A Gazeta 9 destaque sábado e domingo, 16 e 17 de março DE 2013 DIVERSIDADE As línguas que compõe um povo Necessidade de preservação dos idiomas falados na cidade é fundamental para cultura local, defente pesquisadora Bianca Riet Villanova [email protected] São Bento do Sul G foi apresentada no mestrado da Universidade Federal de Santa Catarina (Ufsc). “Eu sempre quis falar sobre as línguas de São Bento”, conta a pesquisadora, que é natural da cidade. No começo de sua pesquisa, Ana Paula pensava apenas no alemão. Quando iniciou a investigação, percebeu que não poderia falar dos idiomas da cidade sem mencionar as outras línguas presentes na região. Ao fim do trabalho, foi feito um levantamento dos cinco idiomas minoritários presentes na cidade: o Hochdeutsch (alemão falado oficialmente), o Bayrisch (dialeto alemão), o italiano, o ucraniano e o polonês. uido Curto e seu filho, João Paulo, de quatro anos, passeavam pelas ruas de Rio Negrinho. Apontando os objetos e cenas que o menino avistava, ambos conversavam. Tudo em italiano. Casado com uma brasileira, o italiano Guido ensina seu idioma aos dois filhos. “Vai ser muito importante para eles, eles serão bilíngues”, afirma o pai, que reside na Europa. A cena não é incomum na região, que reúne uma diversidade miscigenada de línguas europeias. A colonização das cidades, assim Minoritárias como as posteriores on“Todas as línguas de das migratórias, trouxeram imigração estão em situação para a serra de desigualdo Planaldade em Em pesquisa para seu to Norte relação ao mestrado, Ana Paula um históriportuguês”, Seiffert levantou as cinco co rico em explica a línguas que ainda são idiomas. pesquisadofaladas em São Bento. Ao longo ra. Apesar dos anos, a das partidiversidade cularidades linguística foi ameaçada de cada uma, as línguas pelo autoritarismo do go- minoritárias têm algumas verno central. Hoje, a ame- características comuns. A aça é a falta de controle e primeira delas é a oralidedicação, em um descaso dade: as línguas possuem por parte de governos e até poucos registros escritos, da sociedade civil, que põe surgindo principalmente em risco a existência dessa em conversas informais ou rica mistura cultural. no âmbito familiar. “E tem a insegurança linguística, Cinco idiomas pois os falantes acham que Em 2009, a pesquisado- elas não contam como idiora do Instituto de Investiga- mas”, conta. ção e Desenvolvimento em Na pesquisa, foi consPolítica Linguística (Ipol) tatado que a maioria dos Ana Paula Seiffert desen- falantes das línguas minorivolveu um trabalho sobre tárias são adultos ou idosos. as línguas faladas em São Relatos de pais ou avós Bento do Sul. A dissertação que dominam certo idioma Salete e Ulda preservam o hábito de falar alemão em casa ‘‘ Bianca Villanova A língua não existe sozinha, ela existe porque tem alguém que fala.” Da pesquisadora Ana Paula Seiffert. não são incomuns. Muitos passam o conhecimento adiante, porém alguns não o fazem. “Há famílias em que o pai e a mãe falam alemão e os filhos não”, conta Ulda Elingen. “Aqui, se não incentivássemos, seria o mesmo”, analisa ela. Sua família veio da Alemanha e o Hochdeutsch era o idioma de sua casa. “Quando fui para a aula, nem português eu sabia”, lembra ela. Como os avós falavam apenas alemão, Ulda passou a língua para os filhos, que aprenderam o idioma em casa. “Eu aprendi português com a Rádio Rio Negrinho”, conta Salete, filha de Ulda, sorrindo. “E na escola eu sofri”, recorda, sobre a dificuldade de aprender o português. O irmão mais novo de Salete, entretanto, não aprendeu o idioma dos antepassados, afirmando não gostar da língua. “Dos adultos que falam a língua, 100% acreditam que o idioma deve ser transmitido”, conta Ana Paula. Eles acreditam nisso, porém não o fazem, reproduzindo apenas um discurso politicamente correto. Sem repassar a língua para novos falantes, a tendência é que os idiomas minoritários desapareçam. “A língua não existe sozinha, ela existe porque tem alguém que fala”, afirma Ana Paula. Outro fator que influi para que os idiomas não sejam repassados aos filhos são os casamentos entre diferentes etnias. É o caso de Leonita Schreiner Kovalhuk e seu marido, Felipe. Leonita tem descendência alemã. Seu marido é ucraniano. Quando casaram-se, combinaram que um ensinaria o idioma da família ao outro. Com o tempo, porém, o acordo ficou de lado e a família aderiu ao português. Ainda assim, a matriarca conseguiu ensinar algumas palavras do alemão às filhas. Ana Paula defende as políticas públicas para a preservação das línguas em São Bento do Sul Resgate necessário Com a valorização do patrimônio imaterial, o Governo Federal, estados e municípios começam, atualmente, um movimento que visa a preservação linguística. “Agora é o momento mais especial dessa área”, comemora Ana Paula. A Declaração Universal dos Direitos Linguísticos e a criação do Inventário Nacional da Diversidade Linguística apontam para a tendência de preservação. “Isso faz dos idiomas um patrimônio e torna o Estado responsável por guardar uma língua”, explica a pesquisadora. Para Ana Paula, a manutenção de um idioma é importante para toda comunidade. “Fazer referência a uma língua é fazer referência a um modo de vida e a tradições”, diz. Em seu trabalho, ela apontou objetivos e ações que podem ser tomados visando a preservação dos idiomas da cidade. O primeiro ponto é resgatar o prestígio e o status dos idiomas minoritários. “As pessoas têm que querer falar”, afirma. Ofertar os idiomas na grade curricular das escolas é uma das ações que já são tomadas em outras localidades. “E é importante que seja a língua falada aqui, não a padrão”, defende, referindo-se à diferença entre os dialetos e a língua formal. “Se o padrão é ensinado, perpetua-se o problema e a criança não se vê representada”, justifica, ressaltando que se pode ensinar os dois formatos. Criar um conselho de línguas também é um meio, já que o órgão seria responsável por pensar em políticas adequadas a cada idioma, unificando o trabalho. Tornar esses idiomas oficiais na cidade também é importante, na chamada cooficialização. Com isso, pode-se emitir documentos oficiais nos idiomas minoritários. Seria fundamental, também, a realização de um estudo, como o de Ana Paula, que mapeie as línguas da cidade, os locais onde são faladas e quem os fala. “1940 e 1950 foram os únicos anos em que o Censo questionou que línguas as pessoas falavam”, conta a pesquisadora. Além disso, estimular todas as iniciativas tomadas atualmente é importante, já que partem da própria população. “A comunidade deve acreditar no resgate da língua”, afirma a pesquisadora. Missas, Retretas, encontros e outras manifestações devem ser incentivadas, em uma maneira de perpetuar a existência desses idiomas, que são patrimônios imateriais da cidade. Para Ana Paula, além do ganho histórico e econômico, a preservação linguística garante um direito básico: o direito de as pessoas se expressarem. 10 A Gazeta destaque sábado e domingo, 16 e 17 de março DE 2013 diversidade Muitas línguas faladas na cidade Utilizado como instrumento de dominação, o português prepondera sobre outros idiomas trazidos pelos imigrantes Bianca Riet Villanova [email protected] São Bento do Sul A relação entre idiomas e seus falantes sempre envolve poder e economia. Desde o princípio da colonização no Brasil foram usadas políticas de repressão linguística, ensinando ‘‘ “Lamento não dominar mais a língua, pois eu poderia transmitir isso para um grupo de crianças, por exemplo”, Eliana Grahl, que fala ucraniano e agora estuda seu alfabeto. o português aos índios. Durante o período do Estado Novo (1937 -1945), no governo de Getúlio Vargas, começou uma política de unificação. “Um estado, uma língua, uma identidade nacional”, lembra a pesquisadora Ana Paula Seiffert. “Foi um período muito triste”, completa ela. Em relatos como o de Leonita Schreiner Kovalhuk, falantes de línguas minoritárias lamentam a repressão linguística e a necessidade de aprender o português à força. “Eu respondia para a professora em alemão e ela brigou tanto”, recorda ela, sobre os primeiros dias de escola. “Fiquei sentida, pois eu não fazia por querer”, completa. O período da Segunda Guerra Mundial foi, em especial, doloroso, já que os falantes de alemão e outras línguas sofriam reprimendas e eram punidos caso se expressam em seu idioma natural. Atualmente, cada idioma tem uma situação diferenciada na cidade. Porém todos estão em desvantagem e sofrem risco de desaparecer. Bianca Villanova Hochdeutsch Este é o idioma mais forte dentre os minoritários. “E não há esforço, pois há pouca coisa organizada em torno do idioma”, conta Ana Paula. Apesar de ser mais comum entre pessoas de idade, há crianças que falam a língua, especialmente em bairros distantes do centro. “Na transição para a zona rural é mais comum”, explica ela. A diretora do Instituto Cultural Brasil Alemanha (ICBA), Erica Pfeiffer, analisa que o perfil dos alunos de alemão mudou. No princípio, quem buscava aulas eram descendentes de alemães, em uma tentativa de resgate do idioma familiar. Atualmente, o foco é de expansão de conhecimento para oportunidades. Muitos buscam o alemão devido a oportunidades profissionais, já que o idioma é muito valorizado na Europa. Adolescentes estudam para viabilizar intercâmbios culturais. Jovens procuram bolsas de estudo no país germânico. “Querem a diferença profissional”, avalia ela. Essa cultura ainda tem manifestações, como as Retretas, que já serviram de ponto de encontro para falar alemão. O ICBA também tem um projeto junto ao Colégio Froebel, que apresenta o idioma a crianças para que criem interesse e familiaridade com o alemão. Leonita conseguiu ensinar algumas palavras e frases alemãs à suas filhas Bayrisch “Esta é a língua que está mais em perigo na região”, conta Ana Paula. Em sua pesquisa, não foram encontradas crianças que falassem o idioma. “Todas eram pessoas com mais de 50 anos, o que é um forte indicador de perda da língua”, conta. Como é considerado um dialeto, o Bayrisch está em desigualdade em relação ao Hochdeutsch. “Mas ambas têm sua importância”, afirma a pesquisadora. Paula Liebl é uma das pessoas que cresceu falando o Bayrisch, em Serra Alta. Ela e o marido seguem falando o idioma, em casa. “Quando nossos filhos eram menores, falávamos apenas o Bayrisch”, lembra ela. Quando as crianças passaram a frequentar a escola, traziam o português para casa, que foi incorporado à vida familiar e unido ao Bayrisch. Hoje, o idioma é falado apenas entre os familiares mais velhos e com os amigos e conhecidos das redondezas. Apesar de a língua ser cada mais rara nas ruas, Paula afirma que sempre puxa assunto em Bayrisch com os conhecidos. “É muito importante mantermos, pois não sei se daqui para frente a língua continuará existindo”, afirma. “Acho que todo mundo deve preservar suas origens, valorizar”, completa ela. Uma das formas de manutenção da língua é a Bayrisch Fest, que ocorre todos os anos em novembro. Com um almoço típico e missas em Bayrisch, este é um espaço de manutenção do idioma. Paula Liebl, de Serra Alta, segue falando o Bayrisch com seu marido sábado e domingo, 16 e 17 de março DE 2013 destaque A Gazeta 11 Polonês Italiano Os imigrantes poloneses vieram para a região no início da colonização, por volta de 1873. A língua é bastante presente nos bairros Serra Alta, Rio Natal e Rio Vermelho. “Os falantes querem muito manter o idioma”, ressalta Ana Paula. Um jornal era editado na língua, o Polska w Brazylii. Nas escolas, ainda há crianças que dominam o idioma. A Sociedade Varsóvia é uma aliada fundamental na preservação da língua e cultura polonesa. Além de eventos com comidas típicas, a Sociedade é parceira de iniciativas como o Coral Santo Estanislau, a Polska Orkiestra z Brazylii e um grupo folclórico. O grupo busca uma sede própria para fortalecer a sociedade. “É muito importante a preservação”, afirma o presidente Edivino Machowski. “Na nossa época, o polonês era discriminado, hoje é diferente”, completa ele. Além da sede, outro grande objetivo deste ano é conseguir um professor de polonês. As aulas eram oferecidas, porém a sociedade ficou sem professor no ano passado. “Estamos buscando e já temos bastantes interessados procurando pelas aulas”, afirma ele. Com essas iniciativas, a língua mantêm-se pelas gerações. “O importante é nunca deixar que as raízes morram”, defende. No dia 19 de maio, a Sociedade realiza seu tradicional almoço, que conta com pratos típicos e apresentações e é antecedido por uma missa. Os cartões já estão sendo vendidos à R$ 25. Assim como o ucraniano, a migração italiana foi mais intensa na região na década de 1970. “Nos últimos dez anos há um movimento forte da comunidade para se afirmar”, conta Ana Paula. Há aulas na língua e também uma associação, além de um coral. Todos os domingos, das 9 às 10 horas, é transmitido o programa Ricordi d’Italia, apresentado por Gentil Postai. Descendente direto de italianos, ele domina o idioma gramatical, além do bargamasco e dos dialetos milanês, vêneto e trentino. Em seu programa, que é transmitido há 7 anos, são falados os idiomas e dialetos, além do português. Conforme um levantamento feito por ele próprio, há entre 10 e 12 mil italianos na cidade. “Lamentavelmente, o município nunca fez um estudo para ver que povo habita a cidade”, critica ele. Ele lembra, ainda, que o italiano é bastante valorizado pelas empresas da cidade, que importam tecnologia italiana para sua produção. Pensando no incentivo e manutenção da língua, Gentil oferece aulas de italiano. “Há espaço para ela e há procura para aprender”, afirma. Outras informações sobre as aulas podem ser obtidas através do 3633-1949. Edivino é presidente da Sociedade Varsóvia, que preserva a cultura e idioma polonês Ucraniano Os ucranianos vieram para a região entre as décadas de 1970 e 1980. “Nesse período a população dobrou na cidade, devido à industrialização”, conta Ana Paula. Foi nessa época, também, que a migração italiana tornou-se mais intensa. Na cidade, a comunidade ucraniana reúne-se no bairro Cruzeiro. Lá, a Igreja Ucraniana Exaltação da Santa Cruz é um polo que reúne os falantes: há missas no idioma, assim como comunhão e cantos. 100 famílias ucranianas, residentes em diferentes bairros, estão registradas na igreja. “Atualmente, devido à miscigenação, os ritos são feitos em parte em português, em parte em ucraniano”, conta Eliana Kerecz Grahl. “Se há muitos jovens na igreja, dá-se ênfase ao português”, explica. Assim como outras línguas, o ucraniano é dominado especialmente por pessoas de idade, que o aprenderam com pais e avós. A dificuldade de aprender o idioma, assim como sua escrita (o ucraniano usa um alfabeto diferenciado), é apontado como um dos fatores que afasta jovens desse conhecimento. Ainda assim, a comunidade luta para preservar o idioma e os aspectos culturais ucranianos. “Estamos organizando uma associação”, conta Eliana. A manutenção da língua e da cultura está muito atrelada à igreja e aos atos litúrgicos. Com a organização, o objetivo é incentivar o aprendizado da língua e de técnicas artísticas e de culinária ucraniana. “Temos um grande interesse em não deixar morrer”, conta ela. As missas ocorrem sempre no primeiro e terceiro domingo do mês, às 9h30. A cada segundo fim de semana do mês, são feitos pratos ucranianos para venda, também na igreja. Eliana estuda a escrita ucraniana, com escrita diferente do nosso alfabeto Gentil aponta no mapa a origem de sua família, a cidade de Roncegno Vida Qualidade de Vida e Condicionamento Saudável Fisioterapia Domiciliar Acupuntura e Auriculoterapia Atividade física e Exercícios Terapêuticos para 3ª Idade *Programa com objetivo de levar atividade física para idosos em sua residência e aproveitando a estrutura dos parques da cidade Fone: (47) 9681-8754 / 8486-7346 Dra. Anna Karla de Souza - Fisioterapeuta Dr. Eder Martins - Fisioterapeuta