PREFÁCIO
Manuel Correia de Andrade
A geografia brasileira e universal atravessa uma fase de grandes mudanças
e de muita reflexão. O impacto da revolução tecnológica é muito forte, do mesmo
modo que a forma de percepção do processo sócio-espacial e de organização e
exploração do território. As ciências sociais procuram se adaptar aos desafios
que se apresentam, modificando posições e enfoques metodológicos. No Brasil a geografia, após um longo período em que se apresentou como uma ciência
meramente indicativa de lugares, de acidentes e de fronteiras políticas, passou, depois dos anos 30 do século passado, a procurar descrever e interpretar
as paisagens, utilizando as técnicas e as posições francesas – sobretudo as da
escola de Vidal de La Blache –, sem esquecer também a influência germânica
na geografia política e a geopolítica, sobretudo nos meios militares.
A influência francesa, que se fez sentir a partir da criação da Universidade de São Paulo e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, levou
geógrafos brasileiros, seguindo orientações diversas, a fazerem uma geografia não comprometida com posições filosóficas mais definidas, desenvolvendo obras influenciadas pelo pensamento de Descartes, preocupadas
sobretudo com aquela mera descrição e interpretação das paisagens.
Na década de 60 do século XX, porém, houve uma grande influência do
neopositivismo, com o desenvolvimento de uma geografia que usava bastante
os dados estatísticos, a denominada “geografia quantitativa” ou “geografia
teorética”. Era uma geografia que procurava desenvolver ao máximo a abstração e alienar as posições dos geógrafos preocupados com a realidade. Ela provocaria, após o declínio do domínio militar em nosso país, uma forte reação crítica
dos pensadores marxistas e não-marxistas que procuravam criticar as formas
de fazer geografia e que concediam um maior prestígio à teorização. Esta cor7
rente foi classificada como “crítica” e muitos passaram a identificar erroneamente a posição crítica com a posição marxista, quando, na verdade, o marxista
é essencialmente crítico, mas nem todo crítico é necessariamente marxista.
Assim, tivemos, desde a década de 1960, um grande debate nas reuniões de
geógrafos e um expressivo intercâmbio com especialistas de outros saberes.
A geógrafa Lenyra Rique da Silva fez a sua formação científica nesse
período, como depõe em seu texto, iniciando-se na Paraíba, onde fez a graduação, continuando em São Paulo onde fez pós-graduação-mestrado e doutorado. Em seguida, lecionou em vários estados, como Rio Grande do Norte,
Santa Catarina e São Paulo. Tendo maiores preocupações com o humanismo,
na busca de soluções para os problemas brasileiros – sobretudo aqueles ligados ao meio rural –, desenvolveu, a um só tempo, atividades em pesquisas
de campo e reflexões filosóficas, procurando conciliar ou complementar a
observação com a reflexão. Daí vir desenvolvendo uma atuação polêmica,
em suas aulas, em seus escritos e em participações em reuniões científicas.
A sua grande força resulta de uma ação que está voltada para a realidade que
vive e, ao mesmo tempo, para a teorização que, em função desta realidade,
procura a relação existente entre o que é e o que deveria ser. Sendo uma
pessoa inquieta, Lenyra Rique, naturalmente, transmite toda esta inquietação para o trabalho que escreve e, por conseqüência, para o leitor.
Aqui, neste livro, ela reúne uma série de ensaios, escritos nos últimos
anos em função de desafios diversos e de debates em reuniões científicas. A
sua seqüência apresenta uma dupla preocupação: nos três primeiros ensaios,
aborda os problemas ligados à geografia como ciência e ao relacionamento
entre os problemas científicos e a inserção da reflexão na realidade que ela
conhece tão bem; nos quatro restantes, dedica-se ao estudo de problemas
concretos, como o da problemática do pequeno produtor de fumo de Santa
Catarina e a revisão de questões agrárias brasileiras.
De modo geral, chega-se à conclusão que neste novo livro de Lenyra
Rique a preocupação central é a questão agrária e a necessidade de que o
Brasil, comprometido desde os tempos coloniais com os interesses dos latifundiários, passe a oferecer soluções em favor dos pequenos produtores rurais, através de uma reforma agrária justa, que não só corrija a distribuição
da renda como contribua para a consolidação da cidadania.
Pode-se dizer que Lenyra Rique, com este livro, traz uma contribuição à
geografia combatente, ou à geografia que está comprometida com a solução
dos problemas do Brasil, do nosso povo. Acreditamos que o livro terá uma
expressiva divulgação e trará uma contribuição séria e positiva para a juventude estudiosa, não só da área geográfica, como também de toda a área das
ciências sociais e humanas.
8
Download

prefácio - Editora Contexto