Ultra Trail Sicó – 115km 3200D+ Quando mais é demais… Tal como a maioria de nós na nossa atividade profissional, eu também fui sedentário até dezembro de 2013, altura em que comecei por desfrutar das participações em 3 provas de S. Silvestres, mais por curiosidade pois não tinha feito treinos prévios. A verdade, porém, é que esses acontecimentos despertaram em mim a vontade de continuar a participar em provas (eram os meus treinos na realidade), e levaram-me, em 2014, a ir mais longe. Acabei por fazer 4 meias maratonas, uma maratona e 3 trails (2 de 20 km e um de 27 km). Esta miscelânea de experiências em que resolvi envolver-me, levaram-me de facto a descobrir o meio envolvente em que mais prazer me dá marcar presença… e aí troco, sem hesitar, a selva urbana pela natureza. É próprio do ser humano que quando começa algo, quer, com o decorrer do tempo, atingir algo mais, e comigo não foi diferente; comecei a sonhar em querer, provavelmente em 2015, participar numa prova designada como ultra. Quase por mero acaso surgiu a possibilidade de participar no Ultra Trail das Terras de Sicó na distância de 111 km para fazer companhia a um amigo que se tinha inscrito. A um mês de distância comecei a treinar mais afincadamente, pensando sempre que se conseguisse fazer 40 ou 50 km, para mim seria um ótimo treino para o Ultra Trail de Piódão no final de março, na distância de 50 km. Procurei evidentemente ouvir conselhos (dicas sábias do meu irmão que já é habitual nos ultra trails), pesquisei, delineei estratégias, e quando dei por mim estava já na semana da dita prova. Trabalhei normalmente no dia da prova, mas sentia que umas horas depois algo iria mudar e jamais iria ser como antes. Ao fim da tarde fiz a viagem do Porto a Condeixa e ai sim, comecei a sentir definitivamente as pulsações a intensificarem-se após a recolha do dorsal pois a hora da partida aproximava-se a ritmo alucinante. Jantei, embora tenha sido um jantar estranho, pois parecia a última refeição antes da ida para a “forca”… dei depois um passeio pelas ruas de Condeixa, conversando com o meu amigo, e ultimando os últimos preparos lá nos dirigimos para o pavilhão para nos equiparmos. Depois de armados até aos dentes com géis, barras e afins dentro da mochila (parecia que ia para uma prova de sobrevivência), lá nos dirigimos para a praça principal de Condeixa onde iria ser dada a partida, e já repleta de “tubarões” habituados a estas andanças e com um público bastante numeroso e entusiasta. Nessa altura sim, entreguei a minha alma ao diabo e estava pronto para a minha loucura de 3 dígitos que me haveria de levar até onde fosse possível… A prova… a prova em si, não me queria alongar muito, todos compreendem e acreditam que alturas houve em que estive para desistir, outras em que me sentia indestrutível, outras, ainda, em que deambulei que nem um zombie. Chuva, frio, nevoeiro, foram fatores que nos acompanharam durante quase toda a prova, o que dificultava ainda mais a caminhada vitoriosa que todos se propunham alcançar. Atendendo a um começo bastante cauteloso ia ultrapassando os diferentes postos de controlo e abastecimento, até que a partir do km 63 estava a tornar-se bastante difícil a minha continuidade em prova pois um entorse por volta do km 20 começava a deixar-me bastante debilitado fisicamente. Aqui sim, começa a não chegar a condição física de cada um (independentemente de surgir uma lesão durante a prova) e vem ao de cima a força anímica, o espírito de sacrifício de cada um, e sinto que é uma fronteira em que os mais fortes, em termos mentais, começam a ditar a diferença, pois quem não o é suficientemente forte começa a ficar pelo caminho pois é tão tentador atirarmos a tolha ao chão, privarmo-nos daquela carga física, daquele tempo horrível e apanharmos uma boleia até ao ponto de partida para tomarmos um banho quente e podermos comer e beber à vontade… Sem me alongar muito mais com detalhes da prova em si (quiçá para outra oportunidade), e não é por acaso que não o quero fazer, este meu relato pretende apenas ressalvar que os ultra maratonistas não são super atletas mas sem qualquer sombra de dúvidas são atletas super! Pretendo dar o meu testemunho que com um mínimo (razoável) de preparação física e muita capacidade mental (cérebro toma proporções dantescas e é tão ou mais importante que os músculos que aparentemente apenas esses são os responsáveis por nos impulsionarem passo após passo na miragem da meta…), acredito que qualquer atleta consiga reunir condições para vencer um ultra trail. Se antes respeitava quem conseguia fazer uma prova de 3 dígitos, agora compreendo-os melhor que ninguém como o conseguem fazer, as circunstâncias em que as fazem e o que têm que superar para as terminar. Espero que estas palavras possam despertar outros atletas a participarem num ultra trail de 3 dígitos… sim é possível, assim tu queiras! Vamos juntar uma tribo numerosa de “Millenniuns” nos ultra trails nacionais. Nelson Ramos 2015/03/10