Introdução ao Acoplamento Cromatografia Líquida – Espectrometria de Massas Amadeu Hoshi Iglesias [email protected] Waters Technologies do Brasil, Barueri, SP Resumo Com o desenvolvimento das fontes de ionização a pressão atmosférica a partir do final da década de 80, o acoplamento Cromatografia Líquida (LC) – Espectrometria de Massas (MS) aumentou consideravelmente a capacidade analítica dos laboratórios. Pesquisadores acostumados aos detectores ópticos convencionais se beneficiaram do potencial analítico da MS do ponto de vista de sensibilidade, seletividade, velocidade de análise e facilidade no desenvolvimento de métodos analíticos. Em virtude desses benefícios, esse texto visa explorar alguns aspectos fundamentais de MS (definições, instrumentação, Espectrometria de Massas Sequencial MSMS), seu acoplamento a LC e as vantagens proporcionadas pela utilização de partículas sub-2 µm na Cromatografia Líquida de UltraPerformance (UPLC). Finalmente, será brevemente abordado o desenvolvimento de métodos quantitativos em matrizes complexas, utilizando equipamentos do tipo Triplo Quadrupolo em experimentos de Monitoramento de Reações Múltiplas (MRM). 1 1 – Introdução De acordo com a IUPAC, a Espectrometria de Massas (MS) é definida como o estudo da matéria pela formação de íons em fase gasosa e posteriormente caracterizados por um Espectrômetro de Massas de acordo com sua massa, carga, estrutura ou propriedades fisico-químicas (IUPAC Gold Book). O resultado de uma análise por MS se dá pela forma de um espectro, onde a abscissa corresponde à razão entre a massa e o número de cargas do íon (m/z) e a ordenada está relacionada à sua intensidade. A m/z tem como unidade o Dalton (Da). Em virtude do alto grau informativo das análises, MS pode ser utilizada tanto qualitativamente (ou seja, para identificação de composição elementar de compostos e elucidação estrutural) quanto como para análises quantitativas, em geral onde se buscam determinar analitos nos níveis de traços em matrizes complexas. O espectro de MS apresenta, além da m/z do composto de interesse, o sinal referente ao padrão isotópico do analito, que por sua vez é resultante do padrão isotópico dos átomos constituintes do composto. Com isso, essa informação pode ser utilizada para prever a presença de alguns átomos com padrões isotópicos bem característicos (Cl, Br, S, dentre outros). Além disso, o espectro de MS também pode, dependendo das condições de aquisição, apresentar sinais referentes à fragmentação do íon originalmente gerado na fonte. Esses fragmentos por sua vez podem ser muito úteis tanto do ponto de vista qualitativo, fornecendo informações auxiliares para elucidação estrutural, quanto quantitativo, no sentido de aumentar a seletividade do método analítico. Finalmente, em virtude do seu caráter universal, o espectro de MS em geral apresenta sinal de outras espécies que são simultaneamente ionizadas ao analito de interesse. Nesse caso é importante ressaltar que a relação de intensidade entre dois íons diferentes no espectro não está diretamente relacionada às concentrações relativas do mesmo em solução, visto o caráter intrinsicamente não-quantitativo da técnica. Assim como em outras técnicas, alguns parâmetros em MS devem ser considerados quando visa-se um determinado objetivo analítico. No caso de MS essa questão é aparentemente mais crítica em virtude do fato que diferentes instrumentos apresentam diferenças significativas nesses parâmetros e, paralelamente a isso, apresentam também diferenças significativas de preços. Desse modo, não é incomum um equipamento de MS de baixo valor relativo ser mais útil que um equipamento com preço superior a 10 vezes maior. Um dos parâmetros mais importantes a ser considerado é a Exatidão de Massas, dada pela diferença entre as massas teórica e obtidas experimentalmente. Esse valor pode ser expresso tanto no modo absoluto (simplesmente pela diferença, expressa como Da ou mais comumente mDa) como relativo (em unidades de partes por milhão, ppm), de acordo com a expressão abaixo: Δm = [(mE – mT)/mT] x 106 onde mE e mT são, respectivamente, as massas Experimental e Teórica. Alguns Espectrômetros de Massas tem a capacidade de fornecer a massa do composto de interesse com erros inferiores a 5 ppm; essas condições são fundamentais toda vez que se deseja publicar/patentear uma nova molécula (Webb et al, 2004). Esses dados são de grande valia, uma vez que se a massa de um composto desconhecido for medida com exatidão suficiente, sua fórmula molecular pode ser obtida sem nenhum outro tipo de conhecimento prévio do analito de interesse; essa 2 informação pode ser ainda mais exata caso a relação de intensidade entre os íons do padrão isotópico sejam medidos adequadamente (Kind et al, 2006). Outro parâmetro de grande importância em análises por MS é a Resolução, que consiste na capacidade de um Espectrômetro de Massas separar dois íons distintos (IUPAC Gold Book). Embora a classificação seja um tanto quanto controversa, Espectrômetros de Massas são divididos entre equipamentos de baixa e alta resolução. A Resolução é um parâmetro adimensional, definido pela razão entre a massa medida e a largura do sinal a meia-altura; tipicamente, equipamentos de baixa resolução apresentam esse parâmetro inferior a 2000, enquanto equipamentos de alta resolução podem chegar a valores acima de 1x106 (Marshall et al, 1998). Importante salientar que, em geral, independente do tipo de equipamento, Resolução e Sensibilidade são parâmetros que variam inversamente: quanto maior a Resolução, menor a Sensibilidade. Desse modo, esses parâmetros devem ser ajustados levando-se em conta o objetivo analítico. Além disso, a Resolução também afeta a Exatidão de Massas: caso na medida de massa exata haja um interferente isóbaro não-resolvido, o centro de massas do composto de interesse é afetado e portanto a exatidão de massas pode não ser suficiente. Outro parâmetro de extrema importância, comum a todas as técnicas analíticas é a Sensibilidade, dada pela inclinação da curva de resposta de um determinado analito com o aumento da concentração. Em virtude da complexidade da técnica de MS quando comparada a outros detectores acoplados a LC, é importante que a Sensibilidade seja sempre descrita em função dos parâmetros detalhados de aquisição (equipamento, voltagens, modo de aquisição) e processamento (suavização, região de ruído), de modo que diferentes experimentos possam ser comparados com relação a esse parâmetro. 2 – Instrumentação Todo equipamento de MS é composto basicamente das seguintes partes: Sistema de Introdução de Amostras, Fonte de Ionização, Analisador de Massas e Detector (Figura 1). Além disso, como será colocado posteriormente, alguns equipamentos apresentam dois Analisadores de Massas separados por uma Câmara de Colisão. Algumas Fontes de Ionização (em geral, as mais utilizadas para acomplamento com LC) trabalham a pressã atmosférica; por outro lado, Analisadores e Detectores estão sempre sob vácuo, que pode variar de 10 -3 a 10-10 mbar. Em virtude do caráter universal de MS (para que o analito seja passível de análise por MS, basta que o mesmo possa ser ionizado), sua versatilidade se destaca pelos diferentes tipos de sistemas de inserção de amostras, que podem ser sólidas, líquidas ou até mesmo gasosas. Com isso, o sistema de introdução pode variar desde uma simples bomba de seringa a sistemas de Cromatografia Gasosa (GC), HPLC, UPLC, Eletroforese Capilar (CE) e Cromatografia de Fluido Supercrítico (SFC). 3 Figura 1. Esquema de um Espectrômetro de Massas. 2.1 – Fontes de Ionização A Fonte de Ionização é a parte do equipamento responsável por converter os analitos de interesse em íons em fase gasosa, pré-requisito fundamental para qualquer análise por MS. A compreensão dos mecanismos envolvidos na ionização de cada uma das fontes é de extrema importância, já que isso define quais são os analitos possíveis de serem analisados. Na maioria dos equipamentos comerciais, algumas fontes de ionização podem ser facilmente substituídas, aumentando ainda mais a capacidade analítica dos mesmos. A ionização pode ocorrer tanto no modo positivo quanto negativo, dependendo das características do analito de interesse, e em geral ocorre de uma das seguintes formas: i) ejeção ou captura de elétrons, formando espécies conhecidas como íon molecular (M·+ ou M·-); ou ii) protonação ou desprotonação (adição ou remoção de um íon H +), levando a formação de moléculas protonadas ou desprotonadas. A Fonte de Ionização mais comumente utilizada para o acoplamento LC-MS é a de Electrospray (ESI), descrita inicialmente por Fenn (Yamashita et al, 1984). Basicamente, analitos em solução (em geral, o efluente da coluna cromatográfica é diretamente conectada à Fonte) são ionizados quando atravessam um capilar metálico, onde uma voltagem é aplicada (Figura 2). Em geral, no caso de analitos básicos, é adicionado um aditivo à fase móvel com o objetivo de auxiliar a protonação do mesmo; esses aditivos devem ser voláteis e presentes em baixas concentrações, afim de se evitar que o mesmo interfira no processo de ionização do analito (processo esse conhecido como supressão de ionização) (Trufelli et al, 2010). Ainda no processo de ionização em modo positivo, é aplicada ao capilar uma voltagem positiva, da ordem de 0.5 – 4 kV, que tem como objetivo 4 neutralizar os contra-íons negativos. Como resultado desse processo, ao fim do capilar são geradas pequenas gotas que contém além da fase móvel, íons carregados positivamente em excesso. Nessa região do Espectrômetro de Massas, coaxialmente ao fluxo da fase móvel, é aplicado um gás com alto fluxo e temperatura (em geral N2, com fluxos superiores a 500 L/h e temperaturas superiores a 350º. C). Esse gás, conhecido como gás de dessolvatação, tem como objetivo eliminar as moléculas de solvente, diminuindo as gotas previamente formadas até o limite onde a repulsão entre as cargas positivas, localizadas preferencialmente na superfície das mesmas, supere a força de coesão dessa gota (tensão superficial). Nesse momento, cargas positivas são ejetadas da gota, levando a formação dos íons positivos de interesse. No caso de análise em modo negativo, o fenômeno ocorre de modo semelhante, mas as polaridades são alteradas. + 2.5-4.0 kV + - H i g h V o l t a g e P o w e r S u p p l y Counter Electrode Figura 2. Esquema da Fonte de Ionização por Electrospray. Em virtude do processo descrito acima, em geral se faz necessário o uso de água na composição de solventes para favorecer a separação das cargas. Além disso, para favorecer a separação cromatográfica, usa-se um solvente orgânico miscível com água (acetonitrila e/ou metanol). No caso de ESI positivo, pode-se adicionar ácidos voláteis para favorecer a protonação do analito; os mais comuns são ácido fórmico ou acético. Já no caso de ESI negativo, utiliza-se hidróxido de amônio para favorecer a desprotonação. Além disso, pode-se utilizar tampões voláteis para controle do pH, sendo os exemplos mais comuns acetato e formiato de amônio. Todos esses aditivos devem ser adicionados em baixas concentrações para evitar a supressão da ionização desses compostos. Pelas características do processo descrito, ESI se aplica muito bem a compostos de polaridade média a alta, daí sua extensa aplicabilidade nos campos farmacêutico, de alimentos, produtos naturais, dentre outros (Cahill et al, 2004; Cerny et al, 2003; Strege, 1999). Além disso, pelo fato de a ionização ocorrer em solução, é comum íons de alta massa molecular (superior a 1000 Da) e com mais de um sítio de ionização aparecerem multi-carregados, tornando possível a análise de moléculas de altíssimo peso molecular em diferentes Analisadores de Massas (Fenn, 2003). No caso de moléculas de polaridade média a baixa, ESI pode não apresentar uma resposta adequada para o fim analítico de interesse. Com isso, surge uma técnica de ionização alternativa, Ionização Química a Pressão Atmosférica (APCI) (Carroll et at, 1975). Nesse caso, diferentemente de ESI, o analito é primeiramente 5 volatilizado (o que requer que o mesmo apresente certa estabilidade térmica) e posteriormente ionizado. Isso acontece por meio de uma sonda com um capilar de sílica fundido envolto por uma resistência; a essa é aplicada uma corrente que eleva a temperatura do meio, levando à vaporização da fase móvel. O analito em fase gasosa é então direcionado a uma agulha metálica (Agulha Corona), onde é aplicada alta corrente que induz a ionização. Inicialmente são ionizadas as moléculas mais presentes no meio (N2, visto que a ionização ocorre a pressão atmosférica), que posteriormente transferem carga para os analitos de interesse por meio de uma cascata de reações íon-molécula. Com isso, APCI é uma técnica mais fácil para transferência de métodos que utilizam colunas de HPLC convencionais (i.d. 4.6 mm, fluxo de 1 mL/min), pelos seguintes motivos: i) como a ionização ocorre em fase gasosa, as restrições com relação a possíveis solventes utilizados na LC é menor que em LC; ii) APCI tem resposta ótima com fluxos maiores que ESI. Desse modo, ESI e APCI são técnicas altamente complementares, já que APCI fica restrita a moléculas termoestáveis, de baixo peso molecular. Uma outra alternativa para compostos ainda mais apolares é a Fonte de Fotoionização a Pressão Atmosférica (APPI) (Robb et al, 2000). Nesse caso, a sonda é a mesma que a descrita anteriormente para APCI (capilar de sílica com uma resistência em volta), mas no lugar da Agulha Corona tem-se uma lâmpada de UV. A radiação emitida tem energia suficiente para ionizar compostos altamente insaturados ou aromáticos; no caso de analitos que não apresentem essas características, pode-se utilizar a ionização indireta, onde um dopante (em geral tolueno ou acetona) de fácil fotoionização é adicionado à fase móvel. Após ser ionizado, esse dopante transfere carga aos analitos por meio de reações íon-molécula. 2.2 – Analisadores de Massas O Analisador de Massas é a parte de um Espectrômetro responsável por separar os íons de acordo com sua m/z. Conforme mencionado anteriormente, os Analisadores são basicamente separados de acordo com a resolução que podem atingir na medida de massas. Assim como no caso das Fontes de Ionização, a compreensão do funcionamento dos Analisadores é indispensável, uma vez que eles determinam quais os tipos de análise podem ser realizadas no equipamento e quais as limitações em cada caso. O analisador mais comumente utilizado em análises quantitativas é o Quadrupolo (Ferguson et al, 1965). Esse analisador consiste basicamente de quatro barras paralelas, onde as barras opostas são conectadas ao mesmo potencial elétrico (Figura 2A). A essas barras paralelas são aplicadas dois tipos de voltagens diferentes, DC e RF, o que causa uma transmissão seletiva dos íons de acordo com a m/z. Em outras palavras, essas voltagens podem ser ajustadas para transmissão de somente um íon de interesse (modo seleção) ou varridas, de modo a se obter um espectro de massas (modo varredura ou Scan) (Figura 2B). A capacidade de filtrar íons de acordo com a m/z confere altíssima sensibilidade a esse tipo de Analisador, o que explica sua alta utilização em análises quantitativas. Por outro lado, Quadrupolos são limitados do ponto de vista quantitativo, visto que apresentam baixa exatidão de massas (tipicamente massas medidas com Quadrupolos apresentam exatidão de uma casa decimal) e baixa resolução (resolução unitária). 6 Figura 3. (A) Esquema de um Analisador do tipo Quadrupolo. (B) Gráfico de Estabilidade de íons de acordo com as voltagens aplicadas nas barras. Uma alternativa aos Quadrupolos, quando se desejam espectros com alta exatidão e resolução, são Analisadores do tipo Tempo de Voo (TOF) (Stephens, 1946). TOFs consistem basicamente de tubos metálicos sob vácuo e isolados do campo externo. Íons são inicialmente acelerados em direção ao detector por meio de um potencial repulsivo aplicado em um dispositivo localizado no início do Tof. O tempo que um íon demora para alcançar o detector é proporcional à raiz quadrada da m/z, ou seja, quanto maior o íon, mais tempo ele leva para percorrer o comprimento do tubo. Laser Reflectron Detector Figura 4. Esquema de um Analisador do tipo TOF Reflectron. A configuração mencionada anteriormente é conhecida como TOF Linear, onde os íons são diretamente direcionados ao detector. Em virtude da dispersão de tempo, posição e energia cinética dos íons no momento da aceleração, essa configuração é limitada do ponto de vista de resolução. Uma configuração mais comum, que visa corrigir essas distorções, é conhecida como Reflectron (Mamyrim et al, 1973) (Figura 4). Nesse caso, os íons tem sua direção alterada por meio de potenciais elétricos, de modo que íons de mesma m/z que inicialmente se encontravam dispersos, cheguem ao mesmo tempo no detector, localizado no ponto focal desse espelho eletrostático. 7 2.3 – Detectores Detectores são os dispositivos responsáveis por converter o feixe de íons em sinal elétrico, posteriormente processado pelo sistema de dados do computador de aquisição. O sistema de detecção mais comumente encontrado em sistemas de MS é a Multiplicadora de Elétrons, onde os íons são convertidos em elétrons por meio de um Dinodo de Conversão. Esses elétrons são direcionados a um dispositivo sensível aos mesmos, onde a incidência de um elétron leva a geração de muitos outros, aumentando o sinal exponencialmente. Embora sejam muito sensíveis e lineares, esses detectores apresentam vida útil relativamente curta em função do desgaste da superfície amplificadora do sinal, que também causa a necessidade de calibração frequente do mesmo. Uma alternativa é o uso de Fotomultiplicadoras, cujo processo inicial da conversão de íons em elétrons é muito semelhante à descrita anteriormente. Nesse caso entretanto, essas partículas são direcionadas a uma superfície que libera fótons mediante incidência dos elétrons e essa radiação é medida nesse caso. Para analisadores do tipo TOF, classicamente são usados detectores digitais do tipo Placas Multicanal (MCP). MCPs são placas contendo milhares de pequenos canais com efeito amplificador semelhante a de Multiplicadora de Elétrons. Embora apresentem altíssima sensibilidade, alta velocidade de aquisição e baixo ruído eletrônico, esses detectores são bem limitados do ponto de vista quantitativos, por saturarem facilmente e apresentarem baixa sensibilidade. Recentemente, foi desenvolvido um novo tipo de detector híbrido Analógico x Digital (ADC), que conferiu aos Tofs excelentes características quantitativas aliadas às capacidades qualitativas do mesmo. 3 – Espectrometria de Massas Sequencial (MSMS) Uma das características em comum das três Fontes de Ionização (ESI, APCI e APPI) mencionadas anteriormente está relacionada à transferência de energia ao analito no processo de ionização. Em todos esses casos, a ionização é dita suave, ou seja, não costuma induzir fragmentação do analito. Essa característica pode ser interessante quando se busca avaliar a presença de diferentes compostos no espectro (por facilitar a visualização/atribuição das espécies) e determinar a massa exata do composto. Entretanto, quando se deseja obter informações estruturais ou aumentar a seletividade de métodos quantitativos, a fragmentação passa a ser desejada. Nesse caso, isso ocorre em condições muito bem controladas dentro do próprio MS, em dispositivos conhecidos como Câmara de Colisão ou dentro do próprio Analisador (no caso de Ion Traps). Essa fragmentação se dá por meio de colisões do analito de interesse, com um gás neutro (em geral, Ar ou N 2). A Figura 5 apresenta um esquema de um equipamento do tipo Triplo Quadrupolo; embora tenham esse nome, esses equipamentos apresentam apenas 2 Quadrupolos. Essa denominação foi mantida por motivos históricos, já que nos primeiros equipamentos desse tipo, a Câmara de Colisão também era um Quadrupolo. Em virtude de sua baixa eficiência nessa função, Quadrupolos foram substituídos por outros dispositivos mais apropriados. 8 Figura 5. Esquema de um equipamento do tipo Triplo Quadrupolo, onde os dois Analisadores estão separados por uma Câmara de Colisão. O tipo de equipamento demonstrado acima consiste num dos mais versáteis sistemas de MSMS, já que ambos os Quadrupolos podem, dependendo dos resultados necessários, trabalhar nos modos Varredura ou Seleção. O experimento mostrado nesse caso é conhecido como Varredura de Íons Produtos (ou Íons Fragmentos), onde o primeiro Quadrupolo seleciona somente o íon de interesse, que será fragmentado na Câmara de Colisão e esses fragmentos são separados de acordo com a m/z no segundo Quadrupolo. Esse tipo de experimento é extremamente utilizado para elucidação estrutural, onde se deseja, por meio de um espectro de fragmentação, caracterizar os grupos funcionais do analito de interesse. Outros modos de aquisição em MSMS com fins qualitativos são os modos de Varredura de Íons Precursores (PIS) e Varredura de Perda Neutra (NL). Esses experimentos são utilizados para buscar compostos que apresentem fragmentos em comum, em geral compostos estruturalmente relacionados (Mazzarino et al, 2010). Em ambos os casos, o primeiro Quadrupolo opera no modo Varredura, a diferença está no segundo Quadrupolo: no caso do fragmento em comum ser iônico, utiliza-se o modo PIS e esse Analisador seleciona essa massa. No caso do fragmento em comum ser neutro, o MS não consegue detectar essa espécie; nesse caso, o segundo Quadrupolo também opera no modo Varredura, mas agora com uma diferença de massas de varredura para o primeiro correspondente à massa do fragmento neutro. 4 – Acoplamento LC-MSMS No caso de experimentos com fins quantitativos, é utilizado o modo de aquisição conhecido como Monitoramento Múltiplo de Reações, MRM. Nesse caso, ambos os Quadrupolos operam no seu modo mais sensível (Seleção) (Figura 6). 9 Figura 6. Esquema de um equipamento do tipo Triplo Quadrupolo, operando no modo MRM. O primeiro passo no desenvolvimento de um método de MRM consiste na determinação das melhores condições de análise dos analitos de interesse. Nesse ponto, é fundamental que seja feita a escolha da Fonte de Ionização mais apropriada, visto que isso é fundamental para maximizar a resposta do composto de interesse. Em alguns casos, dependendo da estrutura da molécula, essa escolha não é trivial e portanto é interessante testar as Fontes disponíveis nos modos positivo e negativo. Caso o composto apresente bom sinal em diferentes Fontes ou modos, pode-se avaliar essa resposta nas condições de análise (em cromatografia, na presença de matriz), que podem mudar completamente esse panorama. Uma vez determinada a melhor opção de Fonte, o próximo passo consiste na maximização da resposta do composto. Em geral, esse procedimento é realizado por meio de infusão do padrão de interesse no MS, onde busca-se aumentar a eficiência de ionização e dessolvatação, transferindo a maior quantidade possível dos íons gerados para dentro do sistema de vácuo do equipamento, minimizando fragmentações nessa etapa. Vale ressaltar que, embora nos sistemas mais modernos essa etapa seja relativamente automatizada, esse é um dos grandes gargalos no desenvolvimento de métodos de MRM: cada composto deve ter suas condições de ionização otimizadas individualmente. Recomenda-se que esse processo seja realizado co-infundindo fase móvel em condições (composição, fluxo) semelhantes às que serão utilizadas na análise, já que alguns parâmetros da ionização (voltagem do capilar no caso de ESI, fluxo e temperatura dos gases) são altamente dependentes dos solventes utilizados. A próxima etapa do desenvolvimento de MRMs consiste na determinação da massa dos fragmentos e nas condições que maximizem esse sinal. Nesse ponto, duas questões são relevantes: a intensidade do fragmento e a sua especificidade; a intensidade está relacionada à sensibilidade que pode ser alcançada pelo método, mas nem sempre o fragmento mais intenso será o que proporcionará a resposta mais sensível. Fragmentos de massas baixas são, em geral, pouco seletivos, e portanto o ruído químico é mais alto que um fragmento maior. Como a sensibilidade é definida pela S/N, um fragmento menos intenso mas mais seletivo pode conferir maior sensibilidade. Outras fragmentações pouco seletivas (e portanto suscetíveis a altos ruídos químicos) 10 correspondem a perda de água (-18 Da), amônia (-17 Da) e dióxido de carbono (-44 Da). Como o ruído químico é altamente dependente da matriz, no caso de moléculas que apresentem muitos fragmentos, é interessante testálos na presença desses interferentes, pois os resultados obtidos podem ser surpreendentemente diferentes dos obtidos em solução padrão. Em geral, dependendo do propósito do método e, consequentemente, da regulamentação aplicada a ele (Stolker et al, 2000), é necessário monitorar dois fragmentos para o mesmo analito, sendo que isso confere maior confiabilidade na identificação do composto: como até a coluna cromatográfica só existe o precursor, ambos os fragmentos (gerados na Câmara de Colisão) devem ter o mesmo tempo de retenção; caso contrário, o sinal obtido será um falso positivo. Uma vez que todas as condições de análise foram otimizadas do ponto de vista de MS, a próxima etapa consiste no desenvolvimento do método cromatográfico. Conforme mencionado anteriormente, MS (em especial ESI) está bem limitada com relação a escolha de fase móvel, principalmente quando comparados aos detectores ópticos. Conforme mencionado anteriormente, em geral utilizam-se aditivos para auxiliar o processo de ionização. Essa etapa é crítica, visto que esses aditivos devem ser sempre voláteis e adicionados em pequenas quantidades para evitar a supressão da ionização. Ao mesmo tempo, esses aditivos podem mudar completamente o tempo de retenção e principalmente a resposta dos analitos de modo não instintivo. Há muitos casos de ionização em modo negativo onde utiliza-se ácido fórmico como aditivo (Liu et al, 2010); além disso, recentemente há na literatura uma tendência para utilização de fases móveis com pH elevado mesmo para análises em modo positivo (Rainville et al, 2012). O advento do UPLC contribuiu significativamente para o avanço no desenvolvimento de métodos quantitativos mais complexos, envolvendo maior número de analitos em concentrações mais baixas e matrizes mais complexas (Lacina et al, 2010). A utilização de partículas sub-2 µm confere maior resolução cromatográfica, facilitando a separação de analitos dos interferentes, consequentemente minimizando o tempo de desenvolvimento de método, reduzindo também o consumo de solvente. Além disso, como os analitos eluem da coluna em um espaço de tempo menor, sua concentração efetiva na fonte de ionização é consideravelmente aumentada, contribuindo para o atingimento de LOQs significativamente mais baixos. Uma vez desenvolvido o método de LC-MSMS, uma das questões mais complexas consiste na avaliação do Efeito de Matriz (ME). ME é ainda mais acentuado no cenário atual de muitas empresas, onde o tempo para preparo de amostras, desenvolvimento de método e geração dos resultados é curto e portanto muitas vezes amostras extremamente complexas são diretamente injetadas no LC-MSMS. A co-eluição de compostos presentes na matriz altera significativamente a ionização do analito de interesse, em virtude desse processo ser intrinsicamente competitivo: será ionizado preferencialmente aqueles compostos que tenham maior facilidade de ionização nas condições presentes e aqueles que estiverem em maiores concentrações. Isso causa a inviabilidade da quantificação, uma vez que pode alterar a reprodutibilidade, exatidão e linearidade do método em questão. O ME é ainda mais crítico em virtude do fato de que ele não se pronuncia diretamente; em outras palavras, como utiliza-se o MRM para essas análises, muitas vezes observa-se somente o sinal do analito de interesse. Como esses cromatogramas são, em geral limpos, tem-se a falsa sensação de que a matriz não interfere no sinal obtido. Outro agravante do ME está na sua imprevisibilidade: ele pode ser afetado pelo analito, matriz, preparo de amostra, fase móvel, condições cromatográficas e parâmetros do MS, o que dificulta lidar com esse problema. 11 A melhor opção para avaliar o ME consiste no teste de supressão iônica, cujo esquema está apresentado na Figura 7A. Nesse teste, inicialmente uma solução de padrão é infundida por meio de uma bomba de seringa e esse fluxo é combinado com a injeção, via LC, de um branco (solvente). O cromatograma resultante (Figura 7B) apresenta a variação do sinal do analito em função da mudança da composição da fase móvel, já que idealmente o branco injetado não contém interferentes capazes de causar supressão. A B C Figura 7. (A) Desenho experimental para análise de supressão de ionização. (B) Cromatogramas resultantes da infusão de 3 diferentes padrões, com injeção combinada de um branco de solvente. (C) Idem a (B), mas com injeção de branco de matriz. Após isso, o experimento é repetido mas injetando-se um branco de amostra processado via LC, onde obtem-se o cromatograma mostrado na Figura 7C. Comparando-se essa injeção com a anterior, pode-se notar várias regiões de queda de sinal, ou seja, onde algum interferente de matriz eluiu e alterou o perfil de ionização. Caso, no método de MRM, o analito de interesse tenha tempo de retenção nessa região, deve-se alterar o método (tanto do ponto de vista de preparo de amostra quanto da cromatografia em si) para evitar essa situação. 12 5 – Referências Bibliográficas Cahill, J. D.; Furlong, E. T.; Burkhardt, M. R.; Kolpin, D.; Anderson, L. G. J. Chromat. A, 2004, 1-2, 171. Carroll, D. I.; Dzidic, I.; Stillwell, R. N. Anal. Chem., 1975, 47, 2369. Cerny, H.S.; Affolter, M.; Cerny, C. Anal. Chem., 2003, 75, 2349. Fenn, J. B. Angewandte Chem. Intl. Ed., 2003, 33, 3871. Ferguson, R. E.; McKulloh, K. E.; Rosenstock, H. M. J. Chem. Phys., 1965, 42, 100. 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