Pró-Reitoria de Graduação Escola de Educação e Humanidades Curso de Serviço Social Trabalho de Conclusão de Curso ATUAÇÃO DO CAPS-AD JUNTO AOS USUÁRIOS DE ÁLCOOL E OUTRAS DROGAS E A IMPORTÂNCIA DA FAMÍLIA NO TRATAMENTO Autora: Danielle de Souza Rodrigues Orientadora: Profª. MSc. Karina Aparecida Figueiredo Brasília - DF 2015 DANIELLE DE SOUZA RODRIGUES ATUAÇÂO DO CAPS-AD JUNTO AOS USUÁRIOS DE ÁLCOOL E OUTRAS DROGAS E A IMPORTÂNCIA DA FAMÍLIA NO TRATAMENTO Artigo apresentado ao curso de graduação em Serviço Social da Universidade Católica de Brasília (UCB), como requisito parcial para obtenção do título de Bacharela em Serviço Social. Orientadora: Profª. MSc. Karina Aparecida Figueiredo. Brasília – DF 2015 Artigo de autoria de Danielle de Souza Rodrigues, intitulado “ATUAÇÂO DO CAPS-AD JUNTO AOS USUÁRIOS DE ÁLCOOL E OUTRAS DROGAS E A IMPORTÂNCIA DA FAMÍLIA NO TRATAMENTO”, apresentado como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharela em Serviço Social da Universidade Católica de Brasília (UCB), em 16 de Junho de 2015, defendido e aprovado pela banca examinadora abaixo assinada. _______________________________________ Profª. MSc. Karina Aparecida Figueiredo Orientadora Universidade Católica de Brasília - UCB _______________________________________ Profª. MSc. Késia Mirian Santos de Araújo Banca Examinadora Universidade Católica de Brasília - UCB _______________________________________ Profª. MSc. Claudia Quermes Banca Examinadora Universidade Católica de Brasília - UCB Brasília 2015 Dedico esse artigo a toda minha família que sempre esteve ao meu lado, aos profissionais do CAPS-ad do Guará, pois através de uma pesquisa de campo feita na unidade surgiu o interesse em realizar o presente trabalho. AGRADECIMENTO Primeiramente agradeço a Deus pela graça alcançada, por sempre me abençoar e guiar meus passos. A minha família, pelo apoio e paciência, por estar sempre ao meu lado em todas as vezes que mudei e desisti das escolhas que fiz e que agora está tão feliz quanto eu nessa nova etapa concluída. Agradeço em especial ao meu pai e a minha mãe por sempre estarem ao meu lado, me apoiando, dando conselhos, ajudando e colocando-me para frente com seus conselhos. Agradeço ao meu marido pela paciência, força e apoio que me deu ao longo desses 4 anos e 6 meses. Aos meus filhos pelo incentivo, confiança e por sentiremse orgulhosos da minha conquista. A minha tia Marla Catarine Gonçalves por me ajudar, por ser uma segunda orientadora e ter paciência comigo. A minha orientadora Karina Aparecida Figueiredo pela paciência, dedicação e força que me deu para seguir em frente. Aos professores de Serviço Social pelos conhecimentos passados, que contribuíram para construção desse trabalho. Agradeço aos meus familiares pelos conselhos, aos colegas da universidade que sempre estiveram ao meu lado dando dicas e fazendo críticas construtivas, a todos que ao longo desses cinco anos estiveram ao meu lado meus sinceros agradecimentos. Sempre existiram drogas mais potentes, mais calmantes, mais tranquilizantes, mais alucinógenas do que todas as drogas da farmacopéia antiga e da farmacologia moderna. Essas miracledrugs, essas drogas-milagre são as palavras. (Pitigrilli) 6 ATUAÇÂO DO CAPS-AD JUNTO AOS USUÁRIOS DE ÁLCOOL E OUTRAS DROGAS E A IMPORTÂNCIA DA FAMÍLIA NO TRATAMENTO DANIELLE DE SOUZA RODRIGUES Resumo: O presente artigo tem o objetivo discorrer sobre os principais aspectos sociais referentes ao trabalho realizado pelos Centros de Atendimento Psicossocial em Álcool e Drogas (CAPS-ad) junto aos usuários de álcool e outras drogas e suas famílias. A pesquisa realizada é de natureza qualitativa e origem bibliográfica, através de artigos científicos, textos e leituras realizadas nas bibliografias dos autores Ribeiro e Laranjeira (2010), Volkow (2010 apud ABEAD, 2010), Amarante (1995) Miermont (1987), Barroso e Abreu (2004), Passos (2009), Rosa (2008) e Mioto (1997). O artigo apresentou também algumas legislações que tratam do tema. As reflexões apontam a importância de se trabalhar as questões familiares no processo de tratamento da dependência química, ressaltando o papel primordial da família e a importância do fortalecimento dos vínculos com o usuário e a instituição. Palavras-chave: Drogas. Dependência Química. Família. 1 INTRODUÇÃO O intuito do artigo foi discorrer sobre a atuação dos Centros de Atendimento Psicossocial em Álcool e Drogas (CAPS-ad) no auxílio ao usuário e a família durante o tratamento da dependência química. Contudo, pretendeu-se com o presente trabalho contribuir para estudos desse tema, principalmente para fins acadêmicos, pois se trata de um assunto pouco discutido na área do Serviço Social. O interesse pelo tema surgiu do trabalho realizado nas disciplinas de Pesquisa Social I e II, em que foi realizado um estudo de campo no CAPS-ad do Guará – Distrito Federal. O CAPS-ad é uma unidade de saúde especializada em atender usuários de álcool e outras drogas, dentro das diretrizes determinadas pelo Ministério da Saúde, que têm por base o tratamento do paciente em liberdade, buscando sua reinserção social l (SILVESTRE, 2009). O CAPS-ad oferece aos pacientes atendimento diário para aqueles que fazem uso de álcool e outras drogas e suas famílias. A partir da Reforma Psiquiátrica, que foi um marco histórico ocorrido no Brasil e em outros países houve um avanço significativo na atuação por parte da política de saúde para pessoas com problemas decorrentes do uso ou abuso de álcool e outras drogas. Foi na década de 70 que se iniciou o processo da Reforma Psiquiátrica no Brasil, mais precisamente no ano de 1978. Porém, sua aprovação só se deu 23 anos depois, no ano de 2011 com a lei 10.216/2011, onde a mesma inicia novas condutas humanizadas de saúde mental. Sua criação foi influenciada pelas mudanças do tratamento psiquiátrico mundial, assim como pelo movimento de luta antimanicomial. A partir daí, surgiram os CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) em substituição às internações em hospitais psiquiátricos. 7 Os CAPS foram regulamentados por portaria do Ministério da Saúde em 2002, organizados nos territórios conforme a necessidade populacional para tratamento de pacientes com transtornos mentais e ou dependentes do uso de substancias psicoativas e/ou relacionados ao uso álcool e outras drogas no País. Segundo Ribeiro e Laranjeira (2010) a dependência química é um processo de aprendizado e não a busca do prazer, que faz com que o dependente volte a fazer uso da droga, buscando evitar a sensação de desprazer que a falta da mesma produz. Bullaccio (1992) sugere que a droga funciona como uma solução para a angústia, como um chamado e também como uma denúncia de que há algo que não exerce a sua função, algo que não funciona. O uso ou abuso dessas substâncias que causam alterações no estado de consciências das pessoas perpassa os diversos contextos que envolvem a vida humana, sejam eles sociais, psicológicos, culturais, econômicos, etc. Compreende-se que existem inúmeros fatores que contribuem para que uma pessoa entre no “mundo das drogas”, no qual muitas vezes o contexto familiar influencia, além das condições oferecidas pela própria sociedade e Estado. O artigo foi estruturado em sete tópicos: 1- Introdução; 2- Metodologia; 3Dependência química; 4- O Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack e Outras Drogas; 5- Saúde como direito e os desafios da saúde mental e sua subseção sobre CAPS-ad; 6-Família e sua importância para a melhoria do usuário em tratamento e na sequência; o CAPS-ad e a atuação com a família e fechando com as considerações finais. 2 METODOLOGIA O estudo é decorrente de uma pesquisa qualitativa e exploratória, realizada por meio de levantamento bibliográfica com leituras sobre o tema em questão. A pesquisa qualitativa é mais adequada nas ciências sociais, pois propõe uma realidade maior do que a quantitativa. Pesquisa Qualitativa: considera que há uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, isto é, um vínculo indissociável entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito que não pode ser traduzido em números. A interpretação dos fenômenos e a atribuição de significados são básicas no processo de pesquisa qualitativa. Não requer o uso de métodos e técnicas estatísticas. O ambiente natural é a fonte direta para coleta de dados e o pesquisador é o instrumento-chave. É descritiva. Os pesquisadores tendem a analisar seus dados indutivamente. O processo e seu significado são os focos principais de abordagem (SILVA, 2005, p. 20). A pesquisa exploratória [...] permite uma aproximação de tendências que estão ocorrendo na realidade, para as quais não temos ainda conhecimento sistematizado nem bibliografia consolidada. Nestas condições é preciso consultar pessoas que tenham alguma experiência prática em relação ao tema ou que elaboraram alguma observação, ainda que inicial, sobre os fenômenos que estão ocorrendo (MARSIGLIA, 2007, p. 2) 8 A pesquisa exploratória envolve levantamento bibliográfico, “desenvolvida com base em material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos” (GIL, 2002, p. 44). A pesquisa bibliográfica possibilita um amplo alcance de informações, além de permitir a utilização de dados dispersos em inúmeras publicações, auxiliando também na construção ou na melhor definição do quadro conceitual que envolve o objeto de estudo proposto (GIL, 1994). O levantamento bibliográfico consiste em uma pesquisa de livros, documentos, artigos, sites que falem sobre o tema investigado pelo pesquisador em seu trabalho acadêmico. Para a professora Malheiros (2010), a pesquisa bibliográfica levanta o conhecimento disponível na área, possibilitando que o pesquisador conheça as teorias produzidas, analisando-as e avaliando sua contribuição para compreender ou explicar o seu problema objeto de investigação. A análise foi realizada por meio de uma leitura crítica do material pesquisado. 3 DEPENDÊNCIA QUÍMICA Pode-se dizer que a história da dependência química se confunde com a própria história da humanidade (CARRANZA e PEDRÃO, 2005), ou seja, o consumo de drogas sempre existiu ao longo dos tempos desde as épocas mais antigas e em todas as culturas e religiões, com finalidades especificas. Isso por que o homem sempre buscou, através do tempo, maneiras de aumentar o seu prazer e diminuir seu sofrimento (MARTINS e CORRÊA, 2004). Analisando a evolução histórica do ser humano é possível verificar que droga nem sempre esteve inserida nos contextos de saúde e doença. A perspectiva de considerar as drogas como algo que causa dependência e sofrimento para todos aqueles que estão envolvidos em tal ação é recente na história. Devido a isso é importante pontuar, que hábitos e costumes da sociedade vem de tempos, como por exemplo festas de famílias ou datas comemorativas regradas à bebida alcoólica, sendo considerados hábitos que passam de geração em geração. Conte (2001, p. 114) enfatiza, nesse sentido, que: A questão do uso e abuso de drogas no Brasil segue aumentando em faixas etárias cada vez mais precoces em todos os segmentos sociais e camadas populacionais; porém, nas classes marginalizadas, além das perdas em termos econômicos e do prejuízo em termos de cidadania, configura-se um drama de degradação e exclusão que merece um olhar e uma abordagem cuidadosos. Ribeiro e Laranjeira (2010) afirmam que a dependência química se baseia na sensação de prazer, transmitida ao cérebro, recebida pelo sistema de recompensa. Após o recebimento desta sensação pelo sistema de recompensa ela é transmitida para o resto do corpo. É exatamente nesta área do cérebro que as drogas agem gerando a sensação de prazer acima mencionada. É aí que a pessoa torna-se dependente, pois a sensação de prazer quando ativada por este sistema torna-se ainda mais real. Já neste momento se instala no usuário a dificuldade de sair desta situação. Dessa forma, quando se fala em álcool e tabaco já se tem uma discussão e conteúdos acumulados para se trabalhar no contexto da política de saúde. No 9 entanto, sobre o uso de outras drogas como a maconha, cocaína, crack, ainda são recentes as discussões e proposições. Os motivos que levam à dependência química são os mais variados possíveis. As drogas corrompem o sistema de recompensa, e a pessoa passa a darlhe preferência quase que absoluta, mesmo que essa atitude atrapalha a dinâmica da sua vida. O sistema de prazer é muito antigo e o efeito que a droga produz é tão intenso que age justamente nesses mecanismos biológicos primitivos (RIBEIRO e LARANJEIRA 2010). A dependência, segundo Ribeiro e Laranjeira (2010) é um processo de aprendizado. Não é a busca do prazer que faz com que o dependente volte a fazer uso da droga e sim evitar a sensação de desprazer que a falta da mesma produz. A dependência faz parte do mecanismo psicológico, que induz o indivíduo a buscar a sensação de prazer e evitar o desprazer. Busca-se a droga, pois, no organismo já foi criado uma necessidade biológica - daí origina-se a dependência. Para a psiquiatra Volkow (2010 apud ABEAD, 2010), a dependência química é uma doença crônica, que compromete as funções do cérebro, agindo em uma área que é responsável pela tomada de decisões do indivíduo, além da área que é responsável pela mudança de comportamento. Após algum tempo, mesmo não sentindo mais o prazer inicialmente dado pela droga, o dependente tem dificuldades de interromper o uso. Os efeitos podem ser intensos quando se inicia o uso na infância e adolescência, que é exatamente quando o cérebro está se desenvolvendo. Segundo esta autora o uso de drogas na adolescência é mais perigoso do que na vida adulta porque o cérebro de um adolescente é mais sensível aos estímulos externos. A forma que seu cérebro vai se configurar na idade adulta depende muito dos estímulos que você recebeu quando criança e adolescente (VOLKOW, 2010 apud NOTICIAS DA ABEAD, 2010) O desenvolvimento da dependência química, segundo Volkow (2010 2010 apud NOTICIAS DA ABEAD, 2010), depende de um conjunto de fatores em que o indivíduo está inserido, ou seja, depende dos aspectos genéticos, sociais, culturais, emocionais e ambientais. Segundo Volkow, o uso repetitivo de substâncias químicas diminui a habilidade de controle do indivíduo. As drogas afetam uma área cerebral chamada córtex orbitofrontal, responsável pelas decisões que tomamos, fazendo com que ela não funcione como deveria. “Os dependentes acabam perdendo o livre-arbítrio para dizer não. Cabe ao Estado implementar ações de tratamento, recuperação, reinserção social e ocupacional dos usuários de drogas e dependentes químicos, e de redução dos danos advindos do uso indevido de drogas. Essas ações devem ser implementadas em rede nacional, com a participação de organizações não governamentais, como comunidades terapêuticas, grupos de autoajuda e ajuda mútua, casas de apoio e convivência e moradias assistidas, articuladas ao Sistema Único de Saúde - SUS - e ao Sistema Único de Assistência Social - Suas. (Texto digital,2013). Pensando nessa recuperação e reinserção social, foi criado o Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack e outras Drogas em 2010. 3.1 O PLANO INTEGRADO DE ENFRENTAMENTO AO CRACK E OUTRAS DROGAS 10 Em 20 de maio de 2010, o então presidente da república Luiz Inácio Lula da Silva, lançou o Decreto de n° 7.179 que visa o combate ao uso do crack e outras drogas. Esse Decreto é um aperfeiçoamento das políticas lançadas anteriormente, que têm como meta a prevenção, o tratamento e a reinserção social dos usuários, bem como o enfrentamento ao tráfico de crack e outras drogas ilícitas. As ações deverão ser executadas de forma descentralizada e integrada, por meio da conjugação de esforços entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios (BRASIL, 2012). Essa política tem como objetivos estruturar, articular e ampliar as ações voltadas à prevenção do uso, tratamento e reinserção social de usuários de crack e outras drogas, além de ampliar e fortalecer as redes de saúde e assistência social para usuários de crack e outras drogas, de capacitar atores governamentais e não governamentais envolvidos nas ações e no enfrentamento do tráfico de drogas. Outra dimensão da Política Nacional é ampliar a participação comunitária e disseminar informações qualificadas relativas ao crack e outras drogas, além de fomentar o desenvolvimento das ações em nível municipal, por meio da destinação de recursos. Em 2011 o governo lançou o plano que tem como título “Crack, é possível vencer”. O plano tem como uma de suas metas dar mais atenção aos usuários e suas respectivas famílias para que o tratamento tenha maior eficácia, visando o fortalecimento da rede de proteção, atuação nas escolas, nas comunidades e maior comunicação com a população como formas de prevenção e atenção a essa situação que é extremamente complexa. Conforme o Art. 2o, são objetivos do Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack e outras Drogas: I - estruturar, integrar, articular e ampliar as ações voltadas à prevenção do uso, tratamento e reinserção social de usuários de crack e outras drogas, contemplando a participação dos familiares e a atenção aos públicos vulneráveis, entre outros, crianças, adolescentes e população em situação de rua; II - estruturar, ampliar e fortalecer as redes de atenção à saúde e de assistência social para usuários de crack e outras drogas, por meio da articulação das ações do Sistema Único de Saúde - SUS com as ações do Sistema Único de Assistência Social - SUAS; III - capacitar, de forma continuada, os atores governamentais e não governamentais envolvidos nas ações voltadas à prevenção do uso, ao tratamento e à reinserção social de usuários de crack e outras drogas e ao enfrentamento do tráfico de drogas ilícitas; IV - promover e ampliar a participação comunitária nas políticas e ações de prevenção do uso, tratamento, reinserção social e ocupacional de usuários de crack e outras drogas e fomentar a multiplicação de boas práticas; V - disseminar informações qualificadas relativas ao crack e outras drogas; e VI - fortalecer as ações de enfrentamento ao tráfico de crack e outras drogas ilícitas em todo o território nacional, com ênfase nos Municípios de fronteira (BRASIL, 2010, TEXTO ELETRÔNICO). As ações estão alinhadas com as diretrizes do Governo Federal, especialmente com a Política Nacional sobre Drogas e com a Política Nacional sobre o Álcool e as premissas do Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack e outras Drogas (BRASIL, 2012). 11 Nesse contexto uma das políticas estratégicas para atuação no atendimento ao usuário de álcool e outras drogas é a política de saúde, em especial a área de saúde mental. 4 SAÚDE COMO DIREITO E OS DESAFIOS DA SAÚDE MENTAL O Sistema Único de Saúde (SUS) é considerado um dos maiores sistemas públicos de saúde do mundo segundo informações do Conselho Nacional de Saúde. Foi instituído pela Constituição Federal de 1988, em seu artigo 196 como forma de efetivar o mandamento constitucional do direito à saúde como um “direito de todos” e “dever do Estado” e está regulado pela Lei nº. 8.080/1990, a qual operacionaliza o atendimento público da saúde. A sua inscrição na Carta Magna acatou as proposições da sociedade civil organizada, incorporando mudanças no papel do Estado e alterando de forma significativa o arcabouço jurídico-institucional do sistema público de saúde brasileiro, pautando-se por um conjunto de princípios e diretrizes válidos para todo o território nacional. É composto pelo conjunto organizado e articulado de serviços e ações de saúde integrantes das organizações públicas de saúde das esferas municipal, estadual e federal, além dos serviços privados como complementares. O SUS fundamenta-se em uma concepção ampla do direito à saúde e do papel do Estado na garantia desse direito. Para tanto, incorpora em sua estrutura institucional e decisória espaços e instrumentos para democratização e compartilhamento da gestão do sistema de saúde (AGUIAR et al, 2011). A lei 8.080/90 dispõe sobre as condições para promoção, proteção e recuperação da saúde e ainda regula as ações, a organização e o funcionamento dos serviços de saúde em todo o país. Os princípios doutrinários do SUS são três: a universalidade, a equidade e a integralidade da atenção. Esses princípios apontam para a democratização nas ações e serviços de saúde, possibilitando o direito a todos independentemente de contribuir ou não para a previdência ou outros pré-requisitos. Todos os cidadãos têm direito ao atendimento de saúde público e gratuito, incluindo consultas, exames, internações e tratamentos nas unidades públicas, privadas ou filantrópicas contratadas pelo gestor público. Já a consolidação da saúde mental como direito como integrante do SUS teve avanços a partir da Reforma Psiquiátrica, com a aprovação da Lei 10.216/2001, que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas acometidas de transtornos mentais bem como redireciona o modelo assistencial em saúde mental (BRASIL, 2001), visando a extinção progressiva dos leitos psiquiátricos e o atendimento em serviços abertos de base comunitária, substitutivos aos de caráter asilar/manicomial. Em 2001 o Congresso aprovou a Lei 10.216, onde o Estado ficou com a responsabilidade de revigorar mudanças do sistema assistencial para assegurar o ingresso de todos a um tratamento mais decisivo que exclusivo. A Reforma Psiquiátrica compõe um atual estatuto social para o doente mental, que lhe assegura a cidadania, o respeito e o acesso a seus direitos. No ano de 2001 em Brasília ocorreu a III Conferência Nacional de Saúde Mental, que teve como seu tema a expressão “Cuidar, sim. Excluir, não” e também o tema “Efetivando a Reforma Psiquiátrica, com Acesso, Qualidade, Humanização e Controle Social”, no mesmo ano em que a Lei 10.216 foi aprovada. 12 Saúde mental é um estado no qual o indivíduo consegue desenvolver suas habilidades por si só, realizar tarefas ou ações das quais não seria capaz se não estivesse bem consigo mesmo. A atenção em saúde mental é oferecida no Sistema Único de Saúde (SUS), através de financiamento tripartite e de ações municipalizadas e organizadas por níveis de complexidade. De fato, o Brasil tem se empenhado em fechar os hospitais psiquiátricos, criando Hospitais-dia, Núcleos de Atenção Psicossocial (NAPS), e mais recentemente os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), para que as pessoas com transtorno mental tenham um atendimento mais humanizado e que as considere como um ser biopsicossocial. No entanto, ainda há muito a se fazer para que a Reforma Psiquiátrica seja materializada de fato, visto que o modelo assistencial de asilamento deixou marcas profundas na cultura brasileira. Com os princípios da Reforma Psiquiátrica começou a acontecer a desospitalização, onde o SUS atua interdisciplinarmente buscando uma estratégia eficaz de enfrentamento do problema da saúde mental e da dependência química. Amarante (1995) afirma que o Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental (MTSM) construiu um pensamento crítico no campo da saúde mental que permite visualizar uma possibilidade de inversão de tal modelo partindo do conceito de desinstitucionalização, procurando entender a função social da psiquiatria e suas instituições para além do deu papel médico-terapêutico. As políticas públicas decorrentes das proposições desse movimento focalizaram, primordialmente, a atenção a partir do estabelecimento de uma rede substitutiva ao modelo asilar. Nesse sentido, Scarcelli e Alencar (2009) ponderam que embora tenha ocorrido muitos avanços no que diz respeito a Reforma Psiquiátrica brasileira ainda há que se enfrentar, como desafio relacionado a desconstrução de uma cultura manicomial, a sua suplantação centrada fundamentalmente em aspectos assistenciais. Atualmente, muitas barreiras existem para ser incorporados na prática de atenção à saúde mental no SUS os princípios da reforma psiquiátrica, mas também existem municípios onde a atenção à saúde mental teve grandes avanços, com mudanças significativas na direção de uma política antimanicomial no seu sentido pleno. A oferta de mais e melhores serviços de saúde mental à população ultrapassa o interesse dos especialistas da área e atende a necessidade de resolução de um grave problema. Partindo desse pensamento foi inaugurado no Hospital Geral de Pirajussara, em Taboão da Serra, a unidade de internação psiquiátrica dessa instituição. . Posteriormente, compromissados com a inserção do hospital na rede locorregional de saúde, criamos também, em suas proximidades, o Centro Comunitário de Saúde Mental (hoje CAPS II daquela cidade localizada na Grande São Paulo). Essas unidades utilizam mecanismos gerenciais flexíveis e dinâmicos, focados no paciente e suas necessidades, ganhando resolubilidade e produtividade no sistema. Essa unidades são exemplos para o país em se tratando dessa demanda. A Rede de Cuidados em Saúde Mental, Crack, Álcool e outras Drogas avançou em julho de 2011, como parte das discussões da implantação do Decreto nº 7.508 de 28 de junho de 2011, que prevê, a partir da Política Nacional de Saúde Mental os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS-ad), os Serviços Residenciais 13 Terapêuticos, os Centros de Convivência e Cultura, as Unidades de Acolhimento e os leitos de atenção integral em Hospitais Gerais (BRASIL, 2012). 4.1 CENTRO DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL EM ÁLCOOL E DROGAS (CAPSad). Em 2002 foi criada a Portaria de número 336 que regulamentou os CAPS, os redefiniu e os classificou por ordem crescente, seguindo alguns critérios como abrangência populacional, a complexidade de atenção e a população alvo. Dessa maneira, com essa nova classificação foram implantados em todo território nacional os Centros de Atenção Psicossocial na modalidade álcool e drogas (CAPS-ad). O CAPS-ad atendem pessoas que estão com problemas decorrentes do uso leve ou abusivo de álcool e outras drogas e atende por diferentes níveis de cuidados, que são: intensivo (diariamente), semi-intensivo (de duas ou três vezes por semana) e o não-intensivo (até três vezes por mês). O serviço prestado é ambulatorial, que é substitutivo à “internação psiquiátrica” (BRASIL, 2005). O serviço do CAPS é a porta de entrada do usuário de álcool e outras drogas no Sistema Único de Saúde. É importante ressaltar que apenas são atendidos os pacientes que buscam ajuda, já que o tratamento é aberto, isto é, não há internação ou qualquer outro procedimento contra a vontade do dependente. O CAPS-ad foi instituído para atender dependentes de álcool e drogas. É uma unidade de saúde e o atendimento é realizado dentro das diretrizes determinadas pelo Ministério da Saúde, sendo o tratamento feito como o usuário em liberdade, buscando sua reinserção social. Os serviços oferecidos prevêem o acolhimento ao dependente e sua família e contam com a presença de equipe multiprofissional para a realização do trabalho durante todo seu período de funcionamento. Orientado pelo modelo psicossocial, os CAPS-ad são propostos como espaço de reconstrução de projeto de vida que, em vez de excluir, medicalizar ou disciplinar deve acolher, cuidar e estabelecer pontes com a sociedade, considerando o usuário em suas implicações subjetivas e socioculturais, elegendo-o como protagonista de seu tratamento. Existem no território nacional o CAPS-ad, CAPS-adi (criança e adolescente), além da modalidade CAPS-ad III, que são os que acolhem os usuários de álcool e outras drogas e funcionam 24 horas. Os parâmetros populacionais para a implantação destes serviços são definidos da seguinte forma: Municípios até 20.000 habitantes - rede básica com ações de saúde mental; Municípios entre 20 a 70.000 habitantes - CAPS I e rede básica com ações de saúde mental; Municípios com mais de 70.000 a 200.000 habitantes - CAPS II, CAPS-ad e rede básica com ações de saúde mental; Municípios com mais de 200.000 habitantes - CAPS II, CAPS III, CAPS-ad, CAPS-adi, CAPS-i e rede básica com ações de saúde mental e SAMU (BRASIL, 2005). Em 2010 a portaria 2841 de 20 de setembro instituiu no âmbito do SUS o Centro de Atenção Psicossocial de Álcool e outras Drogas 24 horas (CAPS-ad III) (BRASIL, 2004). A partir do processo de Reforma Psiquiátrica os CAPS-ad cumprem um papel estratégico funcionando como porta de entrada da rede de saúde mental, tendo o objetivo de proporcionar o suporte e o apoio necessários para as ações da saúde 14 mental, tornando-se assim referências no tratamento dos usuários de álcool e outras drogas. As atividades desenvolvidas no CAPS-ad consistem em oficinas, trabalhos de convivência e atendimentos individuais realizados por assistentes sociais, psicólogos, terapeutas ocupacionais, enfermeiros, técnicos de enfermagem e médicos. Os danos causados pelo uso de substâncias psicoativas atingem não apenas a pessoa que usa, mas toda a esfera familiar e social, haja vista que geralmente se nota a necessidade em se discutir, avaliar e buscar possibilidades de ações e medidas de atendimento das demandas que chegam. Com isso, entende-se que a dependência química não é algo isolada – ela está inserida em um contexto e, dessa forma, atinge todos os atores do ambiente familiar. Por isso a importância dos serviços de atenção trabalharem a família como parte desse processo. 5 FAMÍLIA No imaginário social, o conceito de família encontra-se relacionado a um grupo de pessoas formado por um casal e filhos (família nuclear), tratando-a como uma ideia natural, imutável e universal, vista como uma relação que sempre existiu. Contudo, para que seja possível compreender a família como a construção e instituição social que é, faz-se necessário uma visão crítica para então desnaturalizá-la e analisá-la em uma perspectiva sócio-histórica, observando-a em seus distintos contextos históricos e diversos locais (ROSA 2008). Em cada momento histórico a família teve a sua configuração e sua função, sempre como uma construção histórica, de acordo com os interesses e ideologias da época. Criou-se uma expectativa sob a formação de uma “família estruturada” formada por um casal e filhos, como já mencionado anteriormente, que tem como finalidade nortear a sociedade nos padrões sociais capitalistas. Com base na desnaturalização da família e na perspectiva teórico-metodológica crítica, conclui-se que a instituição familiar é dada a partir de uma construção histórica e reúne em si as determinações econômicas, políticas e sociais (MIOTO 1997). A partir de sua evolução, o papel dessa instituição também sofreu alterações, ou seja, os vínculos familiares foram adotados pela sociedade, como também lhe foram atribuídos papéis sociais, tais como cargos e no que diz respeito ao apoio e à proteção de seus membros. A Política Nacional da Assistência Social (PNAS) (BRASIL, 2004, p. 29) pondera que: [...] são funções básicas da família: prover a proteção e a socialização de seus membros; constituir-se como referências morais, de vínculos afetivos e sociais; de identidade grupal, além de ser mediadora das relações dos seus membros com outras instituições sociais e com o Estado. Na área de Saúde Mental, até o século XX a família era segregada do tratamento da pessoa com transtorno mental, pois considerava-se que aquela, além de ser um agente causador do transtorno, também deveria ser protegida do doente mental. Dessa forma, os manicômios serviam para isolar a pessoa doente. À família, portanto, só restava aguardar e se distanciar (ROSA, 2008). Com os avanços na área da Psiquiatria, de Psicologia e de Psicanálise no século XX (entre eles o higienismo), aprofundou-se a culpabilização das famílias em 15 relação ao adoecimento de seu membro diagnosticado, sendo elas mesmo objeto de intervenção dos profissionais da área de saúde mental, em especial dos assistentes sociais. A família é atingida por esta perspectiva a partir da informação e da educação, onde se destaca a prescrição de regras normalizadoras e preventivas em termos de higiene mental da maneira de os pais educarem seus filhos, num viés de aconselhamento (ROSA, 2008, p. 29-30). Ainda segundo Rosa (2008) a partir das mudanças na segunda metade da década de 1980 e em especial na década de 1990, as famílias passaram a ter relevância no processo de reinserção social. Se o movimento da Luta Antimanicomial defendia a desinstitucionalização das pessoas com transtorno mental, visando garantir-lhes direito, o Estado neoliberal apropriou-se da ideia como forma de cortar gastos com a diminuição dos leitos psiquiátricos, mas sua prática volta-se apenas para a desospitalização, sem implementar políticas públicas que garantam a reinserção social de fato dessas pessoas. Dessa forma, às famílias são devolvidas várias funções que antes eram assumidas pelo Estado, sem que este implemente políticas públicas para apoiá-las e também para atendê-las. Assim, a família passa a ser a principal, quando não a única, alternativa de se desinstitucionalizar ou reinserir socialmente as pessoas que passaram por um asilo psiquiátrico. Dessa forma, a participação da família é de suma importância para o tratamento do usuário de drogas, para que os resultados sejam satisfatórios, e a família possa ser meio de proteção de seus membros. Assim, para Stanhope (1999) a família protege a saúde dos seus membros, dando apoio e resposta, às necessidades básicas em situações de doença. Mioto (1997) afirma que a capacidade de cuidado e proteção dos grupos familiares depende diretamente da qualidade de vida que eles têm no contexto social no qual estão inseridos, o que vem reforçar o que foi dito anteriormente. Caldas (2000) indica que a família apresenta necessidades que vão desde os aspectos materiais até os emocionais, passando pela necessidade de informações. O aspecto material inclui recursos financeiros, questões de moradia, transporte e acesso a serviços de saneamento, de saúde. Por outro lado, essa família cuidadora necessita de informação sobre como realizar os cuidados, como agir diante da situação. Além disso, é importante o suporte emocional, uma rede de cuidados que ligue a família aos serviços de apoio e meios que garantam qualidade de vida aos sujeitos envolvidos. No tratamento de dependência química, o vínculo familiar e comunitário é de suma importância para fortalecer os sujeitos envolvidos. Mesmo quebrando esse vínculo quando iniciam o uso de entorpecentes, quando começa a ser tratado o usuário espera o apoio da família. 5.1 O CAPS-ad E A ATUAÇÃO JUNTO AS FAMÍLIAS O uso de drogas é considerado um problema de saúde pública e as famílias têm ocupado um lugar importante e privilegiado nas discussões das políticas públicas. O CAPS-ad realiza o acolhimento dessa família como possibilidade de suporte e apoio ao processo de tratamento. Além desses serviços de escuta e apoio, 16 são prestados outros serviços de auxílio a essas famílias por meio de palestras e atividades comunitárias, fortalecendo as redes de apoio, etc. A existência de redes pressupõe uma visão relacional dos atores/forças numa correlação de poder onde a perspectiva da totalidade predomina sobre a da fragmentação (FALEIROS, 1999). Segundo Faleiros (1999), o trabalho em redes fomenta os meios para superação do sentimento de impotência. O autor afirma que a rede é uma articulação de atores em torno questões ao mesmo tempo políticas e sociais profundamente complexas processualmente e de forma dialética. Com isso é importante que se construa estratégia que fortaleça o tratamento realizado junto aos usuários, além de ser de suma importância a articulação das redes de apoio envolvidas para que possa garantir o acesso do usuário aos seus direitos, de certa forma negados anteriormente por diversos motivos. Portanto, as redes se articulam com um objetivo em comum que é proporcionar ao usuário acesso ao trabalho, saúde, educação, etc., garantindo sua reinserção social e familiar. No estudo realizado por Barroso e Abreu (2004) foi demonstrada a falta de envolvimento das famílias no processo terapêutico, muitas vezes chegando a comprometê-lo. A ausência da família perante o tratamento de seu familiar pode causar o distanciamento do próprio usuário, por exemplo. E essa não participação da família pode se caracterizar como abandono. Pessoti (1996) afirma que no campo da psiquiatria, nos primórdios de sua constituição enquanto ciência a família foi considerada por Pinel como causa do adoecer, pois a alienação poderia ter influência em uma educação corrompida e no desregramento no modo de viver. Com a Reforma Psiquiátrica a família passou a ter seu papel mais importante, pois, foi a partir da reforma e com a ruptura com o processo de institucionalização que o tratamento passou a ser realizado no contexto comunitário e familiar. Mioto (1997) define família como um núcleo de pessoas que convivem em determinado lugar, durante um lapso de tempo mais ou menos longo e que se acham unidas (ou não) por laços consanguíneos. Ela tem como tarefa primordial o cuidado e a proteção de seus membros e se encontra dialeticamente articulada com a estrutura social na qual está inserida. A importância do envolvimento do sistema familiar nas práticas preventivas em relação ao uso de álcool e outras drogas tem sido destacada desde a década de 60. A família deve ser orientada, motivada e informada para participar deste continum de prevenção (VOLKOW, 2010 apud ABEAD, 2010). O CAPS-ad tem práticas voltadas para minimizar as consequências globais do uso de álcool e outras drogas, por meio de programas assistenciais dentro de uma perspectiva de saúde pública, respaldada em propostas mais flexíveis e que não tenham a abstinência total como a única meta viável e possível aos usuários (BRASIL, 2004). O sistema de atenção em saúde do CAPS-ad segue uma abordagem integral dos indivíduos, através de ações e estratégias que favoreçam não somente a reinserção do usuário no seu grupo familiar e comunitário, mas também a inserção ou reinserção da família no contexto do paciente. Segundo Colvero, et al (2004, p. 199) O sentido desta parceria está orientado para a ação de cuidar deste familiar; há, portanto, que se incluir este sujeito como alguém que tem muito a dizer, especialmente quanto a seu próprio sofrimento e o quanto este mobiliza sua 17 vida. Para isso, partimos do entendimento de que é necessário considerar sua demanda, para além da objetividade manifesta em suas queixas, geralmente centradas no sintoma do outro, do seu familiar. O tratamento tem como foco o dependente químico, porém não tem como não se trabalhar o contexto familiar, visto que a família muitas vezes não sabe como lidar com a situação. A partir daí entra o apoio da equipe multidisciplinar do CAPS-ad. Para Pereira (2003), uma das estratégias é viabilizar uma mudança positiva das abordagens voltadas para a família, em que seja proposto trabalhar com a rede social, visando dar conta dos fatores socioeconômicos entre outros que envolvam a instituição familiar. As redes sociais são importantes meios para ajudar no fortalecimento dos vínculos familiares, além de reinserir o usuário com problemas decorrentes do uso de álcool e outras drogas na comunidade e garantir seus direitos sociais. A interação da família e do usuário na comunidade e em todas as suas redes sociais contribui para a melhoria da qualidade de vida e no fortalecimento dos vínculos com a família. Mioto (1997) ressalta a importância de se trabalhar a interação da família e dos indivíduos por meio de ações de caráter socioeducativo envolvendo a rede comunitária. Rosa (2008) pontua que cabe às instituições que tratam de saúde mental oferecer aos familiares um serviço pedagógico, com caráter educativo e informativo, além da necessidade de ser um local acolhedor. Se os serviços não oferecerem essas atividades diferenciadas, os familiares se isolam e abandonam o próprio membro familiar. A função dos serviços é socializar o familiar e o usuário na própria instituição, no seu convívio e na sua participação na comunidade. A família não pode ser desamparada pelos serviços de saúde, pelo contrário: estes devem contribuir para fortalecer os vínculos dos pacientes com seus familiares. A presença no atendimento oferecido aos familiares, nas assembleias, trazendo dúvidas e sugestões também são forma dos familiares participarem, conhecerem o trabalho dos CAPS-ad e passarem a se envolver de forma ativa no processo terapêutico. Os familiares também têm criado associações, com outros familiares e/ou usuários, que podem ser um importante instrumento de promoção da saúde e da cidadania de todos os envolvidos (BRASIL, 2004). A comunidade também tem um papel fundamental, pois é um conjunto de pessoas, associações e equipamentos que fazem existir a vida numa certa localidade. A articulação entre CAPS-ad e comunidade é, portanto, fundamental. A comunidade e os serviços públicos das áreas da educação, do esporte e lazer, do trabalho, associações de moradores, clube de mães, associações comunitárias e voluntários poderão ser parceiros dos CAPS-ad através de doações, cessão de instalações, prestação de serviços, instrução ou treinamento em algum assunto, na realização conjunta de um evento especial - por exemplo, uma festa, um bazar, etc. a realização conjunta de um projeto mais longo, participação nas atividades rotineiras do serviço, fortalecendo assim o trabalho em rede (BRASIL, 2004). É preciso que a família participe do CAPS-ad para melhor compreender o serviço e assim contribuir com seu familiar, além de conhecer a comunidade e o que ela pode oferecer para ajudar no tratamento. 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS 18 Essa pesquisa foi realizada com a intenção de contribuir com um melhor entendimento sobre o trabalho realizado pelo CAPS-ad com a família de usuários de álcool e outras drogas. Buscou-se evidenciar como a participação da família é de total importância para que se possa contribuir com a melhor adesão do usuário ao tratamento. Foi possível identificar que esse tema é pouco explorado, talvez em função do preconceito presente na sociedade sobre a questão da dependência química. Ainda hoje a sociedade brasileira trata o dependente químico de forma preconceituosa e desumana. Por esse motivo, tanto as famílias como os próprios usuários se excluem e sofrem, acarretando um problema bem maior do que se imagina. Diante disso, é necessária a criação de estratégias voltadas para diminuir o preconceito da sociedade e, principalmente, aproximar os familiares e usuários no processo de tratamento da dependência química nas instituições de saúde, em especial as de saúde mental. A família, a comunidade e as instituições de saúde são instrumentos primordiais na construção da qualidade de vida e da garantia de direitos do dependente químico. Além disso, vale ressaltar a importância do Serviço Social junto à família. Inseridos nas instituições de saúde mental, o assistente social tem um papel primordial na equipe dos CAPS-ad e principalmente no trabalho com as famílias. O presente estudo não esgotou o debate e identificou a necessidade de se explorar a discussão sobre família e dependência química, uma vez que há poucas produções que tematizam a questão. The role of CAPS-ad together with users of alcohol and other drugs and the family importance in the treatment Abstract: This article aims discuss the main social aspects related to the work of the Psychosocial Care Centers for Alcohol and Drugs (CAPS-ad) together with chemical dependent and their families. The survey is qualitative and with bibliographic source, through scientific articles, texts and readings held in the bibliographies of the authors Ribeiro and Laranja (2010), Volkow (2010 apud ABEAD, 2010), Amarante (1995) Miermont (1987), Barroso and Abreu (2004), Passos (2009) and Mioto (1997). The interest in the subject grew out of work done in the disciplines of Social Research I and II, where was conducted a field study in CAPS-ad of Guara - Federal District. The article also presented some legislation on the same matter. The reflections point to the importance of working family issues in the treatment process, highlighting the key role of the family and the importance of strengthening ties with the patient and the institution. Keywords: Drugs. Chemical Dependent. Family. 7 REFERÊNCIAS AGUIAR, Z. N. O Sistema Único de Saúde e as Leis Orgânicas da Saúde. In: 19 _________. N. SUS: antecedentes, percurso, perspectivas e desafios. São Paulo: Martinari, 2011. AMARANTE, P. D. C., (Coord.). Loucos pela vida: a trajetória da reforma psiquiátrica no Brasil. Rio de Janeiro, FIOCRUZ, 1995 ______. Lei nº 10.216, de 06 de abril de 2001. In: Legislação brasileira para o Serviço Social: coletânea de leis, decretos e regulamentos para instrumentação da (o) assistente social. São Paulo, 2006. ______. Ministério da Saúde. Doenças relacionadas ao trabalho: manual de procedimentos para os serviços de saúde. Brasília: Ministério da Saúde, 2001. ______________________. 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