Federação Nacional dos Professores
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Escola Secundária c/ 3º ciclo de Henrique Medina Esposende
TOMADA DE POSIÇÃO
Texto aprovado:
UM MODELO BASEADO NA AVALIAÇÃO ENTRE PARES
NÃO PODE SER JUSTO, NEM EFICAZ
1.
Avaliadores e avaliados são concorrentes na mesma carreira profissional, o que fere inapelavelmente as
garantias de imparcialidade.
A progressão na carreira de cada professor depende, não apenas da sua própria classificação, como também da
que os outros professores da mesma escola tiverem. Avaliados e avaliadores pertencem à mesma escola e são
muitas vezes concorrentes aos mesmos escalões da carreira, o que (por si só) constitui forte motivo de
impedimento.
E, mesmo quando pertencem a escalões diferentes, é óbvio que o avaliador tem interesse directo nas
classificações que atribui ao seu avaliado: se estiver posicionado em escalão igual ou superior, só terá a perder
com a subida de escalão daquele; se, o que a lei também permite, o avaliador pertencer a um escalão de carreira
inferior ao avaliado, é-lhe oferecida a possibilidade de o fazer marcar passo na carreira e poder alcançá-lo.
Independentemente dos incontornáveis impedimentos legais – atente-se no artigo 44º do CPA, “Nenhum titular de
órgão ou agente da Administração Pública pode intervir em procedimento administrativo ou acto: a) Quando nele
tenha interesse; c) Quando tenha interesse em questão semelhante à que deva ser decidida.” – dificilmente se
poderia conceber um esquema mais maquiavélico de “avaliação entre pares”, que só poderá ter como resultado a
degradação do clima de trabalho nas escolas, já perfeitamente visível, aliás. Quanto ao princípio da
imparcialidade, foi feito em pedaços.
2.
A divisão entre professores e professores titulares não acabou. Foi substituída pela divisão entre
avaliadores e avaliados.
Embora o Estatuto de 2010 tivesse retomado (em teoria) a carreira única, o novo modelo de avaliação
reintroduziu (na prática) a divisão dos professores em duas categorias. Com a agravante de a actual divisão
conseguir ser ainda mais artificial e arbitrária que a anterior.
Mais artificial, porque relatores e avaliados pertencem à mesma carreira e desempenham a mesma função, não
fazendo qualquer sentido a separação das suas competências em matéria de avaliação, isto já sem falar nos
impedimentos daí decorrentes. Mais arbitrária, porque se o concurso dos titulares foi feito em obediência a regras
que – embora muito discutíveis – apresentavam ainda assim alguma objectividade e universalidade, na selecção
dos relatores prevalecem a ambiguidade e a falta de transparência.
3.
Na escolha dos avaliadores não preside o mérito, mas apenas a vontade dos directores e dos
coordenadores de departamento.
A pirâmide dos avaliadores é encimada pelo director da Escola que nomeia e avalia os coordenadores de
departamento. Estes escolhem e avaliam os relatores que vão, por sua vez, avaliar o restante corpo docente. A
legislação estabelece que o relator deve em princípio pertencer ao mesmo grupo disciplinar que os seus avaliados
e ter maior ou igual posicionamento na carreira e grau académico do que estes, mencionando ainda uma
hipotética “formação especializada em avaliação do desempenho”. É porém completamente omissa quanto ao
modo como estes diferentes critérios são ponderados e compatibilizados.
Mas a ambiguidade não fica por aqui. No caso do docente com maior posicionamento na carreira não ser
escolhido, a lei prevê que possa ser escolhido como seu relator um docente situado em escalão inferior. Por
outras palavras, o posicionamento na carreira poderá nada valer. E como conceber que um coordenador de grupo
disciplinar possa não ser o relator dos docentes do seu grupo? Ou que um relator seja avaliado por um
coordenador pertencente a grupo diferente do seu? E outras situações não menos absurdas são igualmente
possíveis.
Resta acrescentar que, em virtude da ausência de critérios objectivos de selecção e do facto do coordenador não
apenas ter a faculdade de os escolher, mas também de os classificar, corre-se o risco de os relatores serem
induzidos a atribuir as classificações dos seus avaliados em sintonia com a opinião dos coordenadores e, em
última análise, do próprio director, dado que este é quem nomeia e avalia os coordenadores e preside ao júri de
avaliação.
4.
Não existe a mínima objectividade nos critérios e instrumentos de avaliação a utilizar.
Outro aspecto não menos gravoso, por acentuar o impacto da falta de imparcialidade no processo de avaliação, é
a ausência completa de padrões e metas de avaliação objectivos, bem como de instrumentos de avaliação fiáveis
e precisos. Apesar de tudo, nas fichas de avaliação do modelo de 2007, aspectos como a assiduidade ou a
formação contínua eram traduzidos de forma objectiva em classificações a atribuir aos respectivos parâmetros.
Agora, a definição dos instrumentos de avaliação a utilizar é deixada completamente ao critério de cada escola,
tendo apenas como orientação padrões de desempenho docente que, além de em nada contribuirem para a
indispensável objectividade, pouco ou nada têm a ver com a qualidade do trabalho desenvolvido na sala de aula.
Basta atentar nalguns dos indicadores e descritores: reconhecimento da relevância do trabalho colaborativo na
prática profissional, reconhecimento da importância da dimensão comunitária na acção educativa, participação
em projectos de trabalho colaborativo na escola, envolvimento em projectos que visam o desenvolvimento para a
comunidade, etc. Ironicamente, é o próprio clima de competição desenfreada criado por este modelo que se
encarrega de liquidar quaisquer veleidades de partilha de conhecimentos ou de trabalho colaborativo entre pares
que possam subsistir.
A subvalorização da competência científica e pedagógica do professor e do seu trabalho com os alunos torna-se
também evidente quando dimensões como a “vertente profissional, social e ética” ou a “participação na escola e
relação com a comunidade educativa” têm na classificação de cada professor um peso praticamente equivalente
(para quem não peça aulas assistidas é até superior) à dimensão “desenvolvimento do ensino e da
aprendizagem”.
Compreende-se assim a manutenção do carácter rigorosamente confidencial das classificações finais de cada
professor, que revela a convicção da tutela dos efeitos arrasadores (para a credibilidade da ADD) que poderiam
advir do conhecimento por todos de quem foi contemplado com os ambicionados Muito Bom e Excelente.
5.
As garantias de defesa contra classificações injustas são, se possível, ainda menores.
Foi mantida a farsa da entrevista individual entre avaliado e avaliador, que apenas serve dois propósitos: limita as
possibilidades de defesa do avaliado, pois este, se não for à entrevista, não poderá reclamar; permite ao
avaliador fundamentar melhor a sua proposta, ao ter prévio conhecimento dos argumentos que o avaliado poderá
usar.
Com ou sem entrevista individual, os avaliadores apresentam as propostas de classificação a um júri de
avaliação, presidido pelo director e em cuja composição entram, além do avaliador em questão, três docentes do
Conselho Pedagógico. Assim, neste novo modelo, quando o avaliado recebe a classificação, esta já não traduz
apenas a opinião isolada do seu avaliador, mas transporta consigo toda uma chancela institucional.
Por outro lado, antes, quando o avaliado reclamava da classificação, o avaliador ficava sujeito ao parecer da
comissão de coordenação de avaliação de desempenho, ao passo que agora a apreciação da reclamação recai
nos mesmos que a tomaram. E se a classificação for mantida e o avaliado quiser recorrer? No modelo anterior, a
apreciação do recurso cabia ao director regional de educação. Agora cabe a um júri de três membros, presidido
por elemento designado pela direcção regional (que, como é da praxe, pedirá ao director que o sugira), mas dele
fazendo parte o próprio avaliador. Como pode alguém decidir o recurso que recaiu sobre a sua própria decisão?
Atente-se, mais uma vez, no artigo 44º do CPA, “Nenhum titular de órgão ou agente da Administração Pública
pode intervir em procedimento administrativo ou acto: e) Quando se trate de recurso de decisão proferida por si
ou com a sua intervenção.”
Em todo o caso e para além do desenlace do recurso ser por demais evidente – classificação, reclamação e
recurso são decididos no interior do mesmo círculo de pessoas – mais uma vez é patente o desprezo de quem
elaborou estas normas pelas leis gerais que regulam os princípios da justiça, da transparência e da
imparcialidade que devem presidir a todos os actos de um Estado de Direito.
6.
Os professores centram o seu trabalho na sua própria avaliação e desvalorizam o trabalho com os alunos.
A desvalorização dos domínios do trabalho com os alunos e da formação científica e pedagógica na avaliação
docente, conjugada com o clima de conflito, de competição e de insegurança criado no quotidiano profissional,
impede os professores de se dedicarem à melhoria da qualidade do ensino/aprendizagem, que deveria ser o seu
objectivo principal, obrigando-os a incidir a atenção nas tarefas da sua própria avaliação do desempenho.
Até porque a excessiva abrangência e ambiguidade dos padrões do desempenho facilita a emergência nas
escolas de situações de burocratização excessiva, com a inevitável sobrecarga de trabalho improdutivo para os
professores.
RESTITUIR ÀS ESCOLAS A TRANQUILIDADE.
REORIENTAR O TRABALHO DOS PROFESSORES PARA O QUE REALMENTE IMPORTA: ENSINAR.
LINHAS GERAIS PARA UMA PROPOSTA DE MODELO ALTERNATIVO
Sendo claro que esta versão da ADD só poderá ter como consequência a degradação da qualidade do trabalho
pedagógico nas Escolas, com consequências nefastas, para alunos e professores, propõe-se a sua imediata
suspensão, com vista à substituição (em tempo útil) por um modelo alternativo que obedeceria aos seguintes
princípios-base:
1.
O único avaliador em cada Escola é o director (ou equivalente), ou o seu substituto legal, em caso de
impedimento, terminando a divisão artificial entre avaliados e relatores, sucedânea da que havia entre
professores e professores titulares.
2.
A classificação é anual e com os seguintes parâmetros, que traduzem a efectiva aposta do professor no trabalho
com os seus alunos e na actualização dos seus conhecimentos, e poderão ser mensuráveis e objectivos:
a. ASSIDUIDADE (Um bom professor deve ser assíduo, pelo que deverá voltar a haver, como entre 2007 e 2010,
correspondência directa entre o nível de assiduidade e a classificação.)
b. FREQUÊNCIA DUM NÚMERO MÍNIMO DE HORAS DE FORMAÇÃO ANUAIS (Sugere-se a manutenção das
25 horas de formação obrigatórias, não sendo contudo aceitável a consideração na ADD das classificações
dessas acções, pois não há qualquer uniformidade nos níveis de exigência dos formadores.)
3.
São três menções a atribuir (por exemplo, BOM – SUFICIENTE – INSUFICIENTE), de acordo com a pontuação
atribuída nos parâmetros avaliados.
4.
A classificação final é atribuída a cada professor no final de cada ano lectivo e é tornada pública na respectiva
escola, com a indicação da pontuação em cada um dos parâmetros.
5.
Caberá aos serviços centrais do Ministério da Educação decidir todos os recursos apresentados.
6.
A classificação repercute-se na progressão em cada escalão da carreira, completado o tempo de permanência:
média de BOM – progressão; média de SUFICIENTE – atraso de um ano na progressão; média de
INSUFICIENTE – não contagem do tempo de serviço nesse escalão.
7.
São eliminados os estrangulamentos artificialmente criados na progressão ao 5º e 7º escalões, uma vez que tais
mudanças de escalão não reflectem – nem poderiam reflectir – qualquer alteração do conteúdo funcional da
profissão docente e a dependência de vagas se destina unicamente a garantir contenção de despesas do
Ministério.
8.
Excepcionalmente, poderá um docente pedir no ano anterior à mudança de escalão uma avaliação extraordinária
que lhe permita antecipá-la. Teria não apenas de ter BOM em todas as classificações atribuídas nos anos já
decorridos nesse escalão, mas também um currículo (pedagógico e científico) relevante, que seria apreciado por
um júri formado por representantes do ME e de sociedades científicas da área disciplinar do candidato.
Estas linhas gerais têm pontos comuns com o sistema de avaliação introduzido pelo Estatuto de Carreira de 1990, que
durante quase duas décadas permitiu (sem constrangimentos, nem instabilidade) que cada professor crescesse
profissionalmente. A principal diferença reside na pontuação agora associada a cada parâmetro de avaliação e na maior
diferenciação nas menções qualitativas a atribuir, o que reflecte um maior nível de exigência e de objectividade.
Estamos convictos que a adopção de um modelo baseado nestes princípios possibilitará que todos os professores
encarem a sua avaliação, não como um entrave à sua actividade profissional e uma fonte inesgotável de injustiças e
conflitos, mas como o corolário sereno da actividade desenvolvida no decorrer do ano lectivo, e também a recuperação
pelas Escolas do ambiente de trabalho efectivo e de tranquilidade, desaparecido desde há vários anos.
Até porque as duas versões de ADD do Estatuto de 2007 falharam clamorosamente mesmo na tão propalada intenção
de diferenciar os professores com base no mérito. Os números oficiais são, a esse respeito, lapidares. Havendo cinco
menções qualitativas a atribuir, da aplicação da versão original, em 2007/08, a cerca de 12 mil professores, resultou que
mais de 99,5% tiveram classificações de Excelente, Muito Bom ou Bom; por sua vez, a aplicação do chamado simplex,
em 2008/09, a mais de 121 mil professores, deu como resultado que mais de 99,7% obtivessem igualmente boas
classificações, havendo em todo o país uns escassos 332 professores com Regular e 16 (menos de um por distrito!) com
Insuficiente. E, mesmo com estes resultados, foram apresentadas quase duas mil reclamações. Tudo isto, com um
sistema de avaliação, apesar de tudo, mais credível e objectivo do que aquele que agora se pretende implementar.
Os professores da Escola Secundária c/ 3º ciclo de Henrique Medina, Esposende,
reunidos no dia 17 de Fevereiro de 2011
Publicado em www.fenprof.pt no dia 18 de Fevereiro de 2011
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