O “administrador” e o cidadão (Jornal do Brasil – 27/11/2003) Na vigência de regime democrático, nunca se falou tanto em cidadania, no Brasil, e nunca a autoridade ignorou tanto o cidadão. Em matéria tributária, os governantes das 3 esferas de poder reúnem-se às portas fechadas, sem a participação da sociedade, para decidir, como dela tirar mais recursos. O desemprego grassa no país, menos para os amigos do poder. Os correligionários preenchem a quase totalidade dos denominados cargos de confiança, detendo maior força do que aqueles que passaram pela triagem de concursos públicos e que pertencem à burocracia profissionalizada. Em matéria de nepotismo, os parentes, como nos tempos das monarquias absolutas européias do século XXVII e XXVIII, ganham privilégios, polpudos subsídios e invejáveis mordomias, em todos os níveis de governo, ainda aqui em detrimento dos aprovados em concursos públicos. As empresas, escorchadas por carga tributária incompatível com o nível de serviços públicos prestados no país, geram cada dia menor número de empregos, pois os recursos que poderiam ser destinados a criá-los, os governos sugam, como vampiros da modernidade, em parafernália de quase uma centena de tributos. Retira-se, através da desvinculação de receitas, verbas fundamentais à educação e às ações sociais, para que os governos gastem-nas, como desejarem, principalmente em publicidade oficial, tornando o “marketing” político e tais despesas, o melhor negócio da atualidade. Pensa-se em investir no emburrecimento nacional, visto que se pretende reduzir ainda mais o direito das pessoas físicas à dedução de gastos com educação, no cálculo do imposto de renda, com o que quem quiser educar seus filhos em bons colégios deverá ser punido pagando o maior tributo. Enquanto outras nações investem pesadamente em educação, o governo brasileiro a desestimula, retirando, inclusive, de forma inconstitucional, imunidades outorgadas pela Constituição a diversas instituições sem fins lucrativos, onerando o custo do ensino para todos os alunos que as frequentam. Tem-se até a impressão de que os governos não desejam que o povo se instrua, pois, quanto mais instruído for, mais crítico ficará em relação aos gastos governamentais para sustentar privilégios. Grande parte dos políticos comete verdadeiro estelionato eleitoral levando votos, que não são seus, mas dos candidatos derrotados do partido pelo qual concorreram à eleição, para outra legenda, demonstrando que não são, tais políticos, representantes do povo, mas deles próprios. Enfim, a cidadania é apenas uma formulação semântica, pois o que há é um autoritarismo e um descaso monumental para com o cidadão. Lamento, aos 68 anos, que seja este o retrato do Brasil atual, em que o cidadão, inclusive em nível de Direito, não é sequer chamado de cidadão, como fazem os americanos (“citizens”), mas de “administrados”. Há o “administrador público”, uma espécie de feitor da senzala, e o “administrado” a quem não há obrigação de servir, nem de prestar contas. Muitas vezes, para receber minúsculas aposentadorias do segmento “não governamental”, pessoas idosas são obrigadas a ficar horas e horas em fila, como os jornais têm apontado. Gostaria, neste artigo, de lembrar que todos os administradores públicos, todos os políticos, todos os governantes (presidente, governadores e prefeitos) são apenas e exclusivamente “servidores” do cidadão. Não são seus senhores feudais. Devem-lhe respeito. Devem-lhe prestar contas por sua representação, o mais das vezes, medíocre e indevida. E devem honrar o mandato recebido de acordo com o programa apresentado na campanha eleitoral. Na democracia que idealizo para meu país, o cidadão deveria ser o senhor absoluto de todos os direitos sobre os governantes e estes, apenas seus servidores. Quem quisesse, como nas ordens hospitalares da Idade Média, servir ao povo, deveria abdicar de seus privilégios e ter como meta o bem da sociedade e não o próprio bem. Caso contrário, seria melhor continuar, fora da política e do governo, pois o serviço público exige “sacerdotes” e não “aproveitadores”. Estou convencido de que na verdadeira Democracia quem merece o tratamento de “Sua Excelência” é o cidadão. Não o servidor público, quer seja ocupante de cargo administrativo ou eletivo, eis que sua presença nos quadros de qualquer dos poderes só se justifica enquanto servir ao povo, e não quando passa a usufruir do poder como coisa própria, perseguindo inimigos e privilegiando amigos. Na verdadeira Democracia --que a Constituição de 1988 pretendeu oferecer ao país-- os direitos individuais deveriam ser garantidos por governos preocupados na promoção da sociedade. Apenas no dia em que, nós cidadãos, tivermos consciência de que somos mais importantes do qualquer burocrata ou político, é que poderemos implantar o verdadeiro regime democrático no país. Até lá, seremos “administrados” ou na melhor das hipóteses, “Suas Senhorias”.