Em busca de sentido
A descoberta do sentido e a procura da liberdade
Luiz Vergilio Dalla-Rosa
Revista Casablanca, abril de 2007
Toda ação humana está condicionada a uma estrutura própria, a uma natureza específica
que a descreve, a explica e ao mesmo tempo a constitui. Mais ainda, toda ação humana
é aquela praticada por um indivíduo, no limite de sua identidade e, preponderantemente,
no exercício de sua consciência. Outra característica da ação humana é sua estrutura
formal permanente. Existe um agente titular da ação (aquele que inicia, que executa a
ação), um caminho (a ação propriamente dita), um resultado (a finalidade da ação
praticada) e um destinatário (aquele que recebe os efeitos da ação praticada). Existem
ações humanas que, ao serem executadas, geram um resultado e este resultado é
observado exclusivamente na esfera do próprio indivíduo que agiu. Ou seja, nas ações
internas, titular e destinatário da ação são a mesma pessoa. O conhecimento, por
excelência, é uma ação interna. Como bem descreve Olavo de Carvalho, somente a
consciência individual do agente dá testemunho dos atos sem testemunha, e não há ato
mais desprovido de testemunha externa que o ato de conhecer. Por outro lado, existem
ações humanas que, uma vez executadas, atingem potencialmente a esfera de outrem,
isto é, os resultados serão observados em pessoas distintas daquele que agiu. Titular e
destinatário da ação são distintos.
Qualquer ação, desde o ato de estudar, de conhecer, de sentir medo ou alegria, temor ou
abandono, satisfação ou decepção, até os atos de trabalhar, comprar, vender, rezar ou
votar são sempre ações humanas e com tal estão sujeitas à estrutura acima identificada.
Não é acidental que a linguagem humana, e toda a sua gramática, destinem aos verbos a
função de indicar a ação. Sempre que existir uma ação, teremos como identificar seu
titular, sua natureza, seus fins e seus destinatários.
Consciente disto, o médico e psicólogo Viktor E. Frankl, que no curso de uma carreira
brilhante (trocava correspondências com o Dr. Freud desde os seus dezessete anos e
deste recebia elogios em diversas publicações) desenvolvia técnicas de compreensão da
ação humana e, consequentemente, mecanismos e instrumentos de diagnóstico e cura
para os eventuais problemas detectados, destacou-se como um dos principais estudiosos
da sanidade humana, do equilíbrio físico-mental e da medicina como ciência do homem
em sua dimensão integral, não apenas físico-corporal. Com o advento da Segunda
Grande Guerra, Viktor Frankl e toda a sua família foram capturados e aprisionados em
campos de concentração do regime nacional-socialista de Hitler. Durante anos sofreu
todos os flagelos que eram ininterruptamente aplicados em campos de concentração
espalhados por todo território ocupado. Foi neste ambiente, sob estas circunstâncias, em
que a vida sente sua fragilidade extrema e enxerga seus limites com uma claridade
única, que Frankl consegue, ao olhar seu semelhante, identificar aquilo que nos faz
diferentes, que nos faz livres.
Durante todo o período de confinamento em campos de concentração (inclusive
Auschwitz) Frankl observou que os indivíduos confinados respondiam aos castigos, às
privações, de forma distinta. Alguns, perante a menor restrição, desmoronavam
interiormente, perdiam o controle, sucumbiam frente à dura realidade e não conseguiam
suportar a dificuldade da vida. Outros, porém, experimentando a mesma realidade
externa dos castigos e das privações, reagiam de forma absolutamente contrária.
Mantinham-se íntegros em sua estrutura interna, entregavam-se como que em sacrifício,
esperavam e precisavam viver, resistiam e mantinham a vida.
Observando isto, Frankl percebe que a diferença entre o primeiro tipo de indivíduo,
aquele que não suporta a dureza de seu ambiente, e o segundo tipo, que se mantém
interiormente forte, que supera a dureza do ambiente, está no fato de que os primeiros já
não têm razão para viver, nada os toca, desistiram. Ou segundos, por sua vez, trazem
consigo uma vontade de viver que os mantêm acima do sofrimento, trazem consigo um
sentido para sua vida. Ao atribuir um sentido para sua vida, o indivíduo supera-se a si
mesmo, transcende sua própria existência, conquista sua autonomia, torna-se livre.
Ao sair do campo de concentração, com o fim do regime nacional-socialista, Frankl,
imediatamente e sob a forma de reconstrução narrativa de sua experiência, publica um
livreto com o título Em busca de sentido: um psicólogo no campo de concentração,
descrevendo sua vida e a de seus companheiros, identificando uma constante que
permitiu que não apenas ele, mas muitos outros, suportassem o terror dos campos de
concentração sem sucumbir ou desistir, todos eles tinham um sentido para a vida.
Neste mesmo momento, Frankl apresenta os fundamentos daquilo que viria a se tornar a
terceira escola de Viena, a Análise Existencial, a psicologia clínica de maior êxito até
hoje aplicada. Nenhum método ou teoria foi capaz de conseguir o número de resultados
positivos atingidos pela psicologia de Frankl, pela análise que apresenta ao indivíduo a
estrutura própria de sua ação e que consegue com isto explicitar a necessidade
constitutiva do sentido (da finalidade) para toda e qualquer ação humana.
Sentido de vida é aquilo que somente o indivíduo pode fazer e ninguém mais. Aquilo
que se não for feito pelo indivíduo não será feito sob hipótese alguma. Aquilo que
somente a consciência de cada indivíduo conhece. Aquilo que a realidade de cada um
apresenta e exige uma tomada de decisão.
Não existe nenhuma educação se não for para ensinar a superar-se a si mesmo, a
transcender-se, a descobrir o sentido da vida. Tudo o mais é morno, é sem luz, é,
literalmente, desumano.
Educar é, pois, descobrir o sentido, vivê-lo, aceitá-lo, executá-lo. Educar não é treinar
habilidades, não é condicionar comportamentos, não é alcançar técnicas, não é impor
uma profissão. Educar é ensinar a viver, a não desistir, a descobrir o sentido e,
descobrindo-o, realizá-lo. Numa palavra, educar é ensinar a ser livre.
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Luiz Vergilio - Artigo outra área - Em busca de sentido