O Avesso do Valor Presente O Avesso do Valor Presente * (Parte 1) Estamos todos acostumados a discutir ajuste a valor presente como sendo a necessidade de decompor uma operação a prazo em seus dois componentes: 1) a operação, normalmente comercial, propriamente dita (de compra e venda, por exemplo), e 2) o efeito dos juros embutidos na operação. com receita de venda o valor nominal da operação e o comprador também. Mas isso só é aceitável em função dos conceitos contábeis de materialidade e relevância. Não a partir do rigor técnico teórico. O que queremos aqui discutir é a mesma situação de uma operação a prazo, mas no sentido inverso: priAssim, a transação de uma mercadoria a prazo longo meiramente ocorre o pagamento e o recebimento (para que os efeitos sejam materiais, relevantes) gera e somente depois o bem ou serviço é efetivamente a necessidade desse ajuste. A vendedora registrará transferido. Ou seja, primeiro ocorre a transação como receita contábil de venda o valor presente da financeira para somente depois ocorrer a transferênoperação, como se fosse uma venda a vista na trans- cia do item negociado. ferência do bem ou do serviço; e apropriará o diferencial como receita financeira ao longo do tempo à É o clássico caso do adiantamento que um cliente base do juro composto. E o regime de competência efetua para o fornecedor. estará totalmente satisfeito: receita de venda na enTalvez alguns perguntem: “Mas isso é um problema? trega e receita financeira temporalmente distribuída. É lógico que, tendo em vista as necessidades fiscais, É tão fácil a solução: o comprador tem um ativo na a operação poderá (ou deverá, na verdade) ser regis- forma de um adiantamento a fornecedor e este cria trada mediante o uso de subcontas que não vamos um passivo representando o adiantamento de um cliente. Simples assim! Depois, na entrega do bem ou aqui detalhar. do serviço, o adiantamento em quem pagou vira um E a adquirente fará o mesmo, no sentido inverso: re- ativo ou uma despesa e o passivo em quem recebeu gistrará o ativo ou o serviço adquirido pelo seu valor vira uma receita! E continua tudo muito simples! justo a vista, e o diferencial será tratado como despeLedo engano! Esse é o tratamento aceitável (não o sa financeira ao longo do tempo. rigorosamente correto), mas apenas e na extensão E todos sabemos que o grande drama disso está que da mesma forma é aceitável o tratamento de requando a operação não traz, no seu contrato, expli- gistro de compra e venda a prazo sem o ajuste a valor citada a taxa de juros. Mas não é desse tão importan- presente quando o prazo é curto e os juros não são te assunto que estaremos aqui tratando. tão altos a ponto de fazer com que o ajuste a valor E todos também sabemos e costumamos praticar presente represente um número relevante. Ou seja, algo que de fato não considera que temporalmente registrar o valor pago como adiantamento no pahaja uma diferença entre a operação comercial e sua gador e como adiantamento no recebedor e depois liquidação financeira. Nas operações de curto prazo transformar esses montantes em ativo ou despesa no simplesmente ignoramos olimpicamente isso tudo, pagador e como receita no recebedor é tratamento não fazemos o ajuste a valor presente e tratamos aceitável exclusivamente para operações a curto pratudo pelo valor nominal: o vendedor contabiliza zo e se com efeitos não relevantes. * Elaborado pela Editoria (Texto original: Prof. Eliseu Martins). REVISTA 3a Edição, março/2015 23 O Avesso do Valor Presente O que vamos aqui mostrar é que a operação de pré-pagmento também tem que receber a aplicação da mesma filosofia do ajuste a valor presente, só que no sentido inverso! §§ 1.000 t por ano por $10/t; Tomando um exemplo sem diferença temporal como base §§ O custo de produção é também constante ao longo dos 10 anos, de $8/t. §§ Para simplificar, vamos abolir quaisquer despesas e considerar que o caixa da empresa fica produzindo receitas financeiras de 10% a.a.; A compradora recebe e vende no varejo o produto por Primeiro exemplo §§ $12/t; Sem pré-pagamento §§ Seu caixa também produz receitas financeiras de 10% a.a., e não há quaisquer outras despesas Vamos apenas para tomar como base de comparação, admitir um contrato de longo prazo mas em Para ambas, então: que não haja diferença temporal entre a entrega do bem negociado e a liquidação financeira. Ou seja, §§ ausência de outros componentes do resultado e de balanço (considera-se, inclusive, capital social irrisório e vendedora e compradora efetuam um contrato de será omitido); compra e venda de determinado produto por um prazo de dez anos, por exemplo, com entrega anual e §§ ausência de tributos; pagamento também anual. Tudo sem absolutamente §§ não distribuição de dividendos; complicação alguma e sem qualquer divórcio entre a operação que vamos denominar de comercial e a §§ vamos denominar de “Lucro Operacional”, apesar de isso tecnicamente não ser mais aceito pela nossa contaque vamos denominar de financeira. bilidade internacionalizada, apenas para definir o valor do resultado antes das receitas ou das despesas finanA vendedora produz e vende determinado produto ceiras. para uma única compradora atacadista, durante 10 anos: As demonstrações da Vendedora ficam: DRE VENDEDORA - SEM PRÉ-PAGAMENTO Receita Custo Lucro Oper. Receita Fin. Desp. Financ. L. Líquido 1 10.000 (8.000) 2.000 2.000 2 10.000 (8.000) 2.000 200 2.200 3 10.000 (8.000) 2.000 420 2.420 4 10.000 (8.000) 2.000 662 2.662 2.000 2.000 4.200 4.200 (8.000) 10.000 - (8.000) 10.000 200 (8.000) 10.000 420 (8.000) 10.000 662 5 10.000 (8.000) 2.000 928 2.928 6 10.000 (8.000) 2.000 1.221 3.221 7 10.000 (8.000) 2.000 1.543 3.543 8 10.000 (8.000) 2.000 1.897 3.897 9 10.000 (8.000) 2.000 2.287 4.287 10 10.000 (8.000) 2.000 2.716 4.716 22.872 22.872 27.159 27.159 31.875 31.875 Total 100.000 (80.000) 20.000 11.875 31.875 BP VENDEDORA - SEM PRÉ-PAGAMENTO Caixa Capital Lucro Acumulado 6.620 6.620 9.282 9.282 12.210 12.210 15.431 15.431 18.974 18.974 DFC VENDEDORA - SEM PRÉ-PAGAMENTO Pag. Custos Rec. Receita Rec. Rec. Fin. Saldo Inicial (8.000) 10.000 928 (8.000) 10.000 1.221 (8.000) 10.000 1.543 (8.000) 10.000 1.897 (8.000) 10.000 2.287 (8.000) 10.000 2.716 - 2.000 4.200 6.620 9.282 12.210 15.431 18.974 22.872 27.159 Saldo Final 2.000 4.200 6.620 9.282 12.210 15.431 18.974 22.872 27.159 31.875 Variação 2.000 2.200 2.420 2.662 2.928 3.221 3.543 3.897 4.287 4.716 REVISTA 3a Edição, março/2015 (80.000) 100.000 11.875 24 O Avesso do Valor Presente A receita de vendas é constante ao longo do tempo, bem como o são o custo e o lucro operacional. A receita financeira é crescente exponencialmente em função das aplicações financeiras realizadas com o caixa que sobra a cada período e, consequentemente, o lucro líquido é crescente. As demonstrações da Compradora ficam: DRE COMPRADORA - SEM PRE-PAGAMENTO Receita Custo Lucro Oper. Receita Fin. L. Líquido 1 12.000 (10.000) 2.000 2.000 2 12.000 (10.000) 2.000 200 2.200 3 12.000 (10.000) 2.000 420 2.420 4 12.000 (10.000) 2.000 662 2.662 5 12.000 (10.000) 2.000 928 2.928 6 12.000 (10.000) 2.000 1.221 3.221 2.000 2.000 4.200 4.200 6.620 6.620 (10.000) 12.000 - (10.000) 12.000 200 (10.000) 12.000 420 (10.000) 12.000 662 (10.000) 12.000 928 (10.000) 12.000 1.221 2.000 2.000 2.200 2.000 4.200 2.420 4.200 6.620 2.662 6.620 9.282 2.928 9.282 12.210 3.221 12.210 15.431 7 12.000 (10.000) 2.000 1.543 3.543 8 12.000 (10.000) 2.000 1.897 3.897 9 12.000 (10.000) 2.000 2.287 4.287 10 12.000 (10.000) 2.000 2.716 4.716 22.872 22.872 27.159 27.159 31.875 31.875 (10.000) 12.000 1.543 (10.000) 12.000 1.897 (10.000) 12.000 2.287 (10.000) 12.000 2.716 3.543 15.431 18.974 3.897 18.974 22.872 4.287 22.872 27.159 4.716 27.159 31.875 Total 120.000 (100.000) 20.000 11.875 31.875 BP COMPRADORA - SEM PRE-PAGAMENTO Caixa Capital Lucro Acumulado 9.282 9.282 12.210 12.210 15.431 15.431 18.974 18.974 DFC COMPRADORA - SEM PRE-PAGAMENTO Pag. Custos Rec. Receita Rec. Rec. Fin. Variação Saldo Inicial Saldo Final (100.000) 120.000 11.875 Como as margens são, em valores absolutos, exatamente iguais, os lucros se comportam também igualmente. Lucros líquidos são crescentes somente por causa das receitas financeiras. Apenas para visualização bem simples, vejam-se os gráficos com apenas a receita de vendas, do lucro bruto (lucro operacional, no caso) e do lucro líquido. Vendedora - Sem Pré-pagamento 10.000 8.000 Lucro Líquido Lucro Operacional Receita 6.000 4.000 2.000 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 Compradora - Sem Pré-pagamento 12.000 10.000 Lucro Líquido Lucro Operacional Receita 8.000 6.000 4.000 2.000 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 REVISTA 3a Edição, março/2015 10 25 O Avesso do Valor Presente Segundo exemplo Com pré-pagamento, sem atualização Vamos introduzir, agora, o Adiantamento, mas ainda sem aplicar o conceito que queremos discutir Mesmos dados anteriores, só que a Compradora faz: §§ pré-pagamento à Vendedora por conta de todos esses 10 anos; §§ ambas concordam com o ajuste a valor presente à base de 10% a.a. das parcelas pré-pagas; §§ a Compradora toma empréstimo para esse pré-pagamento, também a 10% a.a., pagando-o com o dinheiro da receita de venda; Calculando-se o valor presente do fluxo anual de $10.000 anuais, descontados a 10% a.a. tem-se: $61.446. Valor Presente Ano 1 9.091 Ano 2 8.264 Ano 3 7.513 Ano 4 6.830 Ano 5 6.209 Ano 6 5.645 Ano 7 5.132 Ano 8 4.665 Ano 9 4.241 Ano 10 3.855 Total 61.446 Esse é então o valor do empréstimo na Compradora e o valor do seu pré-pagamento à Vendedora. Só que ambas deliberam se esquecer de atualizar os saldos desse pré-pagamento, apesar de ter havido o desconto de 10% a.a. Tratam tudo como costumamos fazer nos adiantamentos comuns: o valor pago fica como pré-pagamento no ativo e vira ativo ou despesa no pagador e o valor recebido fica como adiantamento de cliente no passivo e vira receita na entrega do bem ou serviço. Mesmo quando sabidamente o valor do pré-pagamento não é igual ao montante que seria pago/recebido se apenas quando da entrega do item negociado. Ficam assim as demonstrações da Vendedora, erradas: Como o total do pré-pagamento foi de 61.446, e diz respeito a 10 toneladas, tanto a compradora quanto a vendedora atribuirão 6.144,60 como o preço de venda e de compra por tonelada em cada ano, tratando tudo nominalmente e sem considerar o efeito da enorme diferença entre a operação comercial e a operação financeira. DRE VENDEDORA - COM PRE-PAGAMENTO, SEM ATUALIZAÇÃO Receita Custo Lucro Oper. Receita Fin. L. Líquido 1 6.145 (8.000) (1.855) 6.145 4.289 2 6.145 (8.000) (1.855) 5.959 4.104 3 6.145 (8.000) (1.855) 5.755 3.899 4 6.145 (8.000) (1.855) 5.530 3.675 5 6.145 (8.000) (1.855) 5.283 3.428 6 6.145 (8.000) (1.855) 5.012 3.156 7 6.145 (8.000) (1.855) 4.713 2.858 REVISTA 3a Edição, março/2015 8 6.145 (8.000) (1.855) 4.384 2.529 9 6.145 (8.000) (1.855) 4.023 2.167 10 6.145 (8.000) (1.855) 3.625 1.770 Total 61.446 (80.000) (18.554) 50.429 31.875 26 O Avesso do Valor Presente Caixa Adiantamento (P) Capital Lucro Acumulado Inicial 61.446 61.446 - BP VENDEDORA - COM PRE-PAGAMENTO, SEM ATUALIZAÇÃO 1 2 3 4 5 6 7 8 59.590 57.549 55.304 52.835 50.118 47.130 43.843 40.227 55.301 49.157 43.012 36.867 30.723 24.578 18.434 12.289 4.289 8.393 12.292 15.967 19.395 22.552 25.409 27.938 9 36.250 6.145 30.105 10 31.875 0 31.875 Total DFC VENDEDORA - COM PRE-PAGAMENTO, SEM ATUALIZAÇÃO Pag. Custos Rec. Receita Rec. Rec. Fin. Rec. Adianta. 61.446 Variação Saldo Inicial Saldo Final 61.446 61.446 (8.000) 6.145 (8.000) 5.959 (8.000) 5.755 (8.000) 5.530 (8.000) 5.283 (8.000) 5.012 (8.000) 4.713 (8.000) 4.384 (8.000) 4.023 (8.000) 3.625 (1.855) 61.446 59.590 (2.041) 59.590 57.549 (2.245) 57.549 55.304 (2.470) 55.304 52.835 (2.717) 52.835 50.118 (2.988) 50.118 47.130 (3.287) 47.130 43.843 (3.616) 43.843 40.227 (3.977) 40.227 36.250 (4.375) 36.250 31.875 A receita financeira de $6.145 do primeiro ano reproduz o ganho de 10% no mercado financeiro com a aplicação do total do valor recebido de pré-pagamento de 61.446; como a vendedora gasta $8.000 do custo do produto vendido (supondo pagos ao final, para simplificar), o saldo de caixa diminui e a receita financeira do ano seguinte cai para $5.759 e assim sucessivamente. Já o adiantamento, registrado no passivo, vai sendo reduzido pelo reconhecimento da receita (80.000) 50.429 61.446 negativa. Isso é inaceitável. Não retrata as realidades econômica e financeira da operação. Mas a aplicação do dinheiro recebido como pré-pagamento produz grandes receitas financeiras. O lucro líquido passou a ficar decrescente! Isso em função do decréscimo das receitas financeiras, dado o decréscimo do caixa em função dos desembolsos para o custeio da produção. Mas o lucro líquido total nominal não muda. Lucro total de A Receita continua constante ao longo do tempo, $31.875 nos dois casos na vendedora. mas de apenas $6.145/ano, ao invés dos anteriores Vejamos, então, como ficam as demonstracões da $10.000. E nesse caso a margem operacional ficou Compradora: DRE COMPRADORA - COM PRE-PAGAMENTO, SEM ATUALIZAÇÃO Inicial 1 12.000 (6.145) 5.855 (6.145) (289) Receita Custo Lucro Oper. Receita Fin. Desp. Financ. L. Líquido 2 12.000 (6.145) 5.855 200 (5.759) 296 3 12.000 (6.145) 5.855 420 (5.335) 941 4 12.000 (6.145) 5.855 662 (4.868) 1.649 5 12.000 (6.145) 5.855 928 (4.355) 2.428 6 12.000 (6.145) 5.855 1.221 (3.791) 3.286 7 12.000 (6.145) 5.855 1.543 (3.170) 4.229 8 12.000 (6.145) 5.855 1.897 (2.487) 5.266 9 12.000 (6.145) 5.855 2.287 (1.736) 6.407 10 12.000 (6.145) 5.855 2.716 (909) 7.662 27.159 6.145 9.091 24.213 31.875 31.875 Total 120.000 (61.446) 58.554 11.875 (38.554) 31.875 BP COMPRADORA - COM PRE-PAGAMENTO, SEM ATUALIZAÇÃO Caixa Adiantamento (A) Empréstimo Capital Lucro Acumulado 61.446 61.446 - 2.000 55.301 57.590 (289) 4.200 49.157 53.349 7 6.620 43.012 48.684 948 9.282 36.867 43.553 2.597 12.210 30.723 37.908 5.025 15.431 24.578 31.699 8.311 18.974 18.434 24.869 12.540 22.872 12.289 17.355 17.806 DFC COMPRADORA - COM PRE-PAGAMENTO, SEM ATUALIZAÇÃO Pag. Custos Rec. Receita Rec. Rec. Fin. Rec / Pag. Emp. Pag. Adianta. Variação Saldo Inicial Saldo Final 61.446 (61.446) - 12.000 (10.000) 12.000 200 (10.000) 12.000 420 (10.000) 12.000 662 (10.000) 12.000 928 (10.000) 12.000 1.221 (10.000) 12.000 1.543 (10.000) 12.000 1.897 (10.000) 12.000 2.287 (10.000) 12.000 2.716 (10.000) 2.000 2.000 2.200 2.000 4.200 2.420 4.200 6.620 2.662 6.620 9.282 2.928 9.282 12.210 3.221 12.210 15.431 3.543 15.431 18.974 3.897 18.974 22.872 4.287 22.872 27.159 4.716 27.159 31.875 REVISTA 3a Edição, março/2015 120.000 11.875 (38.554) 61.446 27 O Avesso do Valor Presente A margem aumentou porque o custo diminuiu nominalmente, uma vez que está sendo reconhecido o valor da aquisição de 6.145, reconhecido na Vendedora como venda. A Compradora reconhece uma receita financeira referente ao saldo de caixa aplicado que sobra a cada final de período. As despesas financeiras são decrescentes, porque a compradora $10.000 do caixa da receita de venda para amortizar a dívida. O lucro líquido continua crescente, mas muito mais crescente do que antes. Mas os mesmíssimos lucros líquidos totais que antes são apurados, tanto na vendedora quanto na compradora: $31.875. Vejamos os gráficos: Vendedora - Com Pré-pagamento, sem Atualização 8.000 6.000 L. Líquido Lucro Oper. Receita 4.000 2.000 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 -2.000 Compradora - Com Pré-pagamento, sem Atualização 12.000 10.000 L. Líquido Lucro Oper. Receita 8.000 6.000 4.000 2.000 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 Lucro líquido fortemente crescente, como também comentado. Olha a esquisitice e a falta de racionalidade econômica: a vendedora está entregando um produto cujo valor de mercado, cujo valor justo, é $10.000/t, e contabilizando pelo valor de $6.145! Será válido, inclusive, para fins fiscais isso? É óbvio que o Fisco não vai gostar... A nota fiscal será por qual valor, afinal? Bem, vamos deixar o problema fiscal de lado. Verifica-se, nesse caso de pré-pagamento sem qualquer consideração para com a diferença temporal entre operação comercial e liquidação financeira, que são enormes os riscos de total desatendimento ao exigido pelas normas contábeis brasileiras e internacionais: atendimento à substância econômica para que se tenha relevância e representação fidedigna na apresentação das demonstrações contábeis (Pronunciamento Conceitual Básico do CPC - Estrutura Conceitual para Elaboração e Divulgação de Relatório ContábilFinanceiro, correspondente ao Correlação ao The Conceptual Framework for Financial Reporting.). E, mais especificamente, total desobediência à norma de Receita e às normas de Estoques e Ativo Imobilizado, apenas tomando como exemplos, já que todas elas mencionam a obrigação de considerar o efeito do tempo quando há distância temporal com efeitos significativos entre a operação comercial e sua liquidação financeira. Só que sempre nos lembramos disso quando a liquidação financeira é posterior à comercial, mas o problema e as consequências de sua não consideração também são as mesmas. Temos, no pré-pagamento, o avesso do ajuste a valor presente, mas ambos são exatamente a mesma coisa: REVISTA 3a Edição, março/2015 28 O Avesso do Valor Presente situações com diferença temporal entre bem ou ser- do desempenho ao longo do tempo, e não apeviço transacionado e liquidação financeira da ope- nas ao seu final. Por isso foi criado o Regime de Competência. ração. No exemplo visto, a vendedora apresenta fortíssima redução no lucro bruto operacional, (em comparação com o exemplo 1) transformando-se inclusive em valores negativos, “salvando-se” o lucro pela apropriação das receitas financeiras. E, na compradora, o exagerado crescimento do lucro líquido, em função da redução das despesas financeiras, mostra uma evolução de rentabilidade não verossímil. Terceiro exemplo Com pré-pagamento, com atualização Introduziremos, no Adiantamento, o conceito do Ajuste a Valor Presente Os contadores das empresas Em ambos os casos os problemas surgem por uma não deliberam agora, tendo em vista essa discussão, apliadequada obediência ao Regime de Competência. car o conceito do ajuste a valor presente. Ou melhor, Como se verá melhor à frente, na vendedora o valor o conceito de ajuste a valor presente foi introduzido da receita de venda se mede por valores recebidos e aplicado no ato de se fechar o negócio com o préquando do pré-pagamento, valores esses que mesmo -pagamento no início do negócio. Mas o conceito de ajuste a valor presente obriga à atualização dos à época não correspondiam ao seu valor justo. E na saldos de adiantamento ao longo do tempo. Essa é compradora o custo do produto vendido também a grande novidade. não correspondia, nem à época do pré-pagamento, ao seu valor justo, eis que calculado com base em Quando compramos algo a prazo, e aplicamos o valor justo futuro trazido a valor presente. Mas isso conceito do ajuste a valor presente, o ativo ou a desserá melhor detalhado à frente. pesa recebidos não sofrem qualquer alteração de valor por conta dos juros que irão sendo apropriaTalvez se pergunte: mas porque tanta discussão se o dos posteriormente pelo comprador. Esses juros se resultado líquido final é o mesmo? Pela mesma ratornarão despesas posteriormente quando reconhezão que levou à criação da Contabilidade: no final, cidos. E nem o vendedor atualiza sua receita quando quando a empresa acaba, tudo termina igual, e espeentrega o bem ou o serviço por conta das receitas de ramos que em caixa (e não em dívida impagável...), juros que irá contabilizar no futuro. E isso porque mas o importante é ir-se tendo a mensuração a transação comercial propriamente dita já foi feita, está encerrada. O ativo ou o serviço já foi adquirido e recebido, no comprador. E eles já terão sido recoMas porque nhecidos pelo seu valor justo no momento de seu ingresso na compradora. O que se tem depois é uma tanta discussão se o mudança no valor do passivo porque há um prazo e uma taxa de juros envolvidos. E no vendedor a reresultado líquido final é o ceita já terá sido contabilizada, porque já entregue mesmo? O importante é iro bem ou o serviço. A taxa de juros atualiza um recebível. se tendo a mensuração do desempenho ao longo do tempo, e não apenas ao seu final. Por isso foi criado o Regime de Competência. Só que, nessa operação inversa, o ativo não foi ainda recebido pela adquirente, ou a despesa não foi ainda por ela incorrida, apesar do pagamento. Logo, temos um ativo ou uma despesa em fase de formação, ainda não prontos, ainda “pré-operacionais” na compradora. Por outro lado, a vendedora ainda não entregou nada, logo, ainda não tem receita, tem apenas uma dívida, uma obrigação, representada pelo adiantamento recebido. REVISTA 3a Edição, março/2015 29 O Avesso do Valor Presente O adiantamento funciona na adquirente como uma espécie de empréstimo a ser recebido não em dinheiro, e sim em bem ou serviço. Mas não deixa de ter a característica de um valor emprestado para liquidação futura. E na vendedora o adiantamento funciona como uma alternativa a um empréstimo, aliás é até mais fácil perceber isso nessa vendedora. Com isso, a Receita na Vendedora volta a ser de $10.000/ano, com o mesmo sucedendo para o Custo do Produto Vendido na Compradora; afinal, fizera-se, no cálculo do valor presente no pré-pagamento: Valor Presente Assim, a vendedora precisa fazer o seguinte: atualizar sua conta de adiantamento de cliente no passivo pela taxa de juros que trouxe esse adiantamento a seu valor presente, tendo como contrapartida uma despesa financeira. E dessa conta de adiantamento irá transferindo para receita, em cada entrega do produto contratado, o valor justo dessa operação, dessa receita. E não irá reconhecer como receita aquele valor sem sentido de 6.145 recebido há 5 ou há dez ou mesmo há 1 ano atrás e que não representa o efetivo valor justo da receita no ato da entrega do bem ou serviço. E a compradora irá atualizar sua conta de adiantamento a fornecedores também pela taxa adequada, tendo como contrapartida uma conta de receita financeira. E dessa conta de adiantamento que vai sendo atualizada irá transferindo para estoque ou despesa o valor justo desse ativo ou despesa quando o recebe, no caso 10.000 por tonelada. (E a nota fiscal será pelo efetivo valor de mercado, pelo efetivo valor justo da operação!) Inicial Receita Custo Lucro Oper. Receita Fin. Desp. Financ. L. Líquido Ano 1 9.091 Ano 2 8.264 Ano 3 7.513 Ano 4 6.830 Ano 5 6.209 Ano 6 5.645 Ano 7 5.132 Ano 8 4.665 Ano 9 4.241 Ano 10 3.855 Total 61.446 No primeiro ano, o valor de $9.091 é atualizado por 10%; no segundo, o valor de $8.264 é atualizado por 10% por 2 anos, e assim todos voltarão a ser $10.000 em cada ano, correspondendo, no exemplo, ao valor de mercado de cada um desses anos. Passam a ficar as demonstrações financeiras da Vendendora: DRE VENDEDORA - COM PRE-PAGAMENTO, COM ATUALIZAÇÃO 1 2 3 4 5 6 7 8 10.000 (8.000) 2.000 6.145 (6.145) 2.000 10.000 (8.000) 2.000 5.959 (5.759) 2.200 10.000 (8.000) 2.000 5.755 (5.335) 2.420 10.000 (8.000) 2.000 5.530 (4.868) 2.662 10.000 (8.000) 2.000 5.283 (4.355) 2.928 10.000 (8.000) 2.000 5.012 (3.791) 3.221 10.000 (8.000) 2.000 4.713 (3.170) 3.543 10.000 (8.000) 2.000 4.384 (2.487) 3.897 9 10 Total 10.000 (8.000) 2.000 4.023 (1.736) 4.287 10.000 (8.000) 2.000 3.625 (909) 4.716 100.000 (80.000) 20.000 50.429 (38.554) 31.875 36.250 9.091 27.159 31.875 (0) 31.875 BP VENDEDORA - COM PRE-PAGAMENTO, COM ATUALIZAÇÃO Caixa Adiantamento Capital Lucro Acumulado 61.446 61.446 - 59.590 57.590 2.000 57.549 53.349 4.200 55.304 48.684 6.620 52.835 43.553 9.282 50.118 37.908 12.210 47.130 31.699 15.431 REVISTA 3a Edição, março/2015 43.843 24.869 18.974 40.227 17.355 22.872 30 O Avesso do Valor Presente DFC VENDEDORA - COM PRE-PAGAMENTO, COM ATUALIZAÇÃO Pag. Custos Rec. Receita Rec. Rec. Fin. Rec. Adianta. 61.446 Saldo Inicial Saldo Final Variação 61.446 61.446 (8.000) 6.145 (8.000) 5.959 (8.000) 5.755 (8.000) 5.530 (8.000) 5.283 (8.000) 5.012 (8.000) 4.713 (8.000) 4.384 (8.000) 4.023 (8.000) 3.625 61.446 59.590 (1.855) 59.590 57.549 (2.041) 57.549 55.304 (2.245) 55.304 52.835 (2.470) 52.835 50.118 (2.717) 50.118 47.130 (2.988) 47.130 43.843 (3.287) 43.843 40.227 (3.616) 40.227 36.250 (3.977) 36.250 31.875 (4.375) 9 12.000 (10.000) 2.000 2.287 1.736 (1.736) 4.287 10 12.000 (10.000) 2.000 2.716 909 (909) 4.716 27.159 9.091 9.091 27.159 31.875 31.875 (80.000) 50.429 61.446 E, agora, as demonstrações financeiras da Compradora: DRE COMPRADORA - COM PRE-PAGAMENTO, COM ATUALIZAÇÃO Receita Custo Lucro Oper. Rec. Fin. Caixa Rec. Fin. Adianta. Desp. Fin. Emp. L. Líquido Inicial Caixa Adiantamento Emprestimo Capital Lucro Acumulado 61.446 61.446 - 1 12.000 (10.000) 2.000 6.145 (6.145) 2.000 2 12.000 (10.000) 2.000 200 5.759 (5.759) 2.200 3 12.000 (10.000) 2.000 420 5.335 (5.335) 2.420 4 12.000 (10.000) 2.000 662 4.868 (4.868) 2.662 5 12.000 (10.000) 2.000 928 4.355 (4.355) 2.928 6 12.000 (10.000) 2.000 1.221 3.791 (3.791) 3.221 7 12.000 (10.000) 2.000 1.543 3.170 (3.170) 3.543 8 12.000 (10.000) 2.000 1.897 2.487 (2.487) 3.897 Total 120.000 (100.000) 20.000 11.875 38.554 (38.554) 31.875 DRE COMPRADORA - COM PRE-PAGAMENTO, COM ATUALIZAÇÃO 2.000 57.590 57.590 2.000 4.200 53.349 53.349 4.200 6.620 48.684 48.684 6.620 9.282 43.553 43.553 9.282 12.210 37.908 37.908 12.210 15.431 31.699 31.699 15.431 18.974 24.869 24.869 18.974 22.872 17.355 17.355 22.872 DRE COMPRADORA - COM PRE-PAGAMENTO, COM ATUALIZAÇÃO Pag. Custos Rec. Receita Rec. Rec. Fin. Cx. Rec./Pag. Emp. Pag. Adianta. (61.446) Saldo Inicial Saldo Final Variação - 12.000 (10.000) 12.000 200 (10.000) 12.000 420 (10.000) 12.000 662 (10.000) 12.000 928 (10.000) 12.000 1.221 (10.000) 12.000 1.543 (10.000) 12.000 1.897 (10.000) 12.000 2.287 (10.000) 12.000 2.716 (10.000) 2.000 2.000 2.000 4.200 2.200 4.200 6.620 2.420 6.620 9.282 2.662 9.282 12.210 2.928 12.210 15.431 3.221 15.431 18.974 3.543 18.974 22.872 3.897 22.872 27.159 4.287 27.159 31.875 4.716 120.000 11.875 (100.000) (61.446) Voltam ambas as empresas a apresentar os mesmos lucros líquidos que no primeiro exemplo, quando não havia pré-pagamento!!! Novamente, os mesmos gráficos: Vendedora - Com Pré-pagamento, Com Atualização 10.000 8.000 Lucro Líquido Lucro Operacional Receita 6.000 4.000 2.000 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 REVISTA 3a Edição, março/2015 10 31 O Avesso do Valor Presente Compradora - Com Pré-pagamento, Com Atualização 12.000 10.000 Lucro Líquido Lucro Operacional Receita 8.000 6.000 4.000 2.000 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 Comparação entre as alternativas apresentadas Coloquem-se os gráficos da Vendedora Sem Pré-Pagamento lado a lado com o da Vendedora, Com PréPagamento e Com Atualização para uma comparação rápida, lembrando que os lucros líquidos destas duas alternativas são iguais: 12.000 Vendedora - Sem Pré-pagamento 12.000 10.000 10.000 8.000 8.000 6.000 6.000 4.000 4.000 2.000 2.000 0 1 2 3 4 5 6 Lucro Líquido 7 8 9 0 10 Vendedora - Com Pré-pagamento, Com Atualização 1 Lucro Operacional 2 3 4 5 6 7 8 9 10 Receita Veja-se como se comportam igualmente. Ou seja, a Atualização tornou os componentes do resultado iguais sem e com pré-pagamento. Porém, vejam-se as diferenças na colocação dos gráficos da Vendedora dos exemplos sem pré-pagamento e com pré-pagamento mas sem a atualização dos valores: REVISTA 3a Edição, março/2015 32 O Avesso do Valor Presente Vendedora - Com Pré-pagamento, Sem Atualização Vendedora - Sem Pré-pagamento 12.000 12.000 10.000 10.000 8.000 8.000 6.000 6.000 4.000 4.000 2.000 2.000 0 0 -2.000 1 2 3 4 5 6 7 Lucro Líquido 8 9 -2000 10 1 2 Lucro Operacional 3 4 5 6 7 8 9 10 Receita É óbvio que há algo de muito errado na alternativa de não atualização na VENDEDORA, ou há que se encontrar explicação muito lógica que justifique essa não atualização. Vejam-se a seguir, para a Compradora, o deslocamento da curva de Receita, os Lucros Operacionais Brutos (negativo no sem atualização) e as evoluções do Lucro Líquido! Compradora - Sem Pré-pagamento Compradora - Com Pré-pagamento, Sem Atualização 14.000 14.000 12.000 12.000 10.000 10.000 8.000 8.000 6.000 6.000 4.000 4.000 2.000 2.000 0 0 -2.000 1 2 3 4 5 Lucro Líquido 6 7 8 9 -2.000 10 1 Lucro Operacional Vejam-se o deslocamento do Lucro Bruto Operacional (dada a subavaliação do custo do produto vendido na versão sem atualização) e as diferenças de comportamento do Lucro Líquido. (Note-se que no Balanço Patrimonial, nessas simulações, o Caixa final no décimo ano corresponde exatamente ao valor do lucro acumulado nesse período: $31.875.). 2 3 4 5 6 7 8 9 10 Receita Nesta primeira parte do artigo analisamos as demonstrações contábeis da Vendedora e da Compradora, evidenciando os problemas da não aplicação do conceito de valor presente sobre adiantamentos. Na segunda parte, na próxima edição, iremos abordar aspectos conceituais e normativas de maneira mais detalhada sobre o impacto dos efeitos aqui apresentados. REVISTA 3a Edição, março/2015 33 O Avesso do Valor Presente REVISTA 3a Edição, março/2015 34