O SENSO COMUM E A CIÊNCIA: redefinindo
A ciência moderna, tal como entendida pela maioria dos cientistas, reivindica ser o único
conhecimento dotado de racionalidade, o único conhecimento verdadeiro, pois suas teorias precisam
apresentar coerência interna.
Uma análise sucinta do século XX e do século atual mostra que o conhecimento científico é
capaz de produzir sofisticadas tecnologias que tem facilitado muito nossa vida em sociedade. Os meios
de transporte e de comunicação, combinados com a informática, reduziram drasticamente as
dificuldades relativas à distância e à informação. A produção de alimentos e de outros bens cresceu de
forma geométrica. Os avanços da medicina permitiram a produção de vacinas, o transplante de órgãos,
e a engenharia genética trouxe a possibilidade de eliminar as doenças hereditárias, reconstruir órgãos,
neurônios, enfim prolongar a vida.
As descobertas científicas e os avanços tecnológicos, não só reforçaram a crença no poder da
ciência e da razão, como serviram para legitimar sua crescente autoridade, dando origem, com
frequência, a uma doutrina arrogante e dogmática (cientificismo) que vê na razão a única fonte válida
de conhecimento e na ciência a autoridade última neste campo (BARBOSA, 1998).
O conhecimento científico, no entanto, também tornou as guerras ainda mais devastadoras (o
emprego de armas nucleares, químicas e bacteriológicas continua a ser uma ameaça real); os
desequilíbrios do meio ambiente tomaram uma dimensão extremamente grave (poluição das águas, do
ar e do solo; devastação de florestas, desertificação, aquecimento global); e a manipulação de genes, a
clonagem e o uso de embriões para fins que não são a geração de um ser humano, provocam
questionamentos éticos e recolocam a discussão sobre quando se dá o início da vida e se esses
processos não levam à eugenia (seleção de indivíduos pretensamente mais aptos). Em um mundo que
se vangloria da velocidade das informações, repleto de imagens e palavras, os desafios da vida social
atual também trouxeram maior sofrimento e patologias à mente humana, as pessoas ressentem-se das
diversas formas de discriminação e intolerância, da falta de diálogo e compreensão, vivem
“estressadas”, sentem-se solitárias em meio a multidões e desamparadas diante da predominante
superficialidade das redes sociais.
Ao mesmo tempo, o conhecimento científico não foi capaz de reduzir as desigualdades sociais
e eliminar a miséria. Temos capacidade produtiva suficiente para alimentar toda população do planeta,
mas cerca de um terço da população continua desnutrida, com crianças morrendo de fome e de
doenças que com tratamento adequado seriam facilmente curáveis.
O que está acontecendo afinal? Que tipo de conhecimento é esse capaz de produzir resultados
tão contraditórios? Por se tratar de um conhecimento racional, não deveria resultar apenas em bem
estar e progresso? Estas questões não abalam a convicção de que o conhecimento científico é superior
ao senso comum?
Este final de século está marcado ainda pela chamada crise paradigmática das ciências, ou seja,
pelo questionamento do conjunto de princípios e teorias sobre os quais o conhecimento científico se
estabeleceu. Alguns autores propõem como possível solução uma aproximação entre a ciência e outras
formas de conhecimento, como o senso comum:
O senso comum e a ciência são expressões da mesma necessidade básica, a necessidade de
compreender o mundo, a fim de viver melhor e sobreviver. E para aqueles que teriam a tendência de
achar que o senso comum é inferior à ciência, eu só gostaria de lembrar que, por dezenas de milhares
de anos, os homens sobreviveram sem coisa alguma que se assemelhasse à nossa ciência. A ciência,
curiosamente, depois de cerca de quatro séculos, desde que ela surgiu com seus fundadores, está
colocando sérias ameaças à nossa sobrevivência (ALVES, 1987, p. 20).
Mas onde está a origem dessa contradição da ciência que produz, ao mesmo tempo, soluções e
mazelas? Para alguns estaria na ruptura entre a ciência moderna e a reflexão filosófica. Para outros o
problema está na forma como é construído o saber científico, nos modelos de interpretação da
realidade utilizados pela ciência. Há também aqueles que entendem que o tipo de conhecimento
científico produzido e as suas aplicações são resultado de embates políticos, refletem as relações de
poder presentes na sociedade, portanto é necessário repensar qual o tipo de sociedade queremos para
mudarmos a ciência. Retomaremos a este tema após discutirmos outras formas de conhecimento.
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