EDUCAR PARA O MUNDO DE AMANHÃ Joe Garcia1 Em diversas partes do planeta há um processo de transição instalado nos sistemas educacionais. A mídia tem noticiado esse cenário e destacado a procura por uma educação de qualidade, uma meta compartilhada por diversos educadores. Particularmente nos países industrializados, onde há um clima de reforma em andamento, podemos observar um intenso questionamento sobre o passado, presente e futuro da escola. A escola parece estar sendo “reinventada” e isso não vai ocorrer sem a participação reflexiva e criativa dos educadores. Entre os educadores, enquanto são discutidas questões relativas à organização do currículo e às formas de avaliação, por exemplo, verificamos que está em andamento uma outra reflexão, ainda mais singular, que se distingue por estar mais focalizada em um revisitar os próprios fundamentos das visões que têm informado o senso de direção pedagógica que encontramos nas escolas. Há um debate em curso sobre a escola, e nele encontramos um conjunto de velhas e novas indagações. Embora algumas perguntas relacionadas ao como fazer a escola no cotidiano sigam ocupando um lugar de importância e mantenham sua vitalidade, há um conjunto de outras questões a considerar, relacionadas ao papel mais propriamente formativo da escola e dos próprios educadores. Tais perguntas questionam, por exemplo, quais as visões de futuro que estão informando a escola e os educadores. Os professores, portanto, são atores sociais fundamentais no processo de implementação dos avanços desejados em toda reforma educacional. Mais que divulgadores do novo, eles corporificam visões de transformação. Mas para participar da construção do novo, os professores precisam também produzir suas próprias visões sobre possíveis cenários futuros a explorar. As práticas pedagógicas exercidas pelos professores são fontes muito ricas de suas melhores visões de futuro. Ali encontramos visões que se conectam à totalidade de suas ações, e que fornecem, inclusive, significado e direção para suas carreiras. São tais visões que explicam o sentido, por exemplo, das decisões que os professores tomam sobre o desenho do currículo, ou quanto às formas de intervenção pedagógica que preferem exercer em suas salas de aula. Tais visões também fornecem respostas para um conjunto de perguntas fundamentais que os professores precisam fazer a si mesmos ao longo de suas carreiras, tais como: “o que é ser professor?”, ou “qual o papel dos professores na formação dos alunos?”, entre outras. O papel das visões de transformação Práticas pedagógicas orientadas por um sentido de transformação solicitam e produzem diferentes visões. São visões de futuro que alimentam os professores quando estes são chamados a fazer a diferença e a instaurar o novo na escola. A escola, desde seu surgimento, tem sido pensada e representada como um lugar de transformação. Segundo essa concepção, as práticas pedagógicas que ali são exercidas e os saberes que ali são destacados por meio do currículo estariam a serviço de visões de transformação. As visões de transformação dos professores, entretanto, desempenham também um outro papel, igualmente importante. Elas são fonte de um olhar reflexivo, analítico e crítico, e podem inspirar a necessidade de divergir, contestar e até mesmo resistir. Na escola, instalar o novo, afinal, não é simplesmente uma tarefa de divulgar uma novidade. Na escola, pensada como um lugar de transformação, o papel a ser exercido pelos professores é certamente muito importante, pois são criadores de visões de transformação. Além disso, e por diversas razões históricas, os professores são os principais protagonistas no desenho de novos trajetos de aprendizagem a serem experimentados. Mas qual o papel que exercem as visões de transformação? Elas nutrem a qualidade do olhar dos professores reflexivos. Elas iluminam a intuição dos professores sobre o que priorizar em suas práticas pedagógicas, quais experiências de aprendizagem podem ser mais promissoras, e onde encontrar a necessária fonte de inquietude quando determinados valores e Um lugar de transformação atitudes precisam ser reinventados. Além disso, visões de transformação orientam a própria direção ao necessário desenvolvimento profissional dos professores. De um modo geral as visões de transformação se refletem sobre todo o amplo cenário de atuação dos professores. Elas fornecem intuições, por exemplo, quanto às formas mais produtivas de intervenção pedagógica, tendo em vista as necessidades de desenvolvimento dos alunos. Com base em visões de transformação os professores são capazes de estimular nos alunos um pensar diferente, um olhar investigativo, um espírito de inquietude. Além disso, professores reflexivos mantêm-se atentos ao curso das experiências de aprendizagem dos alunos e utilizam em suas práticas formas de cultivar mentes reflexivas e inquietas. Neste momento, quando está se debatendo sobre a formação de professores reflexivos, parece-nos fundamental refletir sobre o papel que exercem suas visões de transformação não somente sobre a qualidade de suas práticas, mas particularmente em relação ao desenvolvimento de suas próprias identidades. Os educadores sabem que as práticas de ensino não são cenários de quietude e previsibilidade. Ao contrário, a sala de aula é lugar de muita intuição e ousadia. Para atuar nesse cenário os professores precisam contar com suas melhores visões de transformação. Ali é necessário exercer formas de reflexão que mantenham atualizadas suas práticas de ensino, que vitalizem suas percepções sobre a aprendizagem e que nutram – instiguem – um espírito de relações com o conhecimento. Há muita energia criativa disponível nas visões de transformação dos professores. Visões de transformação orientam os professores no processo de aprender a ser professor. Mobilizam recursos para o aprender a desenhar papéis a exercer nos diferentes contextos em que atuem, tendo em vista o desafio de transformar a escola, os outros e a si mesmos. Uma noção de futuro Há diferentes formas de pensar o futuro. O conceito de “futuro” pode englobar diferentes significados para além da noção de período de tempo cronológico adiante de determinado instante. O futuro pode ser pensado como “lugar”, “contexto” e “experiência”, por exemplo. Assim, podemos nos referir ao futuro como aqueles 1 “lugares” aonde ainda não fomos, como as “experiências” que ainda não vivemos e até mesmo como “as pessoas que ainda não somos”. Esse é um sentido de futuro particularmente interessante para ser explorado quando desejamos refletir sobre educar para o mundo de amanhã. Encontramos nas livrarias, em locadoras e no diálogo com os pares inúmeras histórias de professores. Nessas narrativas estão indicados diferentes “lugares” a conhecer, experiências a explorar e diversas visões que deveríamos considerar como possíveis futuros a visitar. Ao longo de suas carreiras na escola, os professores se defrontam com diferentes visões de futuro, bem como as produzem. Esses “lugares” a visitar sugerem práticas pedagógicas, experiências de desenvolvimento pessoal ou jeitos de ser professor, por exemplo. Assim, a partir dessas visões, os professores podem perceber diferentes agendas de desenvolvimento pessoal e profissional. Algumas visões solicitam que os professores “visitem” mais a fundo o espírito reflexivo; outras sugerem uma “viagem” para dentro de um refinamento de atitudes de investigação. Mas os professores não precisam explorar desacompanhados esses futuros possíveis. Esse é um momento para experiências compartilhadas. Entre os melhores companheiros de viagem estão os próprios pares educadores, bem como os alunos. É também importante levar na bagagem alguns itens essenciais. Um espírito livre e inquieto é uma excelente fonte de energia quando se caminha em direção ao futuro. Uma mente investigativa é uma ferramenta fundamental para explorar as possibilidades do novo que se encontra mais à frente. Além disso, uma atitude de ousadia é o melhor guia interior quando o percurso em direção ao futuro nos parece incerto. Finalmente, será a paixão pelo conhecimento que nos manterá conectados ao caminho adiante. Em uma escola há sempre espaço para novas visões de futuro. A cada instante, estão presentes inúmeras possibilidades de instalar o novo, de surpreender. Mesmo por meio de gestos habituais, o ato de educar pode ser experiência de transcendência. Afinal, educar é mergulhar em águas de profunda inquietude, provocar movimento interior e uma fonte inesgotável de novos olhares sobre o mundo e sobre nós mesmos. Doutor em Educação. Professor universitário, pesquisador e conferencista no campo educacional. Co-autor do livro Interdisciplinaridade na Formação de Professores.