Fertilizantes fosfatados: algumas crenças e alguns fatos científicos
Luís Ignácio Prochnow1
Os solos brasileiros apresentam-se, de forma geral, deficientes em fósforo (P).
Como a reação desse nutriente nos solos tropicais normalmente desfavorece sua absorção
pelas culturas, é imprescindível aplicar e manejar corretamente os fertilizantes fosfatados.
Dentre as opções de fonte de P no mercado, os fertilizantes fosfatados totalmente
acidulados ocupam posição de destaque. Isso ocorre, principalmente, pelo menor custo por
unidade de fósforo presente nesses compostos. Os principais fertilizantes fosfatados
totalmente acidulados pertencem ao grupo dos superfosfatos, constituído pelo simples e
pelo triplo, ou ao dos fosfatos amoniados, constituído pelo fosfato monoamônico (MAP) e
pelo diamônico (DAP). Esses produtos são utilizados na forma de fertilizantes simples ou
misturados a fontes de nitrogênio, potássio e outros nutrientes, dando origem às fórmulas.
No caso dos superfosfatos, a matéria-prima básica é a rocha fosfática, que, quando atacada
por ácido sulfúrico, dá origem ao superfosfato simples, e atacada por ácido fosfórico origina
o superfosfato triplo. No caso dos fosfatos amoniados, a matéria-prima básica é o ácido
fosfórico, que, reagindo com amônia (NH3) em concentração calculada, origina o fosfato
mono ou diamônico. É importante notar que o ácido fosfórico é obtido pelo ataque da rocha
fosfática por ácido sulfúrico, nesse caso utilizado em concentração superior àquela
empregada
na
produção
do
superfosfato
simples.
Quando no processo de produção dos fertilizantes fosfatados totalmente acidulados se
utilizam rochas fosfáticas ou concentrados apatíticos (produto do processo de
beneficiamento de rochas que contêm impurezas) de elevada qualidade, são obtidos
fertilizantes formados praticamente pelos compostos de interesse da indústria. Nesse caso,
os superfosfatos simples e triplos irão conter basicamente fosfato monocálcico
monoidratado [Ca(H2PO4)2.H2O], e os fosfatos mono [NH4H2PO4] e diamônico [(NH4)2HPO4]
serão os constituintes fundamentais dos fertilizantes MAP e DAP, respectivamente.
A obtenção de fertilizantes "puros" traz, como conseqüência, produtos de elevada
solubilidade em água e citrato neutro de amônio + água (CNA + H2O; extrator utilizado
para avaliar a disponibilidade de P nos fertilizantes fosfatados totalmente acidulados). Os
compostos citados como pertencentes aos fertilizantes produzidos a partir de material de
elevada qualidade são tidos como prontos fornecedores de P às culturas. Ao contrário,
quando são utilizados no processo de produção dos fertilizantes fosfatados totalmente
acidulados rochas ou concentrados apatíticos de baixa pureza (presença significativa de
impurezas catiônicas, tais como Fe e Al), compostos outros podem ser formados em adição
àqueles já citados. Outros compostos podem ainda ser formados quando da produção de
superfosfato triplo ou fosfatos amoniados, pelo emprego de ácido fosfórico que contenha
impurezas catiônicas. Esses compostos são genericamente citados como do tipo Fe-Al-P e
NH4+-Fe-Al-P, para os superfosfatos e fosfatos amoniados, respectivamente, e apresentam
normalmente baixa solubilidade em água, podendo ou não ser solúveis em CNA + H2O.
A exaustão das rochas fosfáticas de elevada qualidade tem ocorrido no mundo, e
quantidades cada vez mais elevadas de compostos do tipo Fe-Al-P e NH4+-Fe-Al-P deverão
fazer parte dos fertilizantes fosfatados totalmente acidulados. Isso é particularmente
verdadeiro para as rochas fosfáticas brasileiras, que, em geral, apresentam concentração
baixa
de fósforo e alta
de impurezas catiônicas, tais como Fe e Al.
Com base na crença de que os compostos insolúveis em água formados durante a produção
dos fertilizantes fosfatados totalmente acidulados são ineficientes no fornecimento de P às
plantas, legislações foram criadas no Brasil e em outros países para estabelecer conteúdos
mínimos de compostos insolúveis em água nos mesmos. Nossa legislação prevê que os
superfosfatos simples, triplo, DAP e MAP devem conter, no mínimo, 16%, 37%, 38% e 44%
de P2O5 solúvel em água, respectivamente. Esses teores conduzem à necessidade de esses
fertilizantes conterem aproximadamente 90% do P2O5 disponível (CNA + H2O) solúvel em
água
(Brasil,
1982).
Estudos realizados em casa de vegetação e campo têm demonstrado que maiores níveis de
compostos impuros podem ser tolerados em fertilizantes fosfatados totalmente acidulados.
Esses produtos teriam, conseqüentemente, solubilidade em água menor que aquela
estabelecida pela legislação, porém seriam tão eficientes como fonte de P quanto os
produtos de elevada solubilidade em água. Bartos et al. (1992) mostraram que plantas de
sorgo necessitaram de fertilizante MAP com teores £ 68% do P2O5 disponível como P2O5
solúvel em água para atingir a máxima produção. Mullins ≤ Sikora (1995) mostraram que
superfosfatos triplos experimentais necessitaram de apenas 37% e 63% do P2O5 disponível
como P2O5 solúvel em água para atingir a máxima produção de matéria seca de trigo
quando aplicados em amostras de terra com pH de, respectivamente, 5,4 e 6,4. Prochnow
et al. (em via de publicação2 ), empregando quatro fertilizantes comerciais brasileiros,
verificaram que a necessidade de P2O5 solúvel em água variou conforme o tipo de composto
insolúvel em água presente nos fertilizantes e o pH do solo, sendo que todas as fontes
testadas necessitaram de menos que 50% do P2O5 disponível como P2O5 solúvel em água
para atingir 90% da produção máxima. Prochnow et al. (2001) verificaram que
superfosfatos simples com solubilidade em água inferior à exigida pela legislação brasileira
foram tão eficientes quanto os de elevada solubilidade em água para a cultura da soja a
campo.
Em alguns locais acredita-se que fertilizantes fosfatados totalmente acidulados produzidos a
partir de rochas de origem sedimentar apresentam maior eficiência que aqueles produzidos
a partir de rochas de origem ígnea. Essa afirmativa pode não ser válida em inúmeros casos.
Desconsiderando-se aspectos de manejo e características físicas do produto, a eficiência do
fertilizante se dará, principalmente, pela sua composição química em termos de compostos
presentes, resultado do processo de produção empregado. Fertilizantes de alta pureza
poderão ser obtidos mesmo a partir de rochas consideradas de baixa pureza. Isso é possível
pelo tratamento dado à rocha, com obtenção de concentrados apatíticos nobres e/ou ácido
fosfórico de elevada pureza. Fertilizantes fosfatados totalmente acidulados produzidos a
partir de matérias-primas de elevada qualidade deverão apresentar alta solubilidade em
água e eficiência agronômica equivalente, independentemente da origem da rocha. Como
visto anteriormente, fertilizantes fosfatados totalmente acidulados de solubilidade em água
menor que a prevista na legislação não apresentarão, necessariamente, menor eficiência
agronômica que aqueles de elevada solubilidade em água. Compostos insolúveis em água
presentes em fertilizantes não são necessariamente fontes ineficientes de P às culturas,
principalmente quando em mistura com compostos fosfáticos solúveis em água.
Os resultados de estudos realizados colocam em dúvida a necessidade de os fertilizantes
fosfatados totalmente acidulados conterem elevada solubilidade em água para todas as
situações de cultivo e manejo do solo. Em virtude da legislação é possível que as indústrias
de fertilizantes estejam produzindo materiais sempre de alta solubilidade em água,
enquanto os resultados indicam que fertilizantes de solubilidade em água inferior possuem a
mesma eficiência agronômica. Maior compreensão do assunto poderá levar ao melhor
aproveitamento das escassas reservas fosfáticas brasileiras, com benefícios para a indústria
e
os
agricultores.
1 Professor Doutor do Departamento de Solos e Nutrição de Plantas, ESALQ/USP. Especialista em
Fertilidade do Solo e Fertilizantes. C.P. 9, 13418-900, Piracicaba, SP. Fone: 19 3429 4171. E-mail:
[email protected].
Web
Page:
http://www.ciagri.usp.br/~liprochn.
2 PROCHNOW L.I.; CHIEN S.H.; CARMONA G.; HENAO J.; DILLARD E.F.; AUSTIN E.R. The
requirement for water soluble phosphorus in acidulated phosphates containing Fe-Al-P compounds as
influenced
by
soil
pH.
FONTE
BARTOS J.M.; MULLINS, G.L.; WILLIAMS, J.C.; SIKORA, F.J.; COPELAND, J.P. Water-insoluble
impurity effects on phosphorus availability in monoammonium phosphate fertilizers. Soil Science
Society of America Journal, v.56, p.972-976, 1992.
BRASIL. Ministério da Agricultura. Secretaria Nacional de Defesa Agropecuária. Portaria 01 de
04/83; Portaria 03 de 12/06/86: Inspeção e fiscalização da produção e do comércio de
fertilizantes, corretivos, inoculantes, estimulantes e biofertilizantes destinados à agricultura;
legislação e fiscalização. Brasília, 1982. 88p.
MULLINS G.L.; SIKORA, F.J. Effect soil pH on the requirement for water-soluble phosphorus in triple
superphosphates fertilizers. Fertilizer Research, v.40, p.207-214, 1995.
PROCHNOW L.I.; CUNHA J.F.; VENTIMIGLIA A.F.C. Field evaluation of the water and citrate soluble
phosphorus in modified phosphate rocks to soybean. Scientia Agrícola, v.58, p.165-170, 2001.
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Fertilizantes fosfatados baixa solubilidade