Concentração do Extrato Hidrossolúvel de Soja Leila Mendes da Luz (UTFPR) – [email protected] Marli da Silva Santos (UTFPR) – [email protected] Maria Helene Canteri Schemin (UTFPR) – [email protected] Antonio Carlos de Francisco (UTFPR) – [email protected] Resumo: O presente trabalho teve como objetivo avaliar o processo de crioconcentração para obtenção do Extrato Hidrossolúvel de Soja (EHS) concentrado, acompanhando para isso a evolução do teor de sólidos solúveis e valores de pH durante o processo e caracterização fisico-química comparativa do EHS concentrado e EHS in natura. O alto teor de proteínas faz da soja matéria-prima para obtenção de vários derivados protéicos, dentre eles o extrato hidrossolúvel obtido da seleção, maceração, tratamento térmico, cocção e posterior centrifugação dos grãos de soja. A crioconcentração é um método no qual a água é separada do meio líquido pela cristalização do gelo a baixa temperatura seguida da remoção do gelo do líquido concentrado. Foram realizados três ensaios para a concentração do EHS, onde estes apresentaram características semelhantes em relação aos teores de sólidos solúveis e valores de pH. A caracterização físico-química do EHS concentrado foi feita a partir do terceiro ensaio obtendo-se 77.67% de umidade, 15.44% de proteínas, 4% de lipídios, 2.29% de cinzas e traços de fibras, sendo o teor de sólidos solúveis de 26ºBrix e pH igual a 6.43 comparados com os valores obtidos para o EHS in natura 93.86% de umidade, 2.99% de proteínas, 1.5% de lipídios, 0.32% de cinzas, 4.93% de fibras, 6.5ºBrix e pH igual a 6.75, o processo de crioconcentração mostrou ser um método eficiente para concentração de EHS. Palavras-chave: Extrato hidrossolúvel de soja, crioconcentração, caracterização físico-química. 1. Introdução A soja é um produto com grande expressão na economia externa e interna do Brasil, não só pelo seu valor como grão para consumo, mas pelas grandes possibilidades de utilização devido aos seus altos teores de óleo e proteína e, também, à boa valorização comercial de seus derivados (RIBEIRO et al, 2005). O interesse na utilização de proteínas vegetais e seus derivados pela indústria de alimentos têm crescido nos últimos anos. A soja, devido a suas qualidades nutricionais e funcionais, disponibilidade de mercado, baixo custo e desenvolvimento de tecnologia apropriada, apresenta um consumo crescente entre os povos ocidentais (MARTINS, 2005). O alto teor de proteína faz desta leguminosa matéria prima para obtenção de vários derivados protéicos, dentre os quais podem ser ressaltados a farinha (integral e desengordurada), os isolados e concentrados protéicos, a proteína vegetal texturizada e os extratos hidrossolúveis, líquido e em pó (LEMOS; MELLO & CABRAL, 1977). O extrato hidrossolúvel de soja (EHS) é obtido através da seleção, maceração, tratamento térmico, cocção e posterior centrifugação da semente de soja (MIYASAKA e MEDINA, 1981). O processo de crioconcentração consiste em cristalizar a água de uma solução pelo resfriamento, ou seja, precipita-se a água da solução aumentando a concentração do soluto no sistema. Neste processo a água é separada do meio líquido pela cristalização do gelo a baixa temperatura, seguida da remoção do gelo do líquido concentrado (SILVA, 2003). Segundo Mellor (1978) in Degaspari et al (2002) é importante considerar a temperatura em que o produto congela como um todo, a concentração deverá ser feita em temperatura superior a esta. Este processo desperta grande interesse na indústria de alimentos, por excluir plenamente perdas de aroma por evaporação e não modificar apreciavelmente a cor e o valor nutricional do alimento, resultando em um produto de melhor qualidade. A crioconcentração é particularmente importante para a concentração de líquidos com presença de componentes voláteis, componentes termicamente sensíveis, componentes diluídos entre outros. Uma vez que a água é retirada da solução através de uma transformação de fase do líquido para o sólido, não ocorre perda por decomposição térmica (SILVA, 2003). O presente trabalho teve como objetivo avaliar o processo de crioconcentração para obtenção do Extrato Hidrossolúvel de Soja concentrado, acompanhando para isso a evolução do teor de sólidos solúveis e valores de pH durante esse processo e caracterização fisico-química comparativa do EHS concentrado e EHS in natura. 2. Material e métodos O presente estudo foi desenvolvido nos Laboratórios de Bioquímica e Industrialização de Vegetais da Coordenação de Alimentos da Universidade Tecnológica Federal do Paraná – Campus Ponta Grossa. 2.1 Material O extrato hidrossolúvel de soja (EHS) utilizado para concentração foi obtido por doação da Unidade de Produção de Alimentos da Secretaria Municipal de Assistência Social da Prefeitura de Ponta Grossa. 2.2 Métodos Foram acondicionados quatro litros de EHS em recipiente de alumínio de 32 x 45 cm, o qual foi isolado por placas de isopor, com espessura de um centímetro e mantido durante 24 horas em freezer a -18ºC (Cônsul, 280). Após este período, a massa de gelo obtida foi quebrada, acondicionada em saco de poliéster e centrifugada (centrífuga de roupas Sec Fácil Consul) até redução do volume, para separação dos cristais de gelo formado do EHS concentrado. Foram realizados três ensaios para a crioconcentração do EHS, sendo que em cada um deles o processo de crioconcentração foi repetido por seis vezes, com exceção do segundo ensaio que foi repetido por cinco vezes por falta de material. Durante o processo de concentração o EHS foi avaliado quanto ao teor de sólidos solúveis totais, expresso em Graus Brix por meio de refratômetro e em relação ao pH por meio de pHmetro digital. 2.3 Determinações físico-química As análises físico-químicas do EHS in natura utilizado na concentração e do concentrado obtido foram realizadas em triplicata, sendo feitas as seguintes determinações: umidade, cinzas, lipídios e proteínas segundo as Normas do Instituto Adolfo Lutz (1985) e fibras de acordo com o método da AOAC (2000). 3. Resultados e discussão Nos três ensaios realizados o EHS apresentou características semelhantes em relação aos valores de pH e teores de sólidos solúveis (ºBrix). Na figura 1 é possível observar a relação existente entre o número de concentração e o aumento do ºBrix na medida em que o EHS é concentrado. 35 30 ºBrix 25 Ensaio 1 20 Ensaio 2 15 Ensaio 3 10 5 0 0 1 2 3 4 5 6 nº concentração Figura 1 – Sólidos solúveis (ºBrix) do EHS durante crioconcentração O teor de sólidos solúveis do EHS inicial (in natura) utilizado no ensaio 1, 2 e 3 foi de 6, 6.6 e 6.5ºBrix respectivamente, chegando a 31ºBrix no ensaio 1 e 26ºBrix no ensaio 3 para o EHS concentrado no final da sexta concentração, o ensaio 2 não apresenta valor para a sexta concentração por falta de material sendo analisado até a quinta concentração onde apresentou 26ºBrix. Como pode ser observado na Figura 2, os valores de pH apresentam comportamento inversamente proporcional ao ºBrix, conforme aumenta o número de concentração o EHS apresenta um decaimento nos valores de pH, variando de 6.66 a 6.37 no ensaio 1, 7.5 a 6.45 no ensaio 2 e 6.75 a 6.43 no ensaio 3. A variação maior ocorre até a segunda concentração, mantendo-se praticamente constante da terceira até a sexta concentração tanto em relação aos três ensaios realizados como em relação as concentrações realizadas em cada ensaio. Isso demonstra que os experimentos realizados apresentaram boa reprodutibilidade. 7,6 7,4 7,2 pH 7 Ensaio 1 6,8 Ensaio 2 6,6 Ensaio 3 6,4 6,2 6 5,8 0 1 2 3 4 5 6 nº concentração Figura 2 – Variação do pH durante a Crioconcentração do EHS Analisando a massa de EHS in natura utilizado no início e a massa de EHS concentrado obtido no fim do processo obtemos um rendimento de 4% para o ensaio 1, 4.2% para o ensaio 2 e 4.75% para o ensaio 3, apresentando resultados próximos nos três ensaios realizados. Na figura 3 temos como referência a massa de EHS utilizada, a massa de cristais de gelo separada e de EHS concentrado obtido em cada concentração realizada no ensaio 3. 4000 3500 massa (g) 3000 2500 2000 EHS 1500 Cristais de gelo EHS concentrado 1000 500 0 1 2 3 4 5 6 nº concentração Figura 3 – Massa de EHS utilizado e obtido na crioconcentração A caracterização físico-química do EHS concentrado foi feita a partir do EHS obtido na sexta concentração do terceiro ensaio. Os resultados obtidos nas análises estão apresentados na Tabela 1. Tabela 1 – Composição média do EHS (%) Análise Umidade Proteínas Lipídios Cinzas Fibras EHS CONCENTRADO 77,67 15,44 4 2,29 traços EHS in natura 93,86 2,99 1,5 0,32 4,93 Estabelecendo uma comparação entre o EHS concentrado e o EHS in natura nota-se um aumento significativo nos teores de proteínas, lipídios e cinzas, com exceção do teor de fibras que fica abaixo do esperado, sendo a proteína o componente que mais se destaca. Darmanyan (1997) in Silva (2003), estudando as transformações estruturais de proteínas durante a desidratação em alta e em baixa temperatura, verificou que a crioconcentração mostrou ser um bom método no estudo do rearranjo molecular da proteína, visto que não altera a estrutura da biomolécula, já que ocorre a baixa temperatura, evitando assim a perda por decomposição térmica, isso pode ser confirmado com a porcentagem de proteína encontrada no EHS concentrado que variou de 2,99% do EHS in natura para 15,44% no concentrado. O efeito do processo de crioconcentração do EHS pode então ser confirmado pelo aumento significativo no teor de sólidos solúveis presente no EHS concentrado e pelos resultados obtidos nas análises físico-químicas. No processo de crioconcentração a eficiência na separação do gelo da solução de concentrado é determinada pela área superficial dos cristais de gelo por unidade de volume: quanto menor é a área, menor é a quantidade de concentrado que adere aos cristais quando estes são separados mecanicamente (SILVA, 2003). Nas primeiras concentrações em que o EHS apresenta teor de sólidos menor, notou-se a formação de pequenos cristais após a centrifugação para separação do gelo do concentrado, nos quais não nota-se a presença de concentrado aderido. Porém para alimentos mais concentrados a remoção dos cristais de gelo torna-se mais difícil (DEGÁSPARI et al, 2002). Nas últimas concentrações a porcentagem de concentrado que adere aos cristais aumenta conforme aumenta o número de concentrações, aumentando, portanto a perda de sólidos solúveis na massa de gelo, além de necessitar um tempo maior de centrifugação, que variou de 8 minutos para 15 a 20 minutos. Estudos demonstraram que até a terceira concentração o teor de sólidos solúveis agregado ao gelo fica em torno de 3ºBrix, porém na quarta, quinta e sexta concentração o teor de sólidos solúveis que permanece no gelo aumenta gradativamente, chegando a 7ºBrix na sexta concentração (LUZ et al, 2007), indicando que quanto mais concentrado for o EHS mais difícil é a separação do gelo do concentrado e consequentemente o rendimento é menor. No entanto a perda de protuto, ou seja, de sólidos solúveis nos cristais de gelo pode ser evitada com a lavagem dos mesmos, obtendo-se então uma exelente separação do gelo do concentrado (SILVA, 2003; MELLOR, 1978 in DEGASPARI et al, 2000). 4. Conclusão O processo de crioconcentração demonstrou ser um método eficiente para concentração do EHS. Tal afirmação pode ser comprovada através dos resultados obtidos nas análises físicoquímicas, que indicaram um aumento significativo nos teores de sólidos solúveis e principalmente na porcentagem de proteínas no produto final. Referências AOAC. Official Methods of Analysis of AOAC Internacional. 17. ed. Gaithersburg, 2000. 2v. DARMANYAN, E. B. Strutural Transformation of Serum Protein During High-Temperature and LowTemperature Dehydration. Applied Biochemystry and Microbiology, Vol-33(2) p 158-163 Mar-Apr, 1997. In: SILVA, J. M. F. da. Aperfeiçoamento Tecnológico do Processo de Crioconcentração: modelagem e simulação. 2003. 207 f. Tese (Doutorado em Engenharia Química) – Departamento de Processos Químicos, UNICAMP, Campinas. DEGASPARI, C. H.; LEITE, B. Z.; BALSINI, I. D. A.; GUERRA, A. S. Obtenção de extrato de carqueja (Baccharis articulata (Lam.) Pers.) por diferentes processos de concentração. Disponível em http://www.utp.br/tuiuticienciaecultura/FACET/FACET%2029/PDF/Art%208.pdf. Acesso em 16/06/2007. INSTITUTO ADOLFO LUTZ. Normas analíticas do Instituto Adolfo Lutz. 3ªed. São Paulo: imesp, 1985, v.1, 533p LEMOS, J. L.; MELLO, M. C. & CABRAL, L.C. Estudo da solubilidade das proteínas de extratos hidrossolúveis de soja em pó. 1997. Disponivel em http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0101 20611997000300027&script=sci_arttext acesso em 25-maio-2008. LUZ, L. M.; SANTOS, M. S.; CANTERI-SCHEMIN, M. H.; FRANCISCO, A. C. Comparação de métodos para concentração do extrato hidrossolúvel de soja. In: I Jornada da Produção Científica e Tecnológica da Região Sul.2007. Santa Catarina. Anais. CD-Rom. MARTINS, M. T. S. Caracterização química e Nutricional de Plasteína Produzida a Partir de Hidrolisado Pancreático de Isolado Protéico de Soja. Boletim da Sociedade Brasileira de Ciência e Tecnologia de Alimentos, Campinas, nº25, p. 683, out./set. 2005. MELLOR, J. D. Fundamentals of freeze-drying. New York: Academic Press, 1978. In: DEGASPARI, C. H.; LEITE, B. Z.; BALSINI, I. D. 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