Autorrealização: como os discursos de Veja e IstoÉ orientam o comportamento contemporâneo através do individualismo1 Alexandre Rossato AUGUSTI2 Universidade Federal do Pampa, São Borja, RS RESUMO Analisando-se reportagens de capa da revista Veja em trabalho anterior, foram mapeados os valores dos quais a revista se apropria para nortear o comportamento contemporâneo. Medida a frequência com que aparecem em Veja, indicam-se saúde, beleza, prazer e inteligência como os valores que formam o eixo dominante a partir do qual funciona o discurso da revista em relação aos valores que direcionam o comportamento contemporâneo.3 Nas reportagens analisadas, saúde está presente em 77,27% do corpus, enquanto inteligência aparece em 54,54%. Realizo um pequeno recorte, no presente trabalho, para demonstrar como Veja apresenta estes dois valores de autorrealização e traço um paralelo com IstoÉ, apontando como funciona o discurso da última na reportagem selecionada, capa do exemplar de 28 de agosto de 2013. PALAVRAS-CHAVE: jornalismo; revista; comportamento; valores; autorrealização Em pesquisa posterior4, desenvolvida em 2008, demonstrou-se que o valor mais frequente no corpus analisado de Veja – a saber, saúde – é apresentado de modo muito similar em relação às semanais de informação Época e IstoÉ. No presente trabalho, propõe-se uma nova avaliação sobre a continuidade dessa abordagem, verificando-se uma reportagem de capa de IstoÉ, que destaca sobretudo os dois valores de autorrealização mais defendidos pelo discurso de Veja, ou seja: saúde e inteligência. A metodologia utilizada é a Analise do Discurso de linha francesa, a partir da qual são adaptadas algumas ferramentas para viabilizar esta análise. Os principais referenciais teóricos têm por base autores como Zigmunt Bauman, Anthony Giddens e Gilles Lipovetsky, cujos apontamentos teóricos direcionam para a constatação de que o 1 Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho Estudos em Jornalismo do V SIPECOM - Seminário Internacional de Pesquisa em Comunicação. 2 Jornalista formado pela Faculdade de Comunicação Social da UFSM; mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Informação da UFRGS; doutor pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da PUCRS; e professor adjunto do Curso de Comunicação Social, habilitação em Jornalismo, da UNIPAMPA; e-mail: [email protected] 3 Tal pesquisa resultou em minha dissertação de mestrado, intitulada Jornalismo e comportamento: os valores presentes no discurso da revista Veja (2005), e desenvolvida através do PPGCOM da UFRGS. 4 Apresentada no artigo intitulado Os valores presentes no discurso jornalístico sobre comportamento das revistas Veja, Época e IstoÉ, publicado nos anais do VI Congresso SOPCOM, realizado em Lisboa (2009). 1 indivíduo contemporâneo é acentuadamente orientado para o individualismo, através da afirmação de determinados valores, como saúde e inteligência, pertencentes ao tipo motivacional5 autorrealização. Nesta direção, o jornalismo aparece como um campo que reforça esta lógica, suscitando constantes decisões sobre o comportamento. Podemos pensar sobre a influência da mídia em nossa cultura cotidiana a partir da posição que assumem os valores individualistas, que sugerem a transformação dos modos de vida, dos gostos e dos comportamentos.6 Bauman (2001) caracteriza a individualidade contemporânea como uma fatalidade, não uma escolha. Isso se deve, explica o autor, justamente ao cenário da liberdade individual de escolher, onde não existe a opção de escapar à individualização. Segundo Giddens (2002), o indivíduo vive uma biografia reflexivamente organizada em termos do fluxo de informações sociais e psicológicas sobre os possíveis modos de vida. Defende-se o jornalismo como um campo atravessado por relações de poder e que exerce influência ativa na construção das notícias nas mais diversas etapas de sua produção, atuando também ativamente na construção da realidade. A teoria jornalística que provavelmente apresenta com mais propriedade alguns aspectos importantes para o estabelecimento de relações com as pesquisas citadas é a teoria interacionista, sustentada sob o enfoque construcionista (Traquina, 2004). As notícias, sob esta perspectiva, são o resultado de um processo de produção definido como a percepção, seleção e transformação de uma matéria-prima, reconhecida como acontecimento, em um produto (as notícias). O atual trabalho também considera o jornalismo sob a perspectiva discursiva. A revista Veja é um órgão informativo de alta circulação, no qual o saber e o poder que o constituem determinam a estrutura de seu discurso. Por extensão, pode-se pensar também em IstoÉ a partir desta lógica, conforme se verifica adiante. A opção por atentar para o discurso se deve a sua constituição como ferramenta que permite a observação de significações que remetem para outros lugares discursivos, diferentes daqueles facilmente observados no texto. Entretanto, compartilha-se da opinião de Rosa (2002), 5 Conforme Tamayo (1994, p. 272), um tipo motivacional é um fator composto por diversos valores que apresentam similaridade do ponto de vista do conteúdo motivacional. 6 Lipovetsky (2004) afirma ser dificilmente contestável a ideia de que a mídia exerce um poder social em matéria de transformação de modos de vida, dos gostos e dos comportamentos. 2 para quem o discurso jornalístico não reflete a realidade, traduzindo-a e construindo-a através de recursos discursivos, simulando realidades a partir do sistema próprio de cada veículo em que os jornalistas captam um certo número de informações e que são transformadas em notícias por meio do discurso perpassado pelas rotinas produtivas, experiência do jornalista e pela ideologia e cultura do veículo. Pêcheux (apud MARIANI, 1999) define discurso como efeito de sentido entre interlocutores. Os sentidos não estão nas palavras, coisas ou sujeitos, sendo formados no momento em que se dão os atos verbais e estes materializam uma relação com o momento histórico e com o lugar social ocupado pelos interlocutores em uma interação verbal. Orlandi (2001, p. 44) extrai de Pêcheux o conceito de sentido: O sentido é sempre uma palavra, uma expressão ou uma proposição por uma outra palavra, uma outra expressão ou proposição; e é por esse relacionamento, essa superposição, essa transferência (metaphora), que elementos significantes passam a se confrontar, de modo que se revestem de um sentido. Ainda segundo este autor [Pêcheux], o sentido existe exclusivamente nas relações de metáfora (realizadas em efeitos de substituição, paráfrases, formação de sinônimos) das quais uma formação discursiva vem a ser historicamente o lugar mais ou menos provisório. O conceito de formação discursiva7 como o “lugar da construção do sentido (sua „matriz‟, por assim dizer)” (PÊCHEUX apud ORLANDI, 1993, p. 108) possibilita entender que o sentido muda de acordo com a posição de quem o emprega, sendo determinado por “posições ideológicas postas em jogo no processo social-histórico em que as palavras, expressões e proposições são produzidas (isto é, reproduzidas)”. (PÊCHEUX apud ORLANDI, 1993, p. 108). Orlandi (2001) faz referência aos dois processos que articulam o discurso: a paráfrase e a polissemia. Podemos compreendê-los da seguinte forma: 1) paráfrase – um movimento de reiteração do mesmo, ou seja, posso dizer o mesmo de várias maneiras; 2) polissemia – há permissão para que sentidos diferentes apareçam e conversem. As noções de paráfrase e sentido foram pressupostos essenciais para identificar as marcas discursivas dos valores representados por Veja em suas matérias sobre 7 Cf. Orlandi (2001, p. 43), a partir de Pêcheux, a formação discursiva se define como aquilo que, numa formação ideológica dada, determina o que pode e deve ser dito. 3 comportamento e apontar como elas constroem um efeito de reiteração ao longo de textos diversos, já que se verificaram 22 reportagens de capa sobre comportamento e considerou-se a frequência com que os valores elencados apareceram nesses exemplares. Veja, Época e IstoÉ evidenciam o jornalismo como uma instituição com poder normatizador. As revistas assumem uma postura capaz de ditar normas para o leitor. Remetendo o saber científico para ele, os discursos destes meios jornalísticos apontam para o homem contemporâneo aquilo que deve determinar sua conduta. Segundo Nascimento (2002), uma das principais características do discurso de Veja é pretenderse explicativo. Época e IstoÉ também participam dessa característica. Rokeach (apud HERRIOT, 1976, p. 25) identifica duas funções cumpridas pelos valores: uma diz respeito a padrões que orientem a nossa conduta, ajudando-nos, por exemplo, a “avaliar e julgar, a louvar e a lançar culpas sobre nós mesmos e os outros”; a segunda função, que ele denomina motivacional, refere-se ao componente que expressa nossos esforços no sentido de seguir um valor como, por exemplo, quando nos esforçamos por ser honestos. O comportamento de cada indivíduo é aceito pelos seus próximos quando subordinado a parâmetros (D‟AMBROSIO, 2000), que denominamos valores e que determinam os acertos e os equívocos na produção e utilização das intermediações criadas pelo homem para a sua sobrevivência e transcendência. É a partir dos tipos motivacionais, apontados por Schwartz e Tamayo (1994) que proponho pesquisar os valores individualistas presentes das matérias de comportamento. Neste artigo são considerados como demonstrativo de análise apenas os valores saúde e inteligência. O homem, pela sua própria natureza, luta pela sua autorrealização, e o seu cabedal de valores se desenvolve com esse esforço (HORNEY, 1966). Ele é direcionado a pensar que o ideal, para nós e para os outros, consiste sempre na libertação e no cultivo das forças que levam à autorrealização. O ser humano desenvolve, se encontrar condições favoráveis, suas próprias potencialidades, as forças vivas que são peculiares a seu eu: a clareza e a profundidade dos seus próprios sentimentos, pensamentos, desejos e interesses; a habilidade de canalizar os seus próprios recursos; o poder da sua força de 4 vontade; as capacidades ou talentos especiais que possa ter; a faculdade de expressar e de se por em contato com os outros por meio de seus sentimentos espontâneos. Para Horney, tudo isso vai ajudá-lo a encontrar o seu conjunto de valores e os seus objetivos de vida. Ramos (1980) define a autorrealização como uma necessidade existencial. Frick sintetizou o pensamento de numerosos psicólogos humanistas-existenciais ao escrever que “o organismo humano é guiado, energizado e integrado por uma necessidade ou motivo soberano, o de auto-realização.” (FRICK apud RAMOS, 1980). Guiar, energizar e integrar é uma necessidade soberana porque inclui a satisfação de todas as outras necessidades básicas do homem. Essas necessidades constituem as motivações mais profundas que levam as pessoas a se comportarem das mais variadas maneiras. Segundo Schneider (1985), o homem não é livre para escolher entre ter ou não ter ideais, mas o é para escolher entre diferentes espécies de ideias, ou seja, ideais de poder e destruição, de razão e amor, pois a necessidade de um sistema de orientação faz parte intrínseca da existência humana. O comportamento se torna, desta forma, cada vez mais flexível, existindo uma participação sempre mais individual no quadro de um esquema coletivo. Análise dos Valores A análise de 22 reportagens de capa da revista Veja, sobre comportamento, definiu os principais valores que a revista destaca como centrais para nortear o comportamento contemporâneo. Com o objetivo de se compreender como Veja constrói comportamentos contemporâneos e institui sentidos sobre os valores que os norteiam, foram mapeados os valores da escala de Schwartz e distribuídos conforme a freqüência com que aparecem em Veja. O quadro abaixo demonstra essa frequência, organiza esses valores de acordo com os grupos em que foram identificados e aponta ainda os tipos motivacionais referentes a cada valor. 5 Quadro 4: Valores estabelecidos por Schwartz, antecedidos pelos grupos em que foram reunidos, e seguidos dos tipos motivacionais a que pertencem e da frequência com que aparecem em Veja. Grupos Dominantes Intermediários Valores Tipos motivacionais Freqüência Saúde Autorrealização 77,27% Prazer Hedonismo 54,54% Beleza Hedonismo 54,54% Inteligência Autorrealização 54,54% Riqueza Poder social 40,90% Vida espiritual Autodeterminação 40,90% Sucesso Autorrealização 36,36% Que goza a vida Hedonismo 31,81% Criatividade Autodeterminação 31,81% Autodeterminação Autodeterminação 31,81% Responsabilidade Autorrealização 27,27% Autoridade Poder social 27,27% Abertura Autodeterminação 27,27% Independência Autodeterminação 27,27% Poder social 22,72% Capacidade Autorrealização 18,18% Liberdade Autodeterminação 18,18% Audácia Estimulação 18,18% Devoção Autodeterminação 13,63% Sentido da vida Estimulação 13,63% Sabedoria Autorrealização 9% Ambição Autorrealização 9% Vida variada Estimulação 9% Polidez Autorrealização 4,5% Influência Poder social 4,5% Auto-respeito Autodeterminação 4,5% Curiosidade Autodeterminação 4,5% Vida excitante Estimulação 4,5% Reconhecimento poder social Residuais social e 6 A reportagem de IstoÉ intitula-se “O nascimento da inteligência” e aponta as condições de saúde necessárias para que os pais possam gerar filhos inteligentes e desenvolver suas aptidões intelectuais, bem como manter e melhorar também a saúde dos filhos. A reportagem faz referência à conduta do leitor, reafirmando sua condição de público que acredita no veículo e que deveria seguir suas orientações. A chamada de capa para esta reportagem, intitulada “Como nasce a inteligência” remete a esta ideia, quando afirma “Saiba o que fazer para que seu filho seja mais inteligente”. Para isso, o conhecimento científico funciona como legitimador do discurso do veículo, da mesma forma que ocorre em Veja. Diversas vezes os dados científicos são assegurados pelas fontes especializadas, que legitimam de forma credível as informações fornecidas ao leitor. Para o presente artigo, consideremos que as marcas indicativas dos sentidos de determinadas formações discursivas (FDs) aparecem em itálico para facilitar a percepção da análise. Também foi criado um código para as reportagens (apenas de Veja) às quais as seqüências discursivas (SDs) se referem, identificando esses textos com a letra T.8 Foi feito um mapeamento da presença dos valores saúde e inteligência, o que nos permite compreender como as revistas instituem sentidos sobre ele, construindo, assim, comportamentos contemporâneos. Apresentam-se agora alguns exemplos, ressaltando-se que as SDs têm caráter ilustrativo e não exaustivo, ou seja, não são a totalidade das SDs efetivamente analisadas.9 No que se refere à saúde, consideram-se os sentidos referentes ao que é conveniente à saúde tanto física quanto mental. Mentalidade limpa e bem-formada, que 8 Títulos das reportagens analisadas no mapeamento de todos os valores propostos pela dissertação: T 1 – A conquista do equilíbrio da mente; T 2 – Não perca o sono; T 3 – O homem em nova pele; T 4 – Você tem medo de quê?; T 5 – Todo mundo quer fazer Ioga; T 6 – O segundo vestibular; T 7 – Quando começamos a crer; T 8 – É de lei: o direito à beleza; T 9 – Decida: seu sucesso depende de suas escolhas; T 10 – O que torna você sexy?; T 11 – Stress; T 12 – A tirania adolescente; T 13 – No mundo da Lya; T 14 – Mentes que aprisionam; T 15 – Design: o poder do belo; T 16 – O menu que prolonga a juventude; T 17 – A descoberta do talento; T 18 – Mudança radical; T 19 – 10 regras fáceis para educar seus anjinhos; T 20 – Os donos de si; T 21 – Viver mais e melhor; T 22 – Menino ou menina? 9 A análise dos 30 valores trabalhados na dissertação compreendeu 402 seqüências discursivas. As SDs referentes ao valor saúde são numeradas considerando essa totalidade de Veja. As SDs mapeadas na reportagem analisada de IstoÉ desconsideram os textos que apoiam as ilustrações, já que, apesar de estarem repletos de referências aos valores mapeados, são constituídos por informações mais técnicas e muito semelhantes em sua estrutura, não enriquecendo a análise discursiva quanto aos mecanismos variáveis de atuação discursiva. 7 proporciona bem-estar ao espírito, também caracteriza um estado saudável, essencial para a conquista da autorrealização. SDs Mapeadas em Veja Saúde Também é importante seguir uma dieta alimentar saudável e praticar exercícios físicos moderados, como ioga e natação. Essas medidas simples resolvem o problema de até 70% dos insones. (SD 208; T 2) Os médicos admitem que pessoas que rezam ou freqüentam igrejas regularmente: vivem mais; correm menos riscos de adquirir vícios; têm mais chances de abandonar vícios; contraem menos doenças sexualmente transmissíveis; têm menos depressão; sofrem menos de stress. (SD 225; T 7) Um corpo saudável, por exemplo, ajuda a reagir melhor às situações estressantes. A prática regular de atividades físicas auxilia no controle da pressão sanguínea e mantém o coração funcionando em ritmo adequado. (SD 233; T 11) “Fico imaginando que se a gente fizesse uma faxina em nossos compromissos e deveres, boa parte desapareceria ligeiro no ralo do bom senso. [...] sobrariam alguns compromissos reais, dos quais não há como fugir: provavelmente saúde, prestação do apartamento, escola (a pública estando como está), e alguns outros (poucos).[...]” (SD 234; T 13) Hoje, psicólogos evolucionistas defendem suas teorias sobre a beleza calcados na premissa darwiniana de que ela serve para assegurar a sobrevivência da espécie humana. A preferência dos homens por mulheres jovens, de quadris largos e cintura fina – atributos ligados à fertilidade – seria uma forma de garantir a geração de filhos saudáveis. Já as mulheres se sentiriam atraídas por homens altos e fortes, porque esses seriam atributos de bons provedores e de defensores da prole em qualquer circunstância. (SD 111; T 15) Naturais e esperados, os rituais de controlar se está tudo bem com o bebê são importantes para a segurança e a saúde física e emocional da criança. (SD 239; T 14) Aos 55 anos, um empresário paulista que é católico devotíssimo e prefere não se identificar, casado com uma moça trinta anos mais jovem, já teve quatro filhos por fertilização in vitro e escolheu o sexo de todos eles. “Temos três meninos e uma menina. Ficamos tranqüilos porque só foram implantados embriões do sexo escolhido e, além disso, perfeitamente sadios”, diz. (SD 275; T 22) 8 Inteligência Uma pesquisa inédita da Universidade Federal do Rio de janeiro ouviu 1300 homens e mulheres, entre 20 e 50 anos, para saber o que as pessoas acham que mais as atrai sexualmente. A maioria das mulheres respondeu “inteligência”, enquanto mais da metade dos homens disse “beleza” (SD 14; T 10) A parte boa é que também se constatou que, se a relação perdura, homens e mulheres passam a valorizar traços mais profundos, como inteligência, senso de humor e orientação religiosa. (SD 167; T 10) “„Mas o que pode haver de positivo em ficar velho?‟ perguntaram-se um dia. [...] As qualidades interiores vão sobressaindo, afirmando-se sobre as físicas. Ao contrário da pele, cabelos, brilho de olhar e firmeza de carnes, elas tendem a se aprimorar: inteligência, bondade, dignidade, escutar o outro. Capacidade de compreender. Mas é preciso que exista algo interior para sobressair: o desgaste físico será compensado pelo brilho de dentro.”10 (SD 158; T 13) “Pessoas inteligentes são aquelas que fazem das dificuldades oportunidades”11 (SD 169; T 17) Leitura por prazer12 Ler proporciona o crescimento pessoal, estimula o raciocínio e contribui para a longevidade. Quem lê costuma ser mais ativo e desenvolve idéias próprias (SD 39; T 20) Descobertas recentes indicam que manter uma vida intelectual satisfatória é uma das maiores garantias de saúde sensorial que alguém pode se dar. Manter a cabeça funcionando prolonga a vida e a saúde dos neurônios. Na verdade, a atividade mental talvez faça mais do que isso: alguns estudos sugerem que ela pode ocasionar o nascimento de novos neurônios, mesmo na idade avançada [...] (SD 173; T 21) É exagero imaginar um mundo onde as preferências culturais e a eugenia se impusessem (todos seriam homens, loiros, de olhos azuis, empreendedores, inteligentes e sem doenças). Mas as escolhas à disposição da parcela da humanidade que pode bancá-las são cada vez maiores. (SD 140; T 22) SDs Mapeadas em IstoÉ No caso de IstoÉ, opta-se por apontar as SDs que apresentam ambos os valores (saúde e inteligência) simultaneamente, a fim de exemplificar melhor o cruzamento entre eles. A matéria em questão privilegia esta opção, pois aponta a saúde como requisito primordial para os cuidados com a saúde dos filhos. As sequências discursivas neste caso não são numeradas, já que todas se referem a uma mesma reportagem. 10 Trecho do livro Perdas & Ganhos, de Lya Luft. Definição dada pelo aeroviário Wandrei Passetto. 12 Intertítulo de box. 11 9 Salienta-se, entretanto, que também não representam a totalidade e sim apenas um demonstrativo. Pesquisas revelam que fatores como amamentação, suplementação de vitamina D e até a obesidade dos pais terão impacto no nível do QI da criança do seu nascimento até o resto de sua vida. [...] filhos de mães com Índice de Massa Corporal (IMC) superior a 30 (já classificado como obesidade) têm maior chance de desenvolver limitações cognitivas. Eles manifestaram três pontos a menos de QI (quociente de inteligência) em relação aos nascidos de mulheres de peso normal. No Canadá, uma análise de vários trabalhos [...] feita pela Universidade McGill concluiu que crianças nascidas de mães que receberam suplementação do composto [iodo] na gravidez e após o nascimento tiveram QI entre 12 e 17 pontos mais alto do que as demais. Igual influência apresenta a vitamina D, segundo pesquisas recentes. Pesquisadores do Centro de Pesquisas e Desenvolvimento em Epidemiologia Ambiental de Barcelona, na Espanha, acompanharam 1.820 mães e verificaram que os filhos daquelas com níveis adequados do composto [vitamina D] na gravidez tiveram melhor desempenho em testes de inteligência do que filhos de mães com déficit da substância. [...] outra constatação é a de que o stresse materno na gestação impacta negativamente a inteligência da criança. “Ele causa danos ao desenvolvimento do córtex pré-frontal”, explica o neurocientista Antonio Pereira, do Instituto do Cérebro, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. “Mostramos uma conexão direta entre o aleitamento materno e a inteligência”, disse à ISTOÈ Mandy Belfort, professora de pediatria da Escola de Medicina de Harvard (EUA) e uma das líderes do estudo. Ela e sua equipe seguiram 1.312 bebês entre 1999 e 2010. Entre os primeiros achados, o grupo descobriu uma relação interessante. Nas crianças de 3 anos, a cada mês adicional de amamentação foi registrada uma média de 0,21 ponto a mais em testes de QI em comparação às que não tiveram o tempo extra. A mesma influência positiva permanece aos 7 anos, em que os participantes contabilizavam um acréscimo de 0,35 ponto em testes orais e 0,29 em exames não verbais. No Brasil, um trabalho da PUC de Pelotas (RS) encontrou a mesma relação [refere-se à relação estabelecida na sequência discursiva anterior]. Em 2002 e 2003, os cientistas acompanharam 616 bebês para avaliar a permanência e a frequência com que eram amamentados. Quando as crianças completavam 8 anos de idade, elas foram submetidas a testes de QI. “Os bebês que mamaram por mais de seis meses obtiveram desempenho 30% superior”, explica a pediatra Elaine Albernaz, responsável pela pesquisa. De acordo com o pediatra carioca Daniel Becker, do Instituto de Pediatria do Universidade Federal do Rio de Janeiro, o benefício transcende o potencial de raciocínio. “O aleitamento contribui tanto para a inteligência do ponto de vista cognitivo como social e afetivo”, afirma. 10 Considerações Finais O artigo foi proposto a partir de teorias e pesquisas que defendem a existência de uma cultura do individualismo, conforme a própria análise demonstrada reitera. A posição que assumem os valores individualistas, que sugerem a transformação dos modos de vida, dos gostos e dos comportamentos, ajuda-nos a pensar na cultura contemporânea, que é influenciada pela mídia. Tal ideia, defendida por Lipovetsky, e sugerida por Bauman e Giddens, é também reiterada aqui e exemplificada com uma pesquisa em âmbito nacional. Observa-se ainda com a presente pesquisa que as orientações de Veja e IstoÉ aparecem, geralmente, amparadas em “fatos”, afirmados por depoimentos de pessoas que vivem ou viveram as situações abordadas pelas matérias, estatísticas, palavras de especialistas e estudiosos renomados. São fontes, dados e demais informações que oferecem crédito e ajudam a legitimar as revistas como vozes da verdade, do saber. Tenta-se, assim, conquistar e garantir aquele que talvez seja o grande capital simbólico do jornalismo: a credibilidade. Consequentemente, ganha-se público. Este último estudo sobre valores individualistas em revistas semanais de informação no Brasil permite constatar que ao menos alguns dos valores principais afirmados neste tipo de discurso jornalístico continuam presentes e frequentes, norteando igualmente os leitores a partir da lógica individualista. Verifica-se ser possível trabalhar com os sentidos referentes à manutenção ou conquista de uma vida saudável, em relação ao que é conveniente à saúde tanto física quanto mental, bem como àqueles que defendem a relevância de conquistar e garantir a inteligência como requisito para uma vida de autorrealização. REFERÊNCIAS AUGUSTI, Alexandre Rossato (2005). Jornalismo e comportamento: os valores presentes no discurso da revista Veja. Dissertação (mestrado em Comunicação e Informação), Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre. BAUMAN, Zigmunt (2001). Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. 11 D‟AMBROSIO, Ubiratan (2000). „Uma visão transdisciplinar de valores‟, in Pátio: revista pedagógica. Porto Alegre: Artes Médicas Sul Ltda, ano 4, n. 13. AQUINO, Wilson; OLIVEIRA, Monique (2013). „O nascimento da inteligência‟, in IstoÉ. São Paulo: editora Três, n. 2284, 28 ago. GIDDENS, Anthony (2002). Modernidade e identidade. Rio de janeiro: Jorge Zahar. 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