Livro: Sobre Comportamento e Cognição vol. 17
capítulo 11
Hélio J. Guilhardi e Noreen C de Aguirre (org.)
PSICOLOGIA DO ESPORTE E SUA
APLICAÇÃO: COMO SER ACEITO NO MEIO
ESPORTIVO
Cristiana Tieppo Scala
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Livro: Sobre Comportamento e Cognição vol. 17 capítulo 11
Hélio J. Guilhardi e Noreen C de Aguirre (org.)
PSICOLOGIA DO ESPORTE E SUA APLICAÇÃO: COMO SER
ACEITO NO MEIO ESPORTIVO
Cristiana Tieppo Scala
Aplicação de uma ciência gera indagações. Quando começamos nossa
carreira profissional, a maior questão é como trabalhar. No esporte, área
relativamente nova, há outra, como entrar e ser aceito no meio de esportistas e
profissionais atuantes. Neste capítulo, optei por falar de como apresentar-se a
clubes, propor programas e o relacionamento com técnicos e atletas de maneira
que o psicólogo seja aceito como parte integrante da equipe e tenha seu
trabalho valorizado.
De fato, um clube ou atleta contratam um psicólogo do esporte, para
melhorar seu desempenho esportivo. No início, então, pontua-se o trabalho, com
intervenções de efeito rápido. Geralmente são feitas reuniões para esclarecer os
interesses do atleta ou time. A partir daí, é possível selecionar algumas
intervenções.
Embora a observação de treinamento, que sempre é sugerida ao
psicólogo, seja importante, não é necessário que se compareça a muitos treinos
antes de intervir. Há situações esportivas comuns a todos os esportes e atletas,
que podem ser priorizadas no início, como por exemplo a necessidade de
controlar os níveis de ansiedade para a boa atuação. Uma intervenção possível
é ensinar ao atleta uma técnica de relaxamento momentâneo, como controle de
respiração, para evitar níveis altos de ansiedade durante a competição. Isto não
significa, como diz Martin (2001), um “livro de receitas”. As observações
acontecerão naturalmente, durante os treinamentos, o que permitirá futuras
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decisões, já que há tipos diferentes de problemas e muitas maneiras possíveis
de lidar eficazmente com eles.
Há desempenhos esportivos individuais e também de grupo. Geralmente
é preferível começar trabalhando com o indivíduo, através de programas para
melhora de rendimento que incluem planejamento de carreira, controle de
ansiedade, otimização da concentração, técnicas de motivação e de
visualização (Scala, 2000). Nos esportes coletivos, depois deste trabalho, podese iniciar intervenções no grupo, como de relacionamento interpessoal,
facilitação da comunicação, papéis de líder, coesão, pois estas sim, requerem
mais observação e compreensão do time.
PONTUAR MUDANÇAS
Ao longo do tempo de atuação, vá especificando para técnicos e atletas,
mudanças que ocorreram no comportamento, decorrentes do trabalho do
psicólogo. Uma maneira de salientá-las, é através de mensurações objetivas dos
resultados durante o treinamento e nas competições. Como diz Martin (2001):
“fazer mensurações objetivas, contínuas de desempenhos esportivos, fornecem
padrões da eficácia de nossas intervenções”. Considero que mensurações
evitam discursos que salientem o técnico como ótimo, nas vitórias, enquanto que
nas derrotas, o problema é atribuído à “cabeça”.
O relato de um corredor barreirista profissional ilustra a valorização do
trabalho do psicólogo como um diferencial em dado momento de sua carreira:
“Com esse trabalho que eu fiz com a Dra Cris, consegui me superar dentro da
modalidade…foi uma coisa magnífica, sem palavras, pretendo usar isso durante
toda minha carreira, minha vida…foi muito bom”.
Na época em que este atlteta participou do programa de melhora de
rendimento que utilizo, estava entre os três primeiros do Brasil. No entanto,
queixava-se que ao final da prova, depois do término das barreiras, não corria
tão rápido quanto poderia, como se tivesse medo de ganhar. As técnicas
empregadas, então, objetivaram manter o foco de atenção do atleta na
manutenção da velocidade. Passou a repetir a palavra vai, após a última
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barreira, para não perder o foco e assim, correr mais rápido. A auto-fala teve
efeito, pois ao dar uma instrução de velocidade, colocou o atleta em contato com
contingências relevantes para a tarefa, neste caso, correr rápido (Scala e
Kerbauy, 2005). Desde então, passou a ser o primeiro do Brasil e está
atualmente entre os dez melhores do mundo em sua modalidade.
No trabalho com atletas de alto nível, percebe-se que muitas das técnicas
propostas já são utilizadas intuitivamente, mas sem sistematização. O psicólogo
ao sistematizar tarefas de autocontrole, pode incrementar décimos, ou
centésimos de segundo, o suficiente para a quebra de um record. É possível
também facilitar o percurso do atleta infanto-juvenil, ensinando técnicas
adequadas para suas necessidades. De fato, quanto mais cedo for ensinado,
mais rápido o desenvolvimento.
Syer & Connolly (1984) tem o relato de um jogador de futebol americano
eleito o atleta do ano em 1982, que considera que a chave para o sucesso é
estar bem preparado sob pressão e que o trabalho dos psicólogos o permitiu
que adquirisse isto em pouco tempo. Diz que antes utilizava algumas técnicas
instintivamente, mas que foram necessários muitos anos de carreira para
descobrir.
Com o auxílio do psicólogo, é possível ensinar sistematização no
emprego de recursos comportamentais úteis no ambiente esportivo.
REFORÇAR
Desde o início do trabalho é preciso esclarecer qual a função da
psicologia do esporte e como poderá auxilliar o atleta a incrementar seu
desempenho. No entanto é preciso ser realista e falar francamente das possíveis
limitações (Martin, 2001).
O fato de ser realista não impede que o psicólogo coloque o atleta em
contato com reforços logo no início do programa. Deve-se considerar que o
treinamento para a competição é repleto de compromissos e cobranças. Os
técnicos, preocupados com o aprimoramento costumam passar mais tempo
corrigindo do que elogiando. O psicólogo pode, em contraponto, reforçar o auto-
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aprimoramento com elogios e atenção e fortalecer o repertório que é esperado.
Conseqüenciar positivamente técnicas de aprendizagem para manutenção do
repertório, pode evidenciar melhora de rendimento e manter o atleta treinando
apesar das adversidades.
O comportamento que se quer instalar, mesmo parecendo adequado,
pode, às vezes, levar a conseqüências inesperadas. Análises constantes de
contingências evitam escolhas equivocadas. Certa vez, um tenista infanto-juvenil
faltou ao treino pois tinha que estudar para a prova da escola. Em seu
planejamento de carreira, colocara que queria ser tenista profissional. No treino
seguinte, quando o encontrei, apontei que se quisesse, de fato, ser profissional,
não poderia faltar aos treinos. Embora quisesse enfatizar suas metas e a
necessidade de compromisso para alcançá-las, foi um equívoco. Ao invés de
instalar comportamento de freqüência aos treinos, aumentei sua ansiedade, que
se refletia em treinos e jogos. Este garoto estava sobrecarregado com a escola e
sua agenda de treinamento, preparo físico e torneios não permitia que
cumprisse as tarefas escolares obrigatórias, levando-o a recuperações
constantes. Uma análise mais apurada, levou-me a organizar junto com o atleta,
uma agenda de treinamento e estudos mais adequada, para que pudesse
realizar suas tarefas. Refizemos, ainda, seu planejamento, para metas
condizentes com sua capacidade atual. Com metas adequadas os reforços eram
mais prováveis. Cabe ao psicólogo auxiliar o atleta a entender sua escolha e as
consequências decorrentes dela (Scala, 2004).
Uma outra tenista, certa vez foi muito criticada por pais e técnicos por
perder um jogo de uma adversária visivelmente inferior. O seu comportamento
em quadra destoava do que costumava apresentar nos jogos. Quando ela me
relatou o acontecido, acrescentou a história de jogos e convivência com esta
adversária em especial. Ficou claro que a derrota foi consequência desta história
e não da sua qualidade técnica ou tática. Ao analisarmos a situação completa, a
tenista foi capaz de discriminar o que a incomodava, que eram as atitudes da
adversária em quadra, que tiravam seu foco dos aspectos realmente relevantes
do jogo. Ao fim da análise e com melhores discriminações do ambiente, passou
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a ter mais condições de controlar seu comportamento num novo confronto.
Neste caso, mostrei que a história passada interferiu no resulatado do jogo, sem
críticas ao comportamento específico de jogar. Ao final da sessão me brindou
com o comentário: “você é a única que me entende”.
CONHECER O AMBIENTE ESPORTIVO
Conhecer o esporte com o qual se vai trabalhar é fundamental (Weinberg
e Gould, 1996). O primeiro passo do trabalho, antes de observar os treinos é
estudar sobre as regras, as habilidades envolvidas, o jargão utilizado. Falar a
linguagem do esporte, vai ajudá-lo a eliminar a barreira de entrada (Martin,
2001).
Conhecer as habilidades, inclusive físicas do esporte, parece não fazer
parte do trabalho psicológico, mas só poderão ser dadas instruções efetiva, ao
saber o que se quer instruir. No esporte, a instrução para ser eficiente, deve vir
da contingência (Scala e Kerbauy, 2005). Por exemplo, na ginástica olímpica,
para otimizar um giro, o ponto relevante para se manter no ar, em geral, é o
equilíbrio. Auto-falas que ponham o ginasta em contato com a região abdominal,
poderão mantê-lo mais tempo no ar. Por outro lado, pode-se trabalhar uma
dificuldade específica, como aterrizagem. Neste caso a auto-fala, deve estar
voltada para o toque no solo. Observe que isto não implica em dar dicas
técnicas, este é o papel do treinador, que supostamente tem melhor domínio
sobre a técnica do movimento. Mesmo que você conheça muito bem o esporte
com o qual trabalha e até já o tenha praticado, se abstenha de fazer comentários
técnicos, uma vez que você foi contratado como psicólogo e não treinador
(Martin, 2001). Ao invadir esta área, o Psicólogo só tem a perder.
TREINADORES
O relacionamento com os treinadores, pode definir o sucesso ou não, do
trabalho do psicólogo. Se eles o consideram importante, a penetração em
treinos é maior. Conversar com o treinador sobre o esporte, ajuda o psicólogo a
entender aspectos técnicos específicos que facilitarão o trabalho.
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Quando trabalhei com barreiristas, queria introduzir no treinamento uma
auto-fala para a passagem das barreiras, que os deixasse mais focados na
tarefa e mais rápidos. Ao repetir esta palavra, aumentariam sua concentração,
uma vez que não se distrairiam com outros pensamentos não relevantes para
correr bem (Scala e Kerbauy, 2005). Antes de conversar com o treinador, pensei
que a palavra salta seria adequada. Porém, conversas e explicações sobre
técnica indicaram que saltar é um movimento alto e longo, incompatível com
velocidade. O adequado para barreiristas seria passa. De fato ao utilizar a autofala passa, os atletas melhoraram sua velocidade. Fica claro, neste caso, a
importância da boa comunicação com técnicos e o respeito por sua posição e
conhecimento.
Martin (2001) fala que se o técnico respeita o psicólogo, o ajudará,
cobrando do atleta que ele faça os exercícios de concentração, auto-falas entre
outros. Um técnico com o qual trabalho costuma falar para seus tenistas:
“Lembra da Cris”. Isto não acontecerá se o técnico for visto ou tratado como um
adversário.
Algumas vezes, em técnicos jovens, há limitações, principalmente na
maneira de lidar com as equipes. Comportamentos inadequados não são
incomuns, mesmo assim, não os confronte. Haverá algum momento, durante os
treinos, em que o psicólogo poderá mostrar outras possibilidades de condutas.
Certa vez, uma técnica de tênis, quase da mesma idade da tenista que
treinava, fez brincadeiras inadequadas em quadra. Analisando a situação, o que
se via, não era treinadora e atleta, mas sim rivais. As brincadeiras tinham a
intenção de diminuir a adversária, para que ela perdesse o jogo. Em um
momento oportuno, analisamos uma série de jogos entre elas, seus
comportamentos em quadra (a técnica, assim como a atleta, demonstrava
irritação em quadra, gritando ou batendo a raquete) e o benefício efetivo para a
melhora de rendimento. Elas mesmas concluíram a rivalidade existente e
adaptaram o treinamento para questões mais técnicas e evitavam jogar pelo
resultado, mas sim considerando estratégias.
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Os treinadores, muitas vezes, criam expectativas em relação aos atletas,
pois gostariam de formar campeões. Vêem a possibilidade de crescimento na
carreira, e se baseiam em suas expectativas para o nível de treinamento
implementado. Este é um aspecto que o psicólogo pode analisar juntamente
com o treinador. Ao fazer planejamentos de carreira com os atletas, e observar
seus comportamentos em treinos, é possível identificar qual seu real
compromisso com o esporte e inferir se a expectativa do técnico é ou não
verdadeira. Independente da habilidade, se não há interesse, raramente serão
obtidos resultados. O treinamento adotado, baseado em expectativa equivocada,
pode ser incompatível com a capacidade e compromisso do grupo, o que gera
frustração, tanto do técnico, quanto dos atletas, que quase nunca alcançam as
metas estabelecidas, já que fogem à sua realidade. Ao demonstrar para
treinadores tal descompasso, evitam-se falsas expectativas e cobranças
desnecessárias, pois permite que ele discrimine melhor seu ambiente e tome
novas decisões.
Considero importante, quando possível, orientar o técnico, mas tendo em
vista o atleta. Conversas com a equipe técnica não ultrapassam a ética, nem o
sigilo profissional.
Martin (2001) diz que um ponto a decidir , desde o princípio é quem será
o foco principal de seus esforços, o treinador ou o atleta, já que é difícil servir a
dois senhores.
COMO TRABALHAR
Uma boa maneira de começar na área, é desenvolver um programa para
apresentar em clubes. Em palestras pode-se apresentar o que é Psicologia do
Esporte, quais seus objetivos, as técnicas utilizadas e seus efeitos. Contar
pesquisas realizadas na área e os resultados já alcançados com outros atletas,
dá credibilidade ao trabalho.
Um ponto que considero importante e que já discuti em outras
publicações é a postura com a qual se apresentar (Scala, 2000). Para ser visto
como especialista em Psicologia do Esporte evite o trabalho clínico, mesmo que
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esteja credenciado para fazê-lo. O atleta não procurou por terapia. Caso
apareçam questões que fogem ao desempenho esportivo, encaminhe. Manter
separados os papéis evita confusões por parte de atletas e treinadores.
Outro ponto que defendo é que para ser psicólogo do esporte, você deve
estar no meio esportivo, isto significa que o trabalho deve ser feito no local de
treinamento dos atletas. Kerbauy (1997) salienta que uma contribuição da
Psicologia Comportamental, decorrente de analisar interação do comportamento
com o ambiente, é sua aceitação e exigência de diversidade de locais de
trabalho. As técnicas quando introduzidas na rotina de treinamento, são
incorporadas sistematicamente, de maneira eficaz (Scala e Kerbauy, 2005).
Para fazer parte deste ambiente, vista-se de maneira adequada, assista
aos treinos, converse com os treinadores, conheça as regras, a linguagem e os
atletas conhecidos da modalidade e o mais importante, traduza a linguagem da
análise do comportamento para o esporte.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Kerbauy, R.R. (1997). Contribuições da Psicologia experimental para a
psicoterapia. In Maly Delitti (org.). Sobre comportamneto e cognição, Vol.2.
Santo André, Arbytes.
Martin, G.L. (2001). Consultoria em Psicologia do Esporte: orientações práticas
em análise do comportamento. (Traduzido por Noreen Campbell de Aguirre)
Campinas: Instituto de Análise do Comportamento.
Scala, C.T. & Kerbauy, R.R. (2000). Penso ou Faço: a prática encoberta no
esporte. In Regina Christina Wielenska (org.). Sobre Comportamento e
Cognição, Vol. 6, Santo André: SET.
Scala, C.T. (2000). Proposta de intervenção em psicologia do esporte. Revista
Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, Vol 2 (1), p. 53-59
Scala, C.T. (2004). O desempenho no esporte como resultado de análises
comportamentais complexas, in Maria Zilah da Silva Brandão e cols (Org.) Sobre
Comportamento e cognição, vol 14, Santo André: ESETec .
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Scala, C.T. e Kerbauy,R.R. (2005) Auto-fala e esporte: o estímulo discriminativo
do ambiente natural na melhora de rendimento. Revista Brasileira de Terapia
Comportamental e Cognitiva, vol.VII (2)
Syer, J. e Connolly, C. (1984). Sporting Body, Sporting Mind. Cambridge:
Cambridge University Press
Weinberg, R.S. & Gould, D. (1996). Fundamentos de Psicologia del Deporte y el
Exercicio Físico. Barcelona: Editorial Ariel.
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