ID: 41064678 02-04-2012 Tiragem: 41286 Pág: 6 País: Portugal Cores: Cor Period.: Diária Área: 27,28 x 31,11 cm² Âmbito: Informação Geral Corte: 1 de 2 Peritos propõem soluções para a área do cancro “em tempos de contenção” Documento que será entregue à tutela resultou do consenso de 17 especialistas, que partem da verificação de que a doença oncológica é a que mais crescerá nos próximos anos Saúde Catarina Gomes Principais tipos de cancro em Portugal “Num panorama de contenção, a oncologia tem sido um pouco esquecida”, verifica o oncologista António Araújo. Tendo em conta “os constrangimentos financeiros” e o facto de “o cancro ser a doença que mais crescerá nos próximos anos”, um grupo dos mais eminentes peritos na área juntou-se para dar ao ministro da Saúde uma lista de sugestões. A apresentação será hoje, na Reitoria da Universidade Nova de Lisboa. Foram nomeados responsáveis nacionais para o VIH-sida, para as doenças cérebro-cardiovasculares e para as doenças respiratórias. Mas continua vago o lugar de coordenador nacional das doenças oncológicas, confirma a Direcção-Geral da Saúde. Mais de um quinto das mortes em Portugal têm origem em tumores malignos. “É preocupante”, diz o oncologista António Araújo, reconhecendo que esta “é uma área complicada, em que infelizmente estão em causa grandes gastos em técnicas e medicamentos”. O médico, director de serviço de Oncologia Médica do Centro Hospitalar de Entre Douro e Vouga (sediado em Santa Maria da Feira), lamenta ainda que não se avance com medidas “para manter a qualidade dos cuidados oncológicos, mas também a sua racionalidade”. A iniciativa de elaborar um documento para a área partiu de António Araújo, Sérgio Barroso, director do Serviço de Oncologia do Hospital de Évora, e Adalberto Fernandes, professor da Escola Nacional de Saúde Pública (Lisboa) e membro do conselho de administração do grupo privado HPP. Os três juntaram, numa reunião fechada a 2 de Março, mais 14 especialistas. Entre eles, António Parreira, director clínico da Fundação Champalimaud, Jorge Espírito Santo, presidente do Colégio de Oncologia da Ordem dos Médicos, Vítor Veloso, presidente da Delegação Norte da Liga Portuguesa Contra o Cancro, Francisco Ramos, ex-secretário de Estado do anterior Governo e actual membro do conselho de administração do Instituto Português de Oncologia de Lisboa, Tumores malignos por sexo Em percentagem Homens Mulheres Laringe, traqueia, brônquios e pulmões 20,8 12,3 Próstata Estômago Pâncreas Bexiga Lábio, cavidade oral e faringe Fígado e vias biliares intra-hepáticas Esófago 11,5 9,4 Tecido linfático, hematopoético Laringe, traqueia, brônquios e pulmões 9,9 Tecido linfático, hematopoético Junção rectosigmodeia, recto do ânus e canal anal 16,4 Cólon Estômago 11,1 Cólon Mama 7,2 4,5 8,6 7,2 Pâncreas 5,4 4,1 Junção rectosigmodeia, recto do ânus e canal anal 5,4 4,1 Ovário 3,8 4,0 Útero e outras partes não especificadas 3,8 4,0 Colo do útero 2,4 Fígado e vias biliares intra-hepáticas 2,4 3,2 Cancro como causa de morte em Portugal Em percentagem do total de óbitos 21,7 2006 22,6 2007 23,2 23 2008 As doenças do aparelho circulatório (31,9%) mantêm-se como a principal causa de morte em Portugal, mas os casos de morte por doença oncológica estão a aumentar, atingindo em 2009 os 23,2%. A prevalência é maior nos homens (26,9%) que nas mulheres. 2009 Fonte: INE/Estatísticas da Saúde Jorge Freitas, da direcção da Associação de Enfermagem Oncológica Portuguesa, e Jorge Penedo, assessor do actual ministro da Saúde. “O cancro será a doença que mais crescerá nos próximos anos”, diz António Araújo. Mas muitas das medidas pensadas para a área “nunca chegaram a ser concretizadas”, desde as redes de referenciação às metas dos sucessivos planos oncológicos nacionais, documentos que prevêem sempre prazos de concretização e que existem desde 1990. Há anos que se discute a reorganização da rede de unidades que trata o cancro. Em 2010, a então Coordenação Nacional para as Doenças Oncológicas chegou a avançar com critérios numéricos que norteariam o fecho de unidades onde o cancro é tratado. Por exemplo, para que uma unidade pudesse funcionar propunha-se que deveria ter um mínimo de 500 novos casos por ano. António Araújo desvaloriza estes números, mas diz que há consenso em relação à necessidade de fechar Problemas de financiamento “Tem que se ir mais além dos cortes”, defendem os peritos que hoje entregam o documento ma das áreas que causam constrangimentos na área do cancro é a do financiamento, dizem os peritos. António Araújo diz que “há um desfasamento entre a forma como os hospitais são financiados e a evolução dos cuidados oncológicos”. Por exemplo, na medicação recorrese cada vez mais à medicação oral (comprimidos) em que, por doente, um hospital pode chegar a gastar dois a três mil euros por mês. O que o hospital recebe não contempla estas novas terapêuticas. Ao mesmo tempo, as cirurgias são cada vez menos invasivas, o que significa U que algumas são feitas sem necessidade de internamento e “os pagamentos funcionam em função dos internamentos”. É preciso encontrar formas de correcção, por exemplo, com cálculos médios de tratamentos consoante os tipos de tumores. Outra alternativa seria uma linha de financiamento para a oncologia. “Não existem soluções mágicas, damos duas a três linhas de orientação à tutela”, explica o médico. Sublinhando que “tem que se agir nesta área”, Araújo acrescenta que, “em vez de ficar apenas pelos cortes, é necessário ir mais além”. algumas unidades, em prol da racionalidade mas também da qualidade dos serviços. Mas, para isso acontecer, é preciso que primeiro “sejam auditadas por peritos oncológicos, envolvendo a Ordem dos Médicos, que garante a qualidade do acto médico, e a tutela, que é quem paga. Não pode ser só números”. Liberdade de escolha Do lado do doente, os peritos defendem que deve haver “liberdade de escolha” do hospital onde quer ser tratado, em vez do actual condicionamento em função da área de residência, o que “não implica mais gastos de dinheiro”, ressalva. Se, exemplifica, um doente do Norte prefere ser tratado em Lisboa, deve ser ele a pagar a deslocação. Sérgio Barroso diz que os cuidados oncológicos “têm que ser prestados o mais próximo possível do ambiente natural do doente, que é a sua residência”, mas, nota, o ciclo de doença tem várias étapas. Numa fase que dura poucos dias a semanas, pode ter necessidade de um centro “de alta diferenciação”. Mas, na maior parte do tempo, os cuidados de que precisa devem ser prestados próximos de si, seja no hospital da área de residência, seja no centro de saúde. Para este modelo funcionar, “é sobretudo preciso articulação”, notando que “numa situação difícil ainda é mais importante optimizar os recursos disponíveis”. Outra área em que muito do planeado não avançou é o rastreio, diz Araújo. No plano oncológico de 2001-2005 preconiza-se o rastreio do cancro colo-rectal através da pesquisa de sangue oculto nas fezes. O que está no terreno? “Começou a ser timidamente implementado no Alentejo. Está tudo parado.” Outra ideia do documento, que será hoje entregue ao ministro da Saúde, é a necessidade de criar orientações terapêuticas para os vários tipos de tumor, que uniformizem práticas clínicas de qualidade em cada patologia. Há orientações para os cancros do pulmão e da mama. “Saiu um livro que por acaso é muito bonito”, ironiza, acrescentando que a aplicação no terreno nunca foi acautelada. “Dependeu de centro para centro, a implementação nunca foi auditada”.