional, uma vez que não previa duas realidades então existentes: “(a) as declarações unilaterais dos Estados com efeitos jurígenos no Direito Internacional, reconhecidas como fontes formais pela doutrina dominante na época; e com alguma justificativa, (b) as decisões tomadas pelas organizações internacionais intergovernamentais [...], entidades que, naquele momento histórico, eram bastantes tímidas em sua atuação e limitadas em sua competência internacional [...]” (SOARES, 2003, p. 171172). Acrescenta que, com a proliferação das Organizações Intergovernamentais: “a lacuna do citado art. 38 do Estatuto da CIJ tem-se tornado ainda mais injustificada, em particular, com a emergência das organizações regionais de integração econômica, em que, no tipo ‘mercado comum’ (como a Comunidade Européia e o Pacto Andino), órgãos comunitários, por delegação de poderes expressos dos Estados-partes, podem elaborar normas especiais e regionais, dirigidas aos Estados, aos próprios órgãos comunitários, a indivíduos e pessoas jurídicas de direito interno.” (SOARES, 2003, p. 171-172). 11 Assim, as fontes formais do Direito Internacional do Meio Ambiente representam uma releitura das fontes formais do Direito Internacional sob a ótica ambiental. 1.2.1. Tratados Internacionais O Direito Internacional Público tem, nos tratados internacionais que realiza, a forma normativa de relações entre países, destacando-se que estas não correspondem a normas cogentes em todos os casos pactuados. A definição de tratado pode ser colhida no principal deles – a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados - que define, em seu artigo 2º, alínea a: “tratado” significa um acordo internacional celebrado por escrito entre Estados e regido pelo direito internacional, quer conste de um instrumento único, quer de dois ou mais instrumentos conexos, qualquer que seja sua denominação particular. (SOARES, 2003, p. 174). Cabe lembrar que tratado é uma expressão genérica, podendo ser denominado convenção, protocolo, convênio ou declaração, à guisa de exemplificação, dependendo da forma, conteúdo, objeto ou seu fim. Para ser considerado válido, é necessário que as partes “tenham capacidade para tal; que os agentes estejam habilitados; que haja consentimento mútuo; e que o objeto do tratado seja lícito e possível.” (ACCIOLY, 1996, p. 22). Os tratados internacionais são considerados fontes por excelência do Direito Internacional do Meio Ambiente. GERALDO EULÁLIO DO NASCIMENTO E SILVA afirma que, “além de outras vantagens, os tratados têm a virtude de determinar, de maneira nítida, ou quase nítida, os direitos e obrigações das partes contratantes” (1995, p. 8). Referido autor classifica os tratados ambientais como genéricos ou específicos ou, geograficamente, globais, regionais, sub-regionais ou bilaterais, com grande tendência, em face da evolução rápida do Direito Ambiental, para os tratados genéricos (Umbrella Conventions). Nesse tipo de tratado, por suas características, são traçados os princípios gerais, deixando-se para os protocolos suplementares as regras específicas. Cita como exemplo a Convenção de Viena para a Proteção da 12 camada de Ozônio (1985), complementada pelo Protocolo de Montreal sobre substâncias que destroem a Camada de Ozônio (1987). (SILVA, 2003, p. 8-9). Embora de singular importância para o Direito Internacional do Meio Ambiente, os tratados, via de regra, não obrigam países não signatários, podendo, ao longo do tempo, servir como espécie de obrigação moral ou até se estabelecerem, nos Estados que não os firmaram, como direito costumeiro. 1.2.2. Costume Internacional O Estatuto da Corte Internacional de Justiça – CIJ, em seu artigo 38, acima transcrito, se refere ao costume internacional como prova de “uma prática geral aceita como sendo o direito”, ou seja, para o estabelecimento de um costume, exige-se a existência de uma “prática geral”. Significa dizer que deve haver uma freqüência repetitiva, bem como um período de tempo durante o qual a prática tenha ocorrido entre os Estados. O costume é, portanto, fruto de usos freqüentes de determinadas práticas aceitas durante longo período. O fator tempo é tido como um de seus elementos constitutivos. Com o progresso científico e tecnológico, em conseqüência do aparecimento de novas situações e relações sociais, são exigidas soluções imediatas que não podem depender de um costume de formação lenta, embora sua importância como fonte do Direito internacional ainda perdure. Nesse sentido, assevera HILDEBRANDO ACCIOLY: “A supremacia do costume na formação do DIP cessou depois da segunda guerra mundial em virtude do surgimento de novos problemas e do aumento no número de membros da comunidade internacional desejosos de deixar a sua marca no ordenamento mundial através de tratados negociados nos organismos intergovernamentais. O aparecimento de novas situações, criadas na maioria dos casos pelos avanços da tecnologia, exigiu soluções imediatas que não podiam depender de um costume de formação lenta.” (1996, p.36) No que respeita ao Direito Internacional do Meio Ambiente, embora sendo um ramo tão novo do Direito, o costume internacional vem sendo 13 invocado por julgadores ou árbitros em litígios internacionais entre Estados, aproveitando-se do tempo de maturação das práticas internacionais de outros ramos do Direito. 1.2.3. Princípios Gerais de Direito A terceira fonte enunciada pelo Estatuto de Haia abarca os princípios gerais do Direito reconhecidos pelas nações civilizadas. Entre todas as fontes elencadas no artigo 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça, os princípios gerais do Direito são os mais vagos e os que mais criam polêmica entre os doutrinadores (ACCIOLY, 1996, p. 38) Discute-se se os princípios gerais do Direito servem apenas para interpretar e para superar as dificuldades ou lacunas das regras convencionais e costumeiras ou se, além disso, servem também de método autônomo de criação, modificação e extinção de direito. É inegável, contudo, que as funções desempenhadas pelos princípios gerais do Direito no plano internacional são muito importantes, tanto que eles têm prioridade sobre a teoria da absoluta liberdade dos Estados, segundo a qual estes princípios não estariam sujeitos a nenhuma obrigação, a não ser aquelas obrigações que tivessem sido contraídas livremente por vontade expressa nos tratados ou de maneira tácita pelos costumes. O Direito Internacional moderno depende cada vez menos desta fonte de Direito Internacional, pois a maioria dos princípios gerais do direito já se encontra fixada no direito consuetudinário ou no direito dos tratados. 1.2.4. Decisões Judiciárias e a Doutrina Internacionais As decisões judiciais internacionais, ou jurisprudência, abrigam as decisões dos tribunais arbitrais, das cortes de justiça internacionais e dos tribunais 14 nacionais, além das decisões dos tribunais de determinadas organizações internacionais. As sentenças da Corte Internacional de Justiça são, sem dúvida, as mais importantes e utilizadas como jurisprudência, pois, ao interpretarem os tratados internacionais e esclarecerem o real conteúdo e significado dos costumes internacionais e dos princípios gerais do Direito, fazem com que todas as incertezas existentes no Direito Internacional sejam eliminadas e que eventuais lacunas sejam preenchidas. Porém é fato que a tendência da Corte Internacional de Justiça é sempre guiar-se por sua jurisprudência, fazendo com que ela não se afaste de decisões anteriores e propicie, por sua vez, a intensificação do recurso das partes aos antecedentes (ACCIOLY, 1996, p. 40-41). O autor CELSO D. DE ALBUQUERQUE MELLO faz especial referência às decisões das organizações internacionais, isto é, à lei internacional. Esta corresponde às normas obrigatórias para os Estados-membros, independentemente de qualquer ratificação por parte deles. Segundo o autor, a lei internacional se manifesta nos atos da vida internacional, como: 1 – “nas convenções internacionais do trabalho que obrigatoriamente deverão ser levadas à aprovação do Poder Legislativo. Estas convenções fogem às regras normais do processo de conclusão dos tratados, que o Executivo só submete à aprovação do Legislativo se quiser e, uma vez aprovados por este poder, a ratificação ainda é um ato discricionário do Executivo; 2 – As convenções em matéria sanitária da OMS entram em vigor se os Estados não declaram a sua não aceitação em determinado lapso de tempo, isto é, as convenções podem se tornar obrigatórias para os Estados independentemente de ratificação; 3 – As comunidades européias constituem as denominadas organizações supranacionais, cuja característica, entre outras, está em suas decisões (majoritárias) serem diretamente exequíveis, sem qualquer transformação, no território de cada um dos Estados-membros, e, em conseqüência, serem obrigatórias para os Estados, mesmo contra a sua vontade; 4 – Na OACI, o seu Conselho, pelo voto de 2/3, adota padrões de segurança, eficiência etc., da aviação civil, que se tornam obrigatórios para os Estados no prazo de três meses (ou mais, conforme prescrição do Conselho), se neste período a maioria não manifesta a sua desaprovação”. (MELLO, 2000, p. 299-300). Para o autor, não considerar as decisões das organizações internacionais é não reconhecer o processo de integração da comunidade 15 internacional, uma vez que são normas obrigatórias para sujeitos de direito, independentemente de sua vontade. No que tange à doutrina, opiniões de juristas tiveram papel relevante no início da formação do Direito Internacional Público, visto que, naquela época, este campo do Direito era extremamente lacunoso, de poucas normas escritas e de poucos costumes internacionais reconhecidos. Apesar de pouco utilizada atualmente, pois até mesmo a Corte Internacional de Justiça tem evitado utilizar a doutrina em seus julgamentos, as opiniões dos juristas ainda são bastante consultadas nas exposições dos governos e nos votos em separado, o que demonstra ainda seu verdadeiro valor. A doutrina não cria regras novas, ela apenas identifica e esclarece regras já existentes, ou seja, a doutrina contribui como um meio auxiliar para a prova, apresentação e interpretação das normas jurídicas internacionais. 1.3. PRINCÍPIOS DO DIREITO INTERNACIONAL DO MEIO AMBIENTE Assim como todos os ramos do Direito, o Direito Internacional do Meio Ambiente tem princípios próprios. Tais princípios, segundo CRHIS WOLD, “que emergiram na Declaração de Estocolmo/72, tornaram-se, a partir de 1992, muito mais concretos, estruturando-se em formulações mais precisas e detalhadas (...)”. (2003, p. 8). Os princípios a seguir expostos seguem a doutrina de PAULO AFFONSO LEME MACHADO, a maioria dos quais tem apoio em declarações internacionais. 1.3.1. Princípio do direito à sadia qualidade de vida Esse direito foi reconhecido pela Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente, na Declaração de Estocolmo, em 1972, princípio 1, que disciplina: 16 “O homem tem direito fundamental à liberdade, à igualdade, e ao desfrute de condições de vida adequadas em um meio cuja qualidade lhe permita levar uma vida digna e gozar de bem-estar e tem a solene obrigação de 2 proteger e melhorar esse meio para as gerações presentes e futuras.” Tal princípio foi reafirmado pela Declaração do Rio sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992 (princípio 1), que afirma: “Os seres humanos constituem o centro das preocupações relacionadas com o desenvolvimento sustentável. Têm direito a uma vida saudável e produtiva em harmonia com o meio ambiente.”3 Nesses dois instrumentos, o equilíbrio ecológico é bem essencial à sadia qualidade de vida, traduzindo uma nova projeção do direito à vida, com dignidade e qualidade. O direito à saúde passa a ter uma nova ótica, à medida que passa a abranger a manutenção daquelas condições ambientais que são suportes da própria vida. “Leva-se em conta o estado dos elementos da Natureza – águas, solo, ar, flora, fauna e paisagem – para se aquilatar se esses elementos estão em estado de sanidade e de seu uso advenham saúde ou doenças e incômodos para os seres humanos.” (MACHADO, 2006, p.54). PAULO AFFONSO LEME MACHADO afirma que “essa ótica influenciou a maioria dos países, e em suas Constituições passou a existir a afirmação do direito a um ambiente sadio.” (2006, p. 54). 1.3.2. Princípio do acesso eqüitativo aos recursos naturais O princípio do acesso eqüitativo aos recursos naturais integra os bens ao meio ambiente, como água, ar e solo, os quais devem satisfazer às necessidades comuns de todos os habitantes da Terra. 2 Declaração de Estocolmo, de 1972 (tradução livre). disponível em: http://www.mma.gov.br/estruturas/ agenda21/ _arquivos/estocolmo.doc: acesso em 02/09/2007 3 Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992. disponível em: http://www.mma.gov.br/index.php?ido=conteudo.monta&idEstrutura=18&idConteudo=576. acesso em 03/09/2007. 17 Para PAULO AFFONSO LEME MACHADO, o meio ambiente é um bem de uso comum do povo, isto é, todos podem utilizá-lo. O acesso aos bens ambientais pode traduzir-se no consumo do bem (utilização dos recursos hídricos, a caça e pesca), na poluição dos recursos naturais (lançamento de poluentes no ar, na água ou no solo) e na contemplação da paisagem. Observa, porém, que o acesso com eqüidade aos recursos naturais deve ser utilizado sem seu esgotamento, pensando-se nas gerações futuras (2006, p. 57). E acrescenta que “[..] Não basta a vontade de usar esses bens ou a possibilidade tecnológica de explorá-los. É preciso estabelecer a razoabilidade dessa utilização, devendo-se, quando a utilização não seja razoável ou necessária, negar o uso, mesmo que os bens não sejam atualmente escassos.” (MACHADO, p. 56) Essa preocupação fez parte do rol dos princípios integrantes da Declaração de Estocolmo, de 1972 (princípio 5), que dispõe: “Os recursos não renováveis do Globo devem ser explorados de tal modo que não haja risco de serem exauridos e que as vantagens extraídas de sua utilização sejam partilhadas a toda a humanidade.”4 O princípio 3 da Declaração do Rio/92 contempla, de modo expresso, a eqüidade: “O direito ao desenvolvimento deve ser exercido de modo a permitir que sejam atendidas eqüitativamente as necessidades das gerações presente e futuras.”5 Além disso, segundo o autor, “o acesso dos seres humanos à natureza supõe a aceitação do Princípio I da Declaração do Rio de Janeiro/92, que diz: “Os seres humanos constituem o centro das preocupações relacionadas com o desenvolvimento sustentável. Têm direito a uma vida saudável e produtiva em harmonia com a natureza”” 4 Declaração de Estocolmo, de 1972 (tradução livre). disponível em: http://www.mma.gov.br/estruturas/ agenda21/ _arquivos/estocolmo.doc: acesso em 02/09/2007 5 Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992. disponível em: http://www.mma.gov.br/index.php?ido=conteudo.monta&idEstrutura=18&idConteudo=576. acesso em 03/09/2007. 18 De ressaltar, por último, que o acesso eqüitativo aos recursos naturais dependerá do regime de propriedade dos bens ambientais adotado pela legislação de cada país. 1.3.3. Princípios do usuário-pagador e poluidor-pagador O princípio do poluidor-pagador foi introduzido pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE, pela adoção, no ano de 1972, da Recomendação C(72) 128, do Conselho Diretor, que trata de princípios dos aspectos das políticas ambientais, também adotado pelo princípio 16 da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente, de 1992: “Tendo em vista que o poluidor deve, em princípio, arcar com o custo decorrente da poluição, as autoridades nacionais devem procurar promover a internalização dos custos ambientais e o uso de instrumentos econômicos, levando na devida conta o interesse público, sem distorcer o 6 comércio e os investimentos internacionais.” PAULO AFFONSO LEME MACHADO considera que “o princípio usuário-pagador contém também o princípio poluidor-pagador, isto é, aquele que obriga o poluidor a pagar a poluição que pode ser causada ou que já foi causada.” (2006, p. 59). Esses princípios têm por objetivo fazer com que os custos não sejam suportados pelo Poder Público ou por terceiros, mas pelos utilizadores. Constitui-se em tornar o causador da poluição responsável pelos custos das medidas de prevenção e luta contra a poluição, sem receber nenhum tipo de ajuda financeira compensatória. É uma busca pela internalização de custos, ou seja, o objetivo é fazer com que o poluidor arque com todos os custos de sua atividade e não os transfira à sociedade sob a forma de poluição (atmosférica, hídrica, térmica etc), pois "o poluidor que usa gratuitamente o meio ambiente para nele lançar os poluentes invade a propriedade pessoal de todos os outros que não poluem, confiscando o direito de propriedade alheia".(MACHADO, 2006, p. 59-60). 6 Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992. disponível em: http://www.mma.gov.br/index.php?ido=conteudo.monta&idEstrutura=18&idConteudo=576. acesso em 03/09/2007. 19 Nessa Linha, PAULO AFFONSO LEME MACHADO ensina que “o uso gratuito dos recursos naturais tem representado um enriquecimento ilegítimo do usuário, pois a comunidade que não usa do recurso ou que o utiliza em menor escala fica onerada.” (2006, p. 59). Acrescenta que “para tornar obrigatório o pagamento pelo uso do recurso ou pela sua poluição não há necessidade de ser provado que o usuário e o poluidor estão cometendo faltas ou infrações”, bastando verificar o efetivo uso do recurso ambiental ou sua poluição. Além disso, deve ficar assente que o princípio do poluidor-pagador não deve ser compreendido como um aval concedido a um agente para que, em possuindo condições econômicas de arcar com tais ônus, venha a lesar o meio ambiente. Na realidade, a intenção foi de, não tendo sido obtido êxito na salvaguarda do recurso natural atingido, impor-se àquele que dele fez uso ou que ocasionou o dano uma conseqüência pecuniária (MACHADO, 2006, p. 60). 1.3.4. Princípio da precaução O princípio da precaução fundamenta-se no fato de a degradação ambiental e os danos ambientais serem, via de regra, irreparáveis e irreversíveis. A Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima, em seu artigo 3º - Princípio 3 : “As partes devem adotar medidas de precaução para prever, evitar ou minimizar as causas da mudança do clima e mitigar seus efeitos negativos. Quando surgirem ameaças de danos sérios ou irreversíveis, a falta de plena certeza científica não deve ser usada como razão para postergar essas medidas, levando em conta que as políticas e medidas adotadas para enfrentar a mudança do clima devem ser eficazes em função dos custos, de modo a assegurar benefícios mundiais ao menor custo possível.” (MACHADO, 2006, p. 65-66). Tal princípio se encontra, de igual modo, previsto no art. 15 da Declaração do Rio de Janeiro/92, que dispõe: “De modo a proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deve ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com as suas necessidades. Quando houver ameaça de danos sérios ou irreversíveis, a ausência de absoluta certeza científica não deve ser utilizada como razão 20 para postergar medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir a 7 degradação ambiental”. O princípio da precaução estabelece que não se deve utilizar a falta de certeza científica sobre a possível ocorrência de um dano como permissão para executar determinadas ações. Assim, somente havendo certeza científica de que certa atividade não acarretará danos "sérios ou irreversíveis" é que se pode agir ou deixar de agir, no caso de ações que visem a não permitir a ocorrência do dano. A falta de certeza científica absoluta não deverá ser utilizada como razão para que seja adiada a adoção de medidas eficazes, em função dos custos para impedir a degradação ambiental. A implementação do princípio da precaução não objetiva imobilizar as atividades humanas. Não se trata da precaução que tudo impede ou que em tudo vê catástrofes ou males. O objetivo é resguardar a durabilidade da qualidade de vida sadia e a continuidade da natureza existente no planeta. Tal deve ser entendido não só em relação às gerações presentes, mas também no que se refere ao direito ao meio ambiente das gerações futuras. Esta é uma grande inovação para o Direito: a tutela jurisdicional das futuras gerações. 1.3.5. Princípio da prevenção O princípio da prevenção encontra-se previsto, de modo expresso, na Declaração de Estocolmo, de 1972 (princípio 6): “O despejo de substâncias tóxicas ou de outras substâncias e de liberação de calor em quantidades ou concentrações que excedam a capacidade do meio ambiente de absorve-las sem dano, deve ser interrompido com vistas 8 a impedir prejuízo sério e irreversível aos ecossistemas.” O objetivo desse princípio é, portanto, a utilização dos recursos ambientais, para que eles estejam permanentemente disponíveis. Segundo Édis Milaré: 7 Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992. disponível em: http://www.mma.gov.br/index.php?ido=conteudo.monta&idEstrutura=18&idConteudo=576. acesso em 03/09/2007. 8 Declaração de Estocolmo, de 1972 (tradução livre). disponível em: http://www.mma.gov.br/estruturas/ agenda21/ _arquivos/estocolmo.doc: acesso em 02/09/2007 21 “O principio da prevenção é basilar o Direito Ambiental, concernindo à prioridade de que deve ser dada às medidas que evitem o nascimento de atentados ao ambiente, molde a reduzir ou eliminar as causas de ações suscetíveis de alterar a sua qualidade.” (2005, p. 166). JOSÉ ADERCIO LEITE SAMPAIO assevera que “a prevenção é a forma de antecipar-se aos processos de degradação ambiental, mediante adoção de políticas de gerenciamento e de proteção dos recursos naturais.” (2003, p. 70). Muitos autores entendem intimamente ligados os princípios da precaução e da prevenção. JOSÉ ADÉRCIO LEITE SAMPAIO cita a posição de algum deles: “Milaré (2005, p. 118) engloba o primeiro no segundo: a prevenção, pelo seu caráter genérico, engloba a precaução ‘pelo seu caráter possivelmente específico.’ Para autores como Antunes (2002, p. 36), há diferenças significativas entre ambas no entanto. A prevenção se aplica a impactos ambientais já conhecidos, informando tanto o estudo de impacto e o licenciamento ambientais; enquanto a precaução diz respeito a reflexos ao ambiente ainda não conhecidos cientificamente.(...). (2003, p. 71) MACHADO: A respeito do princípio, adverte PAULO AFFONSO LEME "sem a informação organizada e sem pesquisa não há prevenção. Por isso, divido em cinco itens a aplicação do princípio da prevenção: 1º) identificação e inventário das espécies animais e vegetais de um território, quanto à conservação da natureza e identificação das fontes contaminantes das águas e do mar, quanto ao controle da poluição; 2º) identificação e inventário dos ecossistemas, com a colaboração de um mapa ecológico; 3º) planejamento ambiental e econômico integrados; 4º) ordenamento territorial ambiental para a valorização das áreas de acordo com a sua aptidão; 5º) Estudo de Impacto Ambiental". (2006, p.82). É importante destacar que para o princípio em tela se realizar, imprescindível a tomada de uma consciência ecológica pelos sujeitos que intervêm de qualquer forma no meio ambiente, a fim de que passem a compreender a necessidade de evitar a causação de danos . 1.3.6. Princípio da reparação O princípio da reparação encontra-se previsto na Declaração do Rio de Janeiro de 1992 (princípio 13): 22 “Os Estados deverão desenvolver legislação nacional relativa à responsabilidade e à indenização das vítimas da poluição e outros danos ambientais. Os Estados deverão cooperar, da mesma forma, de maneira rápida e mais decidida, na elaboração de novas normas internacionais sobre responsabilidade e indenização por efeitos adversos advindos dos danos ambientais causados por atividades realizadas dentro de sua 9 jurisdição ou sob o seu controle, em zonas situadas fora de sua jurisdição.” A respeito de tal princípio, sustenta PAULO AFFONSO LEME MACHADO a necessidade de se estender a reparação também ao meio ambiente danificado e não somente “[...} indenização às vitimas”, como previsto no princípio transcrito (2006, p. 83). Acrescenta que, na ocorrência de dano ao meio ambiente, no plano internacional, a obrigação da reparação “[...] dependerá da existência de convenção onde esteja prevista a responsabilidade objetiva ou sem culpa ou a responsabilidade subjetiva ou por culpa”, problemas estes, segundo ressalta o autor, em estudo na Comissão de Direito Internacional das Nações Unidas, com o escopo de possibilitar aos Estados “[...] chegar a incorrer em responsabilidade pelas conseqüências prejudiciais de atos não proibidos pelo Direito Internacional (responsabilidade por danos causados, ainda que sem ato ilícito.” (MACHADO, 2006, p. 83-84). 1.3.7. Princípio da informação O princípio da informação encontra-se presente em diversos documentos, os quais ressaltam a necessidade de os governos fomentarem a circulação de informações sobre o meio ambiente. O Princípio 10 da Declaração do Rio de Janeiro/92 dispõe: “A melhor maneira de tratar as questões ambientais é assegurar a participação, no nível apropriado, de todos os cidadãos interessados. No nível nacional, cada indivíduo deve ter acesso adequado a informações relativas ao meio ambiente de que disponham as autoridades públicas, inclusive informações sobre materiais e atividades perigosas em suas comunidades, bem como a oportunidade de participar em processos de tomada de decisões. Os Estados devem facilitar e estimular a conscientização e a participação pública colocando a informação à disposição de todos. Deve ser propiciado acesso efetivo a mecanismos 9 Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992. disponível em: http://www.mma.gov.br/index.php?ido=conteudo.monta&idEstrutura=18&idConteudo=576. acesso em 03/09/2007. 23 judiciais e administrativos, inclusive no que diz respeito à compensação e 10 reparação de danos.” A Convenção sobre o Acesso à Informação, a Participação do Público no Processo Decisório e o Acesso à Justiça em Matéria de Meio Ambiente dispõe, em seu art. 2º, item 3, o seguinte: “A expressão ‘informações sobre meio ambiente’ designa toda informação disponível sob a forma escrita, visual, oral ou eletrônica ou sob qualquer outra forma material, sobre: a) o estado do meio ambiente, tais como o ar e a atmosfera, as águas, o solo, as terras, a paisagem e os sítios naturais, a diversidade biológica e seus componentes, compreendidos os OGMS, e a interação desses elementos; b) fatores tais como as substâncias, a energia, o ruído e as radiações e atividades ou medidas, compreendidas as medidas administrativas, acordo relativos ao meio ambiente, políticas, leis planos e programas que tenham, ou possam ter, incidência sobre os elementos do meio ambiente concernente à alínea a, supramencionada, e a análise custo/benefício e outras análises e hipóteses econômicas utilizadas no processo decisório em matéria de meio ambiente; c) o estado de saúde do homem, sua segurança e suas condições de vida, assim como o estado dos sítios culturais e das construções na medida onde são, ou possam ser, alterados pelo estado dos elementos do meio ambiente ou, através desses elementos, pelos fatores, atividades e medidas visadas na alínea c, supramencionada.” (MACHADO, 2006, p. 85). De outra banda, o meio ambiente vem impondo que haja mecanismos de troca de informações entre os Estados, as quais, na concepção de PAULO AFFONSO LEME MACHADO, devem ser transmitidas à sociedade civil, ressalvando-se as que envolvem segredo industrial ou de Estado. (2006, p. 88). Acrescenta, ainda, que “a não-informação de eventos significativamente danosos ao meio ambiente por parte dos Estados merece ser considerada crime internacional.” (MACHADO, 2006, p. 88). 1.3.8. Princípio da participação Refere-se tal princípio à participação de todos os membros da sociedade. Em nível nacional, procura integrar os cidadãos na discussão relativa à utilização dos recursos naturais e às formas de protegê-los. No âmbito internacional, diz respeito ao desenvolvimento de mecanismos que permitam uma maior 10 Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992. disponível em: http://www.mma.gov.br/index.php?ido=conteudo.monta&idEstrutura=18&idConteudo=576. acesso em 03/09/2007. 24 integração dos Estados, iniciativa voltada à distribuição de parcelas de poder de decisão quanto ao uso dos recursos naturais. Segundo PAULO AFFONSO LEME MACHADO, o princípio da informação já passou a ser objeto das constituições de vários países. (2006, p. 89). A Declaração do Rio de Janeiro/92 dispõe, textualmente: “O melhor modo de tratar as questões do meio ambiente é assegurando a participação de todos os cidadãos interessados, no nível pertinente.” (art. 10).11 1.3.9. Princípio da obrigatoriedade da intervenção do Poder Público “A gestão do meio ambiente não é matéria que diga respeito somente à sociedade civil, ou uma relação entre poluidores e vítimas da poluição. Os países, tanto no Direito interno como no Direito internacional, têm que intervir ou atuar.” (MACHADO, 2006, p. 96). Esse é o fundamento do princípio da obrigatoriedade da intervenção do poder público, previsto na Declaração de Estocolmo de 1972: “Deve ser confiada às instituições nacionais competentes a tarefa de planificar, administrar e controlar a utilização dos recursos ambientais dos Estados, com o fim de melhorar a qualidade do meio ambiente.”12 A Declaração do Rio de Janeiro/92 dispõe, ainda, que “Os Estados deverão promulgar leis eficazes sobre o meio ambiente.” (princípio 11).13 11 Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992. disponível em: http://www.mma.gov.br/index.php?ido=conteudo.monta&idEstrutura=18&idConteudo=576. acesso em 03/09/2007. 12 Declaração de Estocolmo, de 1972 (tradução livre). disponível em: http://www.mma.gov.br/estruturas/ agenda21/ _arquivos/estocolmo.doc: acesso em 02/09/2007 13 Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992. disponível em: http://www.mma.gov.br/index.php?ido=conteudo.monta&idEstrutura=18&idConteudo=576. acesso em 03/09/2007. 25 1.4. FUNDAMENTOS DA RESPONSABILIDADE O tema a ser investigado refere-se à responsabilidade internacional do Estado pela poluição de águas transfronteiriças. Para tal, necessário se faz, previamente ao aprofundamento do tema específico, relembrar, ainda que em breve síntese, o caminho já percorrido pelo instituto da responsabilidade. Segundo JOSÉ DE AGUIAR DIAS, o termo spondeo, que seria a “(...) fórmula conhecida, pela qual se ligava solenemente o devedor, nos contratos verbais do direito romano”, deu origem à palavra responsabilidade. (1995, p. 2) Em termos gerais, é aceito que repouse, na idéia de responsabilidade, um sentido de equivalência, contraprestação. A partir daí, seria possível: (...) fixar uma noção, sem dúvida, ainda imperfeita, de responsabilidade, no sentido de repercussão obrigacional (não interessa investigar a repercussão inócua) da atividade do homem. Como esta varia até o infinito, é lógico concluir que são também inúmeras as espécies de responsabilidade, conforme o campo em que se apresenta o problema: na moral, nas relações jurídicas, de direito público ou privado. (DIAS, 1995, p. 2). A idéia dessa repercussão obrigacional do homem nem sempre foi a mesma, tendo como grandes propulsores os próprios problemas que vinham sendo gerados pelo aumento das relações interpessoais no seio da sociedade, uma vez que toda manifestação humana traz em si o problema da responsabilidade (DIAS, 1995, p. 1). No Direito Romano, aceita-se que a primeira forma de reação a uma lesão ocasionada pela atuação de um outro ser humano tenha sido a vingança privada, derivada da reação pura e simples do ofendido contra o ofensor. (VIANNA, 2004, p. 78). Posteriormente, na Lei das Onze Tábuas, veio a ser esculpida a regra jurídica do Talião, segundo a qual a vítima poderia renunciar à vindicta (vingança) e acatar a indenização fixada pelo Estado, a quem incumbia fixar a circunstância em que alguém deveria ser considerado ofendido e em que proporção poderia ser sua reação. Surge, então, a publicização da responsabilidade civil, muito embora não se cogitava a idéia de culpa, tampouco se distinguia a responsabilidade 26 civil da penal, o que veio a ocorrer com a Lex Poetela Papilia (326 a.C.)14. (VIANNA, 2004, p. 78) Após, surgiu o período da composição, pela qual se atenuavam: (...) as suscetibilidades por demais irritáveis do homem primitivo. Já agora o prejudicado percebe que mais conveniente do que cobrar a retaliação (...) seria entrar em composição com o autor da ofensa, que repara o dano mediante a prestação da poena, espécie de resgate da culpa, pela qual o ofensor adquire o direito ao perdão do ofendido. (DIAS, 1995, p.17). Na seqüência, a autoridade trouxe para si aquilo que se encontrava absolutamente sob a autonomia da vontade das partes, na determinação do que deveria ser fixado para o resgate da culpa, ou seja, um terceiro, ela própria, estabelecia as regras e as delimitações para a realização da composição. Nesse estágio, a autoridade tomou para si a condução da solução dos litígios no âmbito de sua comunidade. Assim: (...) evoluiu da justiça punitiva exclusiva, reservada aos ataques dirigidos diretamente contra ela, para a justiça distributiva, percebendo que, indiretamente era também atingida por certas lesões irrogadas ao particular porque perturbavam a ordem que se empenhava em manter. Resultou daí a cisão dos delitos em duas categorias: os delitos públicos (ofensas mais graves, de caráter perturbador da ordem) e os delitos privados. Aqueles eram reprimidos pela autoridade, como sujeito passivo atingido; nos últimos, intervinha apenas para ficar a composição, evitando os conflitos. (DIAS, 1995, p.18). No passo seguinte, a concepção da responsabilidade se desdobrou, ou seja, “o Estado assumiu, ele só, a função de punir: quando a ação repressiva passou para o Estado, surgiu a ação de indenização..” (DIAS, 1995, p. 18). A partir daí, surgiu a distinção entre a responsabilidade penal e a civil. Já na Lei de Aquília surgiu um princípio geral de reparação de dano. Originouse aí a expressão “culpa aquiliana”, designando a responsabilidade extracontratual em oposição à contratual. Sua maior inovação foi substituir as penas fixas por indenizações proporcionais aos danos causados. Assim, “dano que não causava prejuízo não dava lugar à indenização”. No Direito Romano, a responsabilidade tinha um caráter genuinamente objetivo. A indenização não consistia do elemento representativo da 14 (Lei que extingue o princípio de que o corpo do devedor respondia pelas suas dívidas) 27 soma paga, e sim na “poena” (pena). Somente se considerava a causalidade pura e simples. Cita-se o ensinamento de JOSÉ AGUIAR DIAS: É na Lei Aquília que se esboça afinal, um princípio regulador de reparação do dano. Embora se reconheça que não continha ainda uma regra de conjunto, nos moldes do direito moderno, era, sem nenhuma dúvida, o germe da jurisprudência clássica com relação à injúria, e fonte direta da moderna concepção da culpa aquiliana, que tomou da Lei Aquília o seu nome característico. ( 1995, p. 18). Com os códigos justinianeus, a noção de culpa passou a subjetivar a responsabilidade. Originou-se a necessidade de diferenciação dos termos inuria (ato contrário ao direito) e culpa. O primeiro representava os casos de um dano produzido sem direito, ou seja, quem quer que produzisse um dano sem nenhum direito permanecia obrigado, ainda que, para evitar o fato, houvesse se procedido com a mais escrupulosa diligência. Com a introdução da noção de culpa, a jurisprudência clássica isentou o agente de toda e qualquer responsabilidade quando houvesse procedido sine culpa (sem culpa). Dessa forma, a culpa foi considerada elemento básico da responsabilidade. No período final da República, o Direito Romano tornou a expressão inuria (ou ato contrário ao direito) sinônimo de culpa, ou seja, o dano é resultado de ato positivo do agente, praticado com dolo ou culpa.(DIAS, 1995, p. 18). Em breve síntese, a partir dos ensinamentos de JOSÉ DE AGUIAR DIAS, viu-se que o Direito Romano evoluiu da vingança privada ao princípio básico de que não é lícito fazer justiça com as próprias mãos, com a imposição da autoridade do Estado. Evoluiu da pena como reparação para a distinção entre responsabilidade civil e responsabilidade penal, por instituição do elemento subjetivo de culpa. Acerca especificamente da responsabilidade internacional do Estado, cabe ressaltar, ainda que sinteticamente, seu contexto histórico. Com a evolução da organização da sociedade, desde os tempos em que o homem vivia reunido em suas tribos até a organização dos Estados liberais, 28 os membros da sociedade internacional tiveram de passar a conviver e a respeitar-se mutuamente. Nas vezes em que este respeito mútuo não se fazia presente, eclodiam os conflitos regionais ou generalizados. Com a evolução das relações sociais, a força bruta foi perdendo terreno e sendo substituída por um poder legitimado, a partir de institutos como a hereditariedade, no caso dos regimes monárquicos, e a escolha popular, nos regimes republicanos de perfil democrático. Após o surgimento e consolidação das figuras dos Estados Nacionais, ao término do período feudal, as antigas relações entre os grupos dos comerciantes, que já vinham desde os mais remotos tempos, passaram a sofrer a regulamentação e a encampação desses novos personagens. Da mesma forma, estes Estados passaram a relacionar-se entre si. Destes relacionamentos, cujo conteúdo abarcava temas econômicos, políticos ou jurídicos, nasceram direitos e deveres para ambos os lados, inclusive em relação ao meio ambiente. Assim, daquela absoluta situação, traduzível do conhecido brocardo da common law de que o Rei não erra (the King can do no wrong), passou-se a aceitar que os Estados estariam sujeitos a sanções caso viessem a desrespeitar obrigações internacionais perante outros Estados ou seus súditos. Observa LUÍS CEZAR RAMOS PEREIRA: Tanto na antiguidade, passando pela Grécia e Roma a irresponsabilidade estatal campeava solta, até a Alta Idade Média. Neste último período, então, os regimes absolutistas imperavam sobre a responsabilidade estatal, anulando-a com máximas equivalentes “a quod principi placuit habet legis vigorem” (O que agrada o Rei tem forma de Lei); “L’État c’est moi” (o Estado sou Eu), ou outra frase francesa “Lê Roi ne peut faire mal”, retirada, talvez, da expressão utilizada na Common Law: “The King can do no wrong”. (2000, p. 37). Desde os séculos XVII e XVIII, “[...] a responsabilidade vinha sendo tratada dentro do capítulo teórico dos direitos e deveres do Estado, de que um ato culposo, que causasse dano a outro Estado (em geral, a forma de um desrespeito ao direito de um estrangeiro), daria ensejo a duas situações: legitimar ações de 29 represálias contra o violador da norma e/ou dar causa a uma obrigação de reparar, que deveria ser declarada e executada pelas formas tradicionais da diplomacia.” (SOARES, 2003, p. 720). Apesar de a evolução histórica da responsabilidade civil estar alicerçada na doutrina subjetiva da culpa, as modificações fáticas que passaram a ocorrer desde o século XIX, com a Revolução Industrial, e no século XX, com a Revolução Tecnológica, reclamaram “uma mudança de modelo, ante a insuficiência do sistema subjetivista em fornecer respostas adequadas e justas para o panorama então instalado. É nesse cenário que vem a eclodir a denominada responsabilidade objetiva”, fundada na teoria do risco, dispensando a prova de culpa para viabilizar a indenização. (VIANNA, 2004, p. 81). Mostra GUIDO SOARES que o instituto da responsabilidade internacional, até meados do século XX, compreendia: [...] a regulamentação da responsabilidade por atos proibidos pela norma internacional, portanto centrado na noção de culpa, quando então seriam adotados em âmbito internacional global os primeiros textos de convenções e tratados por atos não proibidos pelo Direito Internacional, coincidentemente na regulamentação do regime jurídico de atividades potencialmente danosas ao meio ambiente (usos pacíficos da energia nuclear). A partir de então, as tímidas tentativas da doutrina jusinternacionalista de estudar tal aspecto foram fortalecidas pelo jus scriptum, tendo sido trazida para dentro do Direito Internacional a noção da responsabilidade gerada por atos permitidos pelo direito (responsabilidade objetiva ou por risco), criação paciente dos sistemas dos Direitos internos dos Estados, a partir do século XIX. (2003, p. 722-723). A responsabilidade internacional dos Estados assumiu grande importância, o que fez com que as Nações Unidas, logo após o final da Segunda Guerra Mundial, instituíssem uma comissão, integrante de sua estrutura, almejando positivá-la, a fim de retirar do costume internacional e dos precedentes jurisprudenciais os postulados da matéria. Cuida-se da Comissão de Direito Internacional das Nações Unidas, cujo tema já constava de sua agenda de trabalho desde 1944 (primeira sessão da CDI), com uma iniciativa renovada em 1955, em razão da Resolução 799, da ONU, que determinava à Comissão iniciar os trabalhos sobre o tema (SOARES, 2003, p. 728). Em 1969, a Comissão, em sua 21ª sessão, começaria a dedicar-se ao tema da Responsabilidade dos Estados, data em que foi examinado o Relatório 30 Preliminar do Prof. Roberto Ago, o qual estruturou o futuro projeto sobre o tema. (SOARES, 2003, p. 729). Desse modo, serão examinados alguns dispositivos dos projetos Ago e Arangio-Ruiz, assim conhecidos em face dos nomes de seus relatores. GUIDO SOARES cria uma divisão para fins de estudo, em que separa em dois grupos a responsabilidade do Estado no Direito Internacional do Meio Ambiente: O primeiro, a responsabilidade subjetiva ou por culpa, que decorreria da prática de atos ilícitos praticados pelos Estados, denominado sistema geral; e outro, a responsabilidade por atos não proibidos pelo Direito Internacional, que seria a objetiva ou por risco, denominado sistema especial. (2003, p.727). Dessa forma, no item seguinte, será estudada a responsabilidade subjetiva, ficando para o item posterior a questão da responsabilidade objetiva, ou sistema especial, naquilo que interessar ao tema do presente estudo. 31 CAPÍTULO 2 A RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL SUBJETIVA DOS ESTADOS 2.1. CONCEITO DE RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL Acerca do conceito de responsabilidade internacional do Estado, JOSÉ FRANCISCO REZEK sustenta que “o Estado responsável pela prática de um ato ilícito segundo o direito internacional deve ao Estado a que tal ato tenha causado dano uma reparação adequada. (2006, p. 269). CELSO D. DE ALBUQUERQUE MELLO, por sua vez, afirma: “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude do qual o Estado a que é imputado um ato ilícito segundo o direito internacional deve uma reparação ao Estado contra o qual este ato foi cometido.” (2000, p. 485) Prosseguindo, acrescenta suas características genéricas: (...) a) ela é sempre uma responsabilidade com a finalidade de reparar o prejuízo; o DI praticamente não conhece a responsabilidade penal (castigo, etc.); b) a responsabilidade é de Estado a Estado, mesmo quando é um simples particular a vítima ou o autor do ilícito; é necessário, no plano internacional, que haja o endosso da reclamação do Estado nacional da vítima, ou, ainda, o Estado cujo particular cometeu o ilícito é que virá a ser responsabilizado. (...) Outras características podem ser apontadas: a) é um instituto consuetudinário (a tentativa de codificação da SDN na Conferência de Haia, em 1930, fracassou); b) ela tem um aspecto político (surgiu para evitar a guerra e limitar o emprego da força). Tem sido apontado quando um fato ilícito é especialmente grave, o interesse não fica limitado ao Estado vítima, mas atinge a toda a sociedade internacional (apartheid) (MELLO, 2000, p. 485). 2.2. ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DA RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL SUBJETIVA DOS ESTADOS 2.2.1. Ato ilícito No tocante ao assunto, preleciona GUIDO SOARES: 32 A responsabilidade do Estado, no sistema da “responsabilidade subjetiva ou por culpa”, tem como fato gerador um ato comissivo ou uma abstenção (elemento objetivo), qualificados como ilícitos, atribuíveis a esse Estado (elemento subjetivo), que são a causa de uma obrigação de reparar (ou, nos termos do art.. 1º do Projeto Ago, na tradução livre, verbis: “todo fato internacionalmente ilícito de um Estado, dá lugar à sua responsabilidade”, (...). (2003, p. 735). De acordo com o citado projeto de Roberto Ago, na concepção teórica da CDI, os elementos do fato internacionalmente ilícito seriam: “Artículo 3. Elementos del hecho internacionalmente ilícito del Estado. a) um comportamiento consistente em uma acción u omistón es atribuible según el derecho internacional al Estado; y b) esse comportamiento constituye uma violación 15 de uma obrigación internacional del Estado.” . (SOARES, 2003, p. 736) Como se verifica, a Comissão de Direito Internacional (CDI) evitou empregar qualquer expressão que tivesse como conseqüência algum tipo de vinculação com a vontade do agente produtor da ação ou responsável pela omissão, ou seja: (...) propositalmente, evitou o emprego da expressão “imputável ao Estado”, tendo em vista que em certos sistemas jurídicos, em particular no Direito Penal, ‘imputar um ato a alguém “ significa avaliar o estado de sanidade do agente, seu entendimento e vontade, como base da atribuição da autoria, e assim determinar a responsabilidade criminal, e nos quais a ‘imputação’ significaria a inculpação de uma pessoa pela autoridade judicial. (SOARES, 2003, p. 736). A Comissão de Direito Internacional (CDI) também não incluiu no rol dos elementos do fato internacional ilícito a palavra culpa. Ressalta GUIDO SOARES: Igualmente ao privilegiar o enfoque no conceito de “fato ilícito”, como o que se encontra em contradição com a norma, evitou empregar qualquer adjetivo que se referisse a “culpa” (elemento volitivo ligado aos atos praticados por indivíduos, que os autores consideram inaplicável quando se trata do Estado, como pessoa jurídica); desde Anzilotti, como referido, o ato gerador da responsabilidade internacional é considerado “um ato em oposição ao direito internacional”, e não um ato culposo, no sentido dos direitos internos dos Estados. (2003, p. 736). Importante destacar, ainda, a posição de LUIS CEZAR RAMOS PEREIRA sobre o tema: (...) a existência de um ato, fato ou omissão que viole uma obrigação estabelecida por uma norma de Direito Internacional (evitamos utilizar as expressões Direito internacional Público ou Privado, tendo em vista que o 15 Artigo 3. Elementos do fato internacionalmente ilícito do Estado: um comportamento consistente em uma ação ou omissão atribuível segundo o direito internacional ao Estado; e esse comportamento constitui uma violação de uma obrigação internacional do Estado. (Tradução do autor). 33 ferimento das normas pode atingir tanto um, quanto o outro ou ambos), Consuetudinário e/ou Convencional, vigentes no Estado que praticou tal ilícito (ou ato lícito) e no Estado ou súdito deste Estado, que teve o seu direito atacado e lesado. (2000, p. 69). Assim, a ilicitude de um ato ou de uma omissão de um Estado tem referência apenas no Direito Internacional, “[...] sendo irrelevantes as motivações justas e a legalidade do ato ou omissão, pela ordem jurídica interna dos Estados.” (SOARES, 2003, p. 739). 2.2.2. Imputabilidade Como visto, o relator Roberto Ago não se preocupou em incluir a imputabilidade como requisito da responsabilidade subjetiva do Estado, ausência que também se mostra em desacordo com a doutrina majoritária. No que diz respeito ao elemento da imputação, é de se observar a presença da chamada relação de causualidade, qual seja aquela que estabelece uma relação direta entre a falta a uma obrigação do Estado. Ao comentar o assunto, LUIS CESAR RAMOS PEREIRA afirma ser imperioso que o ato ou fato seja atribuído ao Estado como pessoa jurídica (2000, p. 69). HEE MOON JO também deixa claro que a imputabilidade é o nexo que ligará o ato ou fato ilícito a quem é responsável por ele. Ressalta que, muitas vezes, seu autor poderá não ser responsabilizado por ele perante a ordem internacional. Em tal hipótese, caberá ao Estado responder por este ato ilícito (2000, p. 393). GUIDO SOARES, ao tratar do tema, deixa claro que não importa o instrumento cuja violação gerará a responsabilidade internacional do Estado: poderá ser a quebra de uma obrigação prevista em tratado ou apenas a não-observância de um costume internacional. A origem da obrigação, que, violada, engendra a responsabilidade do Estado, é uma norma de direito internacional, quaisquer que sejam os modos de sua expressão: um tratado ou convenção internacionais, de caráter geral, regional ou de vigência bilateral entre o Estado autor do delito 34 e a vítima, um costume internacional, uma sentença de um tribunal internacional (limitada às partes do litígio), um princípio geral de direito reconhecido pela comunidade dos Estados, e, com algumas limitações os atos unilaterais de organizações intergovernamentais (em particular aos de integração econômica regional). (2003, p. 740). Não por acaso, também é este o teor do artigo 17 do projeto Ago, verbis: “Artículo 17. No pertinencia del origen de la obrigación internacional violada. 1. Um hecho de um Estado que constituye una violación de una obligación internacional es um hecho internacionalmente ilícito sea cual fuere el origen, consuetudinário, convencional u outro, de esa obrigación. 2. El origen de la obrigación internacional violada por un Estado no afectará a la responsabilidad internacional a que dé lugar el hecho internacionalmente ilícito de esse Estado.” (SOARES, 2003, p. 740). São, então, as citadas fontes do Direito Internacional Público que, tendo introduzido no mundo jurídico uma obrigação, posteriormente desrespeitada, poderão fundamentar a responsabilidade internacional subjetiva do Estado. 2.2.3. Dano Como dito, o projeto Ago também preferiu não fazer menção à ocorrência de dano como um dos elementos constitutivos do fato ilícito internacional. A respeito desse elemento, assevera GUIDO SOARES: (...) o dano, como elemento gerador da responsabilidade, é inerente ao sistema da responsabilidade objetiva, mas nada impediria que, no sistema da responsabilidade por culpa, pudesse ser incluído ao lado do conceito de violação de uma obrigação internacional. Na verdade, o dano, baseado na conceituação de ilícito internacional, conforme a visão da CDI, é uma conseqüência do ilícito, e relevante tão-somente no momento de determinar o quantum debeatur, e este depende da configuração do ilícito, e a conseqüente instauração da responsabilidade, ou seja, de ter-se previamente respondido afirmativamente à questão: an debeatur. Tanto é assim que, no Projeto da CDI, na Segunda Parte (já sob a responsabilidade do Rel. Prof. Arangio-Ruiz), que versa sobre o conteúdo, as formas e os graus da responsabilidade internacional (portanto, na hipótese de já se ter configurado um ilícito e instaurada a obrigação secundária de reparar , ou seja, criado um direito subjetivo à reparação lato sensu ao dano) irá despontar uma das quatro formas de reparação stricto sensu: a indenização (ao lado de outra três formas: a restituição em espécie, a satisfação e o comprometimento e/ou garantia de não repetir-se o ilícito, segundo o art. 6º da Segunda Parte do Projeto CDI), como se verá mais adiante. (2003, p. 736-737). 35 Na visão do autor, a concepção do projeto da CDI, relativamente à responsabilidade subjetiva, é contrária à prática internacional, que vem considerando o dano como elemento fundamental da responsabilidade: Na verdade, o dano não deve ser tratado como um simples incidente ligado à questão de determinar o grau de responsabilidade, em particular no momento de realizar a liquidez do débito, pois há inúmeros precedentes em julgamentos internacionais, especialmente da atual Corte Internacional de Justiça, e abundante doutrina, que considera o dano como elemento fundamental no sistema da responsabilidade por culpa. (SOARES, 2003, p. 737). No tocante à natureza dos danos, a doutrina é pacífica no sentido de que poderá haver conseqüências tanto pela produção de danos materiais quanto pelos danos morais. LUIS CEZAR RAMOS PEREIRA defende: Este dano pode ser de ordem material ou imaterial (neste último caso, mais especificamente o dano moral, para pessoas físicas estrangeiras, ou até mesmo para Estados, onde ele se sinta moralmente atingido como, por exemplo, ultraje à bandeira/pavilhão ou armas nacionais). Fique bem entendido que a produção do efetivo prejuízo ou dano, pode ser em muitos casos a colisão ou ferimento com uma norma de uma obrigação internacional. (2000, p. 72). Ressaltem-se, ainda, os ensinamentos de HEE MOON JO: O dano é elemento essencial da responsabilidade; na verdade, sem dano não há responsabilidade. O dano, como já dito anteriormente, não será necessariamente material, nem terá expressão econômica. Há danos imateriais, suscetíveis de reparação destituída de valor econômico. (2000, p. 393). Assim, o elemento essencial para estabelecimento da responsabilidade internacional do Estado no sistema da responsabilidade subjetiva ou por culpa é a existência de um ato ou omissão que viole uma norma de Direito Internacional vigente no Estado que praticou o ato ilícito e no Estado que sofreu o dano, por ter seu direito lesado, sendo irrelevantes, no dizer de GUIDO SOARES, “as motivações justas e a legalidade do ato ou omissão, pela ordem jurídica interna dos Estados [...]”. (2003, p. 739). 36 2.3. OS ATOS DOS ÓRGÃOS DO ESTADO Merece destaque, também, o fato de o próprio projeto Ago prever que a ilicitude de um fato do Estado se dará de acordo com as regras de Direito Internacional (Art.4º).16 Os atos ou omissões atribuíveis a um Estado são, portanto, apenas o que o Direito Internacional assim considerar, independentemente de sua validade no âmbito interno, podendo tais atos provir do Executivo, Legislativo ou Judiciário. Também é importante destacar a responsabilidade internacional do Estado em relação à conduta de pessoas sem qualquer atribuição oficial ou vinculação com o Estado do qual são nacionais ou a que estejam submetidas. Segundo GUIDO SOARES, muito se tem discutido acerca da possibilidade de responsabilização do Estado por atos ilícitos praticados por pessoas de Direito privado interno. Os exemplos mais corriqueiros são os casos de invasões de missões diplomáticas ou crimes praticados por particulares contra pessoas comuns, situações que gerariam a possibilidade de um Estado requerer indenização ao Estado que deveria controlar sua população. Na área do Direito Internacional do Meio Ambiente, recorda o autor: No campo da proteção internacional do meio ambiente, salvo o Caso Cosmos 954 (tendo em vista que a exploração espacial, na atualidade, é atribuída, por convenção internacional ad hoc, ao Estado lançador do engenho), bem como nas situações acontecidas com o Caso Amoco Cadiz (caso a Convenção Internacional sobre Responsabilidade Civil por Danos Causados por Poluição por Óleo, de 1969, de Bruxelas, fosse vigente entre EUA e França), e no caso Chernobyl (regulado por convenção especial sobre responsabilidade por acidentes nucleares, da qual a Rússia não era 16 “Artículo 4º . Calificación de um hecho del Estado de internacionalmente ilícito. El hecho de um Estado solo podrá calificarse de internacionalmente ilícito segün el derecho internacional. Em tal calificación no incluirá el qie el mismo hecho este calificado de licito según el derecho interno. (PEREIRA. id. p. 395). Tradução do autor: Artigo 4º. Classificação de um fato do Estado internacionalmente ilícito. O fato do Estado somente poderá classificar-se como internacionalmente ilícito segundo o direito internacional. Em tal classificação não incluirá se o mesmo fato estiver classificado como lícito segundo direito interno. 37 parte, na ocasião), todos os demais casos citado no capítulo 11 atestam os fenômenos descritos: de um particular poder eventualmente dar causa à responsabilidade do Estado, o qual tinha vínculos relevantes com causador de um dano. (SOARES, 2003, p. 746). Importa ressaltar a posição de ROBERTO AGO a respeito da responsabilidade do Estado por ato de particular, a qual, segundo GUIDO SOARES, minudencia a teoria de maior aceitação na atualidade: O Estado é internacionalmente responsável tão só pela ação e, mais frequentemente, pela omissão de seus órgãos, que são culpados de não terem tudo feito dentro de suas atribuições, para evitar o ato injurioso do indivíduo ou para puni-lo convenientemente, no caso em que tenha aquele, mesmo assim, ocorrido. É responsável por haver violado não a obrigação internacional com a qual a ação do indivíduo pode estar em contradição, mas pela obrigação geral ou especial de impor a seus órgãos o dever de prover proteção, e não seria necessário definir aqui o exato teor e finalidade daquela obrigação. (2003, p. 747). Para GUIDO SOARES, tal orientação se mostrou benéfica à questão ambiental: Em termos de proteção internacional ao meio ambiente, são evidentes as conseqüências benéficas de tal princípio que o sistema de responsabilidade subjetiva do Estado engendra: não havendo possibilidade de dissociar-se, no Direito Internacional, em termos de responsabilidade do Estado, a conduta da pessoa de direito privado da pessoa do próprio Estado, o efeito é dar causa para os Estados adotarem leis internas, que estejam mais conformes com suas obrigações internacionais, com a conseqüente determinação de exigirem o cumprimento delas pelas pessoas que lhes são sujeitas. O exemplo mais ilustrativo em tal sentido foi a adoção da Diretiva Seveso pela Confederação Suíça, sobre a qual pairava a possibilidade de uma responsabilização por danos a outros Estados, após a poluição do Reno, por conseqüência do acidente na fábrica Sandoz, fato esse que certamente aprimorou sua legislação interna de prevenção de acidentes industriais, seja locais, seja com efeitos transfronteiriços ao longo do Rio Reno. (2003, p. 748). Registra, ainda, GUIDO SOARES as particularidades existentes na responsabilidade do Estado por ato a ele atribuído que tenha sido praticado por particular, em que duas realidades normativas se fazem presentes e devem ser consideradas: [...] a) as obrigações violadas nascidas de normas internacionais imediatamente aplicáveis aos particulares (portanto, independentemente da adoção de normas internas) e (b) as obrigações nascidas de normas internas que foram adotadas em virtude de obrigação internacional endereçada aos Estados (portanto, normas internas que tiveram origem numa obrigação anterior exigível do Estado); no primeiro caso, a responsabilidade do Estado advém de negligência in vigilando, no concernente a permitir comportamento ofensivo às normas internacionais, ao passo que, no segundo, de uma negligência por omissão, relativa a sua 38 obrigação de adotar uma legislação conforme as normas internacionais. (SOARES, 2003, p. 757). Ainda segundo o autor, a responsabilidade internacional do Estado por dano ambiental mereceu uma interessante disciplina da Comissão de Direito Internacional quando ROBERTO AGO inseriu, em seu projeto, a diferenciação entre as obrigações de meio e de resultado. Prossegue asseverando que o pós-guerra, com o aprimoramento da organização jurídico-institucional da União Européia, trouxe uma grande colaboração para a observação dessa diferenciação. O arcabouço jurídico da União Européia é formado por normas que são auto-aplicáveis diretamente aos Estados-membros (artigo 189, § 2º, do Tratado da Comunidade Econômica Européia) ou aos destinatários designados, Estados ou pessoas de direito interno (as decisões). Há, de igual modo, as normas que apenas indicam os objetivos que os Estados devem perseguir, a partir da modificação de suas leis e de sua organização administrativa, que são denominadas directivas. Para GUIDO SOARES, tais obrigações de resultado, geradas a partir das directivas, possuem um papel de extrema relevância na proteção ambiental internacional. Tal dispositivo é relevante na questão da proteção internacional do meio ambiente, na medida em que permite a um Estado retificar uma legislação interna, ou um ato administrativo, a tempo de evitar um ilícito internacional. (...) Ainda no caso das obrigações de resultado, no que respeita aos atos do Poder Judiciário e que podem dar causa à responsabilidade internacional do Estado, conforme já se acentuou anteriormente, devem os ilícitos internacionais ser examinados sob a óptica da falha da legislação doméstica, no relativo à discriminação do acesso de estrangeiros à Justiça interna (com as recomendações contidas no Princípio 10 da Declaração do Rio); no que respeita a não estrangeiros, ou seja , aos nacionais do Estado violador da norma (et pour cause os plurinacionais, como fixou o precedente no Caso Canevaro)¹ e aos apátridas, inexiste no Direito Internacional Geral (salvo nos casos adiantes considerados) qualquer regra que permita a um nacional argüir a responsabilidade do próprio Estado, por desrespeito a normas internacionais, inclusive aquelas que regulam o direito fundamental de a pessoa humana ter livre acesso aos Poderes Judiciários dos Estados. (2003, p. 757-758). Apresentada a discussão acerca da conduta proveniente do Estado que tenha o condão de impulsionar uma responsabilização, passar-se-á ao estudo sobre a necessidade ou não de se esgotar os recursos internos previamente ao estabelecimento de um litígio internacional. 39 2.4. ESGOTAMENTO DOS RECURSOS INTERNOS Impossível incursionar pelo instituto da responsabilidade internacional subjetiva do Estado sem passar pelo tema relativo ao esgotamento dos recursos internos. De acordo com ANTONIO AUGUSTO CANÇADO TRINDADE, há que se iniciar o estudo deste instituto atentando-se para dois princípios do Direito Internacional Público: 1) o de que, previamente ao início de um litígio internacional, o Estado reclamante deve esgotar os meios legais previstos no ordenamento jurídico do Estado reclamado; e 2) o de que a idéia da responsabilidade internacional decorre da evolução do antigo instituto da represália. A respeito do assunto assevera: É um princípio clássico do Direito Internacional que a responsabilidade internacional de um Estado por danos causados a estrangeiros só pode ser implementada a nível internacional depois de esgotados os recursos de Direito Interno pelos indivíduos em questão, isto é, depois que o Estado reclamado tenha se valido da oportunidade de reparar os supostos danos por seus próprios meios e no âmbito de seu ordenamento jurídico interno. (TRINDADE, 1997, p. 21) A respeito do assunto, GUIDO SOARES, lembra que esse esgotamento é uma condição para se verificar o inadimplemento das obrigações internacionais. No fundo, a responsabilidade internacional do Estado, no sistema da responsabilidade por atos ilícitos, é uma relação que se estabelece entre dois pólos, ambos constituídos por Estados (individualmente ou em grupo): num pólo, o Estado responsável (seja o causador de um ilícito o próprio Estado, por meio de seus órgãos ou pessoas que exerça uma atividade atribuível ao Estado, seja ainda uma pessoa de direito privado ou a ela similada que motivaram o ilícito .atribuído aos mesmos) e, no outro pólo, outro Estado ou grupo de Estados, vítimas do dano resultante do ilícito. Na verdade, a CDI evita empregar o termo vítima, dadas as conotações dos direitos internos, em participar no Direito Penal; em seu ligar, emprega a expressão Estado lesado. (2003, p. 759). Nesse contexto de esgotamento dos recursos internos, em decorrência de o Estado do nacional do ofendido decidir não endossar sua reclamação, somando-se as restrições à utilização dos foros internacionais por 40 particulares, surge a situação de o particular ter de dirigir-se aos órgãos judiciários internos daquele Estado para lutar por suas pretensões. Logo, a ação judicial será intentada e julgada conforme a legislação nacional do país, embora, necessariamente, as leis de Direito material aplicáveis para a solução do conflito possam não ser as nacionais, visto que muitas vezes o legislador pátrio remete à legislação estrangeira o fundamento das soluções dos litígios em tramitação em seu Poder Judiciário. É o caso do Direito brasileiro, conforme os artigos 7º e 13 da Lei de Introdução ao Código Civil.17 Aproveitando-se a oportunidade, em que se discute o esgotamento dos recursos internos, empregando-se os meios judiciários do país ofensor, veja-se a hipótese inversa: o particular ofendido opta por ajuizar demanda contra o Estado ofensor perante seu próprio aparelho judiciário. Tal situação gerará um conflito envolvendo a denominada imunidade de jurisdição dos Estados. Lembra GUIDO SOARES que, até há pouco tempo, por influência de uma teoria medieval de que um país não tem jurisdição sobre outro (par in paren non habet juditium), vigia em todos os países a teoria da imunidade absoluta dos Estados, o que significava dizer que os Estados estrangeiros não poderiam ser submetidos a processos perante os foros de outros. Tal situação vem sendo flexibilizada com o tempo, especialmente no que se refere a questões relacionadas com atividades nas quais os Estados realizam negócios com particulares. GUIDO SOARES divide em duas as providências que foram adotadas para relativização da imunidade absoluta: a) em alguns sistemas jurídicos da família romano-germânica, a jurisprudência, levando em conta a tradicional distinção entre direito público e direito privado, elaboraria uma sutil distinção, em que se passou a distinguir a natureza dos atos praticados pelos Estados estrangeiros ou por pessoa em seu lugar: atos que só um Estado pode praticar (e que seriam imunes ao exame dos juízes, denominados das mais variadas formas, como “atos de império”, “atos públicos”) e aqueles outros que tanto os Estados quando uma pessoa de direito privado podem praticar (que seriam 17 Art. 7o A lei do país em que domiciliada a pessoa determina as regras sobre o começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família. (...) Art. 13. A prova dos fatos ocorridos em país estrangeiro rege-se pela lei que nele vigorar, quanto ao ônus e aos meios de produzir-se, não admitindo os tribunais brasileiros provas que a lei brasileira desconheça. 41 susceptíveis de serem apreciados pelos juízes locais, tais como os atos de pessoas físicas ou jurídicas de direito interno, igualmente denominados de forma variada, como “atos de gestão”, “atos negociais”, ”atos privados do Estado”); b) em alguns sistemas da Common Law, que desconhece a oposição entre direito público e direito privado, foram votados statutes (normas escritas) que passaram a arrolar nominalmente os tipos de atos imunes e os outros que não o são (ou, ao contrário, os atos que não são imunes e os outros), os quais, sem denominar as classes, acabaram por produzir os mesmos efeitos que a distinção jurisprudencial estabelecida pelos países romano-germânica. (2003, p. 767). Cabe referir que a União Européia, em seu projeto de ampla integração regional, procurou disciplinar a matéria da imunidade de jurisdição. Em 1962, na Basiléia, foi assinada a Convenção Européia sobre Imunidades do Estado e Protocolo Adicional, sob os auspícios do Conselho da Europa. Tal convenção promove uma distinção entre os atos do Estado estrangeiro que, submetidos à apreciação de um dos tribunais dos Estados envolvidos, devam ser considerados imunes. Lembra GUIDO SOARES que tal convenção e seu protocolo adicional são aplicáveis só aos Estados-membros do Conselho Europeu, se bem que se encontrem em vigor internacional (a Convenção, a partir de 1976, e o Protocolo Adicional, de 1985). São aplicáveis, contudo, na atualidade, apenas entre os Estados que os ratificaram: Áustria, Bélgica, Chipre, Países Baixos, Reino Unido e Suíça. (2003, p. 768). No Brasil, segundo a visão de GUIDO SOARES, a melhor interpretação de como se encontra a matéria foi dada no julgamento de recurso ordinário julgado pelo Supremo Tribunal Federal, na Apelação Cível nº 9.696-3/SP (apelante Genny de Oliveira e apelada a Embaixada da então República Democrática Alemã, publicado no Diário da Justiça de 24/10/90, p. 11.828, em republicação), pelo Ministro José Francisco Rezek, que rejeitou as alegações de imunidade de jurisdição invocadas pelo Consulado, depois Embaixada da então República Democrática Alemã, apresentadas em reclamação trabalhista, fundada em contrato de trabalho entre esta e uma pessoa física domiciliada no Brasil. 42 2.5. AS CONSEQÜÊNCIAS JURÍDICAS DA RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL SUBJETIVA DO ESTADO Uma vez configurada a hipótese de responsabilidade internacional do Estado, impor-se-á o dever de promover a reparação pelo dano causado. Nesse particular, GUIDO SOARES, com apoio no projeto da Comissão de Direito Internacional, na seção sob a responsabilidade de ARANGIORUIZ, tratou a reparação stricto sensu ao lado das outras duas conseqüências da responsabilidade internacional ─ a cessação do comportamento ilícito e a legitimação de contramedidas aplicadas pelos Estados lesados ─, destoando, portanto, da tradicional doutrina sobre o assunto, que se concentrava apenas nos aspectos da reparação stricto sensu (2003, p. 770). O autor brasileiro aponta três diferentes acepções para a expressão reparação do dano (que está contida no projeto ARANGIO-RUIZ): a) o conjunto dos remédios que o Direito Internacional coloca à disposição do Estado lesado; portanto, reparação do dano, em seu sentido lato, seria o próprio sinônimo das mencionadas sanções (por exemplo: na afirmação de que a um ilícito que cause um dano segue-se o dever de uma reparação do mesmo) que no Projeto Arangio-Ruiz compreende três modalidades: cessação do comportamento ilícito, reparação stricto sensu.e contramedidas aplicada pelo Estado lesado; b) por outro lado, reparação por dano stricto sensu,.como sinônimo de restitutio in integrum., é uma das subespécies de sanção ao descumprimento de uma obrigação internacional, que compreende quatro modalidades: (1) a restituição em espécie, (2) a indenização, também denominada “compensação” (3) a satisfação e (4) as medidas assecuratórias e garantias de não-repetição do ato delituoso (conforme dispõe o art. 6-bis do Projeto Arangio-Ruiz, a seguir analisado); c) por fim, tomada num sentido impróprio (designação da espécie pelo gênero); reparação do dano pode tanto significar uma restituição em espécie, como um pagamento a título indenizatório (compensação), como uma medida de caráter satisfativo a um dano moral. (SOARES, 2003, p. 770-771). 2.5.1. A Cessação do comportamento ilícito Dispõe o artigo 6º, 2ª parte, do relatório do projeto ARANGIO-RUIZ: “El Estado cuyo.comportamiento constituye um hecho internacionalmente ilícito de 43 carácter contínuo está obligado a hacer que cese esse comportamiento, sin perjuicio de la responsabilidad em que ya haya incurrido. (SOARES, 2003, p. 771).18 Discute-se, quanto ao pedido de cessação do comportamento ilícito, se ele seria, efetivamente, um dos remédios aplicáveis ao ilícito internacional. GUIDO SOARES, citando ARANGIO-RUIZ, arrola os fatos que poderiam justificar sua aceitação como tal: [...} (a) um Estado lesado em seus direitos, em seu pedido, visa a um comportamento positivo do Estado infrator, e as exigências fazem-se num quadro mais amplo de uma exigência de reparação; (b) quando se instaura um procedimento em que se perquire sobre a responsabilidade de um Estado, o fato ilícito já teve fim e já produziu seus efeitos danosos; (c) no caso de persistirem os efeitos danosos, o Estado demandante solicita medidas provisionais ou conservatórias, sendo que a ilicitude ainda se encontra em fase de definição (e, portanto, um pedido de cessação só seria viável no momento em que o órgão competente já tivesse declarado a ilicitude). (2003, p. 771). Assim, vê-se que tais restrições à sua aceitação como um dos remédios postos à disposição do Estado lesado não têm procedência. O que deverá ser observado, no caso concreto, é com que obrigação a cessação requerida está relacionada. Recorde-se que a obrigação primária é a descrição variável que estabelece a conduta do Estado ou o que ele deve evitar, ao passo que a obrigação secundária descreve qual será a reparação a que está obrigado ou o remédio para sua observância. GUIDO SOARES cita como exemplo de um fato em que a cessação do ilícito se equipararia a uma restituição integral a cessação de uma ocupação territorial. A partir de outro exemplo, mostra que há casos em que se poderia cumular um pedido de cessação com pedido de reparação de danos; neste, o exemplo escolhido é o famoso caso da Fundição Trail: além do pedido de fechamento da fábrica ou de redução de suas atividades pelos norte-americanos aos 18 “O Estado cujo comportamento constitui um fato internacionalmente ilícito de caráter contínuo está obrigado a fazer que cesse esse comportamento, sem prejuízo da responsabilidade em que haja incorrido” (tradução do autor) 44 canadenses, aqueles requereram indenização pelos danos sofridos. (2003, p. 771772). Em relação à questão do meio ambiente, o pedido de cessação encontra uma grande relevância e um papel de destaque, conforme assevera GUIDO SOARES: Ressalte-se, pois, que na responsabilidade internacional dos Estados por danos ao meio ambiente, o remédio consubstanciando na cessação de um comportamento ilícito seja o mais importante entre os outros, tendo em vista os valores de necessidade de cooperação interestatal na preservação do mesmo que são a tônica do Direito Internacional do meio Ambiente. Por outro lado, o caráter preventivo que se vislumbra em tal tipo de sanção à inadimplência de uma obrigação internacional relativa ao meio ambiente constitui outra faceta das normas internacionais de proteção ao meio ambiente: evitar o dano a qualquer custo. Como os outros remédios à infração de uma norma internacional são providências ex pos .factun, tornase clara a prevalência das medidas de cessação da atividade danosa sobre as outras. (SOARES, 2003, p. 772-773) É importante destacar que, em casos de poluição, o Estado lesionado poderá limitar-se a solicitar que o Estado agressor suspenda a atividade prejudicial, cessação que ocuparia, inclusive, um papel de destaque dentro da questão ambiental internacional: 2.5.2. A reparação strictu sensu A reparação stricto sensu do dano, também conhecida como restitutio in integrum19, é a forma mais tradicional de sanção por violação de uma obrigação adotada pela doutrina do Direito Internacional das responsabilidades. (SOARES, 2003, p. 770). Acerca da reparação strictu sensu, o artigo 6-bis do PROJETO ARANGIO-RUIZ estabeleceu: 1. El Estado lesionado.podrá obtener del Estado que haya cometido el hecho internacionalmente ilícito la íntegra reparación del daño causado em forma de restitución em especie, indemnización, satisfacción y seguridades y garantías de no repectión, indistintamente o por varias de esas formas, a tenor de lo dispuesto em los artículos 7, 8, 10, y 10bis. 2.En la determinación de la reparación se tendrá em cuenta la negligência o la acción u omisión dolosa: 19 Tradução do autor: Restituição na íntegra 45 a) del Estado lesionado o b) del nacional de ese Estado, em nombre del cual se interponga la demanda que haya contribuído al daño. 3. El Estado que haya cometido el hecho internacionalmente ilícito no podrá invocar las disposiciones de su derecho interno como justificación del incumplimiento de su obligación de reparar íntegramente el daño causado. 20 (SOARES, 2003, p. 773). GUIDO SOARES, citando ARANGIO-RUIZ, lembra que, na doutrina, a reparação stricto sensu é compreendida sob duas diferentes maneiras: a) consistiria ela no estabelecimento do status quo ante, ou seja, em criarse uma situação que existia antes do acontecimento ilícito, de maneira a restabelecer a relação original entre as partes (Vischer, Bissonnette, Verdross, Zemanek, Nagy, Eustathiadés, Giuliano); (b) consistiria ela num meio de restabelecer uma situação que existiria ou que teria existido, se o lícito não tivesse ocorrido, ou, em outras palavras, o restabelecimento de uma situação hipotética que teria existido na ausência da infração (Anzilotti, Strupp, Reitzer, Morelli, Jiménez de Aréchaga). No primeiro entendimento, a ênfase é colocada na função meramente restitutiva da reparação, ao passo que, no segundo, integram-se na reparação aquela função e outra de natureza indenizatória. Os precedentes dos tribunais internacionais consagraram, ambos os entendimentos. (2003, p. 774). Para o primeiro caso, cite-se o exemplo do julgamento de 9 de março de 1917, pela Corte de Justiça Centro-Americana (primeira Corte Internacional de Justiça da história, de breve existência), num caso entre El Salvador e Nicarágua. El Salvador requereu e foi vencedor de uma demanda em que reclamava que um tratado firmado entre a Nicarágua e os Estados Unidos da América, cujo objeto era a concessão, em favor dos Estados Unidos da América, de uma área para a instalação de base naval, ameaçava sua segurança nacional. A Corte entendeu que “o Governo da Nicarágua deve restabelecer e manter a situação jurídica que existia anteriormente ao Tratado Bryan-Chamorro entre as partes em litígio”. (SOARES, 2003, p. 774). Para a segunda hipótese, cita-se o caso da Fábrica de Chorzow, litígio em que se opuseram a Alemanha e a Polônia pelo fato de esta ter promovido 20 1. O Estado lesionado poderá obter do Estado que haja cometido o fato internacional ilícito a íntegra reparação do dano causado em forma de restituição em espécie, indenização, satisfação e seguranças e garantias de não repetição, indistintamente ou por várias dessas formas, a teor do disposto nos artigos 7, 8, 10 e 10. 1. Na determinação da reparação se levará em conta a negligência ou a ação ou omissão dolosa: a) do Estado lesionado ou b) do nacional desse Estado, em nome do qual se interponha a demanda que tenha contribuído ao dano. 3. O Estado que tenha cometido o fato internacional ilícito não poderá invocar as disposições de seu direito interno como justificativa do descumprimento de sua obrigação de reparar integralmente o dano causado. (Tradução do autor) 46 a nacionalização da fábrica homônima do caso, cujo capital acionário era majoritariamente alemão, em desrespeito ao Tratado de Versalhes de 1919. A Corte Permanente de Justiça Internacional decidiu nos seguintes termos: “O princípio essencial contido na atual noção de um ato ilegal - princípio que parece estar estabelecido pela prática internacional e por decisões de tribunais arbitrais - é que a reparação deve, na medida do possível, fazer desaparecer (wipe out) todas as conseqüências do ato ilegal e restabelecer a situação que teria, com toda probabilidade, existido se aquele ato não tivesse sido cometido”.(SOARES, 2003, p. 774). E acrescenta: “Restituição em espécie ou, se tal não for possível, pagamento de uma soma correspondente ao valor que a restituição em espécie suporia; a concessão, se necessário, de perdas e danos pelo prejuízo sofrido, e que não estariam cobertos pela restituição em espécie ou pagamento no seu lugar - tais são os princípios que serviriam para determinar o total de compensação devida por um ato contrário ao direito internacional”. (SOARES, 2003, p. 775). No que tange à restituição em espécie, a mais comumente utilizada nos litígios internacionais, cite-se o artigo 7º, 2ª parte, do Projeto da CDI (Relator Especial Prof. Arangio-Ruiz): (“Artículo 7. (2ª Parte) Restituição em espécie. El estado lesionado podrá obtener del Estado que haya cometido el hecho internacionalmente ilícito la reparación en especie, es decir, el restabelecimiento de la situación que existía antes de haberse cometido el hecho ilícito, siempre que y en la medida en que esa restitución en especie: a) no sea materialmente imposible; b) no entrañe la violación de una obligación nacida de uma norma imperativa de derecho internacional general; c) no entrañe un carga totalmente desproporcionada en relación con la ventaja que se derivaría para el Estado lesionado de la obtención de la restitución en especie en vez de la indetermnización; o d) no comprometa gravemente la independencia política o la estabilidad económica del Estado que haya cometido el hecho internacionalmente ilícito, siendo así que el Estado lesionado no resultaría afectado del mismo modo si no obtuviese la 21 restitución en espécie.”) (SOARES, 2003, p. 775) A restituição em espécie pode assumir duas modalidades: a material e a jurídica. 21 Artigo 7 (2ª parte) Restituição em espécie. O Estado lesionado poderá obter do Estado que tenha cometido o fato internacionalmente ilícito a reparação em espécie, ou seja, o restabelecimento da situação que existia antes de ter cometido o fato ilícito, sempre que e na medida em que esta restituição em espécie: a) não seja materialmente impossível; b) não gere a violação de uma obrigação nascida de uma norma imperativa de direito internacional geral; c) não gere uma carga totalmente desproporcional em relação a vantagem que se derivaria para o Estado lesionado da obtenção da restituição em espécie em vez da indeterminação; ou d) não comprometa gravemente a independência política e a estabilidade econômica do Estado que tenha cometido o fato internacionalmente ilícito, sendo assim que ao Estado lesionado não resultaria afetado do mesmo modo se não obtivesse a restituição em espécie. (tradução do autor) 47 A restituição material não oferece maiores dificuldades quanto à sua compreensão. Ela consiste de fazer com que o Estado ao qual pode ser imputada a prática do fato internacional ilícito receba a determinação de promover o retorno à situação anterior ao próprio fato, o que, não raras vezes, é praticamente impossível. A outra modalidade de restituição em espécie é a denominada restituição jurídica. Observa GUIDO SOARES: “ A citada distinção, contudo, tem sua utilidade, quando se considera a questão da impossibilidade material da restituição ao status quo ante. No caso de uma restituição material, pode colocar-se a impossibilidade de sua realização, o que não se verifica no caso de uma restituição jurídica. Assim no caso do desaparecimento de uma coisa infungível, e tornando-se impossível sua restituição, há de partir-se para outras formas de reparação, como substitutivas daquela. Ora, tal fenômeno, em termos de Direto Internacional do Meio Ambiente, tem suas conseqüências. No caso de uma ação delituosa, por exemplo, uma poluição constante, pequena e tida como “histórica” de efeitos transfronteiriços, cuja descontinuidade não melhorará, de imediato, a atmosfera ou a água de um Estado vizinho, com um meio ambiente já poluído pelas próprias atividades, poderá ser considerada como um caso de restituição impossível e, portanto, dar causa a uma indenização (ou, em outras palavras, o Estado poluidor poderá “comprar”, por meio de várias indenizações, o direito de poluir o meio ambiente transfronteiriço). (2003, p. 776). Evidencia-se, assim, que esta modalidade pode ser bastante útil no Direito Internacional do Meio Ambiente. 2.5.3. Indenização: GUIDO SOARES assevera que as questões envolvendo o tema da responsabilidade internacional do Estado, na sistemática culposa, quanto à reparação do dano, tradicionalmente tendem a empregar de maneira alternativa ou cumulada a restituição em espécie e a indenização. (2003, p. 777). A hipótese de indenização está prevista no artigo 8º (2ª parte) do projeto da CDI: 1. El Estado lesionado podrá obtener del Estado que haya cometido el hecho internacionalmente ilícito una indemnización por el daño causado por ese hecho, si el daño no há sido reparado mediante la restituición en especie y en la medida en que lo haya sido. 48 2. A los efectos del presente artículo, la indemnización cubrirá todo daño económicamente valorable que haya sufrido el Estado lesionado y podrá incluir los interesses y, cuando proceda, las ganancias dejadas de obtener”. 22 (SOARES, 2003, p. 777-778) E se caracteriza por não ter: [...] função punitiva ou aflitiva em relação ao Estado violador da norma internacional, típicas de outras modalidades de reparação (como a satisfação ou garantias de não repetição do ilícito), mas de uma compensação, no sentido técnico-jurídico, de equalização de valores entre coisas fungíveis. Portanto, só se pode referir a situações em que o dano pode ser mensurado em valores fungíveis, em particular, econômicos. Enfim, dado seu caráter compensatório, a indenização visa tão-somente cobrir os danos materiais diretamente suportados pelo Estado lesado, sem qualquer outra finalidade de servir de medida exemplar (os exemply remedies da Common Law como doble ou trebble damages, entram em outra categoria de medidas). (SOARES, 2003, p. 778). A respeito da indenização, um dos pontos que gera maior discussão doutrinária se refere à ligação existente entre os danos indenizáveis e sua causa. Um dos critérios adotados para concluir quanto à possibilidade ou não de indenização por determinado dano é aquele que divide os danos em diretos e indiretos. Os danos diretos seriam aqueles decorrentes da ação. Os danos indiretos, por sua vez, estariam associados àquelas conseqüências negativas que decorreram do ato, embora não vinculadas a ele diretamente. Segundo GUIDO SOARES, tal critério vem sendo utilizado pouco a pouco, em face de sua imprecisão. Em que pese a essa posição refratária, tal critério chegou a ser aditado para solucionar controvérsias internacionais, sendo que, quando de sua utilização, surgia novo ponto de controvérsia: se seriam cabíveis lucros cessantes cumulativamente aos danos emergentes. No caso de avaliação dos danos diretos ao Estado, a jurisprudência e a doutrina internacionais são uniformes em conceder indenização pelo dano 23 emergente (damnum emergens) , mas não tão pacífica no caso de lucros 24 cessantes (lucrum cesans) . Na verdade, as dificuldades em conceder os 22 1. O Estado lesionado poderá obter do Estado que tenha cometido o fato internacionalmente ilícito uma indenização pelo dano causado por esse fato, se o dano não tiver sido reparado mediante a restituição em espécie e na medida em que tenha sido. 2. Aos efeitos do presente artigo, a indenização cobrirá todo dano economicamente valorável que haja sofrido o Estado lesionado e poderá incluir nos interesses e, quando proceder, os lucros deixados de obter (tradução do autor). 23 danos emergente (tradução do autor). 24 lucros cessantes (tradução do autor). 49 lucros cessantes prendem-se à intricada questão da determinação dos nexos causais entre o dano e o ilícito (a questão dos danos indiretos, num sentido particular desse conceito, a que se referiu anteriormente) e a outra não menos complexa, da previsibilidade do autor do dano em relação aos resultados danosos à pessoa lesada. (SOARES, 2003, p. 780). GUIDO SOARES cita como clássico o seguinte precedente: [...] o caso do baleeiro Canadá, que ôpos Brasil a EUA, julgado por arbitragem, no final do século XIX, a 11-7-1870, pelo qual, num acidente náutico com um baleeiro norte-americano, “Canadá”, colisão com rochas no litoral brasileiro e pela ação das autoridades brasileiras que teriam impedido a tripulação de salvar a embarcação, foi o Brasil julgado responsável pelo naufrágio e declarado devedor de indenização por perdas e danos; a corte arbitral, contudo, não concederia lucros cessantes, decorrentes da perda dos ganhos na estação de pesca da baleia, pois tal incidente foi julgado incerto, e, portanto, inindenizável (cf. Arangio-Ruiz, Second report..., Yearbook 1989, v.2. Parte I, p.18). (2003, p. 780-781). A concepção mais restritiva à indenização pelos lucros cessantes é a mais antiga, sendo que, modernamente, se alterou tal conceito para compreender-se que o lesado teria, em verdade, direito subjetivo à indenização. O caso clássico é o do apresamento do baleeiro norte-americano Cape Horn Pigeon, por um cruzador russo, ato ilícito ocorrido em 9-9-1892, decidido por arbitragem a 29-11-1902, no qual, tendo a Rússia reconhecido sua responsabilidade, caberia ao árbitro único decidir sobre o montante da indenização. O julgador decidiu fixar uma indenização que cobriria não só as perdas presentes, como os lucros não auferidos, com a argumentação: “considerando que o princípio geral do direito civil de que os danos devem incluir compensação, não só pela perda sofrida (the injury sustained) mas também pelos lucros perdidos, também se aplica nos procedimentos internacionais, e a fim de aplicá-lo, a soma dos lucros não necessita ser fixada com certeza, sendo suficiente demonstrar que, na ordem natural das coisas, teria sido possível obter lucros, que foram perdidos, por causa do ato que deu origem ao pedido[...]” (SOARES, 2003, p. 781). Assim, a solução da discussão sobre o que seria ou não indenizável estaria na simples constatação dos bens ou interesses que foram atingidos pela prática do ato danoso. O segundo critério empregado seria o que adota a noção da previsibilidade, sendo este o utilizado pela doutrina, majoritariamente. Segundo esse critério, “[...] é indenizável o dano, seja quando as ligações entre o dano e sua causa forem ligações naturais e normais, estabelecidas por uma previsibilidade por parte do autor do ilícito [..]” (SOARES, 2003, p. 779). 50 Não se olvide que, tendo o Estado lesionado contribuído para o resultado danoso, sua participação será considerada para reduzir a responsabilidade do Estado responsável. Na indenização, o Direito Internacional inclui os danos materiais, de natureza patrimonial, sofridos pelo Estado e pelas pessoas físicas ou jurídicas sob a jurisdição do Estado lesado, bem como os danos morais (portanto não materiais, mas incluídos no patrimônio moral das pessoas de direito interno) por estas sofridos (sendo que os danos morais suportados pelo Estado são cobertos por outra modalidade de reparação, a satisfação, conforme será visto mais além). Nesse particular, a doutrina e a jurisprudência internacionais têm denominado os danos ao patrimônio material do Estado, danos diretos e os causados (materiais ou morais) a pessoas de direito interno, danos indiretos ou “danos pessoais”. No caso de danos pessoais, a jurisprudência internacional tem seguido a linha dos direitos interno dos Estados, concedendo às pessoas de direito interno, no caso de responsabilidade internacional do Estado, o mesmo tratamento dispensado aos danos patrimoniais (em particular, no referente a critérios de avaliação da vida humana). (SOARES, 2003, p. 779). Verifica-se, assim que as questões envolvendo o tema da responsabilidade internacional do Estado, na sistemática culposa, quanto à reparação do dano, tradicionalmente tendem a empregar de maneira alternativa ou cumulada a restituição em espécie e a indenização. Verifica-se, assim, uma tendência a empregar alternada ou cumulativamente, a restituição em espécie e a indenização, no sistema de responsabilidade internacional do Estado por culpa, no que pertine Pà reparação do dano. 2.5.4. A Satisfação A respeito dessa modalidade, prescreve o artigo 10 do projeto da Comissão de Direito Internacional, sob a responsabilidade de Arangio-Ruiz: “Artículo 10. (2ª parte) – Satisfación 1. El Estado lesionado podrá obtener del Estado que haya cometido el hecho internacionalmente ilícito una satisfacción por el dano, en particular el dano moral, causado por esse hecho, si ello es necesario para que la reparación sea íntegra y en la medida en que sea necesario. 2. La satisfaccióm podrá darse en una o varias de las siguientes formas: a) disculpas; 51 b) daños y perjuícios simbólicos; c) en caso de vulneración manifesta de los derechos del Estado lesionado, indemnización de daños y perjuícios correspondiente a la gravedad de esa vulneración; d) en caso de que el hecho internacionalmente ilícito sea consecuencia de falta grave de funcionarios públicos o de comportamiento delictivo de funcionários públicos o de particulares, medidas disciplinarias contra los responsables o castigo de éstos. 3. El derecho del Estado lesionado a obtener satisfacción no justifica demandas que menoscaben la dignidad del Estado que ha cometido el 25 hecho internacionalmente ilícito.” (SOARES, 2003, p. 783). Essa modalidade de conseqüência da responsabilidade internacional do Estado traz ínsita a idéia de que o dano que lhe deu causa é de ordem política ou jurídica. Segundo lembra GUIDO SOARES, há autores que preferem não empregar a terminologia moral por entenderem ser inadequada para uma referência a danos sofridos por um Estado na ordem internacional. (2003, p. 784). Concorda a doutrina em compreender a satisfação como: [...] uma forma de reparação do dano, de caráter aflitivo e não compensatório, como a restituição em espécie ou a indenização, as quais têm como função realizar equivalência em valores econômicos, entre uma perda quantificável e a situação do status quo ante. (SOARES, 2003, p. 784). Segundo GUIDO SOARES, trata-se a satisfação de uma das formas mais típicas da reparação do dano em Direito Internacional, no sistema da responsabilidade por culpa. 2.5.5. As seguranças e garantias de não-repetição do comportamento ilícito A última modalidade de reparação de um ilícito internacional exigível de um Estado, no sistema da responsabilidade por culpa, compreende as seguranças e garantias de não-repetição do comportamento ilícito. 25 Tradução do autor: Artigo 10 (2ª parte) – Satisfação 1. O Estado lesionado poderá obter do Estado que tenha cometido o fato internacionalmente ilícito uma satisfação pelo dano, em particular o dano moral, causado por esse fato, se ele for necessário para que a reparação seja íntegra e na medida em que seja necessária. 2. A satisfação poderá dar-se em uma ou varias das seguintes formas: a) desculpas; b) danos ou prejuízos simbólicos; c) em caso de vulneracion manifesta dos direitos do Estado lesionado, indenização de danos ou prejuízos correspondente a gravidade dessa vulneracion; d) em caso de o fato internacional ilícito seja conseqüência de falta grave de funcionários públicos ou de comportamento delituoso de funcionários públicos ou de particulares, medidas disciplinares contra os responsáveis ou castigo destes. 3. O direito do Estado lesionado a obter satisfação não jusitifca demandas que menosprezem a dignidade do Estado que haja cometido o fato internacional ilícito. 52 A respeito do tema, o projeto da CDI assim dispõe: “Artículo 10 bis (2ª parte) – Seguridades y garantías de no repetición El Estado lesionado poderá, cuando proceda, obtener del Estado que haya cometido el hecho internacionalmente ilícito seguridades o garantias de no 26 repetición de esse hecho.” (SOARES, 2003, p. 785). Segundo GUIDO SOARES, as solicitações podem estipular obrigações de resultado ou de conduta por parte dos Estados infratores. Transcrevese: Os pedidos de garantias, segundo análise no Relatório mencionado, mostram, por inúmeros exemplos de atos de protestos formais de Governos que se sentiram injuriados em seus direitos, as seguintes hipóteses de tratar-se de obrigações de resultado: (a) pedidos de garantias de nãorepetição do ato ilícito, sem qualquer outra especificação (em geral presente em notas de protesto); (b) pedidos de garantias de melhor proteção às pessoas e propriedades nacionais (em geral, nos casos de ofensas a particulares estrangeiros), portanto, sendo obrigações de resultado, deixam ao Estado ofensor a incumbência de escolher os modos de implementá-las. Há, igualmente, obrigações de conduta, que aquele Professor, por meio de casos ocorridos, agrupa em três categorias: (a) pedidos de comprometimento a que o Estado ofensor reconheça uma situação em relação ao Estado lesado; (b) pedidos a que o Estado ofensor instrua seus funcionários a que passem a adotar um comportamento específico; e (c) pedidos de garantia a que o Estado ofensor passe a adotar um comportamento apto a prevenir a criação de condições das quais se originou o ilícito. (2003,p. 786). Concluída a análise acerca da responsabilidade internacional subjetiva dos Estados, a qual foram evidenciadas as questões mais importantes a respeito do tema, passa-se ao estudo da responsabilidade internacional Objetiva dos Estados, evidenciando a problematização que envolve a responsabilização do Estado, segundo um critério objetivo, mais precisamente a necessidade de previsão nos tratados e de que as ações realizadas pelos Estados sejam aceitas como lícitas pelo Direito Internacional. 26 Artigo 10 (2ª parte) – Seguranças e Garantias de não repetição O Estado lesionado poderá, quando proceda, obter do Estado que haja cometido o fato internacionalmente ilícito seguranças ou garantias de não repetição desse fato. (Tradução do autor). 53 CAPÍTULO 3 RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL OBJETIVA DOS ESTADOS Neste capítulo, em que será analisada a responsabilidade objetiva, diferentemente do que se viu até o momento, não mais se investigará acerca da ilicitude do ato imputável ao Estado, sequer se discutirá sobre a presença da culpa na conduta do agente. A partir de agora, serão estudadas as hipóteses em que a reparação será devida em função da prática de um ato lícito, que, embora permitido no Direito Internacional, culmine em prejuízos para outro Estado, ou seja, a responsabilidade internacional objetiva, ou por risco. GUIDO SOARES observa que a responsabilidade por risco, no Direito Internacional, nasceu com textos do jus scriptum, sendo a Convenção sobre Responsabilidade Civil contra Terceiros no Campo da Energia Nuclear, adotada em Paris desde 1960, a primeira a versar sobre a responsabilidade internacional do Estado, muito embora alguns autores, a exemplo do Embaixador Quentin-Baxter, primeiro relator na CDI acerca do tema, considerem o caso da Fundição Trail27, julgado por arbitragem entre os Estados Unidos da América e o Canadá, em 1941, e o caso do Estreito de Corfu28, entre a Albânia e a Grã-Bretanha, julgado pela CIJ, em 1949, as primeiras manifestações a respeito do tema, qual seja, a responsabilidade internacional objetiva dos Estados por dano ao meio ambiente. 27 Caso da Fundição Trail, assim conhecido na jurisprudência internacional, refere-se a um contencioso arbitral bilateral, entre Canadá e Estados Unidos, no qual este último apresentava uma reclamação visando solucionar uma questão de poluição por dióxido de enxofre provocada pela fundição de zinco e chumbo em território canadense, com graves conseqüências no Estado de Washington. “Na falta de normas ou princípios que regulassem a situação, o tribunal arbitral desvendaria uma regra proibitiva, que logo seria escrita no Princípio 21 da Declaração de Estocolmo, considerado de tal maneira relevante que seria repetido e melhorado no Princípio 2 da Declaração do Rio (...)” (SOARES, 2003, p. 211). 28 Caso do Estreito de Corfu, assim denominado na jurisprudência internacional, refere-se ao incidente ocorrido no Estreito de Corfu entre o Reino Unido da Grã Bretanha e a Irlanda do Norte v. Albânia, relativo ao choque de dois destróieres britânicos que se chocaram com minas em águas albanesas. Este caso “representa um ponto essencial no Direito Internacional do Meio Ambiente, uma vez que fixou a regra de que ‘nenhum Estado pode utilizar seu território para fins de prática de atos contrários ao Direito Internacional’”. (SOARES, 2003, p. 209) 54 3.1. A POLÊMICA ACERCA DO TEMA DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO. Cabe lembrar, inicialmente, que a Comissão de Direito Internacional das Nações Unidas separou a regulamentação do estudo da responsabilidade internacional do Estado em dois grupos: o primeiro, relativo à responsabilidade sob a ótica subjetiva, pela prática de atos ilícitos; o segundo, relativo à responsabilidade objetiva, resultante da prática de atos lícitos perante o Direito Internacional. O tema, no entanto, não é pacífico entre os doutrinadores. A responsabilidade objetiva, segundo GUIDO SOARES e JOSÉ FRANCISCO REZEK, decorre apenas das hipóteses em que tenha havido previsão nos tratados e as ações realizadas pelos Estados sejam aceitas como lícitas pelo Direito Internacional. Assim, GUIDO SOARES, após enumerar os tratados e as convenções internacionais que se encontram em vigor na esfera internacional e que versam sobre a responsabilidade internacional do Estado, segundo o sistema da responsabilidade objetiva, tais como os que se referem aos danos nucleares, à poluição marinha por óleo, aos danos causados por objetos espaciais e também aqueles que já se encontram assinados, porém, ainda, não se encontram em vigor internacional (Convenção sobre Responsabilidade dos Operadores de Navios Nucleares, Convenção sobre o Regime Jurídico das Atividades Relativas aos Recursos Minerais da Antártica, Convenção sobre Responsabilidade Civil por Danos Causados durante o Transporte de Produtos Perigosos por Rodovias, Ferrovias ou por Barcos de Navegação Interior, Convenção “Européia” sobre Responsabilidade Civil por Danos Resultantes de Atividades Prejudiciais ao Meio Ambiente (Convenção de Lugano) e Convenção Internacional sobre Responsabilidade e Reparação por Danos Relacionados com o Transporte de Substâncias Tóxicas e Perigosas por Mar), assevera que “são os únicos que contemplam a responsabilidade internacional dos Estados, segundo o sistema da responsabilidade por risco”. (2003, p. 790). No mesmo sentido é o entendimento de JOSÉ FRANCISCO REZEK: Igualmente certo, contudo, é que não se admite em direito das gentes uma responsabilidade objetiva, independente da verificação de qualquer procedimento faltoso, exceto em casos especiais e tópicos, disciplinados por convenções recentes. (2006, p. 270). 55 Outros autores, a exemplo de LUIS CEZAR RAMOS PEREIRA, aceitam eventual responsabilização do Estado, segundo um critério objetivo, em virtude da prática de um ato ilícito e independentemente de qualquer dispositivo internacional prevendo a matéria: A Teoria mais aceita ultimamente tem como seu maior difusor o Professor Anzilotti e Guggenheim, e foi denominada como “Teoria do Risco” ou da “Responsabilidade Internacional Objetiva do Estado”. [...] Contudo, o maior defensor e difusor da responsabilidade objetiva foi Anzilotti, ou seja, se houve a efetiva violação de normas tidas e aceitas como de direito internacional, causando danos injustos a outrem o Estado é responsável internacionalmente, sem se apurar o elemento culpa (mais incisivamente o elemento psicológico da culpa), devendo reparar o dano causado. [...] Esta teoria (objetiva), despoja a responsabilidade internacional de todo o elemento subjetivo e se funda exclusivamente no fato de que houve um ferimento às normas tidas e aceitas de direito internacional, juntamente com o fato de que o dano haja sido produzido ou causado efetivamente: e, de que haja um nexo causal entre este dano e o agente que causou. Linha esta que também adoto, com um adicional ao ato praticado pelo Estado, tanto pode ser ilícito como lícito, sendo que para este último fique configurado que houve dano a outrem e que tenha havido a devida consciência, por parte do Estado, de que tal ato lícito irá provocar um determinado dano. (2000, p. 107-109). Entretanto, adotando a orientação da CDI, a responsabilidade por risco, ou objetiva, decorrerá apenas das hipóteses em que tenha havido previsão em tratados e as ações realizadas pelos Estados sejam aceitas como lícitas pelo Direito Internacional. 3.2. ELEMENTOS CONSTITUTIVOS E AS CONSEQÜÊNCIAS PELOS DANOS CAUSADOS No que tange a seus elementos constitutivos, pode-se dizer que são os mesmos apresentados no tópico relativo à responsabilidade por culpa, porém, apenas com o diferencial de que os atos que serão atribuíveis aos Estados não serão ilícitos, mas atos lícitos que acabaram por gerar conseqüências desastrosas para o meio ambiente ou, num sentido mais amplo, para interesses tutelados pelo Direito Internacional do Estado ofendido. As conseqüências pelos danos causados, por sua vez, são aquelas contidas nos próprios documentos internacionais que descrevem as condutas e as hipóteses de incidência. 56 Isso implica em se aceitar a hipótese da responsabilidade objetiva apenas naquelas situações que disciplinam a responsabilização a partir de atos lícitos, mas que causem prejuízos a terceiros. Para todas as demais situações, será imprescindível que se demonstre a culpa do Estado ao qual a ação pode ser atribuída. As razões de se firmar este entendimento se fundam na posição sólida adotada em todos os precedentes internacionais, os quais relacionam a conseqüência do fato ilícito à verificação da presença da culpa e aos próprios projetos adotados pelas Nações Unidas. Oportuno e pertinente destacar os documentos internacionais mais importantes que contemplam normas acerca da responsabilidade dos Estados por atos não proibidos pelo Direito Internacional, ou seja, no sistema de responsabilidade objetiva dos Estados: 1) Convenção sobre Responsabilidade Civil contra Terceiros no Campo da Energia Nuclear, “Convenção de Paris”, de 20-071960; 2) Convenção Suplementar de Bruxelas sobre Responsabilidade Civil contra Terceiros no Campo da Energia Nuclear, de 1963 (Convenção complementar à “Convenção de Paris” de 1960); 3)Convenção de Viena sobre Responsabilidade Civil por Danos Nucleares, Viena, 1963; 4) Convenção Relativa à Responsabilidade Civil no Campo do Transporte Marítimo de Material Nuclear, Bruxelas, 1971; 4) Convenção Internacional sobre Responsabilidade Civil por Danos Causados por Poluição por Óleo, Londres, 1976; 5) Convenção para o Estabelecimento de um Fundo Internacional para Compensações por Danos de Poluição por Óleo, Bruxelas, 1971; 6) Convenção sobre Responsabilidade Civil por Dano Decorrente de Poluição por Óleo Resultante de Exploração de Recursos Minerais do Subsolo Marinho, Londres, 1977; 7) Convenção sobre Responsabilidade Internacional por Danos Causados por Objetos Espaciais, Londres, Moscou e Washington, 1972. (SOARES, 2003, p. 787-788). Em síntese, no sistema da responsabilidade objetiva, se não ocorrer violação de uma norma internacional primária que institui direitos e deveres dos Estados, inexistirá a norma secundária que instituirá a obrigação de reparar o dano, uma vez que, nesse sistema, a responsabilidade só existe a partir de dispositivos contidos em convenções internacionais que descrevem condutas e atribuem suas conseqüências, sempre para os atos não proibidos no Direito Internacional. 57 3.3. A POLUIÇÃO TRANSFRONTEIRIÇA E A RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL OBJETIVA Preliminarmente ao estudo de como se disciplinam as conseqüências por eventuais prejuízos causados em territórios de outros Estados, a partir de atividades permitidas no Direito Internacional, há que se fazer uma pequena digressão acerca do conceito de poluição transfronteiriça. 3.3.1. Poluição Transfronteiriça Valendo-se da Resolução do Conselho da OCDE, de 14-11-1974, GUIDO SOARES conceitua poluição: “Introdução pelo homem, direta ou indiretamente, de substâncias ou de energia no meio ambiente que causem conseqüências prejudiciais de modo a colocar em perigo a saúde humana, prejudicar recursos biológicos ou sistemas ecológicos, atentar contra atrativos (‘agréments’) ou prejudicar outras utilizações legítimas do meio ambiente” (2003, p. 214). Num conceito mais amplo, HELITA BARREIRA CUSTÓDIO define poluição como sendo: “todo o tipo de transformação ou degradação da qualidade ambiental decorrente de qualquer conduta ou atividade humana que, voluntária ou involuntariamente, ilícita ou licitamente, possa alterar, contaminar, destruir, ou descaracterizar os bens ou recursos integrantes do meio ambiente (naturais, culturais, sanitários), comprometendo, diante do conseqüente desequilíbrio ecológico-ambiental, direta ou indiretamente, tanto a vida, a saúde e o bem-estar da pessoa humana e as condições sócio-econômicas das pessoas físicas e jurídicas (de direito público e de direito privado) como as condições de vida de todas as espécies animais, vegetais e microorgânicas terrestres e aquáticas.” (2006, p. 556). As diversas implicações pertinentes à poluição transfronteiriça são questões mais recentes no Direito Internacional. Sempre houve fenômenos ocorridos no território de um Estado com efeitos no território de outros Estados, a exemplo dos reflexos extraterritoriais de uma norma a ser aplicada nas relações envolvendo pessoas de direito privado submetidas a sistema jurídico diverso, tais como os efeitos do casamento, de um divórcio. Não havia, até há pouco tempo atrás, o conceito de um efeito danoso transfronteiriço, qual seja a poluição transfronteiriça. 58 O conceito de poluição transfronteiriça, segundo GUIDO SOARES, foi “introduzido na linguagem jurídica a partir da citada definição da OCDE, em 1974. Ele, com pequenas variantes, é retomado em vários atos internacionais, tendo recebido uma conceituação mais extensa na Convenção de Genebra de 1979, sobre Poluições Atmosféricas Transfronteiriças de Longa Distância (...)”, nos seguintes termos:. “A expressão poluição atmosférica transfronteiriça de longa distância’ designa a poluição atmosférica cuja fonte física se situa total ou parcialmente numa zona submetida à jurisdição nacional de um Estado e que produz efeitos danosos numa zona submetida à jurisdição de outro Estado, numa distância tal que geralmente não é possível distinguir as contribuições de fontes individuais ou de grupo de fontes de emissão.” (SOARES, 2003, p. 216) Salienta o autor que a poluição transfronteiriça presssupõe a ação do homem, a introduzir elementos prejudiciais ao meio ambiente, não se considerando como poluição os fenômenos da natureza que dele não dependam, direta ou indiretamente, tais como a ruptura de barragem (SOARES, 2003, p.217). A poluição transfronteiriça envolve diversas espécies e ou tipo de agressão ao meio ambiente, como se pode constatar no rol adiante apresentado, formulado por GUIDO SOARES (2003, p. 219), a saber: I. poluição dos mares e oceanos; II. poluição das águas doces compartidas e dos rios transfronteiriços; III. poluição atmosférica; IV. poluição relacionada com a utilização da energia nuclear para fins pacíficos; V. poluição de atividades de origem industrial relacionadas com a sanidade dos locais de trabalho, produção e comercialização internacional de produtos de alta toxicidade, manejo, disposição e transporte de resíduos tóxicos. 29 No tocante à poluição transfronteiriça dos mares e oceanos, a regulamentação internacional tópica é vasta. Em parte, em decorrência do Direito Marítimo e, principalmente, em virtude dos grandes acidentes envolvendo 29 Não foi adotada exatamente a divisão efetuado pelo autor, preferindo-se, por questões metodológicas, subdividir o último item, o qual encontra-se assim redigido: “regulamentação setorial de atividades de origem industrial, relacionadas com a sanidade dos locais de trabalho, produção e comercialização internacional de produtos de alta toxidade, manejo, disposição e transporte de resíduos tóxicos, e as questões específicas relacionadas com a utilização da energia nuclear para fins pacíficos.” 59 derramamento de óleo, a alertar sobre a necessidade de regulamentação da questão relativa à poluição das águas marinhas. Destaca-se, a título de exemplo, a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar30, a qual define e delimita, de maneira pormenorizada, os espaços marítimos. A respeito da poluição das águas doces compartidas e dos rios transfronteiriços, é importante destacar que, segundo GUIDO SOARES, na base do conceito de poluição transfronteiriça, desponta o conceito de fronteira, ou seja, definição jurídica dos limites do espaço físico onde incide a totalidade do ordenamento jurídico de um Estado, não se aplicando tal conceito a bens ecológicos que se situam por entre fronteiras, a exemplo dos animais migratórios ou em espaços onde não incide nenhuma soberania, como a Antártica, o alto-mar e seu solo e subsolo (2003, p. 217). Em virtude dessa noção de confronto entre soberanias dos Estados, emerge o conceito de “rios transfronteiriços”, partindo-se da classificação dos rios em nacionais e internacionais. Na doutrina é unânime o conceito de rios nacionais como sendo os cursos de água que se localizam no território de um único Estado. Por sua vez, no que se refere aos rios internacionais, ressalta-se a dificuldade dos doutrinadores em estabelecer e adotar um conceito único. CELSO D. DE ALBUQUERQUE MELLO entende que a melhor definição para rio internacional é a que se baseia em um critério jurídico, isto é, “os cursos de água que se encontram em território de mais de um Estado,” podendo ser contíguos e sucessivos. (2000, p. 1215). Já, GUIDO SOARES aponta que um rio, na concepção clássica do Direito Internacional, era tido como internacional quando fronteiriço, sucessivo ou completamente internalizado. O critério para distingui-lo de um rio nacional decorreria das limitações de um Estado quanto a seus poderes para controlar sua navegabilidade. (2003, p. 241.). A partir dos anos 60, a classificação dos rios, levando-se em conta critérios relativos a fins demarcatórios e como vias de navegação, foi sendo 30 Conhecida como a Convenção de Montego Bay, Jamaica, de 1982 (SOARES, 2003, p. 121) 60 abandonada, surgindo novos critérios, guiados por outras finalidades, quanto aos rios internacionais, tais como a geração de energia elétrica, o uso doméstico e o uso agrícola, cujos aspectos da poluição da água se tornam relevantes. Para GUIDO SOARES, o conceito de “transfronteiriço” está ligado ao conceito de poluição, portanto com conexão acentuada no Direito Internacional do Meio Ambiente. Já nos aspectos que não sejam de poluição transfronteiriça, prevalecem os critérios tradicionais, estreitamente ligados ao conceito de navegabilidade. (2003, p. 112). Por fim, observa-se que, dada a peculiaridade geográfica dos rios internacionais ou das bacias hidrográficas, sua regulamentação é assunto tópico. Nesse sentido, enfatiza: Dada a inexistência de regras universais de jus scriptum, as normas dos tratados e convenções ora dizem respeito a enfatizar os aspectos da poluição em alguns rios ou de bacias hidrográficas especialmente nomeadas, em todas as sua formas, ora a estabelecer um regime complexo de utilização múltipla e, colateralmente, além dos aspectos tradicionais da regulamentação de sua navegabilidade, a evitar a poluição dos recursos aqüíferos.” (SOARES, 2003, p. 108). GERALDO EULÁLIO DO NASCIMENTO E SILVA aponta para a introdução de uma nova temática no Direito Internacional Fluvial, além dessa classificação clássica: “Trata-se de uma tese defendida pela International Law Association cujas regras foram aprovadas em 1966 e passaram a ser conhecidas como as Helsinki Rules, segundo as quais ‘uma bacia de drenagem internacional é uma área geográfica que cobre dois ou mais Estados determinada pelos limites fixados pelos divisores de água, inclusive as águas de superfície e as subterrâneas, que desembocam num ponto final comum’” (1996, p. 510). Contudo a CDI adota a metodologia de não se referir a rios internacionais, rejeitando, conseqüentemente, o conceito de bacia integrada, para adotar o conceito de “cursos d’água internacionais”, definindo-os, portanto, como aqueles em que algumas de suas partes se encontram em Estados distintos, enquanto os “cursos d’água” se traduziriam num “sistema de águas de superfície e subterrâneas que, em virtude de sua relação física, constituiriam um conjunto unitário e fluiriam, normalmente, a um término comum”, abarcando, assim, os rios principais, seus afluentes, lagos, aqüíferos, glaciais, represas, canais e lençóis freáticos, à medida que estejam relacionados entre si.” (SOARES, 2003, p. 110111). 61 Com o propósito de evidenciar tal realidade, são relacionados os tratados e as convenções internacionais sobre rios e bacias internacionais (ou “transfronteiriços”) e lagos compartidos entre Estados, no que se refere à proteção do meio ambiente, de acordo com GUIDO SOARES (2003, p. 112). 1. Protocolo Relativo à Constituição de uma Comissão Internacional para a Proteção do Mosela contra a Poluição, Paris, 1961; 2. Acordo Relativo à Comissão Internacional para a Proteção do Reno contra a Poluição , Berna, 1963; 3. Convenção e Estatuto Relativo ao Desenvolvimento da Bacia do Chad, Fort Lamy (N’Djamína), 1964; 4. Convenção relativa ao “Status” do Rio Senegal e Convenção que estabelece a Organização de Desenvolvimento do Rio Senegal, Nouakchott, 1977; 5. Convenção sobre a Proteção do Reno contra Poluição, Bonn, 1976; 6. Convenção sobre a Proteção do Reno contra Poluição por Cloretos, Bonn, 1976; 7. Tratado da Bacia do Prata, Brasília, 1969, promulgado pelo Decreto nº 81.351, de 17-2-1978; 8. Tratado de Cooperação Amazônica, Brasília, 1978, promulgado pelo Decreto nº 85.050, de 18-8-1990; 9. Convenção para a Criação da Autoridade da Bacia do Níger e Protocolo relativo ao Fundo de Desenvolvimento da Bacia Níger, Faranah, 1980; 10. Acordo sobre um Plano de Ação para uma Gestão Ambiental Correta do Sistema Comum do Rio Zambeze, Harare, 1987; 11. Convenção sobre a Proteção e Utilização dos Cursos d’Água Transfronteiriços e Lagos Internacionais, Helsinque, 17-3-1992; 12. Convenção das Nações Unidas sobre o Direito das Utilizações dos Cursos d’Água Internacionais para Fins Distintos da Navegação, New York, 21-5-1997. Relativamente à poluição atmosférica transfronteiriça, ressalta-se a poluição decorrente das chuvas ácidas, atinentes ao efeito estufa, à camada de ozônio e a seus efeitos sobre o clima global. 62 O combate a esse tipo de poluição é muito difícil, em face da impossibilidade de individualização das fontes causadoras da poluição atmosférica. Assim, sua regulamentação geralmente estabelece normas gerais de cooperação, a fim de que sejam implementadas, pormenorizadamente, por outros atos. No que tange à regulamentação que combate esse tipo de poluição, destaca-se a Convenção sobre Poluições Atmosféricas Transfronteiriças de Longa Distância, adotada em Genebra, em 1979, a qual, como já fora citado, define poluição atmosférica e também estabelece normas a respeito da obrigatoriedade dos Estados em estabelecer estratégias e políticas nacionais a respeito do lançamento de gases na atmosfera. De igual importância, a Convenção de Viena, de 1985, para Proteção da Camada de Ozônio, vigente no Brasil, por força do Decreto nº 99.280, de 1990, tendo por objetivo proteger a saúde humana e o meio ambiente contra efeitos adversos, resultantes de modificações da camada de ozônio, assim como o Protocolo de Kyoto, que visa à redução da emissão de gases poluentes responsáveis pelo efeito estufa e o aquecimento global. Em relação às atividades relacionadas à utilização da energia nuclear para fins pacíficos, considerados seus efeitos altamente tóxicos e persistentes no meio ambiente, é certo que estão merecendo a devida e necessária atenção no âmbito do Direito Internacional do Meio Ambiente. Inúmeros são os atos internacionais referentes ao tema, destacandose a Convenção de Viena sobre Responsabilidade Civil por Danos Nucleares, de 1963, no Brasil, promulgada pelo Decreto 911, de 1993. No que se refere à poluição decorrente de atividades de origem industrial, destaca-se que a produção de produtos químicos cada vez mais tóxicos, em sua maioria não recicláveis, podem acarretar em conseqüências desastrosas ao meio ambiente local, regional e global. Muitos desses elementos não podem ser reutilizados e nem reciclados, tornando-se presentes no meio ambiente, o que tem representado um enorme desafio às atividades de controle e de combate a este tipo de poluição. As normas jurídicas vêm regulando as atividades relativas a aspectos de produção, estocagem, utilização e transporte transfronteiriço, 63 destacando-se a Convenção da Basiléia sobre Controle de Movimentos Transfronteiriços de Resíduos Perigosos e seu Depósito. A Convenção da Basiléia, firmada em março de 1988, numa conferência diplomática promovida pelo PNUMA – Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, objetivou preparar uma proposta de convenção internacional para controlar o transporte transfronteririço de resíduos perigosos, entrando em vigor em maio de 1992. No Brasil, a Convenção da Basiléia foi aprovada pelo Decreto nº 34, de 16-06-1992, e promulgada por meio do Decreto nº 875, de 19-07-1993. (MILARÉ, 2005, p. 1017). Segundo EDIS MILARÉ, a Convenção de Basiléia nasceu da preocupação referente aos embarques de resíduos desde as nações industrializadas até os países em desenvolvimento, possuindo três objetivos principais: “(I) Estabelecer obrigações com vistas a reduzir ao mínimo os movimentos transfronteiriços de resíduos perigosos , e exigir que seu manejo seja feito de maneira eficiente e ambientalmente segura; (II) Minimizar a quantidade e a toxicidade dos resíduos gerados, garantir seu tratamento ambientalmente seguro e próximo da fonte geradora (depósito e recuperação) e assistir aos países em desenvolvimento na implementação de suas disposições; (III) Proibir seu embarque para países que não tenham capacidade para eliminar resíduos perigosos de forma ambientalmente segura.” (2005, p. 1015). Acrescenta o referido autor que “a Convenção da Basiléia está baseada no princípio do consentimento prévio e explícito para a importação e o trânsito desses resíduos, coibindo o tráfico ilícito. Assim, a Convenção não proíbe a movimentação transfronteiriça de resíduos perigosos em si, mas estabelece mecanismos para o seu controle e acompanhamento.” (MILARÉ, 2005, p. 1015). Em 1999, complementando tal documento, por determinação de seu artigo 12,31 foi firmado o Protocolo sobre Responsabilidade e Compensação por Danos Resultantes do Movimento Transfronteiriço de Resíduos Perigosos e seu Depósito, também denominado Protocolo de Basiléia. 31 Artigo 12. As partes deverão cooperar com o objetivo de adotar, tão pronto quanto possível, um protocolo que estabeleça normas e procedimentos adequados no campo da responsabilidade e compensação por danos provocados pelo movimento transfronteiriço e depósito de resíduos perigosos e outros resíduos. (SOARES, 2003, p. 885) 64 Cabe referir que, muito embora tenha nascido por força do art. 12 da Convenção da Basiléia, GUIDO SOARES entende que não deve ser compreendido como uma mera regulamentação do Convênio, senão como “uma realidade e força normativa própria, inclusive com a possibilidade de haver disparidade de Estados envolvidos num e noutro ato internacional.” (2003, p. 886). Tal documento define regras quanto à responsabilidade financeira e à compensação por danos causados por derramamento acidental de resíduos perigosos durante a exportação e a importação ou sua disposição. Seu texto evidencia todos os elementos caracterizadores da responsabilidade objetiva, razão pela qual a importância de sua análise, ainda que breve, no presente estudo. O primeiro elemento evidenciado no referido protocolo é a tipificação legal do dano, o qual, a partir de sua ocorrência, dá origem à obrigação de indenizar o ofendido: Art. 2º. Definições: (...) c) Dano significa: i) perda de vida ou dano pessoal; ii) perda ou dano à propriedade, outra que aquela pertencente à pessoal responsável conforme o presente Protocolo; iii) perda de rendimentos, diretamente resultantes de interesses econômicos em qualquer uso do meio ambiente, levando-se em conta poupança e custos; iv) os custos de medidas de restabelecimento do meio ambiente degradado, limitados aos custos de medidas efetivamente tomadas ou a serem tomadas; e v) os custos de medidas preventivas, inclusive quaisquer perdas ou danos causados por tais medidas, na medida em que o dano se origine ou resulte das propriedades perigosas dos resíduos envolvidos no movimento transfronteiriço de resíduos perigosos e outros resíduos sujeitos à Convenção [de Basiléia de 1989]; (...) ( SOARES, 2003, p. 886). Observa-se o cuidado que tiveram os responsáveis pela elaboração deste protocolo ao relacionar as várias situações que podem ser reconhecidas como resultado do deslocamento das mercadorias nocivas arroladas na Convenção da Basiléia. Verifica-se, também, que os eventos considerados como danosos podem ser aqueles que repercutem sobre a pessoa, diretamente considerada, ou aqueles que são produzidos no meio ambiente atingido pelo produto tóxico. 65 Além disso, deverá ser considerado dano a repercussão econômica gerada pela necessidade de adoção de medidas incidentes sobre o ambiente atingido, fundamentais para sua recuperação. Outra característica evidente do sistema de responsabilidade objetiva neste protocolo é o direcionamento da responsabilidade para pessoas claramente identificadas, presente no art. 4º da Convenção da Basiléia. Art. 4º. Responsabilidade Civil. A pessoa que notifica, segundo o art. 6º da Convenção [de Basiléia de 1986], será responsável pelos danos, até que o encarregado do depósito tenha entrado na posse dos resíduos perigosos e outros resíduos. A partir de tal fato, o encarregado do depósito será responsável pelos danos, Se o Estado de exportação é o notificador, ou se nenhuma notificação tenha sido feita, o exportador será responsável pelos danos, até que o responsável pelo depósito tenha entrado na posse dos resíduos perigosos e outros resíduos. (SOARES, 2003, p. 887). Destaque-se, ainda, a fixação dos limites mínimo e máximo para as indenizações como outra característica presente em documentos internacionais que regulam a responsabilidade internacional objetiva do Estado. Observou GUIDO SOARES a respeito do assunto: “De extrema importância no Protocolo de Basiléia são os limites financeiros envolvidos nos valores que devem ser desembolsados pelas pessoas nas quais se acha canalizada a responsabilidade civil, como se recorda, um dos elementos característicos da responsabilidade por risco, uma vez que comporta elementos que permitem tornar viáveis as contratações de seguros.” (2003, p. 887). O protocolo atendendo às regras gerais dos documentos internacionais que regulam a responsabilidade objetiva, também apresenta as regras acerca de questões processuais, indicando os tribunais com competência para conhecer e julgar as demandas embasadas nas situações nele previstas e os incidentes quanto à lei aplicável. Concluída a necessária digressão acerca do conceito de poluição transfronteiriça e sua classificação, com a introdução do tópico a seguir com a breve análise do Protocolo da Basiléia, passa-se ao estudo de como se disciplinam as conseqüências por eventuais prejuízos causados em territórios de outros Estados, a partir de atividades permitidas no Direito Internacional. Para tal, será analisado o documento internacional que trata da responsabilidade civil por danos resultantes de atividades perigosas ao meio ambiente. 66 Cuida-se da denominada Convenção de Lugano, principalmente em razão de sua finalidade eminentemente ambientalista e por regular, de maneira direta, a responsabilidade internacional objetiva. 3.4. A CONVENÇÃO EUROPÉIA SOBRE RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANOS RESULTANTES DE ATIVIDADES PREJUDICIAIS AO MEIO AMBIENTE – CONVENÇÃO DE LUGANO. A gênese da Convenção de Lugano está no incidente ocorrido em Schwzwehalle, na Suíça, onde, em 1986, ocorreu um gigantesco incêndio na fábrica da Sandoz. Em decorrência do incêndio e da combustão de 1.200 toneladas de produtos químicos (inseticidas, herbicidas) formou-se uma nuvem tóxica que acabou por se depositar no rio Reno e alterar o ecossistema local, além de causar vários danos patrimoniais a agricultores e pescadores da região. A Convenção de Lugano estabelece um regime de responsabilidade objetiva e canalizada sobre o controlador de atividade convencionada como perigosa ao meio ambiente, relativamente aos danos causados pela atividade ou algum incidente em seu curso que afetem tanto o meio ambiente quanto a terceiros em seus interesses individuais. Prevê, expressamente, as regras sobre a solidariedade nas hipóteses de sucessão no negócio, pluralidade de estabelecimentos causador do dano e encerramento da atividade antes da manifestação do dano. Da mesma forma, a Convenção estabelece as causas de exclusão e de atenuação da responsabilidade, consagrando, entre outras, a de força maior e de fato a elas equiparado. A primeira observação que pode ser feita ao se estudar a Convenção de Lugano, de 1993, que disciplina a responsabilidade civil por danos resultantes de atividades perigosas ao meio ambiente, é que ela pode ser considerada a primeira convenção internacional que tratou do tema da responsabilidade internacional por atividades perigosas ao meio ambiente, 67 declarando, expressamente, sua finalidade preservacionista (SOARES, 2003, p. 834). Ao comentá-la, GUIDO SOARES demonstra que a vocação ambientalista da convenção é explícita já em seu preâmbulo: (...) (a) ao reconhecer a existência de perigos específicos causados por certas atividades aos quais estão expostos o homem, o meio ambiente e as propriedades; (b) ao observar que o fato de emissões geradas em um pais podem causar danos em outro e que portanto os problemas de uma adequada compensação por tal dano são igualmente de natureza internacional; (c) ao considerar que é desejável que se estabeleça, neste campo, um sistema de responsabilidade por risco, levando em conta o princípio do “poluidor-pagador”; (e) ao relembrar a obra já realizada no âmbito internacional, em particular na prevenção do dano e no trato com danos causados por substâncias nucleares e no transporte de mercadorias perigosas; (f) ao tomar nota do Princípio 13 da Declaração da ECO/92 (integalmente transcrito no Preâmbulo); e (g) ao reconhecer a necessidade de adotarem-se medidas adicionais para o trato com as graves e iminentes ameaças de danos resultantes de atividades perigosas e facilitar o ônus da prova a pessoas que buscam compensação por tais danos. (SOARES, 2003, p. 835). Esse documento, igualmente ao protocolo analisado anteriormente, segue a tradição de explicitar, em seu texto, as definições dos institutos que nele são regulados. Veja-se o artigo 2º, que relaciona e estabelece o conceito de vários termos que compõe este documento: “Art. 2º Definições Para os efeitos desta Convenção: 1. ‘Atividade perigosa’ significa uma ou mais das seguintes atividades, na condição de serem exercidas profissionalmente, inclusive atividades exercidas por autoridades públicas: a) a produção, manipulação, estocagem, uso ou descarga de uma ou mais substâncias perigosas ou qualquer operação de natureza similar que lide com tais substâncias; b) a produção, cultivo, manipulação, estocagem, uso, destruição, disposição liberação ou qualquer outra operação que lide com um ou mais: - organismos geneticamente modificados, que, como resultado das propriedades dos organismos, das modificações genéticas e das condições sob as quais a operação é realizada, criam um risco significativo para o homem, o meio ambiente ou para a propriedade; - microorganismos que, como resultado de suas propriedades e das condições sob as quais a operação é realizada, criam um risco significativo para o homem, o meio ambiente ou a propriedade, tais como os microorganismos patogênicos ou que produzem toxinas; c) a operação de uma instalação ou local para incineração, tratamento, manipulação ou reciclagem de resíduos, tais como as instalações e locais especificados no Anexo 2, se a quantidade envolvida causar um risco significativo para o homem, o meio ambiente ou a propriedade; d) a operação de um lugar para o depósito permanente de resíduos (SOARES, 2003, p. 836-837). 68 Já no início do texto são evidenciadas as atividades perigosas que terão o condão de gerar a responsabilização civil por danos resultantes das atividades nocivas ao meio ambiente A modernidade de seu conteúdo pode ser observada quando já insere no rol das atividades perigosas as manipulações com microorganismos geneticamente modificados, quando destas eclodam situações de risco para o homem e o meio ambiente. Prossegue o dispositivo definindo o que deve ser compreendido como substância perigosa: “2. ‘Substância perigosa’ significa: a) substância ou preparados cujas propriedades constituem um risco significativo para o homem, o meio ambiente ou a propriedade. Uma substância ou preparado que é explosiva, oxidante, extremamente inflamável, altamente inflamável, inflamável, muito tóxica, tóxica, prejudicial, corrosiva, irritante, sensibilizante, carcinogênica, mutagênica, tóxica para a reprodução ou perigosa para o meio ambiente, conforme o Anexo 1, Parte A desta Convenção deverão, em qualquer caso, ser considerados como constituindo tal risco; b) substâncias especificadas no Anexo 1, Parte B, desta Convenção. Sem prejuízo da aplicação do subparágrafo acima, o Anexo 1, Parte B, poderá restringir a especificação de substância perigosas a certas quantidades ou concentrações, a certos riscos ou determinadas situações; (SOARES, 2003, p. 836-837). Na seqüência, é abordada a temática da engenharia genética: “3. ‘Organismo geneticamente modificado’ significa qualquer organismo no qual o material genético tenha sido alterado de tal modo que não ocorra naturalmente por acasalamento e/ou recombinação natural. Contudo, os seguintes organismos geneticamente modificados não são cobertos pela Convenção: - organismos obtidos por mutagênese em condições que a modificação genética não envolva o uso de organismos geneticamente modificados como organismos-recipientes; e - plantas obtidas por fusão de células (inclusive por fusão de protoplasta) se a planta resultante pode igualmente ser produzida por métodos tradicionais de reprodução e em condições que a modificação genética não envolva o uso de organismos geneticamente modificados como organismos parentes. ‘Organismo’ refere-se a qualquer entidade biológica capaz de replicação ou de transferir material genético. 4. ‘Microorganismo’ significa qualquer entidade microbiológica, celular ou não celular, capaz de replicação ou de transferir material genético. (...) (SOARES, 2003, p. 837-838). Por esses dispositivos, percebe-se que seus autores não se descuidaram da evolução da ciência, classificando e definindo os microorganismos e anotando as conseqüências nocivas de sua manipulação. Importante destacar o item nº 7, que apresenta o significado de dano: 69 (...) 7. ‘Dano’ significa: a) perda de vida ou ferimentos pessoais; b) perda ou dano à propriedade outra que a própria instalação ou propriedade submetida ao controle do operador, no lugar da atividade perigosa; c) perda ou dano por prejuízo ao meio ambiente, na medida em que não seja considerado dano no sentido dos subparágrafos (a) e (b) acima, na condição de que a compensação pelo prejuízo ao meio ambiente, outra que aquela relativa a lucros cessantes de tal prejuízo, seja limitada a custos ou medidas de restabelecimento efetivamente tomadas ou a serem tomadas; d) os custos de medidas preventiva ou qualquer perda ou dano causado por medidas preventivas, na medida em que a perda ou dano referidos nos subparágrafos de (a) a (c) deste parágrafo emerjam ou resultem das propriedades que criam riscos (hazardous properties) das substâncias perigosas, dos organismos geneticamente modificados, dos microorganismos, ou emerjam ou resultem de rejeitos.” (SOARES, 2003, p. 838). A Convenção de Lugano, em seu art. 2º, item 10, ainda se preocupou em traçar, ainda que em linhas gerais, a definição de meio ambiente como sendo os recursos naturais, abióticos ou bióticos, como o ar, a água, o solo, a fauna e a flora, bem como a interação entre tais fatores, as propriedades que formam parte da herança cultural e os aspectos característicos da paisagem (item 10). Igualmente em linhas gerais, o referido artigo, em seu item 11, definiu incidente como sendo qualquer ocorrência súbita ou contínua ou série de ocorrências que tenham a mesma origem e causem dano ou criem uma grave e iminente ameaça de causar dano. No que se refere à adoção da responsabilidade objetiva, a Convenção de Lugano estabeleceu, em dois de seus artigos, o seguinte: 1) no artigo 6º, que trata da responsabilidade em relação a substâncias, organismos ou certos lugares ou instalações para resíduos, os operadores serão os responsáveis pelos danos causados pelas atividades que estiverem ou estiveram realizando e que ocasionaram o incidente; 2) no art. 7º, que se refere à responsabilidade em relação a locais para depósito permanente de resíduos, prevê o documento, tal qual no artigo anterior, a responsabilidade dos operadores, podendo, também, em ambas as hipóteses, ser estabelecida solidariedade entre eles. Seu art. 8º prevê, contudo, regras de exoneração da responsabilidade, quais sejam: “O operador não será responsável nos termos desta Convenção pelo dano que prove: 70 a) ter sido causado por um ato de guerra, hostilidades, guerra civil, insurreição ou fenômeno natural de caráter excepcional, inevitável ou irresistível; b) ter sido causado por um ato praticado com a intenção de causar dano, por terceira pessoa, a despeito de medidas de segurança apropriadas no tipo de atividade perigosa em questão; c) ter resultado necessariamente do acatamento de ordem específica ou de medida compulsória de uma autoridade pública; d) ter sido causado por níveis toleráveis de poluição, nas relevantes circunstâncias locais; ou e) ter sido causado por uma atividade perigosa legalmente exercida no interesse da pessoa que sofreu o dano, em virtude do qual foi razoável em relação a esta, expô-la ao risco da atividade perigosa.” (SOARES, 2003, p. 840). Outra regra inovadora e grande importância para o tema relativo ao meio ambiente, constante do referido documento, diz respeito às disposições constantes do artigo 10 (causalidade): Art. 10. Causalidade Ao considerar as provas do vínculo causal entre o incidente e o dano ou, no contexto da atividade perigosa conforme definida no art. 2º, § 1º, subparágrafo d, entre a atividade e o dano, o tribunal (judiciário) deverá levar na devida consideração o perigo acrescido de causar tal dano, inerente à atividade perigosa. Segundo GUIDO SOARES, as demais convenções que tratam do assunto do meio ambiente mencionam um único incidente ou, ainda, acontecimentos de forma continuada, porém decorrentes de um único fato gerador, silenciando, portanto, quanto à poluição de forma continuada originada por atos não proibidos pelo Direito, atos estes difíceis de ser obstaculizados, pois, ao ressarcirem os danos mediante indenizações julgadas legítimas, “compram” o direito de poluir. Com essas disposições, a Convenção de Lugano, após ter definido, em seu art. 2º, § 1º, incidente como “qualquer ocorrência súbita ou contínua, ou qualquer série de ocorrências que têm a mesma origem”, permitiu aos juízes “considerar a relação de causa e efeito entre o incidente e o dano, bem como a cumulatividade do grau de perigo nas atividades relativas à operação de lugares para depósito permanente de resíduos (art. 2º, § 2º, d, conforme referido no art. 10 transcrito) (...)”, abrindo “uma porta a que se restrinja o conceito de coisa julgada, impedindo que a rigidez inerente a tal conceito transforme-se num direito de poluir, pagas as indenizações em processos judiciais anteriores.” (SOARES, 2003, p. 840841). 71 Tal disposição é reforçada em seu art. 11, o qual cria uma solidariedade entre os operadores de incidentes ocorridos em instalações ou lugares de depósito permanente de resíduos. Por último, destaca-se o capítulo 3, que regula as hipóteses do direito a informações: a) informações de posse de quaisquer autoridades pública (definidas como qualquer órgão da Administração no âmbito nacional, regional ou local, e que não estejam atuando na capacidade judicial ou legislativa), cujo acesso deverá ser permitido a qualquer pessoa, em matéria não restritas definidas na Convenção (...); b) informações de posse dos órgão com responsabilidades públicas para com o meio ambiente, facultadas a qualquer pessoa e que são reguladas da mesma maneira que as anteriores (...); c) informações específicas de posse dos operadores, fornecidas somente por ordem judicial, facultadas a pessoas que sofreram um dano, a qualquer tempo e à medida que aquelas se tornem necessárias para estabelecer a existência de um vínculo causal com o dano (art. 16, § 1º, ou facultadas a outros operadores, em procedimentos administrativos ou judiciais, para prova de sua parte na participação em dano causado a um particular ou de seu direito a uma indenização por parte de outro operador (...)” (SOARES, 2003, p. 841-842). A inclusão, em seu texto, do princípio da informação, um dos princípios basilares do Direito Internacional do meio Ambiente, vem a reforçar o caráter moderno e inovador do documento. Assim, destacadas as principais disposições da Convenção de Lugano, ainda que em breves linhas, pode-se ter a noção de como estão disciplinadas as conseqüências por eventuais prejuízos causados nos territórios de outros Estados, a partir de atividades permitidas no Direito Internacional. Há que se realçar que, no sistema da responsabilidade objetiva, o dever de reparar é inerente à própria definição da conduta tipificada na norma, não necessitando do pressuposto da definição do que seja lícito. O dever de reparar é a própria obrigação primária. Por fim, após terem sido destacados os pontos que entendemos como os mais importantes e caracterizadores da responsabilidade internacional subjetiva e objetiva, bem como analisado um ato internacional que regulamenta os efeitos dos prejuízos decorrentes de uma atividade lícita, causados por um Estado no território de um outro, passar-se-á à delimitação das causas de exclusão da responsabilidade internacional, objeto do tópico seguinte. 72 3.5. CAUSAS DE EXCLUSÃO DA RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS Para análise das causas de exclusão da responsabilidade dos Estados por atos internacionais ilícitos, será tomado como base o trabalho da Comissão de Direito Internacional, que encerra a codificação das normas costumeiras sobre a matéria. Relativamente à responsabilidade subjetiva internacional, a obra da CDI, no relatório do prof. Ago, são apresentados os casos e as circunstâncias que excluem a conduta ilícita do Estado, 32quais sejam: 1. Consentimento do Estado atingido pela conduta ilícita; 2. Contramedidas tomadas a respeito de um acontecimento internacionalmente ilícito ocasionado por outro Estado; 3. Força maior e caso fortuito; 4. Perigo extremo; 5. Estado de necessidade; 6. Legítima defesa (SOARES, 2003, p. 868) A respeito do consentimento, o projeto dispõe que significaria um acordo entre o Estado violador e o Estado lesado: “Artículo 29. Consentimento 1. El consentimiento validamente prestado por un Estado a la comisón por outro Estado de un hecho determinado que no esté en conformidad con una obligación del segundo Estado para con el primeiro excluirá la ilicitud de tal hecho en relación con ese Estado siempre que el hecho permanezca dentro del ambito de dicho consentimiento. 2. El párrafo 1 no se aplicará si la obligación dimana de una norma imperativa de derecho internacional general. Para los efectos del presente proyeto de artículos, una norma imperativa de derecho internacional general es una norma aceptada y reconocida por la comunidad internacional de Estados en su conjunto como norma que no admite acuerdo en contrario y que suelo puede ser modificada por una norma ulterior de derecho 32 “O Projeto da CDI não pretendeu esgotar as possibilidade, tendo mesmo afirmado que ‘a Comissão é suficientemente consciente da natureza evolutiva do Direito Internacional para acreditar que uma circunstância que hoje não é tida como possuindo o efeito de excluir a ilicitude de um ato do Estado não conforme com uma obrigação internacional poderá ter tal efeito no futuro’ (SOARES, 2003, p. 868-869) 73 internacional general que tenga el mismo caráter.” 869). 33 (SOARES, 2003, p. Assim, consentimento, na visão da CDI, ocorre quando um Estado consente que outro realize um ato que, em tese, seria considerado um ilícito internacional. Desse modo, se um Estado consentir que outro pratique ato ou omissão que vá causar efeitos em seu território, este não poderá pedir a responsabilização daquele Estado pelo dano perpetrado. É importante ressaltar, entretanto, que o ato deve ater-se aos limites do que foi consentido. Outra circunstância que exclui a ilicitude diz respeito à prática de um ato ilícito com o fim de exercer uma contramedida, que, por tal razão, passa a ser lícito. O artigo 30 do projeto da CDI assim dispõe: “Artículo 30. Contramedidas respecto a un hecho internacionalmente ilícito. La ilicitud de un hecho de un Estado que no esté en conformidad con una obligación de ese Estado para con outro Estado quedará excluída si el hecho constituye una medida legítima según el derecho internacional contra ese outro Estado, a consecuencia de un hecho internacional ilícito de ese 34 outro Estado.” Dessa forma, as contramedidas contra um ato internacional ilícito ocorrem quando um Estado é vítima de um ato ilícito de um outro Estado e, desse modo, toma medidas para responder por ele. Um exemplo comum de contramedida, na atual realidade internacional, é a aplicação de sanções econômicas contra Estados que atuem em desacordo com o Direito Internacional. Tal como ocorre com o consentimento, as contramedidas contra um Estado violador têm o efeito de legitimar os atos que, em circunstâncias outras, seriam ilícitos, porém somente em relação às partes em confronto. 33 Artigo 29 – Consentimento. 1. O consentimento validamente prestado por um Estado à Comissão de outro Estado de um fato determinado que não está em conformidade com uma obrigação do segundo Estado para com o primeiro excluirá a ilicitude de tal fato em relação a esse Estado sempre que esse fato permaneça dentro do âmbito do dito consentimento. 2. O parágrafo 1 não se aplicará se a obrigação originar de uma norma imperativa de direito internacional geral. Para os efeitos do presente projeto, uma norma imperativa de direito internacional geral é uma norma aceita e reconhecida pela comunidade internacional dos Estados em seu conjunto como norma que não admite acordo em contrário e que somente pode ser modificada por uma norma posterior de direito internacional geral que tenha o mesmo caráter. (Tradução do autor). 34 Artigo 30. Contramedidas a respeito de um fato internacionalmente ilícito. A ilicitude de um fato de um Estado que não esta em conformidade com uma obrigação desse Estado para com outro Estado, restará excluída se o fato constituir uma medida legítima segundo o direito internacional contra esse outro Estado, a conseqüência de um fato internacional ilícito desse outro Estado. (tradução do autor). 74 A ocorrência de força maior e de caso fortuito também exclui a ilicitude da conduta de um Estado em relação a outro. A CDI assim disciplina: “Artículo 31. Fuerza mayor y caso fortuito 1. La ilicitud de un hecho de un Estado que no esté en conformidad con una obrigación internacional de ese Estado quedará excluída si el hecho se debió a una fuerza irresistible o a un acontecimiento exterior imprevisible ajenos a su control que hicieron materialmente imposible que ese Estado procediera en conformidad con tal obligación o que ser percatara de que su comportamiento no era conforme a esa obligación. 2. El párrafo 1 no será aplicable si el Estado de que se trata há contribuído 35 a que produzca la situación de impossibilidad material.” Assim, a força maior e o caso fortuito ocorrem quando o Estado não age em conformidade com uma obrigação internacional em virtude de força irresistível ou um evento não previsto, fora do controle do Estado, que torne impossível o cumprimento dessa obrigação internacional. Essa excludente não será válida, entretanto, caso a situação de força maior se deva, somente ou em conjunção com outros fatores, à conduta do Estado que a invoca ou quando tenha ele assumido o risco de que a situação ocorresse. Diferentemente dos casos anteriores, em que havia a ocorrência da manifestação de uma vontade ilícita, tem-se uma situação em que não é possível dar cumprimento a uma obrigação internacional, ocorrendo o ilícito sem que haja a vontade do Estado. Outra excludente de ilicitude de uma conduta se refere à violação de uma obrigação, sob a circunstância de perigo extremo. Tal circunstância está prevista no projeto da CDI, da seguinte forma: “Artículo 32. Peligro extremo 1. La ilicitud de um hecho de un Estado que no esté en conformidad con una obligación internacional de ese Estado quedará excluída si el autor del comportamiento que constituya el hecho de ese Estado no tenía outro medio, en una situación de peligro extremo, de salvar su vida o la de personas confiadas a su cuidado. 2. el párrafo 1 no será aplicable si el Estado de que se trata ha contribuído a que produzca la situación de peligro extremo o si era probable que el 36 conportamiento de que trata originara um peligro comparable o mayor. (SOARES, 2003, p. 875) 35 Artigo 31. Força maior e caso fortuito. 1. A ilicitude de um fato de um Estado que não está em conformidade com a obrigação internacional desse Estado restará excluída se o fato deveu-se a uma força irresistível de um acontecimento exterior imprevisível alheios a seu controle que torna materialmente impossível que esse Estado proceda em conformidade com tal obrigação. 2. O parágrafo 1 não será aplicável se o Estado de que se trata haja contribuído para a produção da situação de impossibilidade material. (Tradução do autor). 36 Artigo 32. Perigo Extremo. 1. A ilicitude de um fato de um Estado que não está em conformidade com uma obrigação internacional desse Estado restará excluída se o autor do comportamento que constitui o fato desse Estado não tinha outro meio, em uma situação de perigo extremo, de salvar sua 75 O perigo ocorre quando o autor do ato não possui nenhum outro meio razoável, além do desrespeito a uma obrigação internacional, para salvar sua vida ou de pessoas sob seu cuidado. Somente não se pode invocar "perigo" quando a situação de perigo foi causada, só ou em combinação com outros fatores, pelo próprio Estado ou quando o ato puder criar uma situação de perigo comparável ou maior. Como visto, essa excludente de responsabilidade se refere a valores pessoais, ou seja, de pessoas atuando por conta do Estado. Exclui, também, a ilicitude, o estado de necessidade. Assim como nas circunstâncias vistas anteriormente, a conduta ilícita de um Estado, que, em rigor, incorreria na obrigação de reparar um dano, é excluída em razão do estado de necessidade. No que tange ao estado de necessidade, a CDI assim dispôs: “Artículo 33. Estado de necesidad 1. Ningún Estado podrá invocar un estado de necesidad como causa de exclusión de la ilicitud de un hecho de esse Estado que no esté en conformidad con una obligación internacional del Estado a menos que: a) ese hecho haya sido el único medio de salvaguardar un interés esencial del Estado contra un peligro grave e inminente; y b) esse hecho no haya afectado gravemente un interés esencial del Estado para con el que existia la obligación. 2. En todo caso, ningún Estado podrá invocar un estado de necesidad como causa de exclusión de la ilicitud: a) si la obligación internacional con la que el hecho del Estado no esté en conformidad dimana de uma norma imperativa de derecho internacional; o b) si la obligación internacional con la que el hecho del Estado no esté en conformidad há sido establecida por un tratado que, explícita o implicitamente excluya la posibilidad de invocar del estado de necesidad com respecto a esa obligación; o c) si el Estado de que trata há contribuído a que produzca el estado de 37 necesidad.” vida ou das pessoas confiadas a seu cuidado. 2. O parágrafo 1 não será aplicável se o Estado de que se trata haja contribuído para a produção da situação de perigo extremo ou se era provável que o comportamento de que trata originara um perigo comparavelmente maior. (Tradução do autor). 37 Artigo 33. Estado necessidade. 1. Nenhum Estado poderá invocar o estado de necessidade como causa de exclusão da ilicitude de um fato desse Estado que não está em conformidade com uma obrigação internacional do Estado a menos que: a) esse fato tenha sido o único meio de salvaguardar um interesse essencial do Estado contra um perigo grave e iminente; e b) esse fato não tenha afetado gravemente um interesse essencial do Estado para com o que existia na obrigação. 2. Em todo caso, nenhum Estado poderá invocar o estado de necessidade como causa de exclusão da ilicitude: a) se a obrigação internacional com a qual o fato do Estado não está em conformidade com originar de uma norma imperativa de direito internacional, ou b) se a obrigação internacional com a qual o fato do Estado não está em conformidade tenha sido estabelecida por um tratado que, explícita ou implicitamente exclua a possibilidade de invocar o estado de necessidade com respeito a essa obrigação; ou c) se o Estado de que trata tenha contribuído para a produção do estado de necessidade. (tradução do autor). 76 Dessa forma, a necessidade ocorre quando não há outra maneira de o Estado resguardar interesse essencial contra uma situação de perigo iminente e o não-cumprimento de uma obrigação internacional não afeta seriamente um interesse essencial de outro Estado, grupo de Estados ou a comunidade internacional. O artigo 33, acima transcrito, exclui a possibilidade de invocar tal excludente caso a obrigação internacional em questão exclua essa possibilidade ou o Estado tenha contribuído para a situação de necessidade. Cabe ressaltar os elementos distintivos do estado de necessidade em relação a outras circunstâncias excludentes da responsabilidade. Nos casos de força maior ou caso fortuito e de perigo iminente, existem fatores que tornam o ato ilícito involuntário ou, pelo menos, com motivações alheias à vontade do infrator. No caso do estado de necessidade, o ato ilícito é perfeitamente motivado por uma vontade do Estado que o comete, sem ter havido qualquer provocação do lesado ou qualquer motivação independente da vontade do agente. Tem-se, ainda, a legítima defesa, como caso de exclusão da responsabilidade dos Estados, segundo o projeto da CDI: “Artículo 34. Legítima defesa. La ilicitud de un hecho de un Estado que no esté en conformidad con una obligación internacional de esse Estado quedará excluída si ese hecho constituye ua medida lícita de legítima defensa tomada en conformidad con 38 la Carta de la Naciones Unidas.” A diferença entre essa medida e o estado de necessidade reside no fato de que a adoção da legítima defesa ocorre como resposta a uma conduta agressiva de outro e por meio de medidas de intervenção armada. Examinados os casos de exclusão da responsabilidade internacional dos Estados, de acordo com a CDI, é importante ressaltar que essas excludentes não anulam ou extinguem a obrigação internacional. Elas somente são uma justificativa para o não-exercício dessa obrigação pelo período em que a circunstância subsistir. Elas podem ser aplicadas para justificar quaisquer tipos de ilícitos, exceto aqueles para os quais haja normas claras dispondo em contrário. Como visto, para configuração da exoneração da responsabilidade internacional subjetiva, faz-se necessário que o Estado cometa um ato contrário ao 38 Artigo 34. Legítima defesa. A ilicitude de um fato de um Estado que não está em conformidade com uma obrigação internacional desse Estado restará excluída se esse fato constituir uma medida lícita de legítima defesa tomada em conformidade com a Carta das nações Unidas. (Tradução do autor). 77 Direito Internacional. Hipóteses presentes na própria norma, contudo, retiram seu caráter ilícito, ou seja, retiram os efeitos da conduta que deveria gerar a obrigação de reparar o dano. No que tange à responsabilidade internacional subjetiva, por não estar especificamente regulada no jus scriptum, há necessidade de exame dos costumes, da jurisprudência e da doutrina internacionais, que fundamentaram o projeto da CDI, acima examinado. Tal característica, inclusive, justifica a nãoinclusão da proteção do meio ambiente nesse sistema de responsabilidade, uma vez que se trata de um assunto relativamente novo no Direito Internacional. No que se refere à responsabilidade internacional objetiva, as responsabilidades são determinadas pela leitura direta dos respectivos textos, sendo que, no caso de inaplicabilidade, poderão ser analisados, indiretamente, “os campos que não se encontram legislados numa convenção particularmente examinada. Por exemplo, os danos que não sejam considerados “danos nucleares” internacionais (...) ou, no caso da Convenção de Lugano, os danos ao meio ambiente que não se encontram arrolados em suas definições.” (SOARES, 2003, p. 868). Percebe-se, ainda, que a responsabilidade objetiva se funda, exclusivamente, no fato de ter havido o ferimento às normas tidas e aceitas de Direito Internacional, juntamente com o fato de que o dano haja sido produzido ou causado efetivamente e de que haja um nexo causal entre ele e o agente que o causou, despojando-se, por assim dizer, de todo o elemento subjetivo. 78 CONCLUSÃO A circunstâncias presente que podem monografia levar os teve como Estados a escopo serem investigar as responsabilizados internacionalmente por danos ambientais decorrentes de poluição gerada em seu território, mas de conseqüências transfronteiriças. Atendo-se ao rumo que se lançou a trilhar, qual seja identificar os elementos caracterizadores da responsabilidade internacional dos Estados relativamente ao meio ambiente, particularmente no que concerne a danos ambientais decorrentes de poluição transfronteiriça, dividiu-se o trabalho em três capítulos. No primeiro capítulo, tratou-se, inicialmente, da contextualização histórica da evolução do Direito Internacional do Meio Ambiente, ressaltando-se a importância da Declaração sobre o Meio Ambiente Humano, adotada em Estocolmo, como sendo o documento a partir do qual, alavancados por seus princípios, multiplicaram-se os instrumentos internacionais que buscam a preservação do meio ambiente. Em breves linhas, foram identificados os fundamentos e as fontes do Direito Internacional do Meio Ambiente, consideradas estas aquelas enumeradas no art. 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça, ou seja, os tratados internacionais, o costume internacional, os princípios gerais de direito e, como meios auxiliares para a determinação do significado e alcance das primeiras, as decisões judiciais e a doutrina internacional, acrescentando-se a tais fontes internacionais as declarações unilaterais dos Estados soberanos (com efeitos jurídicos no âmbito do Direito Internacional) e as decisões tomadas pelas organizações internacionais, passando-se, a seguir, para uma análise dos princípios do Direito Internacional do Meio Ambiente. Assim, foram tratados os princípios do direito à sadia qualidade de vida, do acesso eqüitativo aos recursos naturais, do usuário-pagador e poluidorpagador, da precaução, da prevenção, da reparação, da informação, da participação e da obrigatoriedade da intervenção do Poder Público. Por fim, foram estabelecidas as bases conceituais do instituto da responsabilidade. 79 No segundo capítulo, tratou-se, com particularidade, da responsabilidade internacional subjetiva dos Estados, a partir de sua conceituação e da delimitação de seus elementos constitutivos, passando-se, após, à análise da conduta proveniente do Estado que tenha o condão de impulsionar esta responsabilização (atos dos órgãos do Estado) e, também, do tema relativo ao esgotamento dos recursos internos. Voltou-se, ao final, à análise das conseqüências jurídicas da responsabilidade internacional subjetiva do Estado, especificamente a cessação do comportamento ilícito, a reparação strictu sensu, a indenização, a satisfação e as seguranças e garantias de não-repetição do comportamento ilícito. Finalizou-se o trabalho com o terceiro capítulo, em que se abarcou o outro sistema de responsabilidade internacional, qual seja a responsabilidade internacional objetiva dos Estados, evidenciando-se a problematização que envolve a responsabilização do Estado, segundo um critério objetivo, mais precisamente a necessidade de previsão nos tratados e que as ações realizadas pelos Estados sejam aceitas como lícitas pelo Direito Internacional. Prosseguiu-se, em tal contexto, com o esclarecimento de seus elementos constitutivos, as conseqüências pelos danos causados e com uma pequena digressão acerca do conceito de poluição, classificando-a de acordo com os setores ambientais afetados. Ressaltou-se, ainda, o conceito de transfronteiriço e sua ligação ao conceito de poluição, em cujo item, com intuito de conhecer a forma pela qual se disciplinam as conseqüências por eventuais prejuízos causados por um Estado em território de outro Estado, foi analisado o Protocolo sobre Responsabilidade e Compensação por Danos Resultantes do Movimento Transfronteiriço de Resíduos Perigosos e seu Depósito, conhecido como Protocolo da Basiléia. Também, com o mesmo fim, foi analisada a Convenção Européia sobre Responsabilidade Civil por Danos Resultantes de Atividades Prejudiciais ao Meio Ambiente, denominada Convenção de Lugano. Por fim, adentrou-se, pormenorizadamente, as causas de exclusão da responsabilidade internacional, em seus dois sistemas (subjetiva e objetiva). Em relação às duas hipóteses levantadas no início deste trabalho, registre-se que a primeira não foi confirmada e que a segunda, ainda que em parte, foi corroborada. 80 Especificamente sobre a primeira, cuja hipótese consistiu de indagação sobre a existência de um Direito Internacional do Meio Ambiente com características próprias e desgarradas do Direito Internacional ou Privado, a ponto de se constituir num ramo autônomo da Ciência Jurídica, cabe referir, inicialmente, que o Direito Internacional do Meio Ambiente, de uma forma geral, ainda caminha em construção. O fato de se ter elaborado um termo para definir um conjunto de normas e regulamentos sobre matéria ambiental, no âmbito internacional, demonstra uma preocupação em se tutelar, na esfera internacional, o meio ambiente, embora ainda esteja longe de ser considerado um ramo autônomo do Direito Internacional. Os princípios e normas do Direito Internacional Público e do Direito Internacional Privado continuam sendo adotados para solução dessa nova temática, preservando-se seus elementos, que os tornam bem definidos como ramo da Ciência Jurídica. Pode-se observar, porém, que, embora muitas normas não sejam coercitivas, o esboço jurídico gerado internacionalmente, na questão ambiental, já se mostrou capaz de criar uma maior consciência ambiental nas relações internacionais e de influir nas legislações internas, além de estabelecer padrões, sinalizando para a adoção futura de normas internacionais coercitivas e para um gerenciamento ambiental mais eficiente por parte dos Estados. No que tange à segunda hipótese, restou confirmado que a responsabilidade internacional dos Estados pela reparação do dano ambiental é objetiva e baseada na teoria do risco integral. Quem exerce atividades suscetíveis de causar danos ao ambiente se sujeita à reparação do prejuízo, independentemente de ter agido ou não com culpa. Notou-se, entretanto, a prevalência do modelo da responsabilidade subjetiva, isto é, da responsabilidade do Estado por danos ilícitos, a qual se encontra sujeita ao exame da culpa, tendo em vista que as regras sobre responsabilidade objetiva são específicas para algumas atividades, tais como danos nucleares e queda de objetos espaciais. Evidenciam-se, ainda, as seguintes considerações: O tema ambiental obteve projeção no cenário internacional a partir da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, realizada em 81 Estocolmo (Suécia), em 1972, que proclama, em seu princípio n° 1, o meio ambiente como um direito fundamental do ser humano. Com o agravamento dos problemas ambientais e com o estabelecimento de uma consciência ecológica na opinião pública internacional, a qual passou a exigir uma tutela internacional do meio ambiente, surge o Direito Internacional do Meio Ambiente ao longo do século XX. As fontes do Direito Internacional do Meio Ambiente são as mesmas fontes do Direito Internacional, ou seja, aquelas enumeradas no art. 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça, acrescentadas pela doutrina as declarações unilaterais dos Estados soberanos (com efeitos jurídicos no âmbito do Direito Internacional) e as decisões tomadas pelas organizações internacionais. A responsabilidade internacional dos Estados assumiu grande importância, o que fez com que as Nações Unidas, logo após o final da Segunda Guerra Mundial, instituíssem uma comissão, integrante de sua estrutura, almejando positivá-la, a fim de retirar do costume internacional e dos precedentes jurisprudenciais os postulados da matéria. A responsabilidade internacional subjetiva do Estado sempre decorrerá de um ato ilícito internacional, seguindo o conteúdo de todas as fontes de Direito Internacional, a fim de determinar a ocorrência deste fato contrário aos próprios ditames deste ramo do Direito. O elemento essencial para estabelecimento da responsabilidade internacional do Estado no sistema da responsabilidade subjetiva ou por culpa é a existência de um ato ou omissão que viole uma norma de Direito Internacional vigente no Estado que praticou o ato ilícito e no Estado que sofreu o dano, por ter seu direito lesado. Os atos ou omissões atribuíveis a um Estado são apenas o que o Direito Internacional assim considerar, independentemente de sua validade no âmbito interno, podendo tais atos provir do Executivo, Legislativo ou Judiciário ou decorrer da conduta de pessoas sem qualquer atribuição oficial ou vinculação com o Estado do qual são nacionais ou a que estejam submetidas. Ante a insuficiência do sistema subjetivista em fornecer respostas adequadas e justas para os problemas relativos ao meio ambiente, surge a 82 denominada responsabilidade objetiva, fundada na teoria do risco, dispensando a prova de culpa para viabilizar a indenização. A responsabilização objetiva ficará adstrita àquelas situações prejudiciais a alguém decorrentes da prática de atos lícitos, regulamentadas, especificamente, por atos internacionais e que tenham sidos incorporados na ordem jurídica de cada Estado. A modalidade objetiva alcançou algum sucesso, a partir do surgimento de atos internacionais que delimitaram suas hipóteses de incidência. A teoria objetiva retira da responsabilidade internacional todo seu caráter subjetivo e se funda, exclusivamente, no fato de que houve um ferimento às normas tidas e aceitas de Direito Internacional, de que o dano teria sido produzido ou causado efetivamente e de que tenha ocorrido um nexo de causalidade entre este dano e o agente que o causou. O conceito de transfronteiriço está ligado ao conceito de poluição, portanto com conexão acentuada no Direito Internacional do Meio Ambiente. As diversas implicações pertinentes à poluição transfronteiriça se constituem numa questão relativamente moderna no Direito Internacional, tendo sido introduzidas na linguagem jurídica a partir da definição da OCDE, em 1974. A poluição transfronteiriça pressupõe a ação do homem, a introduzir elementos prejudiciais ao meio ambiente, não se considerando como poluição os fenômenos da natureza que dele não dependam, direta ou indiretamente. A partir dos anos 60, a classificação dos rios, levando-se em conta critérios relativos a fins demarcatórios e como vias de navegação, vai sendo abandonada, surgindo novos critérios, guiados por outras finalidades aos rios internacionais, tais como a geração de energia elétrica, o uso doméstico e o uso agrícola, cujos aspectos da poluição da água se tornam relevantes. Em 1999, complementando a Convenção da Basiléia, por determinação de seu artigo 12, foi firmado o Protocolo sobre Responsabilidade e Compensação por Danos Resultantes do Movimento Transfronteiriço de Resíduos Perigosos e seu Depósito, também denominado Protocolo de Basiléia. Em seu texto, 83 ficaram evidenciados todos os elementos caracterizadores da responsabilidade objetiva, razão pela qual a importância de sua inclusão no presente estudo. A Convenção de Lugano, que disciplina a responsabilidade civil por danos resultantes de atividades perigosas ao meio ambiente, é considerada a primeira convenção internacional que tratou do tema da responsabilidade internacional por atividades perigosas ao meio ambiente, havendo declarado, expressamente, sua finalidade preservacionista. O caráter inovador da Convenção de Lugano consiste, especialmente, de um rol das atividades perigosas, tais como as manipulações com microorganismos geneticamente modificados, quando destas eclodam situações de risco para o homem e o meio ambiente, assim como pela inclusão em seu texto do princípio da informação, um dos princípios basilares do Direito Internacional do Meio Ambiente. As excludentes da responsabilidade internacional não anulam ou extinguem a obrigação internacional. Elas somente são uma justificativa para o nãoexercício dessa obrigação pelo período em que a circunstância subsistir. As excludentes da responsabilidade internacional podem ser aplicadas para justificar quaisquer tipos de ilícitos, exceto aqueles para os quais haja normas claras dispondo em contrário. Para configuração da exoneração da responsabilidade internacional subjetiva, faz-se necessário que o Estado cometa um ato contrário ao Direito Internacional. Hipóteses presentes na própria norma, contudo, retiram seu caráter ilícito, ou seja, retiram os efeitos da conduta que deveria gerar a obrigação de reparar o dano. Já no caso da responsabilidade objetiva, se não ocorrer violação de uma norma internacional primária que institui direitos e deveres dos Estados, inexistirá a norma secundária que instituirá a obrigação de reparar o dano, uma vez que, nesse sistema, a responsabilidade só existe a partir de dispositivos contidos em convenções internacionais que descrevem condutas e atribuem suas conseqüências, sempre para os atos não proibidos no Direito Internacional. Na responsabilidade subjetiva, por seu turno, as situações são diversas. Com efeito, o 84 estudo comparativo das causas de exclusão dos dois sistemas de responsabilidade (subjetiva e objetiva) deve ser feito por metodologias diferentes. Por fim, há de se destacar que, dada a indivisibilidade do meio ambiente, o dever de protegê-lo deve se dar tanto na órbita interna como internacional, sendo que a quebra deste dever importará em responsabilização. 85 REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS ACCIOLY, Hildebrando. SILVA, Eulálio do Nascimento. Manual de direito internacional público. 12 ed. São Paulo: Saraiva. 1996. ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 5 ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2002. CUSTÓDIO, Helita Barreira. Responsabilidade Civil por Danos ao Meio Ambiente, Campinas, SP: Millennium, 2006. DIAS, José Aguiar. Da responsabilidade civil. 10 ed. Rio de Janeiro, 1995. JO, Hee Moon. Introdução ao direito internacional. São Paulo: LTr, 2000. MACHADO, Paulo Affonso Leme Machado. Direito ambiental brasileiro. 14ª ed. ver., atual. e ampl. São Paulo: Malheiros 2006. p. 54MELLO, Albuquerque Mello .D. Curso de direito internacional publico. 11 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1997. MAZZUOLI, Valério de Oliveira (org.). Coletânea de direito internacional. 2. ed. ampl. atual. até 01.01.2004. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004. MELLO, Celso D. de Albuquerque. Curso de direito internacional público. 11ª ed.. Rio de Janeiro: Renovar. 1997. ________. Curso de direito internacional público. 12ª ed. rev. e aum. Rio de Janeiro: Renovar. 2000. MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente : doutrina, jurisprudência, glossário. 4. ed. rev. atual. e ampl. – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2005. 86 PEREIRA, Luis Cezar Ramos. Ensaio sobre a responsabilidade internacional do Estado e suas conseqüências no direito internacional: (A saga da responsabilidade internacional do Estado). São Paulo: LTr, 2000. REZEK, J.F. Direito internacional público: curso elementar. 10 ed. ver. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006, 2ª tiragem. p. 269. SAMPAIO, José Adércio Leite. WOLD, Chris. NARDY, Afrânio José Fonseca. Princípios de direito ambiental na dimensão internacional e comparada. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. SILVA, Geraldo Eulálio do Nascimento e. Direito ambiental internacional: meio ambiente, desenvolvimento sustentável e os desafios da nova ordem mundial. Rio de Janeiro: Thex Ed.: Biblioteca Estácio de Sá, 1995. _____. A utilização dos rios internacionais e o Mercosul. In: CASELLA, Paulo Borba (Coord.). Contratos internacionais e direito econômico no Mercosul após o término do período de transição. São Paulo: LTr. 1996. SOARES, Guido Fernando Silva. Curso de direito internacional público, São Paulo: Atlas, 2002. v. I. ______. Direito internacional do meio ambiente: emergência, obrigações e responsabilidades. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2003. TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Tratado de direito internacional dos direitos humanos. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1997. p.21. VIANNA, José Ricardo Alvarez. Responsabilidade civil por danos ao meio ambiente. Curitiba: Juruá, 2004. WOLD, Chris . Introdução ao estudo dos princípios de direito internacional do meio ambiente. In. Princípios de direito ambiental: na dimensão internacional e comparada. Belo Horizonte: Del Rey , 2003. 87 Declaração de Estocolmo, de 1972 (tradução livre). Disponível em: http://www.mma.gov.br/estruturas/ agenda21/ _arquivos/estocolmo.doc: Acesso em 02/09/2007 Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992. Disponível em:http://www.mma.gov.br/index.php?ido=conteudo.monta&idEstrutura=18&idconte udo =576. Acesso em 03/09/2007. 88 ANEXOS DECLARAÇÃO DE ESTOCOLMO SOBRE O MEIO AMBIENTE HUMANO39 (tradução livre) A Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, reunida em Estocolmo de 5 a 16 de junho de 1972, e, atenta à necessidade de um critério e de princípios comuns que ofereçam aos povos do mundo inspiração e guia para preservar e melhorar o meio ambiente humano, Proclama que: 1. O homem é ao mesmo tempo obra e construtor do meio ambiente que o cerca, o qual lhe dá sustento material e lhe oferece oportunidade para desenvolver-se intelectual, moral, social e espiritualmente. Em larga e tortuosa evolução da raça humana neste planeta chegou-se a uma etapa em que, graças à rápida aceleração da ciência e da tecnologia, o homem adquiriu o poder de transformar, de inúmeras maneiras e em uma escala sem precedentes, tudo que o cerca. Os dois aspectos do meio ambiente humano, o natural e o artificial, são essenciais para o bem-estar do homem e para o gozo dos direitos humanos fundamentais, inclusive o direito à vida mesma. 2. A proteção e o melhoramento do meio ambiente humano é uma questão fundamental que afeta o bem-estar dos povos e o desenvolvimento econômico do mundo inteiro, um desejo urgente dos povos de todo o mundo e um dever de todos os governos. 3. O homem deve fazer constante avaliação de sua experiência e continuar descobrindo, inventando, criando e progredindo. Hoje em dia, a capacidade do homem de transformar o que o cerca, utilizada com discernimento, pode levar a todos os povos os benefícios do desenvolvimento e oferecer-lhes a oportunidade de enobrecer sua existência. Aplicado errônea e imprudentemente, o mesmo poder 39 Disponível em: http://www.mma.gov.br/estruturas/agenda21/_arquivos/estocolmo.doc. Acesso em 02/SET/2007. 89 pode causar danos incalculáveis ao ser humano e a seu meio ambiente. Em nosso redor vemos multiplicar-se as provas do dano causado pelo homem em muitas regiões da terra, níveis perigosos de poluição da água, do ar, da terra e dos seres vivos; grandes transtornos de equilíbrio ecológico da biosfera; destruição e esgotamento de recursos insubstituíveis e graves deficiências, nocivas para a saúde física, mental e social do homem, no meio ambiente por ele criado, especialmente naquele em que vive e trabalha. 4. Nos países em desenvolvimento, a maioria dos problemas ambientais estão motivados pelo subdesenvolvimento. Milhões de pessoas seguem vivendo muito abaixo dos níveis mínimos necessários para uma existência humana digna, privada de alimentação e vestuário, de habitação e educação, de condições de saúde e de higiene adequadas. Assim, os países em desenvolvimento devem dirigir seus esforços para o desenvolvimento, tendo presente suas prioridades e a necessidade de salvaguardar e melhorar o meio ambiente. Com o mesmo fim, os países industrializados devem esforçar-se para reduzir a distância que os separa dos países em desenvolvimento. Nos países industrializados, os problemas ambientais estão geralmente relacionados com a industrialização e o desenvolvimento tecnológico. 5. O crescimento natural da população coloca continuamente, problemas relativos à preservação do meio ambiente, e devem-se adotar as normas e medidas apropriadas para enfrentar esses problemas. De todas as coisas do mundo, os seres humanos são a mais valiosa. Eles são os que promovem o progresso social, criam riqueza social, desenvolvem a ciência e a tecnologia e, com seu árduo trabalho, transformam continuamente o meio ambiente humano. Com o progresso social e os avanços da produção, da ciência e da tecnologia, a capacidade do homem de melhorar o meio ambiente aumenta a cada dia que passa. 6. Chegamos a um momento da história em que devemos orientar nossos atos em todo o mundo com particular atenção às consequências que podem ter para o meio ambiente. Por ignorância ou indiferença, podemos causar danos imensos e irreparáveis ao meio ambiente da terra do qual dependem nossa vida e nosso bemestar. Ao contrário, com um conhecimento mais profundo e uma ação mais prudente, podemos conseguir para nós mesmos e para nossa posteridade, condições melhores de vida, em um meio ambiente mais de acordo com as 90 necessidades e aspirações do homem. As perspectivas de elevar a qualidade do meio ambiente e de criar uma vida satisfatória são grandes. É preciso entusiasmo, mas, por outro lado, serenidade de ânimo, trabalho duro e sistemático. Para chegar à plenitude de sua liberdade dentro da natureza, e, em harmonia com ela, o homem deve aplicar seus conhecimentos para criar um meio ambiente melhor. A defesa e o melhoramento do meio ambiente humano para as gerações presentes e futuras se converteu na meta imperiosa da humanidade, que se deve perseguir, ao mesmo tempo em que se mantém as metas fundamentais já estabelecidas, da paz e do desenvolvimento econômico e social em todo o mundo, e em conformidade com elas. 7. Para se chegar a esta meta será necessário que cidadãos e comunidades, empresas e instituições, em todos os planos, aceitem as responsabilidades que possuem e que todos eles participem eqüitativamente, nesse esforço comum. Homens de toda condição e organizações de diferentes tipos plasmarão o meio ambiente do futuro, integrando seus próprios valores e a soma de suas atividades. As administrações locais e nacionais, e suas respectivas jurisdições, são as responsáveis pela maior parte do estabelecimento de normas e aplicações de medidas em grande escala sobre o meio ambiente. Também se requer a cooperação internacional com o fim de conseguir recursos que ajudem aos países em desenvolvimento a cumprir sua parte nesta esfera. Há um número cada vez maior de problemas relativos ao meio ambiente que, por ser de alcance regional ou mundial ou por repercutir no âmbito internacional comum, exigem uma ampla colaboração entre as nações e a adoção de medidas para as organizações internacionais, no interesse de todos. A Conferência encarece aos governos e aos povos que unam esforços para preservar e melhorar o meio ambiente humano em benefício do homem e de sua posteridade. II PRINCÍPIOS Expressa a convicção comum de que: Princípio 1 O homem tem o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao desfrute de condições de vida adequadas em um meio ambiente de qualidade tal que lhe 91 permita levar uma vida digna e gozar de bem-estar, tendo a solene obrigação de proteger e melhorar o meio ambiente para as gerações presentes e futuras. A este respeito, as políticas que promovem ou perpetuam o apartheid, a segregação racial, a discriminação, a opressão colonial e outras formas de opressão e de dominação estrangeira são condenadas e devem ser eliminadas. Princípio 2 Os recursos naturais da terra incluídos o ar, a água, a terra, a flora e a fauna e especialmente amostras representativas dos ecossistemas naturais devem ser preservados em benefício das gerações presentes e futuras, mediante uma cuidadosa planificação ou ordenamento. Princípio 3 Deve-se manter, e sempre que possível, restaurar ou melhorar a capacidade da terra em produzir recursos vitais renováveis. Princípios 4 O homem tem a responsabilidade especial de preservar e administrar judiciosamente o patrimônio da flora e da fauna silvestres e seu habitat, que se encontram atualmente, em grave perigo, devido a uma combinação de fatores adversos. Consequentemente, ao planificar o desenvolvimento econômico deve-se atribuir importância à conservação da natureza, incluídas a flora e a fauna silvestres. Princípio 5 Os recursos não renováveis da terra devem empregar-se de forma que se evite o perigo de seu futuro esgotamento e se assegure que toda a humanidade compartilhe dos benefícios de sua utilização. Princípio 6 Deve-se por fim à descarga de substâncias tóxicas ou de outros materiais que liberam calor, em quantidades ou concentrações tais que o meio ambiente não possa neutralizá-los, para que não se causem danos graves o irreparáveis aos ecossistemas. Deve-se apoiar a justa luta dos povos de todos os países contra a poluição. Princípio 7 92 Os Estados deverão tomar todas as medidas possíveis para impedir a poluição dos mares por substâncias que possam por em perigo a saúde do homem, os recursos vivos e a vida marinha, menosprezar as possibilidades de derramamento ou impedir outras utilizações legítimas do mar. Princípio 8 O desenvolvimento econômico e social é indispensável para assegurar ao homem um ambiente de vida e trabalho favorável e para criar na terra as condições necessárias de melhoria da qualidade de vida. Princípio 9 As deficiências do meio ambiente originárias das condições de subdesenvolvimento e os desastres naturais colocam graves problemas. A melhor maneira de saná-los está no desenvolvimento acelerado, mediante a transferência de quantidades consideráveis de assistência financeira e tecnológica que complementem os esforços internos dos países em desenvolvimento e a ajuda oportuna que possam requerer. Princípio 10 Para os países em desenvolvimento, a estabilidade dos preços e a obtenção de ingressos adequados dos produtos básicos e de matérias primas são elementos essenciais para o ordenamento do meio ambiente, já que há de se Ter em conta os fatores econômicos e os processos ecológicos. Princípio 11 As políticas ambientais de todos os Estados deveriam estar encaminhadas par aumentar o potencial de crescimento atual ou futuro dos países em desenvolvimento e não deveriam restringir esse potencial nem colocar obstáculos à conquista de melhores condições de vida para todos. Os Estados e as organizações internacionais deveriam tomar disposições pertinentes, com vistas a chegar a um acordo, para se poder enfrentar as conseqüências econômicas que poderiam resultar da aplicação de medidas ambientais, nos planos nacional e internacional. Princípio 12 Recursos deveriam ser destinados para a preservação e melhoramento do meio ambiente tendo em conta as circunstâncias e as necessidades especiais dos países 93 em desenvolvimento e gastos que pudessem originar a inclusão de medidas de conservação do meio ambiente em seus planos de desenvolvimento, bem como a necessidade de oferecer-lhes, quando solicitado, mais assistência técnica e financeira internacional com este fim. Princípio 13 Com o fim de se conseguir um ordenamento mais racional dos recursos e melhorar assim as condições ambientais, os Estados deveriam adotar um enfoque integrado e coordenado de planejamento de seu desenvolvimento, de modo a que fique assegurada a compatibilidade entre o desenvolvimento e a necessidade de proteger e melhorar o meio ambiente humano em benefício de sua população. Princípio 14 O planejamento racional constituI um instrumento indispensável para conciliar as diferenças que possam surgir entre as exigências do desenvolvimento e a necessidade de proteger y melhorar o meio ambiente. Princípio 15 Deve-se aplicar o planejamento aos assentamento humanos e à urbanização com vistas a evitar repercussões prejudiciais sobre o meio ambiente e a obter os máximos benefícios sociais, econômicos e ambientais para todos. A este respeito devem-se abandonar os projetos destinados à dominação colonialista e racista. Princípio 16 Nas regiões onde exista o risco de que a taxa de crescimento demográfico ou as concentrações excessivas de população prejudiquem o meio ambiente ou o desenvolvimento, ou onde, a baixa densidade d4e população possa impedir o melhoramento do meio ambiente humano e limitar o desenvolvimento, deveriam se aplicadas políticas demográficas que respeitassem os direitos humanos fundamentais e contassem com a aprovação dos governos interessados. Princípio 17 Deve-se confiar às instituições nacionais competentes a tarefa de planejar, administrar ou controlar a utilização dos recursos ambientais dos estado, com o fim de melhorar a qualidade do meio ambiente. 94 Princípio 18 Como parte de sua contribuição ao desenvolvimento econômico e social deve-se utilizar a ciência e a tecnologia para descobrir, evitar e combater os riscos que ameaçam o meio ambiente, para solucionar os problemas ambientais e para o bem comum da humanidade. Princípio 19 É indispensável um esforço para a educação em questões ambientais, dirigida tanto às gerações jovens como aos adultos e que preste a devida atenção ao setor da população menos privilegiado, para fundamentar as bases de uma opinião pública bem informada, e de uma conduta dos indivíduos, das empresas e das coletividades inspirada no sentido de sua responsabilidade sobre a proteção e melhoramento do meio ambiente em toda sua dimensão humana. É igualmente essencial que os meios de comunicação de massas evitem contribuir para a deterioração do meio ambiente humano e, ao contrário, difundam informação de caráter educativo sobre a necessidade de protegê-lo e melhorá-lo, a fim de que o homem possa desenvolverse em todos os aspectos. Princípio 20 Devem-se fomentar em todos os países, especialmente nos países em desenvolvimento, a pesquisa e o desenvolvimento científicos referentes aos problemas ambientais, tanto nacionais como multinacionais. Neste caso, o livre intercâmbio de informação científica atualizada e de experiência sobre a transferência deve ser objeto de apoio e de assistência, a fim de facilitar a solução dos problemas ambientais. As tecnologias ambientais devem ser postas à disposição dos países em desenvolvimento de forma a favorecer sua ampla difusão, sem que constituam uma carga econômica para esses países. Princípio 21 Em conformidade com a Carta das Nações Unidas e com os princípios de direito internacional, os Estados têm o direito soberano de explorar seus próprios recursos em aplicação de sua própria política ambiental e a obrigação de assegurar-se de que as atividades que se levem a cabo, dentro de sua jurisdição, ou sob seu controle, não prejudiquem o meio ambiente de outros Estados ou de zonas situadas fora de toda jurisdição nacional. 95 Princípio 22 Os Estados devem cooperar para continuar desenvolvendo o direito internacional no que se refere à responsabilidade e à indenização às vítimas da poluição e de outros danos ambientais que as atividades realizadas dentro da jurisdição ou sob o controle de tais Estados causem à zonas fora de sua jurisdição. Princípio 23 Sem prejuízo dos critérios de consenso da comunidade internacional e das normas que deverão ser definidas a nível nacional, em todos os casos será indispensável considerar os sistemas de valores prevalecentes em cada país, e, a aplicabilidade de normas que, embora válidas para os países mais avançados, possam ser inadequadas e de alto custo social para países em desenvolvimento. Princípio 24 Todos os países, grandes e pequenos, devem ocupar-se com espírito e cooperação e em pé de igualdade das questões internacionais relativas à proteção e melhoramento do meio ambiente. É indispensável cooperar para controlar, evitar, reduzir e eliminar eficazmente os efeitos prejudiciais que as atividades que se realizem em qualquer esfera, possam Ter para o meio ambiente,, mediante acordos multilaterais ou bilaterais, ou por outros meios apropriados, respeitados a soberania e os interesses de todos os estados. Princípio 25 Os Estados devem assegurar-se de que as organizações internacionais realizem um trabalho coordenado, eficaz e dinâmico na conservação e no melhoramento do meio ambiente. Princípio 26 É’ preciso livrar o homem e seu meio ambiente dos efeitos das armas nucleares e de todos os demais meios de destruição em massa. Os Estados devem-se esforçar para chegar logo a um acordo – nos órgãos internacionais pertinentes- sobre a eliminação e a destruição completa de tais armas. 96 DECLARAÇÃO DO RIO SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO40 A Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, tendo se reunido no Rio de Janeiro, de 3 a 14 de junho de 1992, reafirmando a Declaração da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, adotada em Estocolmo em 16 de junho de 1972, e buscando avançar a partir dela, com o objetivo de estabelecer uma nova e justa parceria global mediante a criação de novos níveis de cooperação entre os Estados, os setores-chaves da sociedade e os indivíduos, trabalhando com vistas à conclusão de acordos internacionais que respeitem os interesses de todos e protejam a integridade do sistema global de meio ambiente e desenvolvimento, reconhecendo a natureza integral e interdependente da Terra, nosso lar, proclama que: Princípio 1 Os seres humanos estão no centro das preocupações com o desenvolvimento sustentável. Têm direito a uma vida saudável e produtiva, em harmonia com a natureza. Princípio 2 Os Estados, de acordo com a Carta das Nações Unidas e com os princípios do direito internacional, têm o direito soberano de explorar seus próprios recursos segundo suas próprias políticas de meio ambiente e de desenvolvimento, e a responsabilidade de assegurar que atividades sob sus jurisdição ou seu controle não causem danos ao meio ambiente de outros Estados ou de áreas além dos limites da jurisdição nacional. Princípio 3 O direito ao desenvolvimento deve ser exercido de modo a permitir que sejam atendidas equitativamente as necessidades de desenvolvimento e de meio ambiente das gerações presentes e futuras. Princípio 4 40 Disponível em: http://www.mma.gov.br/index.php?ido=conteudo.monta&idEstrutura=18&idConteudo=576. Acesso em 03/SET/2007. 97 Para alcançar o desenvolvimento sustentável, a proteção ambiental constituirá parte integrante do processo de desenvolvimento e não pode ser considerada isoladamente deste. Princípio 5 Para todos os Estados e todos os indivíduos, como requisito indispensável para o desenvolvimento sustentável, irão cooperar na tarefa essencial de erradicar a pobreza, a fim de reduzir as disparidades de padrões de vida e melhor atender às necessidades da maioria da população do mundo. Princípio 6 Será dada prioridade especial à situação e às necessidades especiais dos países em desenvolvimento, especialmente dos países menos desenvolvidos e daqueles ecologicamente mais vulneráveis. As ações internacionais na área do meio ambiente e do desenvolvimento devem também atender aos interesses e às necessidades de todos os países. Princípio 7 Os Estados irão cooperar, em espírito de parceria global, para a conservação, proteção e restauração da saúde e da integridade do ecossistema terrestre. Considerando as diversas contribuições para a degradação do meio ambiente global, os Estados têm responsabilidades comuns, porém diferenciadas. Os países desenvolvidos reconhecem a responsabilidade que lhes cabe na busca internacional do desenvolvimento sustentável, tendo em vista as pressões exercidas por suas sociedades sobre o meio ambiente global e as tecnologias e recursos financeiros que controlam. Princípio 8 Para alcançar o desenvolvimento sustentável e uma qualidade de vida mais elevada para todos, os Estados devem reduzir e eliminar os padrões insustentáveis de produção e consumo, e promover políticas demográficas adequadas. Princípio 9 Os Estados devem cooperar no fortalecimento da capacitação endógena para o desenvolvimento sustentável, mediante o aprimoramento da compreensão científica por meio do intercâmbio de conhecimentos científicos e tecnológicos, e mediante a 98 intensificação do desenvolvimento, da adaptação, da difusão e da transferência de tecnologias, incluindo as tecnologias novas e inovadoras. Princípio 10 A melhor maneira de tratar as questões ambientais é assegurar a participação, no nível apropriado, de todos os cidadãos interessados. No nível nacional, cada indivíduo terá acesso adequado às informações relativas ao meio ambiente de que disponham as autoridades públicas, inclusive informações acerca de materiais e atividades perigosas em suas comunidades, bem como a oportunidade de participar dos processos decisórios. Os Estados irão facilitar e estimular a conscientização e a participação popular, colocando as informações à disposição de todos. Será proporcionado o acesso efetivo a mecanismos judiciais e administrativos, inclusive no que se refere à compensação e reparação de danos. Princípio 11 Os Estados adotarão legislação ambiental eficaz. As normas ambientais, e os objetivos e as prioridades de gerenciamento deverão refletir o contexto ambiental e de meio ambiente a que se aplicam. As normas aplicadas por alguns países poderão ser inadequadas para outros, em particular para os países em desenvolvimento, acarretando custos econômicos e sociais injustificados. Princípio 12 Os Estados devem cooperar na promoção de um sistema econômico internacional aberto e favorável, propício ao crescimento econômico e ao desenvolvimento sustentável em todos os países, de forma a possibilitar o tratamento mais adequado dos problemas da degradação ambiental. As medidas de política comercial para fins ambientais não devem constituir um meio de discriminação arbitrária ou injustificável, ou uma restrição disfarçada ao comércio internacional. Devem ser evitadas ações unilaterais para o tratamento dos desafios internacionais fora da jurisdição do país importador. As medidas internacionais relativas a problemas ambientais transfronteiriços ou globais deve, na medida do possível, basear-se no consenso internacional. Princípio 13 99 Os Estados irão desenvolver legislação nacional relativa à responsabilidade e à indenização das vítimas de poluição e de outros danos ambientais. Os Estados irão também cooperar, de maneira expedita e mais determinada, no desenvolvimento do direito internacional no que se refere à responsabilidade e à indenização por efeitos adversos dos danos ambientais causados, em áreas fora de sua jurisdição, por atividades dentro de sua jurisdição ou sob seu controle. Princípio 14 Os Estados devem cooperar de forma efetiva para desestimular ou prevenir a realocação e transferência, para outros Estados, de atividades e substâncias que causem degradação ambiental grave ou que sejam prejudiciais à saúde humana. Princípio 15 Com o fim de proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deverá ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades. Quando houver ameaça de danos graves ou irreversíveis, a ausência de certeza científica absoluta não será utilizada como razão para o adiamento de medidas economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental. Princípio 16 As autoridades nacionais devem procurar promover a internacionalização dos custos ambientais e o uso de instrumentos econômicos, tendo em vista a abordagem segundo a qual o poluidor deve, em princípio, arcar com o custo da poluição, com a devida atenção ao interesse público e sem provocar distorções no comércio e nos investimentos internacionais. Princípio 17 A avaliação do impacto ambiental, como instrumento nacional, será efetuada para as atividades planejadas que possam vir a ter um impacto adverso significativo sobre o meio ambiente e estejam sujeitas à decisão de uma autoridade nacional competente. Princípio 18 Os Estados notificarão imediatamente outros Estados acerca de desastres naturais ou outras situações de emergência que possam vir a provocar súbitos efeitos 100 prejudiciais sobre o meio ambiente destes últimos. Todos os esforços serão envidados pela comunidade internacional para ajudar os Estados afetados. Princípio 19 Os Estados fornecerão, oportunamente, aos Estados potencialmente afetados, notificação prévia e informações relevantes acerca de atividades que possam vir a ter considerável impacto transfronteiriço negativo sobre o meio ambiente, e se consultarão com estes tão logo seja possível e de boa fé. Princípio 20 As mulheres têm um papel vital no gerenciamento do meio ambiente e no desenvolvimento. Sua participação plena é, portanto, essencial para se alcançar o desenvolvimento sustentável. Princípio 21 A criatividade, os ideais e a coragem dos jovens do mundo devem ser mobilizados para criar uma parceria global com vistas a alcançar o desenvolvimento sustentável e assegurar um futuro melhor para todos. Princípio 22 Os povos indígenas e suas comunidades, bem como outras comunidades locais, têm um papel vital no gerenciamento ambiental e no desenvolvimento, em virtude de seus conhecimentos e de suas práticas tradicionais. Os Estados devem reconhecer e apoiar adequadamente sua identidade, cultura e interesses, e oferecer condições para sua efetiva participação no atingimento do desenvolvimento sustentável. Princípio 23 O meio ambiente e os recursos naturais dos povos submetidos a opressão, dominação e ocupação serão protegidos. Princípio 24 A guerra é, por definição, prejudicial ao desenvolvimento sustentável. Os Estados irão, por conseguinte, respeitar o direito internacional aplicável à proteção do meio ambiente em tempos de conflitos armados desenvolvimento progressivo, quando necessário. Princípio 25 e irão cooperar para seu 101 A paz, o desenvolvimento e a proteção ambiental são interdependentes e indivisíveis. Princípio 26 Os Estados solucionarão todas as suas controvérsias ambientais de forma pacífica, utilizando-se dos meios apropriados, de conformidade com a Carta das Nações Unidas. Princípio 27 Os Estados e os povos irão cooperar de boa fé e imbuídos de um espírito de parceria para a realização dos princípios consubstanciados nesta Declaração, e para o desenvolvimento progressivo desenvolvimento sustentável. do direito internacional no campo do