Análise sócio-econômica e ambiental de agroecossistema cafeeiro sombreado com certificação orgânica Paulo Rogério Lopes (a*) , Iara Maria Lopes (b); Keila Cássia Santos Araújo (c) (a) (c) Programa de Pós-Graduação em Agroecologia e Desenvolvimento Rural (PPGADR), Centro de Ciências Agrárias (CCA), Campus Araras, Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) / Embrapa Meio Ambiente, Araras, SP, Brasil, [email protected]; [email protected] (b) Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (Ufrrj), Seropédica, RJ, Brasil, [email protected] * Autor para a correspondência: [email protected] Palavras-chave: Agroflorestal, Café Orgânico, Diálogo dos Saberes, Sustentabilidade e Diagnóstico. Título abreviado: Diagnóstico de agroecossistema ABSTRACT The current economic crisis and global ecological evidence and expose the unsustainable pattern of production of industrial agriculture, printed in the dependence of the first world countries focused on import of agricultural commodities produced in the third world, including the coffee. Unlike conventional systems of production, studies in agroforestry systems have shown the feasibility and ecological sustainability, social and economic such agroecosystems, given mainly by its high capacity for resilience, reliability, self-sufficiency, productivity and resilience. The objective of this 1 study is to analyze the productivity, the socio-economic impact of an agroforestry system conducted in Machado, south of Minas Gerais there are eleven years, having as main products coffee (Coffea arabica) certified organic by BCS, which is exported to other countries, bananas and timber, which also have organic certification and are sold in local commerce.The research methodology was based on PRA (Participatory Rural Diagnostics) using a mainly semi-structured dialogue, valuing the empirical knowledge acquired by farmers. Unlike conventional systems of production, agroforestry system under study shows the feasibility of the model output dimensions productive, ecological and economic sustainability of the ideal. The average productivity of the coffee produced in agroforestry system (14 scs / ha) is below the national average productivity of conventional coffee (17 scs / ha). However, when considering the amount of biomass produced in agroforestry systems and their diversity there is a much higher value compared to the conventional system. Agrobiodiversity provided more stability and resilience of agro-ecosystem, avoiding the overproduction of culture and plant health problems such as pest attack. In addition, sales of organic coffee in the international market has reached twice the value of conventional coffee, the variety of products produced in the agroecosystem (coffee, banana, eucalyptus, fruit, corn, beans, cassava and rice) provided a monthly income to the farmer , for the family and owner of employees, positive economic balance to the farmer, because of the low production costs of the agroforestry system. RESUMO As atuais crises econômica e ecológica globais evidenciam e expõem a insustentabilidade do padrão produtivo da agricultura industrial, estampado na 2 dependência dos países do primeiro mundo centrados na importação de commodities agrícolas produzidas no terceiro mundo, dentre elas, o café. Ao contrário dos sistemas convencionais de produção, diversos estudos realizados com sistemas agroflorestais têm mostrado a viabilidade e sustentabilidade ecológica, social e econômica desses agroecossistemas, dadas principalmente pela sua alta capacidade de resiliência, confiabilidade, auto-suficiência, produtividade e elasticidade. O objetivo do presente trabalho é analisar a produtividade, os aspectos sócio-econômicos e ambientais de um sistema agroflorestal conduzido em Machado, sul de Minas Gerais há onze anos, tendo como principais produtos o café (Coffea arabica) orgânico certificado pela BCS, que é exportado para outros países, a banana e a madeira, que também possuem certificação orgânica e são vendidos no comércio local. A metodologia da pesquisa foi baseada no DRP (Diagnóstico Rural Participativo) utilizando-se principalmente do diálogo semiestruturado, valorizando o conhecimento empírico adquirido pelos agricultores. Ao contrário dos sistemas convencionais de produção, o sistema agroflorestal em estudo evidenciou a viabilidade do modelo de produção nas dimensões produtiva, ecológica e econômica do ideal de sustentabilidade. A produtividade média do café produzido no sistema agroflorestal (14 scs/há) está abaixo da produtividade média brasileira do café convencional (17 scs/há). No entanto, quando se analisa a quantidade de biomassa produzida no sistema agroflorestal e a sua diversidade verifica-se um valor muito superior em relação ao sistema convencional. A agrobiodiversidade proporcionou mais estabilidade e resiliência ao agroecossistema, evitando-se superprodução da cultura e problemas de ordem fitossanitária, como o ataque de pragas. Além disso, a venda do café orgânico no mercado internacional alcançou o dobro do valor do café convencional, a diversidade de produtos produzidos no agroecossistema (café, banana, 3 eucalipto, frutas, milho, feijão, mandioca e arroz) possibilitou uma renda mensal ao agricultor, subsistência da família proprietária e dos trabalhadores assalariados, balanço econômico positivo ao agricultor, devido os baixos custos de produção do sistema agroflorestal. INTRODUÇÃO As atuais crises econômica e ecológica globais evidenciam e expõem a insustentabilidade do padrão produtivo da agricultura industrial, estampado na dependência dos países do primeiro mundo centrados na importação de commodities agrícolas produzidas no terceiro mundo, dentre elas, o café. Esse fato vem chamando a atenção para a convergência de três grandes dilemas descritos por Petersen & Almeida (2008) com os quais a humanidade se depara: o primeiro se refere ao aumento exponencial dos preços do petróleo e suas implicações diretas sobre os custos dos agroquímicos, o segundo está ligado aos impactos ainda imprevisíveis das mudanças climáticas sobre a produção alimentar; o terceiro é a degradação e a perda em ritmos acelerados da agrobiodiversidade, dos solos e dos recursos hídricos em função do emprego de métodos predatórios de produção agrícola que vêm sendo subsidiados há décadas pela energia barata do petróleo. Os desequilíbrios no ecossistema agrícola provocados pela monocultura induziram os procedimentos técnicos que definem o chamado “pacote” tecnológico da agricultura moderna (Borges Filho, 2005). Segundo Romeiro (1998), na natureza, diversidade é sinônimo de estabilidade, e, quanto mais simplificado for um determinado ecossistema, maior a necessidade de fontes de energia para manter o equilíbrio. Esse modelo de exploração agrícola de larga escala iniciado através da modernização da 4 agricultura têm no bojo de seu processo produtivo um manejo insustentável e dificilmente poderão implementar as múltiplas dimensões da sustentabilidade (ecológico, econômico, social, cultural, ético e político) se não iniciarem uma mudança gradual no manejo das lavouras, nas relações sociais e econômicas existentes nas unidades de produção. Ao contrário dos sistemas convencionais de produção, estudos realizados com sistemas agroflorestais (Macedo & Pereira, 2000; Peneireiro et al. 2000; Reis & Hildebrand, 2000) têm mostrado a viabilidade e sustentabilidade ecológica, social e econômica desses agroecossistemas, dadas principalmente pela sua alta capacidade de resiliência, confiabilidade, auto-suficiência, produtividade e elasticidade. Segundo Veiga (2003), pode-se dizer que todas as definições de agricultura sustentável transmitem a visão de um futuro padrão produtivo de alimentos, fibras e matérias-primas energéticas que garanta a manutenção, no longo prazo, dos recursos naturais e da produtividade agropecuária; o mínimo de impactos adversos ao ambiente; retorno adequado aos produtores; otimização da produção com um mínimo de insumos externos; satisfação das necessidades humanas de alimentos e renda; atendimento às demandas sociais das famílias e comunidades rurais. A prática do cultivo do cafeeiro a pleno sol tem acarretado problemas como a super produção e o conseqüente esgotamento das plantas, durante os primeiros anos, até que o auto-sombreamento diminua esse efeito (Voltan et al, 1992 apud Righi, 2005). Entre os principais impactos para implantação dos monocultivos de café estão o alto índice de desmatamento da Mata Atlântica e do Cerrado, a perda da biodiversidade faunística e florística, a contaminação e diminuição dos recursos hídricos pelo constante uso dos agroquímicos e destruição das matas ciliares, e as intoxicações e mortes de 5 homens ocasionadas pelos agrotóxicos. Além de causar o empobrecimento do solo e o aparecimento de pragas e doenças que prejudicam severamente as lavouras. A associação de cafeeiros com espécies arbóreas pode significar uma diversificação da fonte de renda do produtor, além de apresentar outros benefícios tais como: proteção contra geadas, redução da bienalidade e, portanto, maior estabilidade da produção, redução da incidência de plantas daninhas, do bicho-mineiro (Campoe et al., 2003a e b apud Righi, 2005), e da seca dos ponteiros (Lunz et al., 2004 apud Righi, 2005). Dada a atual crise ecológica da cafeicultura convencional, o presente trabalho teve como objetivos analisar a produtividade, os aspectos econômicos e ambientas de um sistema agroflorestal conduzido no sul de Minas Gerais há onze anos, tendo como principais produtos o café orgânico, que é exportado para outros países, a banana e a madeira, que também possuem certificação orgânica e são vendidos no comércio local. METODOLOGIA O agroecossistema agroflorestal avaliado situa-se no bairro Caiana, município de Machado-MG e essa unidade produtiva é reconhecida pela excelência no cultivo de café orgânico. Machado é um município localizado no sul/sudoeste de Minas Gerais, possui as seguintes coordenadas geográficas: latitude 21º 39' 59 S e longitude 45º 55' 16 W. Possui uma área de 594,54 Km², clima tropical de altitude, população estimada em 39.015 habitantes e um parque cafeeiro de 14.500 hectares. De acordo Vieira et al. (2005), Machado é uma das principais regiões produtoras de café do Estado. O ambiente é caracterizado por áreas elevadas, com altitudes de 780m a 1260 m e clima ameno, possibilitando a produção de cafés com bebidas finas. 6 Recentemente a cidade recebeu o título de capital mundial do café orgânico devido seu pionerismo neste tipo de cultura e suas exportações para países da Europa, Estados Unidos e Japão. A pesquisa foi realizada com base no DRP (Diagnóstico Rural Participativo), onde os agricultores, tanto o proprietário do sítio e os colaboradores puderam participar do diálogo semi-estruturado conduzido através de um intercâmbio de saberes estabelecido entre os agricultores e o pesquisador. Durante as entrevistas utilizou-se um roteiro apenas para focar os objetivos do trabalho, mas procurou-se deixar o cafeicultor à vontade para que todos os seus conhecimentos acumulados ao longo de sua vida enquanto homem do campo e principalmente suas experiências acumuladas com o manejo do sistema agroflorestal pudessem ser captadas. Além das entrevistas semiestruturadas, realizaram-se visitas periódicas mensais no sistema agroflorestal com o intuito de acompanhar o sistema ao longo do ano de 2008, fez-se fotodocumentação nas diversas épocas do ano e monitoramentos das pragas da cultura do café. Realizaram-se monitoramentos mensais de duas pragas do cafeeiro: broca (Hypothenemus hampei)e bicho-mineiro (Leucoptera coffeella). A amostragem de folhas para avaliação da flutuação populacional do bicho-mineiro foi realizada no terço mediano de cada planta tomada aleatoriamente por meio de caminhamento em ziguezague nos agroecossistemas caracterizados. Coletaram-se no terço mediano do cafeeiro 10 folhas do 3º ou 4º par em todos os lados da planta, sendo amostrados 20 cafeeiros, totalizando 200 folhas coletadas para avaliação da praga (Matiello et al., 2005). A infestação por broca (Hypothenemus hampei) nos frutos foi determinada por meio de amostragens não-destrutivas. As amostragens não destrutivas consistem numa análise “in loco”, realizada diretamente nas partes da planta que se queira analisar. 7 Nesse caso, observou-se a perfuração causada pela broca nos frutos de café. Assim, evita-se a retirada do café da planta. Foram realizadas observações mensais a partir de dezembro de 2007 até junho de 2008, período que coincidiu com o início da colheita do café. A infestação por broca foi quantificada observando-se 32 plantas tomadas aleatoriamente (caminhamento em ziguezague) em aproxidamente 1 ha, em 6 pontos/planta, sendo 1 ponto por terço (superior, médio e inferior) em cada lado da planta (norte/sul), totalizando 2 pontos por terço. Em cada ponto avaliava-se 10 frutos agrupados e o ponto amostrado correspondia a um ramo plagiotrópico do cafeeiro. O DRP (Diagnóstico Rural Participativo), é um conjunto de técnicas e ferramentas que permite que as comunidades participem ativamente do diagnóstico do agroecossistema e a partir daí sejam capazes de auto gerenciar o seu planejamento e desenvolvimento. Desta maneira, os participantes puderam compartilhar experiências e analisar os seus conhecimentos, a fim de melhorar as suas habilidades de planejamento e ação (Thiollent, 2000). RESULTADOS E DISCUSSÃO A propriedade avaliada adotou o modelo de produção de café natural orgânico sob sistema agroflorestal em 1998 e possui cerca de 10 ha de produção de café consorciado com frutíferas, eucalipto e árvores nativas, 7,4 ha de RPPN (Reserva Patrimônio Particular Natural) e 12,6 ha em pousio. O sistema agroflorestal adotado tem como principais culturas perenes o café e a banana, além de possuir diversas árvores nativas, frutíferas, madeireiras e algumas culturas anuais, que são utilizadas para subsistência das famílias do agricultor e de dois trabalhadores assalariados. 8 Através de entrevista realizada com o cafeicultor verificou-se que em 1997 foi o último ano que se realizou a aplicação de fertilizantes químicos (NPK) e agrotóxicos no agroecossistema. Segue abaixo um breve histórico da área onde se implantou o sistema agroflorestal. Tabela 1 - Histórico da área onde se implantou o sistema agroflorestal. 1900-1960 Monocultivo de cafeeiros 1960-1985 Pastagem 1985- 1997 Monocultivo de cafeeiros 1997 Ocorreu a última aplicação de agroquímicos na área. 1997/1998 2001 Plantio irregular Certificação de árvores nativas, BCS frutíferas e eucalipto na lavoura de café. Quando a lavoura era conduzida nos moldes da agricultura convencional recebia todos os tratos de adubação e controle fitossanitário químico, o que ocasionava uma dependência de recursos externos à propriedade, aumentando os custos de produção e diminuindo a renda do agricultor. Utilizava-se com freqüência anual cerca de 400 kg de N/ha; 100 kg de P2O5/ha; 300 kg de K2O/ha; boro e outros micronutrientes no solo; pulverizações foliares com micronutrientes; fungicidas; inseticidas; acaricidas e herbicidas. Esse pacote tecnológico utilizado pelo agricultor acarretava sérios danos ambientais (contaminação dos recursos hídricos, intoxicação, morte de animais e desequilíbrio ambiental) e econômicos (altos custos dos insumos, preços baixos dos produtos convencionais, dependência de financiamentos). Atualmente realiza-se apenas o manejo das plantas espontâneas e árvores com enxada, foice e roçadeira; a nutrição dos cafeeiros é baseada na ciclagem dos elementos, feita com subprodutos do café (palha), plantas espontâneas e serrapilheira acumulada através dos restos de folhas e galhos oriundos do sistema agroflorestal. 9 O agricultor evidenciou que antes de se realizar o processo de conversão agroecológica da propriedade tinha-se apenas o café como gerador de renda anual. O processo de conversão agroecológica foi iniciado em 1997, deixando-se de utilizar agroquímicos e promovendo o redesenho da propriedade através do plantio de árvores e culturas anuais. Em 2001 a propriedade recebeu a certificação do café, banana e eucalipto orgânicos pela certificadora BCS Öko-Garantie (certificadora alemã com reconhecimento do Ministério da Agricultura e do Abastecimento do Brasil). Atualmente, a propriedade comercializa banana orgânica (150 caixas por mês) e o eucalipto orgânico (moirões, tábuas etc.) nos mercados locais de Machado, além de comercializar a madeira para carvoarias da região. De acordo com o agricultor, o cultivo e venda da banana orgânica tem contribuído muito com o orçamento financeiro da propriedade, visto que a cultura possui baixo custo, fácil manejo, excelente aceitação no mercado local e uma renda mensal importante para a manutenção de sua família. O café é vendido para a Inglaterra através dos parceiros (corretores) comercializadores de café, Bourbon Specialty Coffee, que compram o seu café e, juntam com outros lotes de café orgânico para completar contêineres de 300 a 500 sacas e os exportam. Nos últimos três anos têm alcançado cerca de R$ 480,00 reais pela saca de café beneficiado (quase o dobro do preço em relação à saca de café convencional) e a safra de 2008 poderá ser vendida em torno de U$ 210,00 dólares a saca de 60 kg. Em 2001, quando um lote de seu café orgânico foi eleito como 2° melhor do concurso de qualidade Cup of Excellence, promovido pela BSCA – Brazil Specialty Coffee Association, teve a oportunidade de vender o café a preços exorbitantes. Na safra de 2008 ficou entre os 80 1 melhores classificados no mesmo concurso de qualidade do café que privilegia a qualidade da bebida do produto. O agricultor citou que uma das maiores dificuldades enfrentadas antes da realização da conversão do sistema de manejo convencional para orgânico era a dependência que a propriedade tinha de apenas uma cultura, o café, que nunca possuía garantia de preços, apresentava quedas bruscas na produção a cada 2 anos (bienalidade da cultura cultivada a pleno sol) e os altos custos dos insumos agrícolas diminuíam a renda anual. A mocultura do café praticada anteriormente pelo agricultor o colocava numa situação econômica delicada, uma vez que a renda possuía caráter anual ou bianual. A diversificação da produção mudou a lógica comercial da unidade produtiva e possibilitou ganhos econômicos (renda mensal, diversificação de produtos a serem comercializados), sociais (geração de emprego, aumento da mão-de-obra) e ambientais (conservação do solo, dos recursos hídricos e abrigo aos animais; controle biológico natural das pragas do cafeeiro). Em 2008 a produção de café orgânico alcançou aproximadamente 180 sacas beneficiadas, na área total de 10 ha de lavoura cafeeira, obtendo uma produtividade média de 18 sacas/ha. De acordo com Matiello et al. (2005), a produtividade média do café convencional no Brasil é de 17 scs/há. No entanto, a produtividade média do café nos últimos quatro anos tem alcançado 14 sacas beneficiadas/ha, como se pode observar na tabela 2. Tabela 2 - Área, cultivar, plantio, números de plantas e produtividade do café produzido sob sistema agroflorestal. 1 Agroecossistema Área beneficiadas (ha) Agroflorestal 10 Cultivar Plantio Espaçamento N° Plantas/ Catuaí Mundo Novo (m) 1985 3,5 x 1 ha 2857 Total de sacas (Produtividade) 2005 2006 2007 2008 Média 14 12 12 18 14 Além dessas principais culturas, o agroecossistema agroflorestal oferece segurança alimentar às famílias do agricultor proprietário e de seus 2 colaboradores permanentes (assalariados fixos). Produzem-se diversos produtos destinados à subsistência dessas famílias como arroz, feijão, milho, banana, café, manga, acerola, goiaba, abacate, palmito, mamão, mandioca, cana, mel etc. No que tange aos aspectos ambientais pode-se observar uma complexidade florística interessante no sistema, pois além das frutíferas, do eucalipto e do cafeeiro o sistema abriga diversas espécies nativas que contribuem para o aumento da resiliência do sistema. Tal diversidade florística possibilita o aumento da biodiversidade faunística, que tem sido verificada empiricamente pelos agricultores locais. Os resultados dos monitoramentos mensais das pragas do cafeeiro: broca (Hypothenemus hampei) e bicho-mineiro (Leucoptera coffeella) apontam um elevado grau de sustentabilidade ecológica no agroecossistema analisado, visto que não atingiram nível de dano econômico durante o período de um ano de avaliação (Figuras 1 e 2). De acordo com Moraes (1997) apud Martins (2003), os danos provocados pela broca-do-café começam quando a infestação atinge valores de 3 a 5% ou acima de 5%. Segundo Souza et al. (1998), deve-se considerar, para início do controle do bicho-mineiro, 20% ou mais de folhas minadas no terço superior (local de coleta de folhas) ou 30% ou mais de folhas minadas nos terços médio e superior (locais de coletas de folhas) dos cafeeiros. 1 AGROFLORESTAL mês/ano da amostragem Figura 1. Incidência mensal do bicho – % fr u to s a ta c a d o s % Broca z/ 0 7 ja n /0 8 f ev /08 ma r/ 0 8 ab r/0 8 ma i/ 0 8 ju n /0 8 de z ja n/ 0 7 fe / 08 m a v/ 0 8 a br/ 0 8 m a r/0 8 ju ni/ 0 8 ju / 08 ag l/08 o s e /0 8 o u t/ 0 8 n o t/ 0 8 v/ 0 8 % Bicho-mineiro 2 1,8 1,6 1,4 1,2 1 0,8 0,6 0,4 0,2 0 de % fo l h a s m i n a d a s 22,5 20 17,5 15 12,5 10 7,5 5 2,5 0 AGROFLORESTAL mês/ano da amostragem Figura 2. Infestação populacional da mineiro ao longo do ano no sistema broca-do-café em frutos analisados agroflorestal (dez/07 a nov/08). no cafeeiro (dez/07 a jun/08). De acordo com Gliessman (2005), somente num agroecossistema mais complexo e diversificado poderá existir potencial para interações benéficas; essa diversificação conduz a modificações positivas nas condições abióticas e atrai populações de artrópodes benéficos, regulando, assim, a população de pragas. De acordo com o agricultor, quando a lavoura cafeeira era conduzida em ambiente simplificado sob o constante uso de agroquímicos, os cafeeiros sofriam constantes surtos de ataques de pragas. Para Khatounian (2001), a sanidade vegetal exige outro padrão tecnológico no manejo dos agroecossistemas, que não estimulem o desenvolvimento de resistência nas pragas e doenças e que não perturbem os processos de controle naturais. Verificou-se com abundância a presença de aves (tucano, pássaro-preto, sabiá, canário da terra, pombas, rolinhas, jacu etc.); répteis (cobras, lagartos etc.), mamíferos (veado, lobo, cachorro do mato, jaguatirica, gato do mato, tatu, lebre, paca, macacos etc.); anfíbios (rãs, sapos e pererecas) e invertebrados (formigas, insetos predadores, 1 sugadores, parasitóides, colêmbolas, ácaros, minhocas, aranhas, borboletas, besouros etc) no sistema agroflorestal analisado. Além disso, os agricultores entrevistados relataram o aumento do número de minas d’água e do volume da água nos recursos hídricos presentes na propriedade, após a implantação do sistema agroflorestal. A cobertura vegetal do solo por ervas espontâneas e a grande quantidade de serrapilheira (restos de folhas, árvores, palhas etc.) em decomposição favorece a atividade biológica edáfica e permite a manutenção da umidade do solo. CONCLUSÕES A diversificação da produção na unidade produtiva tem contribuído de maneira significativa no orçamento financeiro da propriedade. Tem gerado renda mensal ao agricultor, mais segurança econômica por não depender de uma única cultura, que no caso do café expressa uma forte bienalidade produtiva quando cultivado a pleno sol. A produtividade do café agroflorestal (14 sc/ha) tem se mantido ao longo do tempo e a certificação orgânica possibilita a comercialização do café a países europeus, que tem valorizado muito os aspectos sócio-econômicos, ecológicos e éticos inseridos no cultivo orgânico, pagando um preço justo ao produtor. A complexidade da biodiversidade existente no agroecossistema agroflorestal está desencadeando um equilíbrio ecológico que auxilia nos processos de auto-regulação de pragas, vegetação espontânea e doenças, aumenta o poder de recuperação dos agroecossistema frente às adversidades climáticas e fitossanitárias, proporciona maior estabilidade, produtividade, flexibilidade, resiliência, equidade e auto-dependência do agroecossistema. 1 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BORGES FILHO, E. L. 2005. Da redução de insumos agrícolas à agroecologia: a trajetória das pesquisas com práticas agrícolas mais ecológicas na EMBRAPA. 2005. 279 f. Tese (Doutorado) - Instituto de Economia, Universidade Estadual de Campinas , Campinas. GLIESSMAN, S. R. 2005. Agroecologia: processos ecológicos em agricultura sustentável. 3 ed. Porto Alegre: Editora UFRGS. 653 p. KHATOUNIAN, C. A. 2001. A reconstrução ecológica da agricultura. Botucatu: Agroecológica, 348 p. MACEDO, J.L.V.; PEREIRA, M.M. 2000. 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