COMPORTAMENTO VIOLENTO E SAÚDE PÚBLICA: A CONVIVÊNCIA SOCIAL RASGADA. 1; 1 2 Vera Lúcia Ignácio Molina Quésia Postigo Kamimura Faculdade de Ciências da Saúde. Curso de Serviço Social/UNIVAP. Faculdade de Odontologia de São José dos Campos/UNESP. 1 2 [email protected]; [email protected] 2 Departamento de Ciências Econômicas, Administração e Secretariado Executivo/UNITAU. Faculdade de Saúde Pública/USP RESUMO: O comportamento violento fragiliza as relações sociais, expande o sofrimento emocional e social como parte do viver. Esta pesquisa documental utiliza as narrações sobre a violência publicadas pela imprensa local para delinear o perfil social do agressor e do vitimado e os comportamentos violentos manifestos pelos agressores. O agressor pertence ao gênero masculino, nas faixas etárias de 17 a 39 anos e de 51 a 62 anos. Os comportamentos violentos se manifestam por meio de homicídios, assaltos, seqüestros, pedofilia, tráfico e uso de drogas. Os vitimados adultos pertencem ao gênero masculino e às classes médias, nas faixas etárias de 24 a 42 anos e de 50 a 71. Pelas fontes oficiais, em Jacareí foram registradas 1.337 ocorrências na Delegacia da Mulher e em São José dos Campos, 250. Pela imprensa local, seis mulheres entre 41 e 50 anos foram violentadas por três homens. As crianças molestadas com 5 e 8 anos, sem definição do gênero sofreram; com relação aos adolescestes, seis são estudantes do gênero feminino sem idade declarada e 13 se encontram na faixa etária de 13 a 17 anos sem o gênero declarado. Diante da expansão do comportamento violento na região do Vale do Paraíba e Litoral Norte, atravessando os segmentos sociais, esgarçando a convivência social, minando a credibilidade nos homens de decisão, a questão se configura como pública, uma vez que sua superação ultrapassa decisões políticas centralizadas e deve contar com os organismos da sociedade civil. As melhores alternativas parecem ser os projetos sociais desenvolvidos junto às crianças e adolescentes, disponibilizando atividades e discussões sobre comportamento não violento, levando a aquisição do conhecimento que lhes permitam o poder de escolha. Palavras-chave: Saúde Pública, Comportamento Violento, Relações Sociais Área de conhecimento: Ciências Sociais Aplicadas Introdução O comportamento violento faz parte do tecido social, é historicamente determinado e se aprende pela socialização. Em qualquer tempo e espaço a violência fragiliza as relações sociais, expande o sofrimento emocional e social como parte do viver. Não se tem, ainda, uma explicação elaborada sobre a violência. O aumento dos custos na obtenção de uma segurança pública duvidosa, o aumento dos gastos particulares com segurança particular e a expansão de uma indústria do medo que prometem melhorar a segurança pessoal do cidadão, ainda não alcançaram os resultados esperados. A violência se expande. Pessoas violentadas não têm clareza de que passaram por episódios violentos, pois muitas das vezes a agressão não é física, se dá por olhares, gestos, palavras. Em geral os agredidos e os agressores passaram boa parte de suas vidas convivendo com a situação violenta, habituando-se a ela. Este estudo utiliza as narrações sobre a violência publicadas pela imprensa local para delinear o perfil social do agressor e do vitimado e os comportamentos violentos manifestos pelos agressores que rasgam as possibilidades de convivência social, tornando uma questão de saúde pública. Revisão de Literatura É relativamente novo o enfoque teórico-metodológico preconizado pela Sociologia Clínica e segundo seus pesquisadores as estratégias utilizadas “parecem oferecer respostas mais plausíveis ou, ao menos, mais condizentes com os anseios dos que querem encontrar saídas, enxergando com mais clareza o fenômeno” do comportamento violento. (ROCHA, 2008, p. 25). Este grupo reconhecido como Comitê de Pesquisa em Sociologia Clínica, não trata de uma corrente sociológica, mas de uma maneira peculiar de abordar o comportamento violento, articulando as dimensões sociais e individuais, os aspectos objetivos e os subjetivos. Leva-se XIII Encontro Latino Americano de Iniciação Científica e IX Encontro Latino Americano de Pós-Graduação – Universidade do Vale do Paraíba. 1 em conta que os atores sociais, enquanto sujeitos, oferecem sentidos às suas ações, à sua vida e à história da qual são os protagonistas e compreender suas ações é apreender este sentido e o significado. O sujeito é determinado tanto no nível social, cultural, econômico, ideológico, mas também no nível psíquico e se parte do pressuposto de que só se compreende o universo de significações sociais da violência se o vivido é apreendido. Vasconcelos (1999) afirma, “há, em toda pessoa pulsões genuínas – desejos, meios incontroláveis, quase sempre inconscientes – de vida e de morte”. Os desejos de morte se expressam nos atos de destruição e agressão; a pulsão de vida, nos atos de preservação e conservação. Como resultante do potencial de agressividade, a sociedade sofre a desintegração gerada pelas pulsões de morte e se organiza para restringir os movimentos pulsonais, minimizando os conflitos e desavenças no convívio social por meio de normas legais. Os cidadãos trocam porções de liberdade por porções de segurança, e assim, são levados a ajustarem suas ações sociais às regras estabelecidas. Este pacto entre cidadãos e sociedade se encontra atualmente alterado, visto que as instituições políticas e sociais passam por crises de legitimidade, destruindo os referenciais e os interditos, pressupostos da vida em comum. Os indivíduos se constituem em sujeitos sociais pelas “identificações sucessivas e que compete às instituições específicas a garantia de suportes de identificação aos indivíduos” e o processo da violência não permite. Assim, a violência se torna responsável pela crise de identidade pessoal, uma vez que o cidadão tem dificuldade de se visualizar inteiramente como pessoa e tomar consciência de si mesmo. Embora seja necessário, o cidadão não se autoidentifica. (Costa, 2002; Simmel, 2005). A violência e o medo são processos presentes nas relações sociais em toda e qualquer sociedade humana. Giddens (2002, p. 88) afirma, que “as relações pessoais, quaisquer que sejam a duração que tenham, geram tanto tensão, quanto recompensas”. Simmel (2005) apresenta o conflito como fundamento da ação social fazendo parte do mundo social. Torna-se regra, pela vulnerabilidade da exposição do cidadão ao social e, principalmente, pela fragmentação do tecido social que os expõe. As relações cidadãs são fragilizadas e se expande o sofrimento emocional e social como parte do viver. A cultura do medo separa as pessoas, as isolam e as fazem temer tudo e todos, ampliando a distância entre classes, a exclusão, a banalização dos miseráveis e demanda um estranhamento geral. Atos como roubos e furtos, espancamentos, tráfico, a prática do estupro, o seqüestro e a morte, são comuns, entre os jovens de todos os segmentos sociais. . (Abromovay, 2002). Ao perderem a oportunidade de se constituírem como sujeitos sociais, os comportamentos violentos se expandem e seus custos e conseqüências são estimados, pelo IPEA (2002), em 92,2 milhões com gastos ou investimento públicos e privados, internações, pensões, perdas materiais, aplicação em segurança, despesas com a prestação de carros O XVI Boletim “Políticas Sociais, Acompanhamento e Análise”, publicado pelo IPEA/2008, indica que entre 1996 e 2007 foi registrado um aumento de 32,46%, passando de 26,4 mil mortes para 35,06. No Nordeste, em 2007, foi registrado 11,85 mil óbitos contra 6,01 em 1996. No Sudeste ocorreu uma redução de 14,17 mil/ 1996 para 13,74 mil mortes/2008. Estes dados indicam a expansão acelerada da violência e a torna uma questão de saúde pública à medida que aumenta o risco dos violentados, prejudicando suas possibilidades de saúde, qualidade de vida e bem estar, rasga as oportunidades de convivência social, e organiza uma cultura da violência. Metodologia Trata-se de uma pesquisa documental. As reportagens publicadas, no primeiro caderno do Jornal Valeparaibano, na seção Política, durante o segundo semestre de 2008, são os documentos analisados. Resultados e Discussão Com o crescimento da violência na Região do Vale do Paraíba Paulista e Litoral Norte Paulista algumas ofensivas foram propostas. A Pastoral do Menor da Diocese e o Conselho Tutelar/SJC mapeiam os pontos da exploração sexual, identificando três casas nas regiões centrais e norte, “como possíveis locais de agenciamento e quatro casos suspeitos de prostituição envolvendo menores” (Jornal Valeparaibano, 2008). O Conselho Tutelar/SJC registrou 20 casos de crianças e adolescentes envolvidos com a prostituição infantil, e recebem apoio do Programa Aquarela. Durante o seminário XIII Encontro Latino Americano de Iniciação Científica e IX Encontro Latino Americano de Pós-Graduação – Universidade do Vale do Paraíba. 2 “Refazendo Laços no cuidado Essencial da Criança e Adolescente/2008”, foi divulgado o balanço oficial, com um aumento de 53% de violência doméstica contra crianças e adolescentes, alcançando 130 casos de maus-tratos por mês. Em duas blitz realizadas, durante o ano de 2008, a Promotoria da Vara da Infância e Juventude/SJC identificaram uma casa de prostituição na Região Sul e três adolescentes envolvidos com uso de drogas e prostituição, foram recolhidos e receberam acompanhamento social e 1.º trimestre 06 08 33% 2007 2008 Variação psicológico. A Coordenadora da Comissão de Enfrentamento à Violência InfantoJuvenil/SJC apresentou os seguintes dados: 507 atendimentos, 244 casos de violência física e 192 de abuso sexual em 2007. A Polícia Rodoviária Federal identificou em 2007 e 2008, 12 pontos vulneráveis à ocorrência de casos de violência sexual contra crianças e adolescentes ao longo do trecho da Rodovia Presidente Dutra. O Jornal Valeparaibano (2008) apresentou o seguinte mapeamento: 2.º trimestre 05 08 60% 3.º trimestre 03 14 366% 4.º trimestre 13 A levantar A levantar Quadro 1 – Homicídios dolosos em Caraguatatuba/SP A Secretaria de Segurança Pública/SP divulgou um balanço sobre os casos de Ano 2007 2008 Variação Latrocínio (ocorrências) Latrocínio (n.º vítimas) 19 26 36,84% 21 26 23,80% Homicídio doloso (ocorrências) 268 271 1,11% violência no Vale do Paraíba, publicado no Jornal Valeparaibano (2009): Homicídio doloso (n.º vítimas) 276 283 2,53% Tráfico de drogas 1.731 1.807 4,39% Roubo de veículos 1.528 1.686 10,34% Furto de veículos 3.694 4080 10,44% Roubo 9.075 8.718 -3,93% Quadro 2 – Balanço dos casos de violência no Vale do Paraíba/2009 A Frente Parlamentar em Defesa do Vale do Paraíba organiza um Plano de Combate à Violência do Litoral Norte/2008. No encontro foram discutidos: Redução da verba destinada à Segurança no Orçamento do Estado para 2009, de 8,15% para 7,95%; aumento do efetivo de policiais, já que há um déficit de 18% de policiais; concurso regionalizado de policiais; adequação dos distritos policiais; normas para o funcionamento de bares; ordenamento urbano; iluminação pública e pavimentação; disque-denúncia (190), sua regionalização e a extensão da Operação Verão. Entre os Projetos Sociais voltados ao combate da violência se encontram: o Projeto Girassol: atendeu 22 jovens encaminhados pelo Conselho Tutelar e que foram atendidos por uma equipe multidisciplinar e 93 casos de exploração sexual de crianças e adolescentes se encontram abrigados, como medida de proteção, e o Projeto Travessia: combate a violência “por meio da literatura”, promovendo “debates sobre temas do dia a dia dos adolescentes mergulhados em situações de violência, possibilitando” uma leitura crítica sobre a “própria realidade”. (Jornal Valeparaibano, 2008). A imprensa nem sempre publica informações completas, dificultando o delineamento do perfil sócio-econômico do vitimado e do agressor. As vítimas são adultas do gênero masculino, na faixa etária de 24 a 67 anos e de diferentes categorias ocupacionais; 28 são do gênero masculino e cinco do feminino, sem ocupação declarada, na faixa de 18 a 71 anos. Dos 20 adolescentes, 13 não têm gênero declarado e se encontram na faixa etária de 13 a 17 anos. Sete são estudantes, seis do gênero feminino sem idade declarada e um do masculino com 14 anos. Com relação às três crianças, elas se encontram na faixa de três a cinco anos sem a condição de gênero declarada. (Ver quadro 2). Os agressores são, em geral, do gênero masculino, adolescentes, jovens e adultos e seus comportamentos violentos são: homicídios, assassinatos, seqüestros e violências contra mulheres e crianças. A imprensa não divulgou a ocupação, pelo menos no período analisado. (Ver quadro 3). Segundo a Secretaria de Segurança Pública/SP, a violência do Litoral Norte Paulista vem aumentando. Caraguatatuba é o município onde a expansão é maior. De Jan/Set/2008 foram 51 assassinatos, 30 em Caraguatatuba; 10 em São Sebastião 07 em Ubatuba; 04 em Ilhabela. Os resultados da análise não permitiram alcançar os motivos que justificariam os comportamentos violentos se concentrarem no gênero masculino. (Simmel, 2202; Rocha, 2008). XIII Encontro Latino Americano de Iniciação Científica e IX Encontro Latino Americano de Pós-Graduação – Universidade do Vale do Paraíba. 3 Ocupação Policial Investigador Estudante Comerciante Militar Mecânico Jornaleiro Empresário Professor Taxistas Não declarada Gênero Feminino Masculino 01 01 01 06 02 02 01 01 02 01 07 05 28 35 35 14 Não declarada 59 24 e 39 39 50 67 e 48 42 34 a 71 18 a 62 Não declarada Não declarada 5e8 13 e 17 Crianças = 03 Adolescentes =13 Idade Agressão sofrida Assassinato Homicídio Homicídio, agressão na escola, estupro e espancamento Atropelamento, execução Baleado por falha no procedimento; execução Homicídio Homicídio Extorsão; seqüestro Homicídio Homicídio Seqüestro, espancamento, homicídio, execução, atropelamento, perseguição policial Molestadas Ataque ao pudor, estupro Quadro 3 – Perfil do vitimado e agressão sofrida Indicação do comportamento violento Porte ilegal de arma Tráfico e uso de drogas Gênero 03 do gênero masculino 21 do gênero masculino Estupro e/ou Pedofilia 06 do gênero feminino 11 do gênero masculino Exploração sexual Homicídios, roubo e assalto Sem gênero declarado 11 do gênero masculino Assaltos ao comércio e à rede bancária 03 do gênero feminino 08 do gênero masculino Roubo a veículos, lotérica, comércio, extorsão, comércio, residência e cargas de caminhão: Roubos de carga Seqüestros (02) Violência contra Mulheres: a) Imprensa: 01 mulher violentada e 04 violentadas e assassinadas b) Delegacia da Mulher: Jacareí foram 1.337 ocorrências e em São José dos Campos, 250. 01 do gênero feminino 35 do gênero masculino 09 do gênero masculino 06 do gênero feminino 36 do gênero masculino 04 do gênero masculino Faixa Etária 20 a 23 anos 03 entre 16 -17 anos; 13 entre 18 -30 anos 05 sem idade revelada; 04 sem idade revelada. 02 entre17 - 26 anos 02 entre 16 -17 anos, 04 entre 20 - 39 anos; 02 um com 51 o outro com 64 anos, 01 sem idade declarada. Menores de idade 07 entre 19 e 26 anos, 02 com 41 e 58 anos, 02 sem idade definida. 19 e 27 anos 04 entre 19 e 24 anos, 02 adolescentes sem idade declarada. 28 anos Sem idade declarada Entre 17 e 28 anos e entre 31 e 36 anos 05 sem idade definida; 01 com 24 anos Sem idade declarada Sem idade declarada a) 03 do gênero masculino 03 entre 41 e 50 anos b) marido ou companheiro b) sem idade declarada Quadro 3 - Comportamento violento e perfil do agressor na Região do Vale do Paraíba Conclusão O processo de violência se encontra em expansão acelerada e se configura como uma questão de saúde pública à medida que aumenta o risco dos agredidos ou violentados, rasgam as relações sociais prejudicam as condições de saúde, a qualidade de vida, o bem estar e expande o medo por entre os cidadãos. Não faltam políticas sociais voltadas para a contenção do processo violento, mas os altos índices de criminalidade, os graves problemas que permanecem gerando insegurança na população, a impunidade, as dificuldades de acesso à Justiça, a morosidade dos serviços jurisdicionais e violações dos direitos humanos, emperram o processo. As melhores alternativas são os projetos sociais desenvolvidos junto às crianças e adolescentes e a aquisição do conhecimento que lhes permitam poder de escolha. Referências Bibliográficas ABROVANAY, M. Violência nas escolas. Brasília: UNESCO – Ministério da Justiça, 2002. COSTA, A F. Identidades culturais urbanas em época de globalização. Ver. Brás. Cien. Sociais. V17 (48). São Paulo, fev, 2002. GIDDENS, A. Modernidade e Identidade. Rio de Janeiro: Zahar, 2002. ROCHA, Z. A experiência psicanalítica: seus desafios e vicissitudes, hoje e amanhã. Ágora. Rio de Janeiro, jun 2008. V 11(1), p. 101-116. SIMMEL, G. As grandes cidades e a vida do espírito. Mana. 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