ADRIANO VASCO RODRIGUES / MARIA DA ASSUNÇÃO CARQUEJA abriu a vila à circulação de produtos e de saberes. Moncorvo beneficiou da primeira mundialização ou globalização, na sequência dos descobrimentos marítimos. Situada no bispado de Braga acompanhou esta cidade episcopal nas suas relações com Santiago. Foi também constante o intercâmbio com Zamora, Salamanca e Valladolid. Recebeu produtos do Norte da Europa e especiarias do Oriente. Aqui funcionou a sede de um importante rabinato. A comunidade judaica manteve grande actividade mercantil, artesanal e intelectual. Judeus, depois cristãos-novos, estudaram na Universidade de Coimbra, na de Salamanca e na de Valladolid. Mais tarde, depois da conversão forçada, alguns cristãos-novos de Moncorvo saíram do país integrados nos Tércios espanhóis, passando para outros países, onde se distinguiram principalmente no campo mercantil e intelectual. Na Idade Média e alvores da Moderna, Moncorvo enviava para o Porto, em barcos rabelos, pipas de sumagre, amêndoa, peles de cabra e canhamo para serem exportados para as Flandres. De inicio eram recebidos na feitoria portuguesa de Brujes e, depois de 1488, na de Antuérpia. O tráfego do sumagre, utilizado pelos peleiros, andou em mãos de judeus e de cristãos-novos. O sumagre é um arbusto espontâneo nesta religião e abundante nas encostas, inclusive do Além Douro, em Vila Nova de Fôscoa. Pertence à família das assacardiáceas, sendo usado no curtume de peles e medicina. Reduziam a planta a pó, que metiam em pipas ou sacas. Depois, as mercadorias, de barco, desciam o curso do Douro e eram enviadas para o Mar do Norte, pelos portos da cidade do Porto, de Vila do Conde e Viana do Castelo. Encontrei, no Arquivo Histórico de Antuérpia, largas referências a estes produtos e também às laranjas do Douro. Da Flandres vinham lençóis e lenços (o nome provém do linho fino), bacias de barbeiro, livros religiosos, arte sacra, cofres, panejamentos litúrgicos, etc. Expõe-se na Igreja Matriz um tríptico de Arte Flamenga, em talha de madeira de carvalho daquela região, peça policroma, de inestimável valor, saída das oficinas de Antuérpia. Estudei-a em 1990 e dela dei notícia na Revista de História da Universidade Portucalense. As Flandres são a região da Europa onde a arte dos retábulos atingiu o mais alto expoente. A reforma e as guerras de religião foram um duro golpe nesta produção artística ao longo dos séculos XVI e XVII. Os iconoclastas destruíram um elevado número, o que fez de Portugal e da Espanha uma reserva, de que se distingue o tríptico de Torre de Moncorvo. Considero-o dos finais do século XV, por volta de 1490. É consagrado à parentela de Santa Ana. Além da beleza artística, o retábulo baseia-se num Evangelho apócrifo. Compõe-se de uma caixa de madeira, que se abre em três painéis, mostrando figuras em relevo, decoradas a ouro. Mede 1,24m de comprimento, por 96cm de largura, ou altura, e 18,5cm de espessura. Com base na leitura do Proto-evangelho de S. Tiago comprovamos que o artista seguiu à letra aquele apócrifo relatando a vida de Santa Ana, desde que o pai a apresentou ao Grande Rabino do Templo de Jerusalém, pedindo conselho para a casar. Dos passos que 64