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OS GRUPOS ESCOLARES EM MINAS GERAIS: A REFORMA JOÃO PINHEIRO (1906)
José Carlos Souza Araujo*
Centro Universitário do Triângulo
Universidade Federal de Uberlândia
RESUMO
Proclamada a República no Brasil, em 1889, esta se viu diante de uma tarefa por fazer, a da
reconfiguração da escola pública, seja em nível quantitativo e qualitativo, seja em termos de
recursos humanos para socorrê-la, seja através dos edifícios escolares etc. A política educacional de
caráter público no Brasil, expressa no período da Primeira República, através dos grupos escolares,
já é objeto de várias pesquisas. Sua institucionalização em diferentes Estados aqui exemplificados,
com suas respectivas datas de emergência institucional - em São Paulo (1894), Maranhão (1903),
Minas Gerais (1906), Rio Grande do Norte (1908), Mato Grosso (1908), Espírito Santo (1908),
Paraíba (1911), Santa Catarina (1911), Sergipe (1916), Goiás (1918) -, expressam o esforço e a
resposta republicanos em torno da disseminação da escola pública sob esse ideário. No entanto, a
emergência dos grupos escolares em diferentes Estados brasileiros não pode ser compreendida
somente a partir de olhares regionais, geograficamente configurados pelas unidades federativas que
compõem o território brasileiro. No entanto, as pesquisas histórico-educacionais a respeito ainda
estão aquém quanto ao sentido de propiciar uma síntese explicativa sobre tal temática; por outro
lado, tal impossibilidade torna-se também obstaculizada, posto que ainda se desconhecem as
dinâmicas estaduais que se avultaram em vista da assunção dos grupos escolares como norteamento
político-educacional, bem como as efetivas respostas em vista do mesmo. Nessa esteira, e com o
intuito de contribuir para isso, esta comunicação busca estabelecer os norteamentos da política
educacional mineira expressa em 1906, ano que inaugura a instauração dos grupos escolares em
Minas Gerais. Destaquem-se na denominada Reforma João Pinheiro os vínculos entre o
republicanismo e a educação escolar, a compreensão da política em torno dos grupos escolares
como uma política pública, a significação de João Pinheiro, bem como a sua trajetória republicana,
positivista e liberal. Para uma compreensão mais adequada, privilegiar a importância de João
Pinheiro na política estadual mineira não é um exagero, pois se apresenta como uma figura que
soube apreender as forças republicanas em Minas Gerais em seu nascedouro, bem como dinamizálas. Nesse sentido, a história educacional mineira tem em João Pinheiro uma figura que soube
manter a pulsação republicana, tecida a partir da instância governamental estadual, porém com
ressonâncias locais e regionais expressivas. Especificamente com relação à reforma educacional
mineira de 1906, observam-se preocupações com o método intuitivo, com o caráter substitutivo dos
grupos escolares em relação às escolas isoladas, com a organização física das escolas, com a
parceria necessária do público e do privado na luta contra o analfabetismo, com o papel dos
municípios e sua adesão para a configuração de tal política pública estadual, com a formação para a
cidadania, com o papel da inspeção escolar como a alma do ensino. Mas, para além de tais
temáticas, tal reforma representa uma política pública expressiva para o processo republicano
brasileiro e, particularmente, mineiro, constituindo-se um capítulo importante da história
educacional brasileira em sua expressão liberal. Entre o projeto republicano expresso em Minas
Gerais em 1906 por esta política pública, e os limites manifestos no bojo de sua própria
implementação, não cabe descurar as realizações. A centena e meia de grupos escolares
*
Doutor em Educação, vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Educação do Centro Universitário do Triângulo, e ProfessorColaborador do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Uberlândia.
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juridicamente criados até 1930, depois de transcorridos 24 anos após a Reforma João Pinheiro,
quando Minas Gerais contava com pouco mais de duas centenas de municípios, esbarram em dados
populacionais do mesmo Estado: de 3.594.471 habitantes em 1900 para 7.308.853 em 1928. Houve
sim um vigor inicial manifesto, posto que até 1915, os grupos escolares criados somavam
aproximadamente uma centena, porém posteriormente tal vigor diminuiu, apesar do crescimento
populacional duplicar-se. Portanto, entre o projeto e as realizações, cabe contemplar os limites
postos pela própria Reforma, bem como os obstáculos ao movimento histórico-educacional do
período histórico em apreço.
TRABALHO COMPLETO
O objeto deste é configurar uma análise em torno da política educacional mineira voltada
para uma avaliação dos ideais republicanos expressos em relação à escolarização devotada aos
grupos escolares instaurados a partir de 1906. O marco cronológico se deve a três documentos
legislativos: a Lei n° 439 de 28/09/1906 – visando a reforma do ensino primário, normal e superior
do Estado de Minas Gerais -, o Decreto n° 1947 de 30/09/1906 – relativo ao programa do ensino
primário -, e o Regulamento da Instrucção Primária e Normal do Estado de Minas Gerais, um
decreto n° 1960 de 16/12/1906. Além destes, em 03/01/1907, há um outro decreto identificado pelo
n° 1969, que trata do regimento interno inclusive dos grupos escolares. Como a preocupação deste
estudo
está centrada na externalização de tal política educacional, os decretos relativos ao
programa do ensino primário e ao regimento interno, há pouco mencionados, não serão aqui
tratados.
A resposta republicana à educação escolar precisa ser compreendida levando-se em conta
o contexto europeu do século XIX - quando a escolarização primária veio se efetivando em
diferentes compassos nos diferentes países -, bem como o contexto brasileiro. No que tange a este, a
primeira metade do século XIX brasileiro se ocupou da unidade nacional do ponto de vista político.
Na transição do Império (1822-1889) para a República (a partir de 1889), especialmente no tocante
às últimas décadas daquele, a educação é objeto de significativas discussões e reformas (HAIDAR,
1972). Proclamada a República, esta se viu diante de uma tarefa por fazer, a da configuração da
escola pública, seja em nível quantitativo e qualitativo, seja em termos de recursos humanos para
socorrê-la, seja através dos edifícios escolares etc.
A política educacional de caráter público no Brasil, expressa no período da Primeira
República, através dos grupos escolares, já é objeto de várias pesquisas. Sua institucionalização em
diferentes Estados aqui exemplificados, com suas respectivas datas de emergência institucional - em
São Paulo (1894), Maranhão (1903), Minas Gerais (1906), Rio Grande do Norte (1908), Mato
Grosso (1908), Espírito Santo (1908), Paraíba (1911), Santa Catarina (1911), Sergipe (1916), Goiás
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(1918) -, expressam o esforço e a resposta republicanos em torno da disseminação da escola pública
sob esse ideário.
A emergência dos grupos escolares em diferentes Estados brasileiros não pode ser
compreendida somente a partir de olhares regionais, geograficamente configurados pelas unidades
federativas que compõem o território brasileiro. Isso deve-se ao motivo de que as pesquisas
histórico-educacionais ainda estão aquém quanto ao sentido de propiciar uma síntese explicativa
sobre tal temática; por outro lado, tal impossibilidade torna-se mais obstaculizada, posto que ainda
se desconhecem as dinâmicas estaduais que se avultaram em vista da assunção dos grupos escolares
como norteamento político-educacional, bem como as efetivas respostas em vista do mesmo.
Nesse diapasão, em Minas Gerais, em documento oficial de 1908, que expressava os
ideais e as realizações mineiros em torno da educação escolar, os grupos escolares são concebidos
como expressão arquitetônica, direcionada a um modo político de contemplá-la:
Todos os grupos, excetuados dois, funcionam em prédios próprios, adaptados para o fim a
que se destinam. Em geral, esses prédios são os melhores das localidades onde estão situados. Podese afirmar que, quando nada, se iniciou no Estado a mudança das escolas dos pardieiros para os
palácios (MINAS GERAIS. Instrução Pública Primária em Minas Gerais, Belo Horizonte, Imprensa
Oficial, 1908. Apud FARIA FILHO, 2000, p. 38).
O posicionamento da autora de Templos de civilização: [...] traduz a estreita associação
entre o republicanismo e os grupos escolares, concebendo estes como irradiadores daquele:
A escola primária republicana instaurou ritos, espetáculos, celebrações. Em nenhuma
outra época, a escola primária, no Brasil, mostrara-se tão francamente como expressão de um
regime político. De fato ela passou a celebrar a liturgia política da República; além de divulgar a
ação republicana, corporificou os símbolos, os valores e a pedagogia moral e cívica que lhe era
própria [...] (SOUZA, 1998, p. 241).
E as indicações dessa mesma autora sobre a simbiose entre o republicanismo e os grupos
escolares são sugestivas aos pesquisadores em História da Educação sobre o período da Primeira
República:
Extrair todo o sentido da escola graduada como templo de civilização requer um olhar
atento para as múltiplas dimensões da pedagogia política implementada pelo Estado republicano. A
democratização do ensino, a construção da nacionalidade, a formação do cidadão, a educação moral
fundada na perspectiva política e social, bem como a estatização da escola e a renovação
pedagógica são faces de um mesmo processo político e cultural [...] (SOUZA, 1998, p. 284).
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Observem-se aqui referências aos novos horizontes políticos manifestos, novas mediações
pedagógicas em processo e nova estrutura arquitetônica a expressar um anseio em torno de
intencionalidades sócio-políticas e de novas relações entre a educação escolar e a sociedade.
Remetendo-nos às reflexões sobre as políticas públicas, com o propósito de situar a
educação escolar entre elas, é necessário assumi-las conceitualmente quando são capazes de
delimitar ações que visem dar norteamento à vida social no tocante a aspectos de natureza
estrutural, como afirma a citação abaixo:
As políticas públicas são medidas voltadas para a reprodução econômica e social dos
indivíduos ou da coletividade. Elas concernem as agências do governo e os governados. As políticas
públicas resultam de determinações estruturais que regulam o processo social e se expressam em
medidas de educação, saúde, previdência, assistência, emprego, habitação, renda etc. Elas podem
também ser implementadas para dar cobertura a situações conjunturais, assumindo um caráter
provisório e emergencial. As políticas públicas podem ser universais, ou seja, voltadas para todos os
cidadãos, ou seletivas (segmentadas/pontuais), voltadas para determinados grupos sociais. O Estado
é a instância fundamental de implementação e regulação das políticas públicas, ao assumir o papel
de mediador entre os diversos atores presentes no processo histórico-social (FIDALGO &
MACHADO, 2000, p. 253).
Nesse mesmo verbete denominado por política pública, chama-nos a atenção a distinção
entre as políticas públicas com um dimensionamento provisório e emergencial e, implicitamente
expresso, aquelas com um direcionamento mais determinado e não de curto prazo. Essa distinção é
importante, uma vez que os grupos escolares se instauraram focados em ‘determinações estruturais’
em vista da regulação do processo social. Em vista das limitadas realizações no campo escolar
durante o período imperial, os ideais e a propaganda republicanos se punham como organizadores
daquele, porém cabia a estes explicitar princípios, diretrizes, metas, bem como operacionalizar
decisões efetivas quanto à implementação de uma política educacional que respondesse aos anseios
republicanos. É nesse sentido que os grupos escolares podem ser compreendidos como
compartilhantes das políticas públicas de então, posto que expressam o sentido republicano
buscado.
Nessa direção vão também as reflexões de Viñao Frago no sentido de oferecer um suporte
teórico-metodológico para a compreensão do objeto deste estudo, ou seja a instância da política
educacional em torno dos grupos escolares:
[...] as reformas parecem identificar-se mais com as mudanças globais no marco
legislativo ou estrutural do sistema educativo, e as inovações com mudanças, também intencionais,
mais concretas e limitadas ao currículo – conteúdos, metodologia e estratégias de ensino-
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aprendizagem, materiais, formas de avaliação.[...] As reformas seriam, em síntese, ‘esforços
planificados para mudar as escolas com o fim de corrigir problemas sociais e educativos percebidos
(VIÑAO FRAGO, 2001, p. 26).
Ressalte-se que a distinção que este autor apresenta entre as reformas e as inovações com
mudanças é instigante a assumir que os grupos escolares como política republicana eram resultado
de intervenção – que indo além das inovações – que se propunham a direcionar a correção de
‘problemas sociais e educativos percebidos’. Esta diretriz está presente nos ideais expressos,
particularmente no governo de João Pinheiro em Minas Gerais, entre 07/09/1906 e 25/10/1908. Os
ideais postos no Regulamento de 16/12/1906, já mencionado anteriormente, tem como propósito
provocar alterações significativas nas mediações pedagógicas que envolvem a vida escolar, nas
relações entre os sujeitos envoltos nas relações pedagógicas, bem como no redirecionamento
político do papel da escolarização.
O estabelecimento de contornos em torno da realização republicana no campo da
escolarização primária não pode nos isentar de propor uma distinção entre a utopia ali configurada –
no caso em Minas Gerais, particularmente à instauração do norteamento em torno dos grupos
escolares – e os problemas vários que afetavam Minas Gerais. Ou seja: entre a consciência em torno
do possível – expressa na significação e na esperança em torno dos grupos escolares – e a
consciência real das questões políticas, econômicas, culturais, de caráter regional ou não, há uma
tensão a ser considerada, posto que a consciência real está carregada da memória que a sociedade
traz – no caso, sobre a educação escolar –, memória esta interpretada e ser constituída como
alavanca para a estruturação do possível.
Os grupos escolares em Minas Gerais a partir de 1906 se apresentam como expectativa
nutrida pelas estatísticas educacionais, pela análise e pelas críticas que se punham ao período
imperial e à própria experiência republicana que já completava 17 anos em relação à instituição da
política educacional em apreço.
Nessa direção,
é necessário dimensionar a Reforma João Pinheiro de 1906 numa
perspectiva de historicidade enquanto pretendeu estabelecer uma diretriz para a escola pública
mineira no início do século XX. Tal direção implica em assumir a memória educacional construída
e expressa no campo político e partidário do final do período imperial como instâncias que vieram
reunindo e acumulando análises, explicações e interpretações sobre a escolarização e seus
obstáculos naquele período da história educacional brasileira.
A Reforma João Pinheiro promoveu uma alteração de direção da educação primária,
implicando, como será visto adiante, em reestruturações, em mecanismos de participação dos
municípios através dos edifícios escolares, a dar centralidade à inspeção como a alma da educação
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escolar, em eleger a arquitetura escolar como expressão simbólica do republicanismo, em
privilegiar a reestruturação de programas de ensino, bem como a reencaminhar novas orientações e
diretrizes para a metodologia de ensino etc.
Para uma compreensão mais adequada, privilegiar a importância de João Pinheiro na
política estadual mineira não é um exagero, pois se apresenta como uma figura que soube apreender
as forças republicanas em Minas Gerais em seu nascedouro, bem como dinamizá-las. Nesse sentido,
a história educacional mineira tem em João Pinheiro uma figura que soube manter a pulsação
republicana, tecida a partir da instância governamental estadual, porém com ressonâncias locais e
regionais expressivas.
João Pinheiro da Silva é mineiro de Serro, que divisa com o município de Diamantina,
região central do Estado, ao norte da atual capital, nascido em 16/12/1860, e vindo a falecer em
Belo Horizonte, MG, em 25/10/1908, no Palácio da Liberdade, quando exercia o mandato de
Presidente do Estado de Minas Gerais, previsto para o quadriênio que compreendia o período entre
07/09/1906 e 07/09/1910. Embora inicialmente tivesse optado pela Engenharia em 1881, depois de
ter passado pelo seminário, dirigiu-se para São Paulo em 1883, onde concluiu o curso de Direito em
1887. Nessa cidade também foi professor da Escola Normal. É em ambiente paulista que convive
com o republicanismo, com o positivismo e com a campanha abolicionista. São inúmeros os seus
colegas de turma e contemporâneos no curso de Direito que vieram a ter projeção no cenário
republicano. É líder na estruturação do Partido Republicano Mineiro. Após a proclamação da
República, foi vice-governador de Minas Gerais por um pequeno período. Em seguida, foi eleito
deputado ao Congresso Constituinte de 1890, renunciando ao mandato em fins de 1891 com a
queda de Marechal Deodoro. Posteriormente, acaba dividindo suas ocupações como empresário de
uma cerâmica em Caeté, MG – município próximo de Belo Horizonte, MG -, e como professor na
Faculdade Livre de Direito do Estado de Minas Gerais. Voltando ao cenário político, em
01/01/1899 já era Agente Executivo de Caeté, MG, o que implicava também a Presidência da
Câmara de Vereadores. Em 1903, a convite do então Presidente do Estado de Minas Gerais,
Francisco Antonio Sales, o qual o antecedeu entre 1902 e 1906, passa a projetar-se mais
amplamente no campo político mineiro. Presidindo o Primeiro Congresso Agrícola, Industrial e
Comercial de Minas Gerais, realizado em 1903, já reclamava, através de um discurso de
encerramento do referido Congresso, a retomada dos ideais republicanos. Candidato ao Senado em
1904, foi eleito, onde permaneceu por menos de um ano depois da posse, vindo a ser Presidente do
Estado de Minas a partir de 07/09/1906 (cf. DICIONÁRIO BIOGRÁFICO DE MINAS GERAIS).
Aos 22 dias de Presidência do Estado de Minas Gerais, João Pinheiro sanciona a Lei n°
439 de 28/09/1906. Seu artigo 1° expressava o tripé spenceriano: “[...] que a escola seja um instituto
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de educação intellectual, moral e physica”. Previa o seu artigo 3° que o ensino primário é gratuito e
obrigatório, e ministrado em escolas isoladas, grupos escolares e escolas-modelo anexas às escolas
normais. O inciso II do artigo 6° dispunha que ao Governo caberia “organizar o programma escolar,
adoptando um methodo simples, pratico e intuitivo”. O seu artigo 10° previa que “nos logares onde
forem organizados os grupos escolares [...], poderá o Governo supprimir tantas escolas isoladas
quantas as de que constarem os respectivos grupos [...]”. O seu artigo 14° reza que “os alumnos
pobres que mais se distinguirem no curso primario pela intelligencia, bom procedimento e assidua
applicação, terão a protecção do Governo para serem admittidos gratuitamente, quer no Gymnasio
Mineiro, quer nos gymnasios equiparados”. Em seu artigo 22°, afirmava que o Governo buscaria
meios para que os edifícios fossem apropriados à escola, e estas providas “de livros didacticos,
mobilia e todo o material de ensino pratico e intuitivo”.
O Regulamento da Instrucção Primaria e Normal do Estado de Minas, de 16/12/1906 –
observe-se que também é a data de nascimento de João Pinheiro -, em seu preâmbulo estimava
Minas Gerais com 4.000.000 de habitantes, o que implicava em 800.000 alunos; no entanto, no
Estado o número de alunos matriculados na escola primária era 54.825. Destes, 11.607 alunos se
vinculavam à iniciativa particular e municipal.
Com esse raciocínio,
[...] não dispondo o governo de elementos necessarios para diffundir a instrucção primaria
pelas 800.000 crianças em edade escolar existentes no Estado, entende que deve estimular a
iniciativa particular, francamente revelada nesta materia, para que ella possa com mais efficacia
collaborar com o Estado na lucta contra a ignorancia (MINAS GERAIS, Regulamento da Instrucção
Primaria e Normal do Estado de Minas, 1906, p. 4).
Ainda no mesmo preâmbulo, esclarece as diretrizes para a instalação da educação escolar
para todo o Estado de Minas Gerais: “Para a disseminação de escolas isoladas e de grupos
escolares, serão de preferencia attendidas as localidades que corresponderem aos intuitos do
governo, offerecendo ao Estado predio onde o ensino se possa exercer de modo conveniente e
efficaz” (MINAS GERAIS, Regulamento da Instrucção Primaria e Normal do Estado de Minas,
1906, p. 7). E em seu artigo 45°, o mesmo precisa melhor tal orientação: “Na execução de seu plano
de ensino, o governo, para instituição de escolas de qualquer espécie, grupos escolares etc., dará
preferência às localidades que o auxiliarem eficazmente já por sommas em dinheiro, já por dadivas
de predios, terrenos ou materiaes”.
O teor das citações e comentários à Lei n° 439 de 28/09/1906 e do Regulamento de
16/12/1906 estabelecem dois limites para a explicitação efetiva de tal política educacional pela
institucionalização dos grupos escolares. O primeiro limite é o estabelecimento de prioridade às
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localidades que ofereçam o edifício escolar, terrenos ou somas em dinheiro, como contrapartida ao
Estado; no entanto, tal diretriz postula compartilhar com as políticas públicas locais, buscando fazer
com que as municipalidades arquem com o ônus, em atendimento ao norteamento de âmbito
estadual.
O segundo limite permite enveredar pelas categorias público e privado: de um lado,
podem os grupos escolares serem afirmados como expressão de uma política pública estadual, e em
torno da qual se depositavam esperanças de concretização, tendo em vista revolver determinações
estruturais inconseqüentes com o republicanismo e com a democracia etc.
Por outro lado, o poder público estadual confessava, pelo Regulamento de 1906,
incapacidade de publicizar a educação primária. A urgência da escolarização fez se sentir mais
sensivelmente no período republicano, e as respostas públicas e privadas, confessionais ou não, se
multiplicaram na direção do enfrentamento da urgente necessidade de configurar a democratização
do acesso à escola. Por conseguinte, com esta declaração há uma publicização da iniciativa
particular, quando anuncia estímulo à iniciativa privada para que ela possa colaborar com o Estado
na luta pela ignorância. Ou seja, os interesses privados estavam convocados a cooperar com uma
política pública. Pode-se, inclusive, afirmar que há um intercambiamento entre o público e o
privado, implicando em parceria que, em última instância, alimenta os interesses privados,
fortalecendo-os, sem necessariamente institui-los.
Em referência à Reforma João Pinheiro, as observações à dinâmica interna de uma sala de
aula – que envolve a interação entre professores e alunos - , são elucidativas anteriormente à
instauração dos grupos escolares:
Até então, os professores em um exaustivo trabalho, ensinavam em aulas heterogêneas,
onde se reuniam crianças das quatro classes, com óbvios inconvenientes para a aprendizagem e para
esses próprios mestres que teriam que redobrar esforços para manter em atividade todos os alunos,
sem poderem dispensar, ao mesmo tempo, a sua atenção para com todas essas divisões. Ainda que
empregassem auxiliares ou utilizassem os próprios alunos mais adiantados para dirigirem os das
primeiras classes, tal como se fazia no tempo do Império e mesmo na República, a eficiência da
aula muito deixava a desejar (MOURÃO, 1962, p. 93).
O objetivo da reforma empreendida é claramente explicitado ao final do referido
preâmbulo, mencionado há pouco: “encontrar no espírito publico o principal collaborador na obra
grandiosa que se propõe a fazer de cada criança em edade escolar um cidadão digno de uma Patria
livre” (MINAS GERAIS, Regulamento da Instrucção Primaria e Normal do Estado de Minas,
1906, p. 8).
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Porém, anteriormente a esta conclusão, e contemplando a inspeção como a ‘alma do
ensino’, afirma: “[...] será o Estado dividido em 40 circunscripções, que serão permanentemente
percorridas pelos inspectores, agentes da confiança do governo, incumbidos de fiscalizar as escolas
e de orientar o ensino, para que este se aperfeiçoe de modo uniforme em todos os recantos do
Estado” (MINAS GERAIS, Regulamento da Instrucção Primaria e Normal do Estado de Minas,
1906, p. 8).
Embora não sejam detalhados outros aspectos presentes nos 31 artigos da Lei n° 439 de
28/09/1906 e do Regulamento de 16/12/1906, com seus 268 artigos, é possível pelas citações e
comentários feitos, reconhecer os horizontes postos pela Reforma João Pinheiro. Em resumo de um
discurso de João Pinheiro, pronunciado em Itajubá, MG, em 04/05/1907, segundo a versão do
Minas Gerais:
[...] a população escolar dobrou, quase, nos sete meses do seu governo; todos porfiam em
colaborar no esforço governamental; o movimento é para confortar e firmar esperanças. Em todas
as estações, durante sua passagem, a manifestação das crianças das escolas é a prova do resultado
prático da última reforma e o atestado vivo do interesse que desperta (PINHEIRO, 1980, p. 249).
Em sua primeira mensagem enviada ao Congresso mineiro em 15/06/1907, João Pinheiro
reflete a perspectiva que a reforma pretendia, em acordo com posicionamento de Viñao Frago
citado anteriormente: “A reforma teve de ser completa e total quanto aos métodos de ensino, à
disciplina escolar e à fiscalização severa do serviço, estando o governo cuidando da questão de
casas escolares apropriadas e do respectivo mobiliário, dentro de restritos recursos orçamentários”
(PINHEIRO, 1980 p.258).
A citação em seqüência a esta avaliação interna a respeito da dita reforma - no tocante ao
método de ensino, à disciplina escolar, à fiscalização, aos edifícios, ao seu mobiliário e ao
orçamento – projeta uma referência à dimensão político-educacional no que respeita aos seguintes
aspectos: a) ao seu interesse voltado para a coletividade; b) ao vínculo que implicava a adesão das
municipalidades; c) concurso da iniciativa privada (já comentado anteriormente); d) limites da
formação do professor, incapaz de atender às demandas que a reforma projetava; e) a definição de
que tal reforma é uma necessidade pública: daí o seu caráter de intervenção na redefinição das
‘determinações estruturais’, bem como a explicitação de que a mesma sobreleva-se a todas as outras
necessidades públicas:
Para a alma mineira é extraordinário conforto o espectáculo que oferece o início desse
ressurgimento, cujas glórias mais ao próprio povo cabem que ao governo, tendo compreendido
rapidamente que o interesse visado era o da coletividade, vendo-se a matrícula nas escolas primárias
rapidamente, quase que duplicada. As municipalidades têm vindo em auxílio da ação administrativa
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e seja-me permitido augurar em breve o concurso direto da própria iniciativa particular; [...]
Entretanto, é cedo ainda para nos julgarmos senhores de uma vitória definitiva: a reforma tem que
lutar com os hábitos maus e inveterados, com um professorado que não estava suficientemente
preparado para a prática dos novos métodos e por isso será precisa, ainda e por tempos, uma ação
intensa e mantida, premunidos todos contra os desânimos vis, de que as infelizes retrogradações são
filhas. O governo manterá a sua orientação com absoluta firmeza, certo de que satisfaz uma
necessidade pública, que não podia ser adiada e que domina todas as outras (PINHEIRO, 1980, p.
258-259).
Em sua segunda mensagem ao Congresso mineiro em 15/07/1908, relativamente ao item
instrução primária, anuncia o crescimento vertiginoso da matrícula escolar, com 10.090 alunos em
22 grupos escolares em funcionamento. Retoma o caráter público de tal política educacional, que
conta com doações de particulares e com a iniciativa das municipalidades. Mas a afirmação que
mais chama a atenção nessa citação é a de que a instrução primária é um “serviço público, cujo
desenvolvimento é essencial ao regime republicano”, como está logo a seguir:
Instrução primária – Neste importante ramo de serviço público, cujo desenvolvimento é
essencial ao regime republicano, tem tido o governo máximo cuidado, mormente em relação à
matrícula escolar, que, com a atual reforma, chegou quase a duplicar, como já o mostrei com o
cotejo dos respectivos algarismos. Estão funcionando regularmente 22 grupos escolares, em que se
acham matriculados 10.090 alunos. Brevemente este número estará consideravelmente aumentado,
achando-se, para tal fim em preparo, muitos prédios que sem muita demora, terão a necessária
adaptação e provindos principalmente de doações de particulares e das municipalidades. A
fiscalização técnica do ensino tem sido feita com toda regularidade. E apesar da duplicação da
matrícula, da criação dos grupos e da remuneração dos inspetores, a despesa apenas se elevou a
25%. Cumpre, entretanto, assinalar que, das 800 mil crianças do Estado, em idade escolar, a
700.000 não se dá ainda o devido ensino (PINHEIRO, 1980, p. 382).
Observe-se ao final a importância que a fiscalização encarregada aos inspetores escolares
ganha, inclusive desde a legislação de 1906 comentada anteriormente, e de que a despesa em vista
de tal política não é preocupante aos cofres do Estado. Mas, o seu realismo se expressa entre o que
se fez até então – 100.000 crianças matriculadas – e o que se necessita fazer em prol da educação
pública primária, posto que 700.000 crianças ainda se encontravam inatingidas pela mesma.
Procurando finalizar, sem necessariamente ser conclusivo, e a um distanciamento maior
em relação ao movimento de implantação dos grupos escolares em Minas Gerais, para além do
governo de João Pinheiro entre 1906 e 1908, as realizações efetivas não podem ser avaliadas sem
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conferir-lhes significação, sobretudo desde o ponto de vista de projeto político-educacional público
estadual.
Conforme dados preliminares realizados pelo autor deste, as regiões do Triângulo Mineiro
e Alto Paranaíba, a oeste do Estado do Minas, contavam com vinte e um municípios até 1923, e
com quinze até a data da Reforma João Pinheiro: houve a criação de grupos escolares, por decreto,
em 17 municípios entre 1908 e 1926, o que não significa que tenham sido instalados até 1926. De
qualquer forma, são dezenove anos trilhados para que a criação dos mesmos se desse. Em
Uberlândia, MG, a criação se dera em 20/07/1911, e a instalação em 01/07/1914. Mas, há outros
municípios da mesma região que tem seus grupos criados e instalados no mesmo ano, como é o
caso de Uberaba, Prata, Araxá, Sacramento, entre outros.
Tomando-se em consideração dados quantitativos relativos ao Estado de Minas Gerais
como um todo, cabem estudos de caráter monográfico local e regional, tendo em vista a avaliação
entre a criação e a instalação dos grupos escolares. No entanto, ao lado de tal política pública,
também se realiza a disseminação do ensino privado, confessional ou não, que concorre com a
dimensão pública, seja auxiliando-a ou com ela estabelecendo parceria, seja socorrendo a nascente
pressão pela escolarização no período em apreço.
Entretanto, a avaliação de John D. Wirth deixa entrever alguns vestígios em relação à
Primeira República em Minas Gerais, o que pode trazer indicações para a pesquisa históricoeducacional:
Infelizmente, apesar de tanto vigor e idealismo, essas escolas educaram deficientemente a
população urbana e quase nada as massas rurais; e as poucas instituições de qualidade eram bastiões
de privilégio. Praticamente dois terços de todos os mineiros com mais de sete anos ainda eram
analfabetos na época da revolução de 1930. Para um estado comprometido com a educação, esses
resultados eram inadequados e os governadores ressaltavam este aspecto em seus relatórios anuais
para a legislatura. A educação mineira atolou na economia de escassez e isso a desmoralizou. O
governador Silviano Brandão fechou quase 400 escolas durante a depressão de 1898; mais tarde, o
movimento de reforma da década de 20 foi desacelerado drasticamente pela crise de 1929. [...]
Quase 80% da população viviam fora das áreas urbanas, de forma que a distância e a dispersão
eram problemas básicos (WIRTH, 1982, p. 142).
Mas tal avaliação não implica em afirmar que a política educacional em torno dos grupos
escolares carecia de projeto e de iniciativa. Havia um projeto republicano em efetivação, e dele João
Pinheiro foi responsável pela iniciativa e pela capacidade em dinamizá-lo em Minas Gerais, apesar
do exíguo tempo de seu governo. Seu horizonte liberal o faz assumir tal iniciativa, contando com a
participação privada, mas apostando no progresso. À educação cabia também acioná-lo e irradiá-lo.
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Se estava em jogo uma política pública – a educação -, é necessário indagar, em perspectiva
histórico-educacional, a respeito de sua capacidade de incluir.
O pensamento e as ações políticas de João Pinheiro, provocado pelas mazelas do período
imperial, certamente são um capítulo significativo do liberalismo, do republicanismo, mas também
do positivismo, em território mineiro, mas nutrido pelas discussões que pautavam a agenda
nacional.
O seu projeto – enquanto expressão de uma consciência social que veio se construindo
desde os finais do século XIX – esbarrava na consciência real que se averigua em várias citações
feitas no decorrer deste. Se na política mineira foi um semeador de esperanças e um animador das
mesmas, posto que soube congregar o ideário republicano e lhe dar diretriz, ideologicamente esteve
comprometido com o jogo entre o público e o privado, apesar de inaugurar uma política pública
significativa para o andamento republicano federal e mineiro.
Sua oposição à monarquia não o isenta de sustentar, pela Lei n° 439 de 28/09/1906, um
direcionamento de caráter seletivo em relação aos alunos pobres que se distinguissem pela
inteligência, comportamento e aplicação. Os grupos escolares certamente inauguraram uma
alteração de sentido da cultura escolar de então – e o papel de uniformizá-la caberia aos inspetores
escolares -, bem como a potencialização da escolarização como irradiação do progresso, mas
preferencialmente este chegaria às localidades melhor providas de recursos, portanto capazes de
compartilhar desse processo seletivo de tal política pública.
Esta, na verdade, se renova com o ideário res-publica-no, responsável por orientar a
oposição à monarquia. Mais alavancado ou não pelo positivismo ilustrado, o ideário republicano
teve no positivismo uma sustentação pedagógica ao processo político, na medida em que o mesmo
encaminhava a vida social numa perspectiva fundada na evolução, no aperfeiçoamento e na
progressão.
Entre o projeto republicano expresso em Minas Gerais em 1906 por esta política pública, e
os limites manifestos no bojo de sua própria implementação, não cabe descurar as realizações. A
centena e meia de grupos escolares criados até 1930, depois de transcorridos 24 anos após a
Reforma João Pinheiro, quando Minas Gerais contava com pouco mais de duas centenas de
municípios, esbarram em dados populacionais do mesmo Estado: de 3.594.471 habitantes em 1900
para 7.308.853 em 1928. Houve sim uma energia inicial, posto que até 1915, os grupos escolares
criados somavam aproximadamente uma centena, porém posteriormente tal vigor diminuiu, apesar
do crescimento populacional duplicar-se. Portanto, entre o projeto e as realizações, cabe contemplar
os limites postos pela própria Reforma, bem como os obstáculos ao movimento históricoeducacional do período histórico e apreço.
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a Reforma João Pinheiro (1906)