As Circunstâncias do Complexo Cafeeiro Ricardo Barboza Alves - Rodrigo Fontanari Artigos As Circunstâncias do Complexo Cafeeiro Ricardo Barboza Alves Mestrando em História pela UNESP, Campus Franca Rodrigo Fontanari Mestrando em História pela UNESP, Campus Franca Resumo: Este artigo tem como objetivo analisar o avanço do café por meio da íntima relação engendrada pelos fazendeiros cafeicultores, contido nas formas de manutenção da cultura cafeeira no âmbito regional, nacional e mundial, onde observaremos as nuances e as oscilações do complexo cafeeiro, principalmente, na esfera da organização política e administrativa das condições necessárias para manter as atividades da produção cafeeira de forma sustentável. Analisaremos, na esfera do mercado interno, como os fazendeiros cafeicultores - agentes dominadores da economia brasileira - engendraram um intricado sistema baseado no domínio político, pelo qual levaram à criação de um circuito favorável à atividade econômica cafeeira que compreendia uma rede amplamente interligada ao principal estado produtor, São Paulo, beneficiando sua atividade nuclear – o café, sendo que essa rede integrada somente foi conspurcada graças à supremacia paulista no cenário político nacional. Para a confecção do artigo, vamos nos basear na historiografia “clássica” dedicada a econômica cafeeira junto com novos estudos pertinentes ao complexo cafeeiro que nos permitam uma maior compreensão do processo de burocratização realizado pelos cafeicultores, na esfera nacional, permitindo compreender o árduo caminho de propagação do café e as mudanças sofridas, durante o domínio econômico da produção cafeeira. Palavras-chave: Cafeicultura. Política. Burocratização. The Circunstances of the Coffee Production Abstract: The aim of this article is to analyze the spread of coffee through the intimate relationship engendered by coffee growers, contained in the forms of maintenance of coffee culture at the regional, national and global levels, where we observe the nuances and fluctuations in coffee production, mainly in the field of political and administrative organization of the necessary conditions for maintaining the activities of coffee production in a sustainable manner. We will look in the realm of the home market, how coffee growers – dominant players in the Brazilian economy – engendered an intricate system based on political dominance, by which led to the creation of a circuit in favor of economic activity R. Mest. Hist., Vassouras, v. 12, n. 2, p. 115-130, jul./dez., 2010 115 As Circunstâncias do Complexo Cafeeiro Ricardo Barboza Alves - Rodrigo Fontanari Artigos that coffee contained a widely interconnected network to the main state producer, São Paulo, benefiting its main activity – the coffee, and integrated network that was only tarnished by the supremacy of São Paulo in the national political scene. To make the article, we will build in the “classic” historiography dedicated to the coffee economy along with new studies related to coffee production that enable us to better understand the process of bureaucratization achieved by growers, in national scope, allowing understanding the hard way of the spread of coffee and the changes experienced during the economic dominance of coffee production. Keywords: Coffee culture. Politics. Bureaucratization. “A história só é feita recorrendo-se a uma multiplicidade de documentos e, por conseguinte, de técnicas: poucas ciências, creio, são obrigadas a usar, simultaneamente, tantas ferramentas dessemelhantes”.1 Antes de iniciarmos, propriamente o trabalho que tem como foco principal a atividade cafeeira e sua complexidade relacional, devemos introduzir os meandros do momento histórico que compreende nosso objeto de estudo. Quando se inicia no Rio de Janeiro, o golpe republicano, em 15 de novembro de 1889, estava-se constituindo um sistema republicano que conspurcaria grandes vantagens à elite cafeicultura, entretanto a elite cafeeira foi extremamente astuta e contou com uma coalizão de forças para corroborar o golpe que resultou: “da conjunção de três forças: uma parcela do exército, fazendeiros do oeste paulista e representantes das classes médias urbanas que, para a obtenção dos seus desígnios, contaram indiretamente com o desprestígio da Monarquia e enfraquecimento das oligarquias tradicionais. Momentaneamente unidas em torno do ideal republicano, conservaram, entretanto, profundas divergências, que desde logo se evidenciaram na organização do novo regime, quando as contradições eclodiram em numerosos conflitos, abalando a estabilidade dos primeiros anos da República”.2 1 BLOCH, Marc. Apologia da História ou O Ofício do Historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2001. p. 27. 2 COSTA, Emília Viottida. Da Monarquia à República: momentos decisivos. 5ª edição. São Paulo: Editora Brasiliense, 1997. p. 361. R. Mest. Hist., Vassouras, v. 12, n. 2, p. 115-130, jul./dez., 2010 116 As Circunstâncias do Complexo Cafeeiro Ricardo Barboza Alves - Rodrigo Fontanari Artigos E, segundo Aristides Lobo, o propagandista da República: “o povo, que pelo ideário republicano deveria ter sido protagonista dos acontecimentos, assistira a tudo bestializado, sem compreender o que se passava, julgando ver talvez uma parada militar”3. Confirmando o posicionamento da ala evolucionista do Partido Republicano Paulista, comandada por Quintino Bocaiúva que queria uma transição política pacífica sem a participação do povo e sem transtornos. Cabe ressaltar que o Partido Republicano Paulista teve um papel importantíssimo nessa transição, onde: “[...] o papel do Partido Republicano, na queda do regime monárquico, acabou sendo mais significativo do que a historiografia vem confirmando. Certo é que foi inexpressivo numericamente, pois, só em 1877, conseguiu colocar três deputados provinciais, ainda com o apoio dos liberais; em 1884 elegeu apenas dois deputados de São Paulo – Prudente de Moraes e Campos Sales – num total de 125 parlamentares. Mas sua importância não pode ser medida por isso. Como já se viu, o Partido, desde o início elegeu a propaganda como uma das prioridades. E foi o que fez melhor. Coube-lhe um papel doutrinador efetivo, que desenvolveu por vários canais. O alcance desta propaganda, apesar do número restrito de alfabetizados, letrados, e sobretudo ilustrados, não foi desprezível. Está confirmado no silêncio do dia seguinte à Proclamação, quando o povo [...] assistiu à queda da monarquia como fato consumado. Acontece que as lições de República, após 19 anos de campanha, pelo menos uma parte do povo já sabia de cor”.4 A partir das circunstâncias da Proclamação da República estava aberto o caminho para os políticos paulistas ampliarem sua força. Desta maneira, a elite cafeeira estendera seus tentáculos amplamente no cenário político durante a República Velha, impondo seus interesses e necessidades, amalgamados na principal mola propulsora da atividade econômica brasileira que foi o café. Esses fazendeiros cafeicultores “modernizadores viram na descentralização um recurso para obterem uma alocação de recursos mais eficientes do que seria possível através de um governo autoritário e centralizado”.5 Sendo que a maior manifestação dos grandes fazendeiros cafeicultores na esfera política tem sido a política de valorização do café que foi tentada pela primeira vez em 1906, quando os fazendeiros se reuniram no Convênio de Taubaté e decidiram que o governo deveria fazer um empréstimo para comprar a produção excedente. Todavia o governo não aceitou e os fazendeiros fizeram o empréstimo por conta própria. Com o passar do tempo, o governo assumira a política de valorização do café com uma política de estado durante o período da República Velha, sendo que: 3 CARVALHO, José Murilo de. Os bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi. São Paulo: Companhia das Letras, 1987. p. 09. 4 MARTINS, Ana Luiza. República: um outro olhar.5ª edição. São Paulo: Contexto, 1997. p. 49-50. 5 LOVE, Joseph. A Locomotiva: São Paulo na federação brasileira 1889-1937. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982. p. 11. R. Mest. Hist., Vassouras, v. 12, n. 2, p. 115-130, jul./dez., 2010 117 As Circunstâncias do Complexo Cafeeiro Ricardo Barboza Alves - Rodrigo Fontanari Artigos “O plano era essencialmente simples: os recursos obtidos por meio de um empréstimo externo seriam usados para comprar o café e cobrir os custos da armazenagem. Nos ano de colheita pobre, esse estoque seria liberado para o mercado internacional. Paralelamente, de todo o café exportado seria cobrado um imposto suficientemente alto, de modo a prover os fundos para o pagamento da dívida contraída no exterior”.6 Nesse cenário de conflitos, a elite cafeeira paulista se posicionou rapidamente como dominadora no golpe republicano, ao estabelecer um acordo político com integrantes da política mineira na República Velha, que também ficou conhecida como República do Café com Leite, pois os paulistas e os mineiros se revezavam na presidência da República, impondo seus interesses e necessidades relativos à atividade cafeeira. Vale ressaltarmos, que nem sempre houve consenso entre os aliados, havendo períodos em que o país foi presidido por representantes de outro estado, pelo qual foram constantes as oscilações e as divergências, na questão relativa ao controle do poder político advindo do controle da presidência da República. Devemos ressaltar que devido às características da produção cafeeira com suas sucessivas crises cíclicas7 e ao caráter de inelasticidade do preço do café, e da inserção do Brasil na economia-mundo, como economia subordinada produtora e fornecedora de matériaprima sem valor agregado, o Brasil ficava incessantemente vinculado às instabilidades e as oscilações do mercado externo que regia o valor pago pelo principal produto brasileiro – o café. Por causa desse ciclo de vicissitudes inerentes à atividade cafeeira, os líderes paulistas buscaram criar um melhor aparelhamento burocrático do estado por meio do controle da economia para tentar atenuar essas dificuldades relativas ao preço do café, pela qual: “[...] procuraram expandir o controle sobre a economia cafeeira para diminuir, dentro do possível, o seu grau de instabilidade e, ao mesmo tempo, garantir mais eficiência na arrecadação de tributos. Com a intenção de atingir esses dois objetivos, a burocracia promoveu um constante aperfeiçoamento dos aparelhos de intervenção econômica e de arrecadação”.8 Apesar dessas iniciativas de controle econômico, o caráter burocrático de aparelhamento do estado, somente pode ser entendido pelas mudanças institucionais trazidas pela Constituição Federal de 1891. Desta Carta Constitucional, derivaram-se várias outras conseqüências para a organização dos aparelhos estatais, pois a Constituição Federal valorizava o recrutamento e a igualização dos agentes sociais, estabelecendo o critério 6 Idem. p. 72. 7 Maiores detalhes ver DELFIM NETTO, Antônio. O Problema do Café no Brasil. São Paulo: Publicado para o Instituto de Pesquisas Econômicas pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas, 1981, especialmente a primeira parte do livro. 8 PERISSINOTO, Renato M. Estado e Capital Cafeeiro em São Paulo, 1889-1930. Tomo I. São Paulo: FAPESP; Campinas, SP: UNICAMP, 1999. p. 97. R. Mest. Hist., Vassouras, v. 12, n. 2, p. 115-130, jul./dez., 2010 118 As Circunstâncias do Complexo Cafeeiro Ricardo Barboza Alves - Rodrigo Fontanari Artigos universal do mérito, sendo verdadeiramente os pilares organizacionais da burocracia do estado capitalista. Desta maneira, em 14 de julho de 1891, a Constituição paulista ratificou os preceitos e os valores contidos na Constituição Federal, abrindo, de fato, às condições para a efetiva burocratização do Estado de São Paulo, pela qual: “[...] nossa preocupação maior aqui é mostrar como os princípios inaugurados pela Carta de 1891 foram eficazes, pelo menos em São Paulo, no sentido de forçar uma reorganização do aparelho estatal, cujo resultado foi aprofundar a introdução de princípios burocráticos, e como estes foram acompanhados por uma centralização decisória crescente. Heloísa Fernandes observou que o estudo de instâncias particulares do aparelho de Estado insere-se sempre num quadro mais amplo que é o da estruturação ou reestruturação deste aparelho como um todo. A Constituição de 1891 jogou exatamente esse papel ao lançar os princípios básicos de organização não deste ou daquele aparelho, mas do Estado como um todo”.9 Cabe ressaltarmos que a burocratização não ocorreu “[...] de forma abrupta e implicado a pronta anulação de práticas administrativas pré-capitalistas, como o clientelismo e o filhotismo”.10 Entretanto, a burocratização colaborou também como um dos elementos fundamentais no processo de expansão educacional perpetrado no Estado de São Paulo, pela qual: “Esta expansão educacional é, ela própria, um forte indício do processo de burocratização pelo qual passou, no período, o aparelho estatal paulista. Como mostra Weber, o desenvolvimento da burocracia, ao exigir a profissionalização da função administrativa, substitui o funcionário diletante pelo perito profissional. Este perito deve, então, ser recrutado a partir de exames que testam sua competência técnica para o cargo pleiteado. A proliferação dessas provas, por sua vez, tem conseqüências importantes sobre o sistema educacional, que passa a ser cada vez mais profissionalizante”.11 Esse fato da expansão educacional, por meio da ótica da burocratização do Estado apresentado acima, é corroborado pela perspectivas de pessoas mais qualificadas para exercerem as funções de administração do Estado de forma mais adequada, sendo que essa circunstância é confirmada por algumas medidas profissionalizantes tomadas pelo governo paulista, onde a “[...] estruturação da carreira na Polícia data de 1905-1906 e o Judiciário apresenta talvez o mais elevado nível de profissionalização em todo o país, pelo menos a partir das reformas introduzidas por Washington Luiz, em 1921”.12 9 PERISSINOTO, Renato M. Estado e Capital Cafeeiro em São Paulo, 1889-1930. Tomo I. São Paulo: FAPESP; Campinas, SP: UNICAMP, 1999. p. 98. 10 Idem. p. 106. 11 Idem. p. 105. 12 LOVE, Joseph. A Locomotiva: São Paulo na federação brasileira 1889-1937. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982. p. 226-227. R. Mest. Hist., Vassouras, v. 12, n. 2, p. 115-130, jul./dez., 2010 119 As Circunstâncias do Complexo Cafeeiro Ricardo Barboza Alves - Rodrigo Fontanari Artigos Não obstante a posição hegemônica, conseguida pelos fazendeiros cafeicultores paulistas no cenário político nacional, não podemos esquecer o sistema capitalista, pelo qual a atividade cafeeira se baseou e conseguiu sua expansão colossal, passando de mera planta ornamental, quando chegou pelos idos da década de 1776 no Rio de Janeiro, a ser a potência econômica do Brasil, principalmente nos 30 anos iniciais do século XX. Para isso, a elite cafeicultura engendrou um complexo sistema que atingiu lugares nunca antes imaginados. Graças às relações capitalistas impetradas pelo café e sua força descomunal, o café sobrepujou fronteiras, introduziu novos hábitos e enriqueceu seus controladores. Por esse prisma, a atividade cafeeira se alastrou amalgamado com a força do capitalismo como a hidra mitológica que era: “[...] figurada como uma serpente descomunal, de muitas cabeças, variando estas, segundo os autores, de cinco ou seis, até cem e cujo hálito pestilento a tudo destruía: homens, colheitas e rebanhos. [...] cortando as cabeças da Hidra, onde houvera uma, renasciam duas. [...] a Hidra simboliza [...] ambição banalmente ativa”.13 Sobre o capitalismo, devemos ressaltar que a fazenda produtora de café foi uma empresa com características extremamente capitalistas, sendo que os fazendeiros eram insaciáveis na busca da obtenção dos lucros, “onde a acumulação de capital tinha objetivos alternativos ao longo do tempo”14, porquanto: “A riqueza é o progresso contínuo do desejo de um objeto para o outro, a obtenção do primeiro sendo ainda apenas o caminho para o seguinte [...] Afirmo tratar-se de uma inclinação geral de toda a humanidade o desejo perpétuo e sem trégua de poder seguido de poder que cessa apenas com a morte. E a causa disso nem sempre é o fato de que um homem espera uma satisfação mais intensa do que aquela já obtida; ou que ele não possa se contentar com um poder moderado. É porque ele não pode assegurar o poder e os meios para viver bem, que no presente ele possui, sem a aquisição de mais”.15 Essa cobiça desenfreada retratada acima dos fazendeiros cafeicultores, no anseio de acumular cada vez mais capital, fez os fazendeiros mercantilizarem cada vez mais os processos sociais como, não somente as trocas, mas também os meios de produção e investimentos presentes em toda a órbita da vida econômica.16 Desta maneira, os cafeicultores investiram amplos recursos necessários, principalmente na fazenda, para 13 BRANDÃO, Junito de Souza. Mitologia Grega. Volume I. 3ª edição. Petrópolis: Vozes, 1987. p. 243. 14 WALLERSTEIN, Immanuel. Capitalismo histórico & Civilização capitalista. Rio de Janeiro: Contraponto, 2001. p. 14. 15 GIANNETTI, Eduardo. Vícios privados, benefícios públicos? A ética na riqueza das nações. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. p. 33. 16 Conceito retirado de WALLERSTEIN, Immanuel. Capitalismo histórico & Civilização capitalista. Rio de Janeiro: Contraponto, 2001. R. Mest. Hist., Vassouras, v. 12, n. 2, p. 115-130, jul./dez., 2010 120 As Circunstâncias do Complexo Cafeeiro Ricardo Barboza Alves - Rodrigo Fontanari Artigos sustentá-la e obter lucro, buscando os recursos adequados para melhorar a infra-estrutura do mundo rural, sendo assim a fazenda era “[...] um verdadeiro mundo em miniatura, em que se concentra e resume a vida toda de uma pequena parcela de humanidade”17, pelo qual havia, basicamente: “casa sede da fazenda, casa de colonos simples e duplas construídas de tijolos e telhas, casa para administrador, terreiro ladrilhado para beneficiar café, moinho de fubá a motor elétrico, despolpador a vapor, tulhas, cocheira, rancho, paiol, estribaria, casa para máquinas com respectivos maquinismos e acessórios, celeiros, carpintaria, tenda de ferreiros, lavador de café, serra circular para lenha, algumas fazendas possuíam engenho para fabrico de aguardente, mangueiro para criação de porcos, máquina de picar cana de açúcar, galinheiros, algumas fazendas possuíam olarias”.18 No teatro de operações mundial, o sistema de ferrovias causou grande estrondo na comunidade mundial e foi um dos principais artífices do fomento e consolidação da revolução industrial, expandindo seus tentáculos pelo mundo e integrando lugares nunca antes imaginados pelo homem, e de acordo com Hobsbawm: “Nenhuma outra inovação da revolução industrial incendiou tanto a imaginação quanto a ferrovia, como testemunha o fato de ter sido o único produto da industrialização do século XIX totalmente absorvido pela imagística da poesia erudita e popular. Mal tinham as ferrovias provado ser tecnicamente viáveis e lucrativas na Inglaterra (por volta de 1825-30) e planos para sua construção já eram feitos na maioria dos países do mundo ocidental, embora sua execução fosse geralmente retardada. As primeiras pequenas linhas foram abertas nos EUA em 1827, na França em 1828 e 1835, na Alemanha e na Bélgica em 1835 e até a Rússia em 1837. Indubitavelmente, a razão é que nenhuma outra invenção revelava para o leigo a forma tão cabal o poder e a velocidade da nova era; a revelação fez-se ainda mais surpreendente pela incomparável maturidade técnica mesmo das primeiras ferrovias. [...] A estrada de ferro, arrastando sua enorme serpente emplumada de fumaça, à velocidade do vento, através de países e continentes, com suas obras de engenharia, estações e pontes formando um conjunto de construções que fazia as pirâmides do Egito e os aquedutos romanos e até a Grande Muralha da China empalidecerem de provincianismo, era o próprio símbolo do triunfo do homem pela tecnologia”.19 17 PRADO JUNIOR, Caio. Formação do Brasil Contemporâneo: colônia. São Paulo: Brasiliense, 2004. p. 147. 18 Cartório Oficial de Registro de Imóveis e Anexos de Santa Cruz das Palmeiras. Livro hipotecário A e B. 19 HOBSBAWM, Eric J. A Era das Revoluções: Europa 1789-1848. 22ª edição. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2007. p. 72. R. Mest. Hist., Vassouras, v. 12, n. 2, p. 115-130, jul./dez., 2010 121 As Circunstâncias do Complexo Cafeeiro Ricardo Barboza Alves - Rodrigo Fontanari Artigos No Brasil, esse aspecto foi extremamente relevante sobre a questão da infra-estrutura relativa aos melhoramentos das condições de manejo da produção cafeeira, recaindo grande discussão sobre a questão de quem deveria fazer os investimentos para a implantação do transporte ferroviário tão fundamental para modernizar e dinamizar as atividades do complexo cafeeiro. Desta maneira, houve grande pressão e influência dos fazendeiros cafeicultores, para que o governo estabelecesse e aplicasse recursos públicos na implantação do transporte ferroviário, para acabar com o gargalo dos transportes, que dificultava a distribuição do café, e buscar a redução dos custos do escoamento da produção. Sendo assim, os fazendeiros cafeicultores usaram como argumentação para a implantação do transporte ferroviário, os exemplos dos países que já haviam aplicado investimentos na fomentação do complexo ferroviário e estavam tendo bons resultados no que tange ao escoamento da produção, mostrando que estavam amplamente antenados aos avanços necessários para modernizar suas atividades. Todavia, aqui, o Estado deveria garantir os investimentos para a implantação das ferrovias. Vejamos o posicionamento dos fazendeiros sobre o processo de implantação das ferrovias: “Fazendeiros de visão convenceram o governo provincial a colaborar com a administração central no sentido de garantir as taxas de lucro para as companhias ferroviárias. Estas expandiram suas operações rapidamente: São Paulo contava com 140 km de trilhos em 1870, 1.200, uma década mais tarde e 2.400. em 1890. Em 1937, o estado possuía 22% das linhas ferroviárias do país – 7.400 km, quase tanto quanto Minas Gerais, cujo território é duas vezes maior. Embora o sistema de estradas de ferro no Brasil já tenha sido criticado muitas vezes por sua falta de integração, São Paulo teve a sorte de construir um regionalmente integrado. Além do mais, em termos de quilômetros quadrados, possui o sistema mais extenso em toda a América do Sul, com exceção da região dos pampas úmidos, em torno de Buenos Aires”.20 Essa pressão do setor cafeeiro foi extremamente bem organizada pelos fazendeiros devido à demanda da dificuldade provocada pelo gargalo do escoamento da produção e para buscar uma alternativa mais rápida e viável que diminuísse os custos operacionais relativos ao transporte, sendo que o investimento das ferrovias desprendia a formação e desenvolvimento do espírito associativo, aglutinando o recurso de várias famílias para sua implantação21, sendo que o alto custo do transporte foi a principal condição para haver a organização e o espírito associativo, pois: “Em 1863, antes da chamada da estrada de ferro, os custos de transporte de Campinas a Santos representavam mais de 40% do preço de exportação. É provável que, em média, a ferrovia tenha reduzido os 20 LOVE, Joseph. A Locomotiva: São Paulo na federação brasileira 1889-1937. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982. p. 23-24. 21 Conceito retirado de PERISSINOTO, Renato M. Estado e Capital Cafeeiro em São Paulo, 1889-1930. Tomo I. São Paulo: FAPESP; Campinas, SP: UNICAMP, 1999. R. Mest. Hist., Vassouras, v. 12, n. 2, p. 115-130, jul./dez., 2010 122 As Circunstâncias do Complexo Cafeeiro Ricardo Barboza Alves - Rodrigo Fontanari Artigos custos do frete a 20% do preço vigente no porto. Na década de 1920, as despesas com transporte representavam pouco mais de um décimo dos gastos correntes incorridos pelos fazendeiros”.22 No que tange ao impacto da implantação da ferrovia na vida da província de São Paulo, podemos destacar que a estrada de ferro colaborou para a incorporação de novos hábitos e amplificou a interligação do circuito cafeeiro de forma dinâmica com a economia nacional e mundial. E, também, ascendeu São Paulo de uma área de importância periférica secundária, que era, para uma área altamente proeminente e pujante da economia brasileira. Vejamos esta influência do sistema ferroviário no poema de Antônio Carlos de Almeida, intitulado “a Locomotiva, dedicado ao Conselheiro Homem de Mello: “Começa a arfar o trem./ A máquina flameja/ lançando em profusão o fumo pelo ar!/ De dentro da caldeira mil jorros d’água fervida/ num doído turbilhão impelem-na a andar.// Partiu. Lá vai correndo em rápido galope/ como o raio cortando o vasto imenso espaço!/ não olha para trás. Caminha, e as auras mansas/ alagam-lhe, beijando, o forte peito de aço.// Transpõe como um leão as curvas do caminho,/ assusta os animais, espanta-os, passa ovante!/ Penetra o rijo seio aberto das montanhas/ imprimindo na treva um sulco lampejante.// Ó murmurosa máquina, um gênio altivo e forte/ habita-te as entranhas batidas pelo malho!/ É a Força, a Inteligência, a Luz que fez as forjas,/ as prensas e o telégrafo aos hinos do trabalho!// Saudemos, pois, a máquina, a idéia, o pensamento,/ o gênio do ideal fundo como o oceano!/ Saudemos com calor esse poema enorme/ de ferro, fogo e aço do grande Engenho humano!”23 Sobre o impacto das ferrovias, Martins resume assim as transformações: “Antes da instalação da ferrovia, o transporte de toda a produção do Brasil, fosse ela de açúcar, ouro, algodão e agora café, era feito em lombo de burros, através de imensas tropas de muares que desde o extremo sul do país chegavam até os centros consumidores mais distantes atingindo os portos do litoral [...] Entretanto, à proporção que o café avançava para o interior, o custo desse transporte aumentava. Quanto maior a distância entre a fazenda e o porto de escoamento, mais se elevava o frete e menor era o lucro do fazendeiro. A situação chegou a um ponto em que plantar café além de Rio Claro, então ‘boca do sertão’, passou a ser inviável devido ao alto frete. [...] A solução foi a ferrovia [...] Com a locomotiva chegou o progresso. As distâncias encurtavam-se, 22 LOVE, Joseph. A Locomotiva: São Paulo na federação brasileira 1889-1937. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982. p. 68. 23 MARTINS, Ana Luiza. Império do Café: a grande lavoura do Brasil, 1850 a 1890. São Paulo: Atual, 1990. p. 74. R. Mest. Hist., Vassouras, v. 12, n. 2, p. 115-130, jul./dez., 2010 123 As Circunstâncias do Complexo Cafeeiro Ricardo Barboza Alves - Rodrigo Fontanari Artigos os fazendeiros não mais permaneciam nas fazendas, construindo seus palacetes nas cidades e sobretudo em São Paulo, conhecida então como Capital dos Fazendeiros. Com a facilidade dos transportes, promoveram-se melhoramentos urbanos que embelezaram as cidades. Até a circulação de notícias se fez com mais rapidez, com o transporte de jornais das capitais para o interior. Eram os novos tempos”.24 “Para Morellet, os capitalistas formam um grupo, uma categoria, quase uma classe à parte na sociedade”.25 Entretanto, esse caráter prosélito, desses agentes, no nosso caso os fazendeiros cafeicultores que dominavam a sociedade, dava-se devido aos gracejos voluptuosos e à astúcia dos mesmos em buscar salvar sua atividade econômica dos perigos existentes e para isso, usaram um mecanismo extremamente eficiente engendrado na amálgama entre a política e a atividade econômica, buscando o caráter modernizador que favorecia somente as atividades da elite cafeicultora, sendo que a modernização sempre era: “parcial e excludente por sua própria natureza, o processo de modernização urbana tornara-se espelho dos mecanismos mais gerais que banalizavam a construção do país. Permaneciam as profundas fraturas sociais herdadas da escravidão e do latifúndio, e persistiam no poder os setores tradicionais, configurando um quadro de resistências que limitaria qualquer mudança. A modernidade seria usufruída por poucos, mesmo porque sua disseminação efetiva exigiria o questionamento de nossas estruturas de dominação, propriedade fundiária e divisão social. No seu lugar, teríamos apenas a eterna miragem da modernização”.26 Desta maneira, controlavam a máquina estatal que não conseguia impedi-los de impor seus interesses na esfera política, apesar de haver algumas resistências sobre esse domínio, os fazendeiros cafeicultores ultrapassaram todas as barreiras, determinando no jogo político como seria formulado o conjunto legislativo que favorecia os desejos e as premissas desse grupo sectário - controlador do café, principal produto gerador de divisas para o Brasil no cenário da economia mundo. Baseavam sua força na divulgação de que o café era a base da riqueza brasileira, corroborando essa figura de linguagem com a pujança da produção cafeeira no cenário da economia mundo, já que “entre 1910 e 1920, o Brasil produziu cerca de dois terços do café mundial, sendo as fazendas paulistas responsáveis por 70% desse total, ou seja, quase a metade da produção mundial”.27 Com o advento da inserção das ferrovias, o universo se desabrochou às condições favoráveis para a expansão da atividade cafeeira como um organismo multifacetado que 24 MARTINS, Ana Luiza. Império do Café: a grande lavoura do Brasil, 1850 a 1890. São Paulo: Atual, 1990. p. 15-16. 25 BRAUDEL, Fernand. Civilização material, economia e capitalismo: séculos XV-XVIII. O Jogo das Trocas. São Paulo: Martins Fontes, 1996. p. 204. 26 CAMPOS, Candido Malta. Os rumos da cidade. São Paulo: Editora SENAC, 2002. p. 24. 27 LOVE, Joseph. A Locomotiva: São Paulo na federação brasileira 1889-1937. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982. p. 65. R. Mest. Hist., Vassouras, v. 12, n. 2, p. 115-130, jul./dez., 2010 124 As Circunstâncias do Complexo Cafeeiro Ricardo Barboza Alves - Rodrigo Fontanari Artigos pulsava e empurrava as perspectivas econômicas, modificando também o conjunto social e cultural das áreas atingidas pelo sistema ferroviário. Colaboram para essa expansão também os mecanismos internacionais e a economia mundial, consubstanciado pelo caráter imperativo do capitalismo que imprimiram a dinâmica da atividade cafeeira no Brasil. Desta maneira, o Brasil se insere na economia mundo pela perspectiva do café, como principal centro fornecedor, sendo São Paulo seu principal artífice produtor, quando o capital industrial estava se consolidando na Europa num processo dominaçãosubordinação, que veio a forçar o Brasil a posicionar-se como fornecedor de produtos requisitados no mercado europeu. Sendo assim: “O caráter primário-exportador não decorre simplesmente da força material da produção predominante, alimentos e matérias-primas, e da localização de mercado em que se realiza, o externo. Ao contrário, advém, fundamentalmente, de que as exportações representam o único componente autônomo de crescimento da renda,e, ipso facto, o setor externo surge como centro dinâmico da economia”.28 Desta maneira, resumidamente: “o capitalismo industrial ‘propõe’ a formação de uma periferia produtora em massa, de produtos primários de exportação, organizando-se a produção em bases capitalistas, quer dizer, mediante trabalho assalariado”.29 Sendo que no Brasil vários fatores se fundiram para haver a modificação das relações de trabalho na zona cafeeira, pois havia uma mentalidade extremamente conservadora baseada na mãode-obra escrava, entretanto: “a substituição do trabalho escravo por imigrante já fora tentada ainda na década de 1850. No entanto, esses primeiros esforços foram considerados mal sucedidos, os imigrantes sentiram-se tratados como escravos e os fazendeiros reclamavam da ‘indisciplina’ dos trabalhadores. As relações de trabalho na propriedade de Vergueiro, em Limeira, perto de Rio Claro, causaram tal escândalo na Europa que a Prússia proibiu, em 1859, o recrutamento dentro de seu território, logo seguida pelo governo suíço, que recomendou a mesma política aos cantões constituintes. Paralelamente, a imigração espontânea (não subsidiada) foi restringida até os últimos anos da década de 1880 devido à alta lucratividade do trabalho escravo e ao custo da passagem da Europa para o Brasil, nos navios a vapor, que chegou a custar o dobro da passagem para os Estados Unidos. Mas afinal, a diminuição nos custos da viagem, o excesso de população no sul da Europa, a perspectiva mais certa da abolição, bem como a decisão de autoridades dos governos central e paulista no sentido de subvencionar o transporte de imigrantes, transformaram o pequeno número inicial em uma grande onda. Cerca de 2.300.000 (57%) dos imigrantes que entraram no Brasil entre 1888 [...] e 1935, dirigiram-se para São Paulo”.30 28 MELLO, João Manuel de. O Capitalismo Tardio. São Paulo: Editora Brasiliense, 1984. p. 29. 29 Idem. p. 45. 30 LOVE, Joseph. A Locomotiva: São Paulo na federação brasileira 1889-1937. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982. p. 26. R. Mest. Hist., Vassouras, v. 12, n. 2, p. 115-130, jul./dez., 2010 125 As Circunstâncias do Complexo Cafeeiro Ricardo Barboza Alves - Rodrigo Fontanari Artigos No cenário mundial, a posição do Brasil, sintaticamente há sido de subordinação, sendo que: “[...] as diferentes economias ‘nacionais’ são ligadas por relações de subordinação-dominação. As leis que asseguram a reprodução ampliada do capital em escala mundial asseguram ao mesmo tempo ‘uma forma determinada de dominação-subordinação das diferentes formações sociais, a reprodução do sistema das posições correspondentes a essas relações de dominação-subordinação, os ritmos desiguais de desenvolvimento que resultam dessas posições e as condições de troca que delas resultam’. Ao nível da formação social, obstáculos e elementos motores são efeitos contraditórios de uma mesma estrutura, a estrutura econômica própria à formação social em via de desenvolvimento capitalista à época da dominação das relações capitalistas em escala mundial. [...] Essas relações, apesar de implicarem em formas de dominação políticas e ideológicas tão violentas quanto às da época colonial, apóiam-se fundamentalmente sobre relações econômicas. As relações de dominação-subordinação internacionais que caracterizam o mundo a partir do final Século XIX são o resultado – ou melhor, uma manifestação – da dominação e reprodução das relações capitalistas em escala mundial”.31 Sendo assim, o complexo cafeeiro foi profundamente orquestrado pela consolidação do capitalismo industrial que, como um regente (maestro), determinava aos músicos (fazendeiros cafeicultores) de que maneira a música deveria ser executada. Porquanto, na esfera do mercado interno os agentes dominadores da economia engendraram um intricado sistema, baseado no domínio político, pela qual levaram à criação de um circuito favorável à atividade econômica que compreendia uma rede amplamente interligada no principal estado produtor, São Paulo. Essa rede integrada somente foi introduzida graças à preponderância paulista no cenário político nacional, sendo que “nos primeiros anos da República, São Paulo liderava indiscutivelmente a vida política nacional, fato claramente evidenciado pelo controle que a máquina política estadual exerceu sobre a presidência, durante 12 anos, a partir de 1894”.32 Assim, de acordo com Quintaneiro e Oliveira: “[...] é a dominação o que mantém a coesão social, garante a permanência das relações sociais e a existência da própria sociedade. Ela se manifesta sob diversas formas: a interpretação da história de acordo com a visão do grupo dominante numa certa época, a imposição de normas de etiqueta e de convivência social consideradas adequadas, e a organização de regras para a vida política. É importante ressaltar que a dominação não é um fenômeno exclusivo da esfera política, mas um elemento essencial que percorre todas as instâncias da vida coletiva”.33 31 SILVA, Sergio. Expansão Cafeeira e Origens da Indústria no Brasil. 8ª edição. São Paulo: Editora AlfaOmega, 1995. p. 20-21. 32 LOVE, Joseph. A Locomotiva: São Paulo na federação brasileira 1889-1937. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982. p. 149. 33 QUINTANEIRO, Tania; BARBOSA, Maria Ligia de Oliveira; OLIVEIRA, Márcia Gardênia Monteiro de. Um Toque de Clássicos: Marx, Durkheim e Weber. 2.ed. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002. p. 131. R. Mest. Hist., Vassouras, v. 12, n. 2, p. 115-130, jul./dez., 2010 126 As Circunstâncias do Complexo Cafeeiro Ricardo Barboza Alves - Rodrigo Fontanari Artigos Para finalizar, destacamos que esse estudo traça um panorama dos impactos no âmbito nacional, internacional e estadual do complexo cafeeiro, perpassando brevemente por aspectos de uma realidade múltipla, tentando evitar generalizações equivocadas que provoquem interpretações inadequadas. Sendo assim, essa questão das atividades relacionadas ao complexo cafeeiro, nosso objetivo foi articular o árduo caminho de propagação do café e as mudanças sofridas durante o domínio econômico da produção cafeeira, estabelecendo as conexões e as interações imprescindíveis para melhor compreensão da vinculação e a volúpia dos cafeicultores em garantir a estrutura que contribuísse para a obtenção de lucros na produção de café, subjacente sempre foram movimentados pela cobiça a qual: “[...] quando sonhos iludem nossos olhos errantes na pesada sonolência da noite, e rendendo-se à pá a terra entrega ouro à luz do dia, nossas mãos cobiçosas tocam a pilhagem e agarram o tesouro, o suor também nos escorre pelo rosto, e nos torna o coração um medo intenso de que talvez alguém sacuda nosso peito carregado, onde sabe estar escondido o ouro: logo, quando esses prazeres fogem do cérebro de que zombaram, e retorna a verdadeira forma das coisas, nossa mente anseia pelo que se perdeu, e se move com toda a sua força entre as sombras do passado [...]”.34 Considerações Finais De forma geral, este estudo tem contribuído com um delineamento de um hemisfério importante que foi o estabelecimento do complexo cafeeiro, compreendendo principalmente o papel do crédito tão fundamental da esfera política dominada amplamente pelos grande fazendeiros cafeicultores. Podemos perceber que a atividade cafeeira tem percorrido um caminho tortuoso e longo na esfera nacional amalgamado pelas influências da economica mundo esboçado, principalmente, pela extremada dependência de nossa economia primária agrárioexportadora. Nesse cenário, para manter as atividades relativas à produção da atividade nuclear – o café e sua lucratividade, os grandes fazendeiros cafeicultores com suas fazendas detentoras de grande produção cafeeira, mesmo nos períodos de crise da atividade, do caráter cíclico e de inelasticidade do café, sempre controlaram a política e determinavam quais seriam as medidas tomadas para conseguirem obter e manter seus lucros. Esses grandes cafeicultores devido ao grau íntimo de contato com as entranhas do jogo político por serem membros da elite cafeeira, sempre tiveram acesso facilitado as melhores vantagens, como o aparelhamento do Estado por meio de sua burocratização que visava somente a atribuir melhores condições para garantirem os lucros advindos da atividade cafeeira. 34 CHANCELLOR, Edward. Salve-se quem puder: uma história da especulação financeira. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. p. 16. R. Mest. Hist., Vassouras, v. 12, n. 2, p. 115-130, jul./dez., 2010 127 As Circunstâncias do Complexo Cafeeiro Ricardo Barboza Alves - Rodrigo Fontanari Artigos Nota-se, também, a grande influência da atividade cafeeira no fomento do desenvolvimento da esfera social com a ampliação do complexo cafeeiro devido à implantação das ferrovias e das relações comerciais secundárias derivadas da atividade cafeeira que atingiram lugares nunca dantes imaginados pelos homens como forma viável de aproveitamento econômico. Todavia não podemos esquecer de que a elite agrária cafeicultora conduzia o jogo da forma que lhe interessava. Porém, devemos ressaltar que o café foi o pilar de sustentação econômica do Brasil e da expansão pelo interior do país com o surgimento de várias novas cidades e mudanças profundas na vida cultural e social da sociedade brasileira. R. Mest. Hist., Vassouras, v. 12, n. 2, p. 115-130, jul./dez., 2010 128 As Circunstâncias do Complexo Cafeeiro Ricardo Barboza Alves - Rodrigo Fontanari Artigos Referências Fontes Históricas Cartório Oficial de Registro de Imóveis e Anexos de Santa Cruz das Palmeiras. Bibliografia Bloch, Marc. Apologia da História ou O Ofício do Historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2001. Braudel, Fernand. Civilização material, economia e capitalismo: séculos XV-XVIII. O Jogo das Trocas. São Paulo: Martins Fontes, 1996. Brandão, Junito de Souza. Mitologia Grega. Volume I. 3ª edição. Petrópolis: Vozes, 1987. Campos, Candido Malta. Os rumos da cidade. São Paulo: Editora SENAC, 2002. Cano, Wilson. Raízes da concentração industrial em São Paulo. 5ª edição. Campinas: Unicamp. IE, 2007. Carvalho, José Murilo de. Os bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi. São Paulo: Companhia das Letras, 1987. Chancellor, Edward. Salve-se quem puder: uma história da especulação financeira. 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