O ENSINO MEDIO E A DISCIPLINA DE HISTORIA - retrospecto histórico e diretrizes atuais Hermano Moura Campos1 Universidade Estadual do Ceará E-mail: [email protected] Profª .Drª. Isaíde Bandeira da Silva2 Professora titular do Departamento de História da Faculdade de Ciências e Letras do Sertão Central – FECLESC/UECE Email: [email protected] RESUMO Essa pesquisa bibliográfica faz parte de um esforço de compreensão do papel da disciplina de história no Ensino Médio no nosso país, feita a partir e da análise das Diretrizes e dos Parâmetros Curriculares Nacionais para tal disciplina, tendo como suporte teórico as discussões levantadas pela bibliografia consultada, ressaltando especialmente Décio Gatti Junior (2004), Itamar Freitas (2009) e Maria Inês Sucupira Stamatto (2007). A expansão desse segmento de ensino em todo o Brasil mostra a necessidade de entendermos a natureza e as diversas mudanças pelas quais passou no decorrer dos séculos XIX e XX, além do papel da disciplina de história e sua configuração presente nas Diretrizes e Parâmetros Curriculares para o ensino de história. Percebe-se, pela pesquisa em artigos e outros textos acadêmicos, que o Ensino Médio teve diferentes concepções e essa ambiguidade perpassa a legislação que lhe é pertinente, tentando conciliar a função propedêutica, cidadã e de preparação para o mercado de trabalho. Palavras-chave: ensino médio, parâmetros e diretrizes curriculares, disciplina de história 1 Licenciado em História pela Universidade Federal do Ceará – UFC e Especialista em Metodologia de Ensino de História pela UECE. Participante do Grupo de Pesquisa História e Educação da UECE. Email: [email protected] 2 Doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, professora titular do Departamento de História da Faculdade de Ciências e Letras do Sertão Central – FECLESC/UECE. Participante do Grupo de Pesquisa História e Educação da Universidade Estadual do Ceará – UECE. Email: [email protected] 2 Introdução Na atualidade, o Ensino Médio tem se tornado alvo de diferentes políticas públicas, que vão desde as avaliações externas (como ENEM e SPAECE) até discussões a respeito da implantação definitiva, em nosso estado, da educação em tempo integral. Por isso, a relevância dessa reflexão reside na necessidade de se discutir os rumos que esse segmento de ensino tem tomado no decorrer da história do Brasil, e focar especial atenção na legislação acerca dos parâmetros e diretrizes para o ensino de história. Dessa forma, vamos trazer informações gerais sobre o ensino médio no Brasil, fazendo um retrospecto histórico do ensino médio no Brasil, bem como a abordagem das discussões e desafios na atualidade. Será debatida também a relação entre ensino médio e a disciplina de história, e continuando com uma análise do que a legislação preconiza para esse segmento de ensino em termos de aprendizado. Em nosso referencial teórico, vamos utilizar que versam sobre o ensino médio, como dos historiadores da educação Décio Gatti Junior, Itamar Freitas e Maria Inês Sucupira Stamatto, além das contribuições de Rulian Rocha, Bárbara Freitag e Selva Fonseca. A metodologia para elaboração desse texto foi uma pesquisa na legislação acerca do ensino médio e da disciplina de história, seguida de um diálogo com os referenciais supracitadas. 1. O Ensino Médio: origem, políticas públicas, desafios atuais. Segundo a legislação educacional em vigor, a LDB (1996), o ensino médio é “etapa final da educação básica, com duração mínima de três anos”, tendo como finalidades consolidar e aprofundar os conhecimentos do ensino fundamental, preparando o educando para o trabalho e desenvolvendo seu intelecto e senso crítico (BRASIL, 1996, p.12). Se na década de 1990 a preocupação principal foi ampliar a oferta de vagas e melhorar as condições de ensino e aprendizagem no ensino fundamental, a partir da década de 2000 o ensino médio vem se tornando o foco das políticas públicas, tanto por parte da União (Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio – PNLDEM em 2004, tablet educacional para o professor em 2012) como por parte do Estado (Projeto Diretor de Turma em 2007 e, em 2013, o Projeto 3 Jovem de Futuro). Podemos perceber que essa preocupação com ensino médio intensificou-se com a ampliação do mercado de trabalho para os jovens e, principalmente, maior oferta de vagas no ensino superior. Este último fator está vinculado, por um lado, à ampliação das vagas nas instituições privadas com para alunos oriundos de escolas públicas através do Programa Universidade para Todos - PROUNI e, por outro, ao Sistema de Seleção Unificado – SiSU, que utiliza a nota do Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM para selecionar alunos para as instituições públicas. Essa etapa da educação teve vários antecessores, e seria interessante fazer um breve retrospecto do que chamamos hoje de ensino médio. Rulian Rocha (2010) destaca que Nos primeiros tempos da história do Brasil a educação assumia um caráter de distintivo social, capaz de dar status. Apenas os descendentes das famílias aristocráticas gozavam desse privilégio. Portanto, a educação foi um instrumento utilizado pelos grupos dominantes. Os jesuítas ofertavam o nível secundário com a denominação de curso de Letras e o curso de Filosofia e Ciências. (p.3) De acordo com o autor, se a quase totalidade da população tinha pouca ou nenhuma instrução mínima (ler, escrever, contar), menor ainda era a quantidade de pessoas que ingressavam na educação secundária. Por séculos, a mesma situação persistiu, e mesmo com a vinda da família real para o Brasil, em 1808 e a criação do Estado brasileiro, a única tentativa de ampliação significativa foi a criação dos liceus, institutos destinados à educação das elites a fim de prepará-las para a educação superior. Com a transição para o regime republicano no final do século XIX, as políticas públicas voltaram-se para manter o ensino elementar, e mesmo assim de maneira precária (ROCHA, 2005). Por outro lado, as instituições privadas cresceram muito no início do século XX, e passou-se a pensar no ensino secundário como uma preparação para a vida e não apenas para o ensino superior. Por isso, a duração estendeu-se em algumas escolas, chegando a sete anos em alguns casos, como no Gymnasio Nacional (antigo Colégio Pedro II). Porém, o ensino médio só se estrutura como parte dos estudos regulares com a Reforma Capanema, no contexto do Estado Novo, em 1942. Segundo Rulian Rocha (2010, p.8), surge a dicotomia entre ensino médio clássico e 4 profissionalizante, sendo que o último não permitia o ingresso ao ensino superior. Assim, embora a oferta de vagas tenha aumentado como nunca antes (ROCHA, 2010, p.9-10), a grande maioria dos estudantes ingressava na educação profissionalizante, e entravam no mercado de trabalho mais cedo com salários mais baixos e sem perspectiva de ascensão profissional. Após a Era Vargas (1930-1945) e na esteira de mudanças trazidas pela redemocratização brasileira, surge em 1961 a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação (muito embora seu projeto tenha sido discutido desde 1946). Essa legislação propunha que a educação chamada de “grau médio” destine-se à “formação do adolescente”, sem detalhar o significado dessa expressão. Uma importante mudança foi a equiparação entre o ensino médio clássico e o profissionalizante. Durante o período militar (1964-1985), o grau médio passou a ser chamado 2º Grau e voltou a ênfase na formação para o mercado de trabalho, mudança essa que pode ser compreendida pelo fato de os governos militares buscarem afastar-se da perspectiva francesa na educação, criticada por ser bacharelesca, beletrista e politizada (portanto, inútil para desenvolver a nação) e se aproximarem da perspectiva americana, mais pragmática e centrada em resultados e curto prazo, sendo pretensamente apolítica (FREITAG et. al., 1989, p.26). Esse modelo de educação imposto pelos militares visava um duplo objetivo: ampliar a oferta do 2º Grau e suprir o mercado de trabalho em expansão com mão de obra de baixa qualificação, sem necessitar do ensino superior. A proposta, porém, não se concretizou em nenhum dos dois objetivos devido a deficiências estruturais, como, por exemplo, a falta de profissionais qualificados para lecionar nas escolas profissionalizantes. Segundo Carlos Cury, Ao ignorar os condicionantes do processo produtivo e ao ignorar a própria estratificação sociail e sua segmentação de classe, a lei nem atendeu à sua letra antes favorecendo mesmo seu mascaramento, e nem foi um dique à demanda por ensino superior uma vez que o setor privado desse nível conheceu uma expansão jamais vista. (CURY, 1998, p.79) A “ineficácia” dessa legislação forçou os governos militares a várias mudanças, como incentivo às empresas para contratar alunos e a possibilidade da escola ou colégio escolher como entre a formação “cientifica” ou profissional. Entretanto, a transição para um ensino médio mais democrático iniciou-se nas discussões para a elaboração da Constituição Federal de 1988, a qual postulava a obrigatoriedade do 1º Grau, a 5 progressiva universalização do 2º Grau e ainda preconizava o surgimento de uma nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDBE). (Cury, 1998, p.80) A LDB de 1996 procurou trazer uma nova perspectiva para o ensino médio, buscando sintonizar a educação com as demandas sociais, políticas, econômicas, culturais e mesmo tecnológicas da sociedade. A última etapa da educação básica, segundo essa legislação, procurou juntar os diferentes usos que lhe foram dados no decorrer da história. Primeiro, tem potencial formativo (que ecoa a LDB de 1961), preparando o educando para o exercício da cidadania e sua socialização plena; segundo, possui dimensão propedêutica (que nos faz lembrar os liceus e Colégio Pedro II), uma preparação para o ingresso no ensino superior; terceiro, existe também a preparação para o mercado de trabalho, muito embora esse objetivo não se restrinja mais às escolas de educação profissionalizante, o que representa uma continuidade (até certo ponto) das políticas educacionais do regime militar. Como cumprir, no dia a dia escolar, reivindicações tão importantes quanto díspares? Esse tem sido um dos desafios dos gestores educacionais, públicos ou privados, ao perceber a realidade em que vivem e as demandas da sociedade que os cerca. É possível esperar que hajam diferentes respostas a essa questão. Podemos citar, por exemplo, o Programa Universidade para Todos – PROUNI (2004) e o Sistema de Seleção Unificado para as instituições de ensino superior públicas – SiSU (2009). No caso do primeiro, são destinadas bolsas de estudo, parciais ou integrais, a alunos de escolas públicas; no segundo caso, seria uma seleção para alunos, tanto de escolas públicas como privadas, para ingressarem na educação superior pública, mas agora com cotas específicas para os primeiros. Para ambas as seleções, usa-se como critério a nota obtida no Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM, o qual, embora criado em 1998, ganhou uma nova configuração em 2009 (com provas mais extensas), especialmente para esse propósito. Como resultado, pode ocorrer uma maior democratização do ensino superior, muito embora seja questionada pelo fato de que há um favorecimento (considerado injusto pelos setores mais conservadores da sociedade) aos alunos de escolas públicas, reputados como de qualidade inferior (para uma análise dos argumentos contra as cotas, ver FRIAS, 2012, especialmente pp.6-8). Como resultado, temos um fenômeno interessante na atualidade: por um lado, as escolas de ensino médio privadas estão abandonando um modelo de educação que visava a memorização de dados para outra em que o aluno saiba contextualizar o conhecimento, o que é chamado de “estilo 6 ENEM”; por outro, as escolas públicas estão sendo pressionadas por seus gestores a mostrar resultados em relação à adesão e sucesso no PROUNI e no SiSU. As transformações no ensino médio não se veem apenas em relação ao acesso ao ensino superior. O Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio (PNLDEM), criado em 2004 representou um salto qualitativo para a educação, tendo em vista a dificuldade do educando em obter livros de ensino médio (em maior número e mais caros), quanto a relevância do próprio livro como ferramenta de trabalho quase que exclusiva dos docentes brasileiros (OLIVEIRA E OLIVEIRA, 2009, p.16). Dessa forma, os professores podem trabalhar leituras, exercícios, imagens, gráficos e ainda contar com a sugestão de filmes e outras fontes. A escolha do livro didático deve ser democrática, privilegiando a participação dos docentes, muito embora possam haver diferentes maneiras de escolhê-lo e utilizá-lo, como apontou um estudo realizado em escolas de ensino fundamental (TIMBÓ, 2009, p.224 ss). Em vista políticas públicas, nos questionamos: quais são os maiores desafios do ensino médio na atualidade? Dentre vários outros, como falta de infraestrutura e de docentes especializados, vamos nos ater a três deles: a ampliação da oferta, a diminuição da evasão e a conciliação entre trabalho e estudo, especialmente para os alunos que estudam à noite. Mesmo escolas que possuem uma boa oferta sofrem com a sobrecarga de demanda, com alunos que se deslocam por vários quilômetros para poder estudar. Essa situação é especialmente dramática à noite, em que as turmas são superlotadas. Segundo o site Todos pela Educação3, apenas esse turno corresponde a quase 1/3 das matrículas no segmento no estado do Ceará, quantidade essa que é geralmente concentrada em uma ou duas turmas por escola, a carga horária é reduzida e não há professores suficientes em várias áreas. Apenas ações a longo prazo poderão atenuar essa carência, pois na verdade é o resultado de décadas de investimentos educacionais que focavam quase exclusivamente o ensino fundamental sem uma atenção devida à sua repercussão no ensino médio. O segundo desafio é a evasão, que no primeiro ano é muito maior do nos subsequentes. (BATISTA, SOUZA E OLIVEIRA, 2009, p.8). Outro fator é a repetência, que acaba desmotivando o aluno a continuar seus estudos e não lhe são oferecidas alternativas a essa situação. Como afirmam os autores citados, “o abandono escolar não 3 http://www.todospelaeducacao.org.br/educacao-no-brasil/numeros-do-brasil/dados-porestado/ceara/(Acesso: 10/09/2013) 7 pode ser compreendido, analisado de forma isolada. Isto porque, as dimensões socioeconômicas, culturais, educacionais, históricas e sociais entre outras, influenciam na decisão tomada pela pessoa em abandonar a escola”. (Idem, Ibidem p.4). Certamente, de todos os problemas citados, esse é o de maior complexidade, e por isso, merece atenção especial dos gestores e dos especialistas em educação, a fim de reverter esse círculo vicioso de exclusão social, falta de oportunidades e pobreza. Com relação ao terceiro desafio, o Governo do Estado tem incentivado, nos últimos anos, a criação e ampliação de Escolas de Educação Profissionalizante, que visam dar ao aluno, em turno integral, a formação propedêutica aliada a uma profissão. Porém, em relação aos que estudam à noite, realidade é bem mais difícil para quem trabalha e estuda no ensino médio. O perfil do aluno desse turno é diferenciado, pois grande parte voltou aos estudos depois de anos interrompidos ou ainda por formação anterior deficiente. Como a carga horária é um menor, os professores também passam por dificuldades ao ministrar o conteúdo. Apesar de tantos problemas e desafios o ensino médio, que por muito tempo foi um tipo de educação acessível apenas para uma parcela ínfima da população, vem de fato se universalizando e se tornando foco das ações governamentais, o que pode nos apontar para um futuro, a longo prazo, menos difícil para alunos e professores desse segmento. Assim, poderá cumprir plenamente sua tripla função formativa, propedêutica e cidadã, preconizada pela legislação e aos anseios daqueles que trabalham na educação. 2. O ensino médio e a disciplina escolar de história Diante dessa crescente atenção que o ensino médio vem recebendo, qual o papel que o a disciplina de história nele desempenha? Segundo SCHEIMER (2010), as rápidas transformações em que vivemos nesse mundo já são um motivo suficiente para que os gestores educacionais e especialistas reflitam sobre a importância do conhecimento histórico em sala de aula. Estamos vivendo numa época de quebra de paradigmas, nossos alunos estão chegando às escolas com conceitos e valores diferentes daqueles que os professores foram educados, causando de certa forma um descompasso entre a realidade em que o professor foi educado e a realidade em que os alunos vivem hoje. (SCHEIMER, 2010, p.2) Essas mudanças sociais e culturais que os jovens estão vivendo têm a ver com a 8 visão de mundo que estão construindo, influenciada pelas novas tecnologias de comunicação e pela mídia como um todo. Como consequência, a maneira pela qual se relacionam com as demais pessoas (especialmente as amizades e os namoros), que é mediada em parte pelas redes sociais e em parte pelas suas vivências em comunidade, se torna mais fluída, superficial de um lado e mais dinâmica, interativa, de outro. Por isso, a autora nos chama a atenção para um novo quadro que se delineia e que representa um grande desafio a todos os professores de história, mas principalmente àqueles acostumados com pincel e quadro branco: “O desempenho do professor de História hoje, em sala de aula, na maioria das vezes, é menosprezado e ignorado pelos próprios alunos, pois o contexto em que vivem é totalmente diferente da vivência do professor, do seu método e conteúdo”. (SCHEIMER, 2010, p.5) Diante dessa necessidade de se discutir história no ensino médio, são poucas as pesquisas que dão visibilidade a esse assunto. A maior parte dos pesquisadores preferem ater-se ao ensino fundamental, talvez porque seja a primeira vez que o aluno tem contato com uma disciplina específica, e assim é mais observável as reações a essa transição (TIMBÓ, 2009, p.20). Uma questão importante que aparece em relação à prática docente em história nesse segmento educacional relaciona-se ao conteúdo que é ministrado, o qual é, em geral, o mesmo do ensino fundamental. Diferente, por exemplo, da matemática, os conteúdos de história repetem-se no ensino médio, o que pode induzir os professores a simplesmente repetir a mesma aula que ministravam no outro nível de ensino. Por isso, é necessário pensar primeiramente na necessidade de se ter história como uma disciplina constitutiva do currículo obrigatório e, a mesmo tempo, compreender o que se diferencia no trabalho pedagógico de história nesse segmento. E para isso é importante fazer uma discussão sobre a trajetória da história como disciplina na chamada educação secundária. Segundo Maria Auxiliadora Shmidt, pode-se “afirmar que a construção do código disciplinar da História no Brasil tem como marco institucional fundador o Regulamento de 1838 do Colégio D. Pedro II, que determinou a inserção da História como conteúdo no currículo.” (SCHMIDT, 2012, p.78). Nesse primeiro momento, ensinava-se o que se chamava “história da civilização”, e a história do Brasil era um pequeno apêndice da mesma (idem, p.79). O objetivo de se ensinar história era instruir os educandos no conhecimento do mundo, numa perspectiva civilizadora, inculcando nos mesmos o respeito e o orgulho pela pátria. Esse papel civilizador persiste, com mais 9 ou menos mudanças, até o período militar (1964-1985), e ainda hoje uma parte do professorado, formado nesse período, trabalha assim. No período militar, a história foi fundida com a geografia e foram criados os “estudos sociais”, na tentativa de suprimir qualquer tentativa de reflexão mais ampla em sala de aula, a partir de uma perspectiva pedagogia pretensamente tecnicista. E como o então 2º Grau tornou-se compulsoriamente profissionalizante, as disciplinas de história e geografia foram retiradas do currículo das mesmas a partir do 2º ano, dificultando o preparo do aluno para o ingresso na universidade. (Idem, Ibidem, p.85). Com as mudanças legislativas na nova república brasileira, a história recebe uma nova função, e a chamada perspectiva “crítica” se torna o padrão para as instituições educacionais. No final da década de 1990, surgem os Parâmetros Curriculares Nacionais para a área, e atualmente entende-se o papel do ensino da história como ferramenta indispensável para a construção da cidadania. 3. Parâmetros e diretrizes para história no Ensino Médio Vimos até agora ações propostas pelo poder público e pelas demandas e problemas da educação. Mas, o que o Estado espera da escola em relação ao aprendizado dos seus alunos? É a partir dessa problemática que deve ser entendida a construção dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN). Os PCNs não são determinações estáticas, mas sim uma proposta de trabalho pedagógico que não se foca na memorização de conteúdos, mas sim na aquisição de determinadas habilidades visando a construção da cidadania. As DCNs representam recomendações gerais que, sendo seguidas pelas escolas, em tese trarão resultados melhores para as mesmas. Os PCNs para o Ensino Médio têm como referência três acontecimentos recentes que ocorreram no Brasil: a consolidação do Estado Democrático, o surgimento e popularização de novas tecnologias e as mudanças no mercado de trabalho. Por isso, seus eixos norteadores são cidadania e trabalho (BRASIL, 1999, p.4). O documento tem como papéis difundir os princípios da reforma curricular e orientar o professor em sua prática docente, em vista da crescente demanda por ensino médio e da persistência da baixa escolarização na faixa etária de 15 a 17 anos. Se esses papéis se cumprem ou não nas escolas é um assunto que será abordado mais adiante. O próprio documento dos PCNs afirma que, em sua elaboração, houve grande 10 envolvimento da sociedade civil, com representantes de vários segmentos das escolas, dos professores, pais e das Secretarias de Educação, em busca de uma nova concepção de ensino médio. Porém, esse diálogo não ocorreu com todos os setores ao mesmo tempo. Pelo contrário, o documento inicial foi elaborado junto às secretarias de educação estaduais, para só depois ter sido apresentado as diversos segmentos da sociedade (BRASIL, 1999, p.7,8). A grande preocupação dos PCNEM é aproximar as competências que os alunos desenvolvem na sala de aula com as dimensões sociais, ou seja, a “sociedade tecnológica” muitas vezes demanda conhecimentos que os educandos simplesmente não aprenderam porque a legislação não os requeria das instituições de ensino. Logo, a obrigação do Estado é prover formar essa formação de competências que sejam correspondentes (BRASIL, 1999, p.15). Para alcançar tal objetivo, o texto propõe uma tríplice divisão, chamada de “domínios da vida humana”: a vida em sociedade, a atividade produtiva e a experiência subjetiva, da qual deriva a base nacional comum em áreas: Linguagens e códigos; Matemática e ciências da natureza; Ciências humanas, todas atreladas às tecnologias. Essas áreas não seriam estanques, mas devem interagir na perspectiva da interdisciplinaridade e da contextualização, muito embora não se especifique como isso seria feito. Na área específica de Ciências humanas e suas tecnologias, foi publicado em 2006 outro documento trazendo as orientações curriculares para cada disciplina, e nos quais “Dessa forma, o ensino de História, articulando-se com o das outras disciplinas, busca oferecer aos alunos possibilidades de desenvolver competências que os instrumentalizem a refletir sobre si mesmos, a se inserir e a participar ativa e criticamente no mundo social, cultural e do trabalho”. (BRASIL, 2006, p.67) O discurso presente nesse documento é deveras consonante com as discussões presentes na moderna historiografia e na literatura atual sobre ensino de história no nível médio, e segue afirmando que os Parâmetros apresentam conceitos básicos que sustentam o conhecimento histórico, muito embora cada professor tenha liberdade para trabalhá-los em qualquer assunto de história. No universo de conceitos históricos, o documento apresenta oito conceitos que são imprescindíveis para o aprendizado do aluno: o primeiro é a própria historicidade dos conceitos. Então, seguem-se os conceitos de tempo, sujeito histórico, trabalho, poder e cultura. Apresentam-se, então as habilidades que devem ser trabalhadas e como as mesmas devem ser abordadas em sala de aula, que em geral vinculam-se à 11 necessidade de se entender a história com um processo que envolve vários sujeitos sociais em constante embate, vinculados à sua vida material e relacionando-se de diversas maneiras diferentes, construindo, assim, suas representações e identidades. Procura-se combater qualquer forma de preconceito, e a desigualdade social. Para o professor, recomenda-se que evite o uso da memorização com um fim em si mesmo, que procure adequar o conteúdo à realidade dos alunos e que seu papel é de mediador no processo de ensino-aprendizagem (BRASIL, 2006, p. 80-83). Em relação às DCNs para o ensino médio, a expressão “diretriz” é trazida como indicações gerais para ações mais duradouras, como padrões mínimos. Baseiam-se na estética da sensibilidade (que seria uma valorização da criatividade, do espírito inventivo, a curiosidade pelo inusitado e a afetividade), na política da igualdade (entendida basicamente como o reconhecimento dos direitos humanos e o exercício dos direitos da cidadania) e a ética da identidade (basicamente, o processo de construção e reconhecimento de identidades, tendo em vista as outras duas bases já citadas) (BRASIL, 1999, p.62-65). As DCNs repetem, em grande parte, o discurso dos PCNs em relação às suas concepções pedagógicas, e por isso nos interessará mais o que as Diretrizes trazem especificamente para a área de ciências humanas e suas tecnologias. Mas, antes disso, é importante informar que, segundo o texto, “a tecnologia comparece como 'alfabetização científico-tecnológica', compreendida como a familiarização com o manuseio e com a nomenclatura das tecnologias de uso universalizado, como, por exemplo, os cartões magnéticos.” (BRASIL, 1999, p. 92). É possível perceber, nesse trecho, a preocupação, já antes citada, de buscar uma educação que faça frente às demandas da sociedade moderna, tendo aplicabilidade prática e fugindo de um modelo bacharelesco de organização curricular. O ensino de Ciências humanas deve contemplar a compreensão do significado de identidade, da sociedade e da cultura, bem como os elementos cognitivos que lhe são subjacentes. Além disso, busca-se entender os fundamentos da cidadania, incentivando o respeito à diversidade e da igualdade social. Como conhecimentos metodológicos, espera-se que o aluno conheça as tecnologias utilizadas para comunicação e informação do indivíduo, da sociedade e da cultura. Dessa forma, busca-se um perfil de educando do ensino médio que, a mesmo tempo, valorize o exercício da cidadania, conheça os diferentes sujeitos históricos e seja capaz de utilizar as tecnologias referentes a esses conhecimentos. 12 Considerações finais Vimos que o Ensino Médio, embora tenha passado por diferentes perspectivas no decorrer da história, tem atualmente nos PCN e DCN referências gerais a respeito de sua constituição, propósitos e disciplinas. Nesse contexto, a disciplina de história foi colocada como propiciadora de reflexão sobre os sujeitos em sociedade no tempo, contribuindo para o desenvolvimento e exercício da cidadania. A legislação em si parece ser, à primeira vista, moderna, interessante e adequada à realidade da educação brasileira. Porém, como nos relata Manoel de Macedo Neto, a readequação da legislação educação em nosso país adveio de uma forte pressão interna, de setores ligados à educação por reformas ao mesmo tempo em que existia uma pressão externa, visto que era necessário adequar-se à UNESCO em suas principais diretrizes (MACEDO NETO, 2009, p.2). Comentando especificamente a legislação que foi abordada supra, Luiz Antonio CUNHA, citado por MACEDO NETO, afirma que a elaboração das PCNs foi prejudicada pela insuficiência de prazos e pela marginalização da Universidade no processo. Por isso, o mesmo conclui que embora o documento valorize a cidadania, “sua elaboração não resultou de uma experiência verdadeiramente democrática” (2009, p.3). É possível afirmar também que o texto é quase completamente desconhecido pela grande maioria dos educadores, e em geral nem as secretarias de educação preocupam-se em trazer para cada um deles o que se é esperado de seu trabalho em uma instituição educacional. Mesmo que representem um avanço educacional no Brasil, as Diretrizes e os Parâmetros necessitam de uma revisão urgente, que não apenas se coadune à “sociedade tecnológica”, mas, sobretudo, à realidade sócio-cultural dos educandos brasileiros. Debatemos, nesse texto, aspectos gerais concernentes ao ensino médio no Brasil, incluindo sua conceituação, historicidade e legislações atuais. Inicialmente visto como mera preparação à educação superior ou para o trabalho, com legislação por vezes ambígua e relativamente desconectada da realidade, o ensino médio se tornou na atualidade um foco nas políticas públicas educacionais. REFERÊNCIAS 13 BATISTA, Santos Dias; SOUZA, Alexsandra Matos e OLIVEIRA, Júlia Maria da Silva. A Evasão Escolar no Ensino Médio: um estudo de caso. Revista Profissão Docente, Uberaba, v.9, n.19, 2009. BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. (org). O saber histórico na sala de aula. São Paulo: Contexto, 2006. BRASIL. Diretrizes Curriculares Nacionais. Brasília, DF, 1999. 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