Reflorestamento para recuperação do solo dos impactos causados pelo agronegócio no Acampamento VIII de Março, Planaltina-DF1 EIXO: TECNOLOGIAS DE PRODUÇÃO Edineide Soares da Rocha2 ([email protected]) RESUMO Este artigo tem como objetivo contribuir com uma reflexão sobre os impactos causados pelo agronegócio no solo e, de um modo geral, à comunidade do Acampamento de Reforma Agrária VIII de Março, Planaltina-DF, numa respectiva de recuperação da área para uma produção mais sustentável. Seus moradores pretendem praticar a agricultura familiar numa região de solo degradado pela ação e contaminação do agronegócio que, durante muitos anos, utiliza veneno em suas culturas com modos convencionais adquiridos no período da chamada “Revolução Verde”. Para a construção deste trabalho, realizou-se revisão bibliográfica em meios eletrônicos, artigos, cartilhas, além da própria vivência no acampamento. Palavras-chave: Cerrado, solo, agricultura, agrotóxico, agronegócio e desenvolvimento rural. GT: Agroecologia 1. INTRODUÇÃO Segundo Fernandes (2012, p. 21), “a formação do acampamento é fruto do trabalho de base, quando famílias organizadas em movimentos socioterritoriais se manifestam publicamente com a ocupação de um latifúndio”. A preocupação com a degradação e contaminação do solo e da natureza no acampamento VIII de Março, por parte das famílias acampadas que vivem à espera do acampamento se tornar um assentamento de reforma agrária, independente do nível 1 Trabalho é parte da pesquisa do tcc, orientado pela Professora Janaína Díniz. Bacharel em ciências contábeis, discente no curso de especialização “Residência Agrária: matrizes produtivas da vida no campo”, eixo “Agroecologia e organização de assentamentos”, do programa de Pós-Graduação em Meio Ambiente e Desenvolvimento Rural da Faculdade UnB de Planaltina. 2 sócio econômico, é geral. Todos sabem da importância da recuperação do solo e do ambiente do local totalmente desmatado e degradado pela ação do agronegócio. “Um Estado provedor e protetor convivendo com a defesa do mercado, a visão da propriedade da terra como direito absoluto, o discurso da solidariedade entre as classes sociais no campo e a violência como prática e da retórica da legitimação dos grandes proprietários de terras e dos empresários rurais e do agronegócio no Brasil e que muito contribuem para o exercício da dominação e exploração da classe camponesa” (BRUNO; LACERDA; CARNEIRO, 2012, p. 521). A vegetação campestre do cerrado, com suas árvores pequenas e com troncos tortuosos, em grandes variedades, já não existe mais naquela localidade, pois estas foram extraídas para a expansão do agronegócio, que avança para o Cerrado, causando transformações no bioma devido à retirada total de sua vegetação nativa, provocando perda total da cobertura natural do solo, causando compactação e contaminação do solo, que perde seus nutrientes naturais. A perda de cobertura do solo é um dos mais claros indícios da insustentabilidade que ultrapassa os limites dos problemas locais para afetar, de forma grave, os equilíbrios globais. “Os dois componentes básico das estratégias de atenção ao efeito estufa vivido pelo planeta são a emissão de gases e o escoadouro de carbono provocado pelo desmatamento” (PERICO e RIBERO, 2005, p. 81). O grileiro usa parte da fazenda como pastagem voltada para a agropecuária, o que favorece a compactação do solo, dificultando o armazenamento e a infiltração da água da chuva, e contribuindo para o não crescimento da vegetação natural do cerrado. A produção do campo está em poder das grandes empresas internacionais que tem o controle das sementes geneticamente modificadas que necessitam do agrotóxico para o desenvolvimento, e de grandes latifundiários que enriquece o agronegócio com plantios de monocultivos de soja, eucalipto, que não serve para alimentar a humanidade, contribuindo-se para a devastação natural do cerrado, e com a degradação do solo que perdem nutrientes fundamentais para a sobrevivência das plantas e dos animais. Carvalho (2013) considera que: As opções empresariais consideradas pelo agronegócio como promissoras para ampliar a acumulação capitalista pela via da espoliação são as estratégias burguesas de 2 concentração de terras, da produção agropecuária e florestal em larga escala, do monocultivos e da busca de um produtivismo insano que lhe induz ao uso intensivo de agrotóxicos, de hormônios, de herbicidas e de sementes hibridas, transgênicas e mutagênicas, além de exercitarem hodiernamente o desprezo sociocultural pelos povos do campo e a desterritorialização dos camponeses. (CARVALHO, 2013, p. 31-32). O presente artigo possui uma proposta metodológica de revisão bibliográfica e vivencia in loco, que engloba o uso de diagnóstico participativo da comunidade, proposta de atividades de plantios, manejos, coletas e troca de conhecimentos. De acordo com Gil (2008), um tipo de pesquisa com base empírica que é concebida e realizada em estreita associação com uma ou com a resolução de um problema coletivo e no qual os pesquisadores e participantes representativos da situação ou do problema estão envolvidos de modo cooperativo ou participativo.. O trabalho inicial teve como ponto de partida uma análise visualizada da realidade da área desmatada e com forte presença do agronegócio. O objetivo do presente artigo é informar e compartilhar com a comunidade o histórico da área e a possibilidade de cultivar os quintais de forma agroecológica. Dessa forma, servirá como ferramenta para reflorestar e recuperar o solo degradado do Acampamento VIII de Março. De acordo com a legislação brasileira sobre sementes e mudas (Lei nº 10.711, de 5 de agosto de 2003), define-se como cultivar local, tradicional ou crioula: “variedades desenvolvidas, adaptadas ou produzidas por agricultores familiares, assentados de reforma agrária e indígenas, com característica fenotípicas bem com determinada e reconhecida pelas respectivas comunidades, substancialmente distintas das cultivares comerciais”. Essa lei também prevê que “ficam isentos da inscrição no Renasem os agricultores familiares, os assentados da reforma agraria e os indígenas que multipliquem sementes ou mudas para distribuição, troca ou comercialização entre si” (MAPA, 2007). 1. Cerrado: realidade e necessidade dos acampados do VIII de Março O Cerrado é um bioma importante para a conservação da biodiversidade, por meio de sua vegetação, que é eficaz aos recursos hídricos, e também por consumir menor quantidade de água para sobrevivência de todos os seres nativos da região cerratense. 3 No acampamento VIII de Março, as famílias acampadas têm uma preocupação com a degradação e contaminação do solo e da natureza, com o uso abusivo de veneno dos latifundiários que utilizam o sistema de plantio convencional do agronegócio, precisamente na Fazenda Toca da Raposa, na região de Planaltina/DF, que, durante muitos anos, vem sofrendo agressão ambiental, com plantios de soja, sorgo, milho e a criação de gado para o agronegócio. A fazenda está em posse do grileiro Mario Zinatto, que, segundo liderança do MST-DF, é um grileiro de outras áreas na região do DF e Entorno. A fazenda tem 1.258ha, o atual ocupante diz ter o direito de uso de 769 ha e que 489 ha pertencem à TERRACAP. A área de Cerrado foi totalmente desmatada, nascentes extintas e solo contaminado pelo uso abusivo de agrotóxicos. A fazenda foi ocupada por três vezes sem permanência local pelo MST, somente na quarta ocupação há quase três anos que o acampamento conseguiu permanecer. A comunidade vive na espera de uma decisão da justiça, que é muito lenta em questão de desapropriação de terras para fins de reforma agrária. Há uma grande preocupação por parte das famílias que pleiteiam a área, em relação à contaminação do solo, destruição da natureza e do bioma do cerrado que existem mais naquele local. O acampado Antônio diz: “É uma tristeza ver uma área tão grande de cerrado, totalmente desmatada, sem nenhuma árvore do cerrado, nem se quer um pé de pequi (Caryocar brasiliense), dói saber o quanto o agronegócio destrói”. As famílias que serão assentadas naquela região têm um grande desafio, de recuperar o solo para produzir seus alimentos, assim como as características da paisagem do cerrado3. De acordo com Durigan et al. (2011): [...] o cerrado era visto como terra improdutiva, sendo explorado apenas para a extração de lenha e carvão e para pecuária extensiva, atividades que causavam relativamente poucos danos ao ecossistema. Embora a área já devastada seja extensa, a ocupação do cerrado por agricultura e pecuária de alta tecnologia – essas sim atividades altamente impactantes – é um fenômeno recente (p. 7). 3 A vegetação é parte importante no equilíbrio da Terra, pois permite manter a vida dos animais, a qualidade do solo e da água. Devido a sua importância... Disponível em: https://www.embrapa.br/cerrados/publicacoes. Acessado em 17/02/2015. 4 Diante dessa realidade, as famílias sabem da importância da vegetação do cerrado para o equilíbrio ambiental da área e do potencial financeiro da biodiversidade, que será rica e benéfica para finalidades alimentícia, artesanal e medicinal. 2. Solo e agricultura sem agrotóxicos: caminhos para o desenvolvimento rural O solo é um recurso natural básico e fundamental para os ecossistemas e ciclos naturais, se tornando mais importante devido a todos os seres vivos estarem sobre ele. É um minério renovável, por isso pode ser usado por diversas vezes. Segundo Bertoni e Lombardi Neto (2008), O solo é um recurso básico que suporta toda a cobertura vegetal de terra, sem a qual os seres vivos não poderiam existir. Nesta cobertura, incluem-se não só as culturas como, também, todos os tipos de árvores, gramíneas, raízes e herbáceas que podem ser utilizadas pelo homem. O solo, além da grande superfície que ocupa no globo, é uma das maiores fontes de energia para o grande drama da vida que, geração após geração de homens, plantas e animais, atuam na terra (BERTONI e LOMBARDI NETO, 2008, p. 28.). Nas últimas décadas vem ocorrendo com frequência a degradação do solo, consistindo em erosões, contaminações causadas principalmente pela ação dos agrotóxicos utilizados pelo agronegócio, que tem seu avanço constante, causando o empobrecimento da fertilização do solo, com perda de nutrientes e matéria orgânica, afetando a capacidade de produzir a vegetação natural necessária para a cobertura do solo, que é a defesa contra a erosão. Para Bertoni e Lombardi Neto (2008, p. 30), “a presença de alguns fatores restritos de uso (erosão, declividade, excesso de umidade, escassez de água na região, inundação, acidez ou alcalinidade, baixa fertilidade, pedregosidade) pode determinar a separação de subclasses, diferentes tipos de manejo, dentro das classes”. Para Bertoni e Lombardi Neto (2008), “as variações topográficas podem trazer marcadas variações na drenagem natural; assim, as gramíneas crescem mais rapidamente nas áreas úmidas, e como o excesso de umidade causa uma baixa aeração, a decomposição dos resíduos das plantas é lenta; a acumulação de matéria orgânica é diretamente proporcional ao teor 5 de umidade de solo”. A erosão é o processo de desprendimento acelerado das partículas do solo, que afeta de muitas maneiras a vida existente na terra. Segundo Bertoni e Lombardi Neto (2008), as principais características físicas do solo são: Cor é uma das características mais facilmente distinguíveis dos solos que, em geral, apresentam diversas tonalidades de cor [...]; Textura é a destruição quantitativa das classes de tamanho de partículas de que se compõe o solo [...]; Estrutura é a forma como se arranjam as partículas elementares do solo [...]; Porosidade refere-se à proporção de espaços ocupados pelos líquidos e gases em relação ao espaço ocupado pela massa de solo [...];Permeabilidade é a capacidade que tem o solo de deixar passar à água e ar através do seu perfil [...] (BERTONI E LOBARDI NETO, 2008, p. 40). No Brasil existem várias organizações responsáveis por identificar e recuperar áreas degradadas sem condição de produtividade de culturas diversas, principalmente em áreas de assentamentos de reforma agrária. Existem projetos e programas do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, do Ministério do Meio Ambiente, FAO (Fundo das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação) e BIRD (Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento) que contribuem para recuperar as áreas. Segundo Primavesi (2009, p. 5), “o solo tem que ser sadio, ou seja, com equilíbrio entre todos seus fatores, bem agregado para que ar e água possam penetrar, e limpo, isto é, sem substâncias tóxicas”. A autora afirma que em enormes áreas desmatadas plantam-se monoculturas, sem uso de matéria orgânica, com três adubos quimicamente refinados (Nitrogênio, Fòsfor e Potássio - NPK) após correção do pH do solo para neutro através de calagem, usando-se herbicidas e defensivos químicos (agrotóxicos). Com isso, morre a maior parte da microvida, permanecendo somente algumas poucas espécies que podem utilizar as excreções radiculares e a palha desta monocultura (PRIMAVESI, 2009). O avanço no processo de modernização agrícola no Brasil, caracterizado por concentração de terras, expansão de monocultivos, uso intensivo de equipamentos e modelo produtivo químico-dependente de agrotóxicos e fertilizantes sintéticos, vem induzindo processos de desterritorialização que repercutem sobre o modo de vida dos trabalhadores do campo e das comunidades (CARNEIRO, 2012). 6 De acordo com a Lei Federal nº 7.802, de julho de 1989, regulamentada pelo decreto nº 4.074, de 4 de janeiro de 2002, os agrotóxicos são: [...] produtos e componentes de processos físicos, químicos ou biológicos destinados ao uso nos setores de produção, armazenamento e beneficiamento de produtos agrícolas, nas pastagens, na produção de florestas nativas ou implantadas, e em outros ecossistemas e também ambientes urbanos, hídricos e industriais, cuja finalidade seja alterar composição da flora e da fauna, a fim de preservá-las da ação danosa de seres vivos considerados nocivos. São considerados, também, como agrotóxicos, substancias e produtos como desfolhantes, dessecantes, estimulantes e inibidores de crescimento (BRASIL, 2002). Agricultura é o conjunto de técnicas utilizadas para cultivar plantios com o objetivo de obter alimentos, fibras, energia, matéria-prima, construções, medicamentos, ferramentas, ou apenas para contemplação estética, por intermédio da força de trabalho do homem e tecnologia de máquina e equipamentos avançados ou não. Na agricultura orgânica, sem uso de agrotóxicos, o produto tem que ser produzido em um ambiente de produção orgânica, onde se utilizam técnicas e princípios agroecológicos que contemplam o uso responsável do solo, da água, do ar e dos demais recursos naturais, respeitando as relações sociais e culturais. A cultura e comercialização dos produtos orgânicos no Brasil foram aprovadas pela Lei 10.831, de 23 de dezembro de 2003. Sua regulamentação, no entanto, ocorreu apenas em 27 de dezembro de 2007 com a publicação do Decreto Nº 6.323. Agricultura convencional é um termo usado a partir da “Revolução Verde”, sendo o modo agrícola onde prevalece a busca da maior produtividade através da utilização intensa de insumos externos, que geram resultados econômicos visíveis em curto prazo, e aumento da produtividade e eficiência agrícola, com uso intensivo de agrotóxicos. Embora a agricultura seja praticada pela humanidade há mais de dez mil anos, o uso intensivo de agrotóxicos para o controle de pragas e doenças nas lavouras existe há pouco mais de meio século. Londres (2012) afirma que teve origem após as grandes guerras mundiais, quando a indústria química fabricante de venenos então usados como armas químicas encontraram na agricultura um novo mercado para os seus produtos. 7 Londres (2012) relata que diversas politicas foram implementadas em todo o mundo para expandir e assegurar esse mercado. A pesquisa agropecuária voltou-se para o desenvolvimento de sementes selecionadas para responder à aplicação de adubos químicos e agrotóxicos em sistemas de monoculturas altamente mecanizados. Segundo seus promotores, esta “Revolução Verde” seria fundamental para derrotar a fome que assolava boa parte da população mundial. Sabe-se que esse modelo serviu para o avanço do agronegócio a nível mundial, fortalecendo o uso intensivo de venenos na alimentação da população e contaminação do solo e de todos os ecossistemas e ciclos naturais. Diante dessa realidade: A Lei de Segurança Alimentar e Nutricional nº 11.346/2006, chamada Losan, já define em seu artigo 4º que a ampliação do acesso a alimentos passa pela produção, especialmente da agricultura tradicional e familiar, e pela conservação da biodiversidade e a utilização sustentável dos recursos. Surge assim, em 1997, a proposta de estruturação de uma linha de produção e comercialização de sementes registradas de hortaliças em bases agroecológicas. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) discutia as consequências da inserção do pacote tecnológico disseminado pela Revolução Verde, que estimula a aquisição de insumos externos, a dependência do crédito e fomenta sistemas produtivos pouco diversificados para os assentamentos e a agricultura familiar (PACKER, 2010) A autora ressalta ainda que a Bionatur contribuiu no debate a respeito do significado das sementes na vida e na cultura dos camponeses no lançamento, no Fórum Social Mundial, da campanha internacional da Via Campesina Sementes, patrimônio dos povos a serviço da humanidade. Para Sauer e Balestro (2013), em oposição a uma agricultura globalizada, sob o controle das grandes corporações transnacionais, reforça-se o fortalecimento de uma agricultura de base familiar, alicerçada no uso múltiplo dos recursos naturais e no potencial endógeno das comunidades rurais. As famílias acampadas sabem que estão diante de um grande desafio que tem contra o agronegócio e, de produzir mais, considerando o manejo e as técnicas de produção de alimentos ambientalmente saudáveis em relação à soberania alimentar, mas, através da realidade nasce a necessidade de produzir culturas em maior quantidade e com qualidade agroecológica. 8 3. Agronegócio e seu mito de combate à fome Após a 2ª guerra mundial, o modelo da Revolução Verde trouxe o pacote de sementes modificadas geneticamente, insumos químicos e máquinas de altas tecnologias para substituírem a mão de obra do trabalhador rural. Atualmente é possível perceber que a modernização da agricultura demonstra eficácia e rentabilidade frente à demanda de crescimento da produção. No Brasil, a Revolução Verde surgiu na época da ditadura militar como estratégia de modernização. Ocorreu de forma conservadora, dando continuidade ao avanço da alta concentração de grandes latifúndios. Para Marcattor (2013) ela não só exige “uma escala mínima para tornarem-se economicamente viáveis, como também apresentarem ganho de escala, isso é, quanto maior a quantidade produzida, menores serão os custos proporcionais de produção”. O sistema de produção do agronegócio vem apresentando números expressivos de produtividade agropecuária, elevando altos índices de exportação e representando um aumento na composição do PIB nacional. Entretanto, esse modelo convencional traz consequência à sociedade. Nesse sentido, Sosa et al. (2013) afirmam que: O uso excessivo de pesticidas e fertilizantes sintéticos provocou um crescente desequilíbrio dos ecossistemas no campo, em detrimento dos fatores naturais. Um exemplo disso foi a eliminação de muitos organismos benéficos, inimigos naturais, necessários para o controle de pragas. O resultado? O aparecimento contínuo de novas pragas, e a ineficiência no controle das já conhecidas. Este desequilíbrio dos sistemas agrícolas transformou-os em nicho propício à proliferação de pragas, o que provocou efeitos devastadores nas principais culturas [...]. (SOSA et al., 2013, p.44). O pacote tecnológico aplicado nas monoculturas do agronegócio levou o Brasil a ser o maior mercado consumidor de agrotóxicos do mundo, concentrando 84% das vendas na América Latina. O Brasil também é o segundo maior plantador de sementes geneticamente modificadas do mundo e tende a ser o maior pagador de royalties decorrentes da utilização de sementes de soja geneticamente modificada (LONDRES, 2012). 9 Segundo Andrioli e Fuchs (2012, p. 148), “os povos indígenas e áreas preservadas, como o famoso Pantanal, estão sendo afetadas, sempre mais, pela expansão da soja”. Em relação à existência dos transgênicos, estes autores afirmam: Com a introdução das plantas transgênicas, os agricultores são confrontados com inúmeros desafios e problemas. Nestes estão incluídos a perda de mercados estrangeiros, dificuldades em aquisição de sementes e, por parte das multinacionais, inúmeros processos jurídicos, bem como a perseguição judicial a agricultores em função de violação de patentes. (ANDRIOLI; FUCHS, 2012, p. 59). Esse modelo mostra-se insuficiente para a produção de alimentos saudáveis para a população brasileira, tendo em vista o aumento do consumo de agrotóxicos e sementes transgênicas. Nesse sentido, a reforma agrária permanece como elemento fundamental nesse debate, sendo necessário fortalecer a produção agroecológica e as estratégias para a agricultura familiar para produzir mais e com qualidade. Sosa et al. (2013) relatam ainda que: [...] a manutenção de práticas como o uso de tração animal, as fontes alternativas de energia, a associação e rotação de culturas, a produção de sementes, o uso de esterco como adubo e outras formas de interação animal nas fazendas, foram circunstâncias que possibilitaram resistir ao impacto que viria nos anos 1990, assim como assegurar rápidos crescimentos da produção para aliviar a crise alimentar e favorecer, mais adiante, o avanço do Movimento Agroecológico. (SOSA et al., 2013, p. 45). Machado e Machado Filho (2014) relatam que a substituição da tração animal pela tração mecânica representa uma nova e enorme modificação em todos os processos agrícolas. A agricultura camponesa é esmagada pela “modernização conservadora”, em sua máxima expressão, fracassada “Revolução Verde”, que é, também, a expressão máxima da destruição da agrobiodiversidade, a negação da natureza. Por isso, para desenvolver um método de uso do solo agrícola, há que se pensar na integração animal/vegetal e, por consequência, em ambas as produções que são irmãs e interdependentes, há que se compreender a agrobiodiversidade, como condição essencial e primeira para o seu uso (MACHADO e MACHADO FILHO, 2014. p.31). 10 Segundo o Ministério da Agricultura (MAPA, 2014), o Brasil lidera a produção e exportação de vários itens agropecuários, como açúcar, café, laranja, aves, carne bovina e, mais recentemente, o etanol. A exportação agrícola gera 40% de superávit comercial no Brasil e a sua produção gera quase 6% do PIB, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O poder econômico do agronegócio brasileiro, fruto do apoio do Estado, está voltado para o lucro do capital, restringindo-se a um pequeno grupo de produtos ditados pelo mercado externo e ignorando interesses nacionais (TEIXEIRA, 2014). O agronegócio no Brasil não se converte em melhoria da qualidade de vida dos pequenos agricultores, os quais ainda possuem índices preocupantes de insustentabilidade financeira e alimentar. A condição financeira de trabalhar a melhoria da terra para produzir, é mínima, o solo do acampamento VIII de março tem características do cerrado com muita acidez, e quando não está na condição natural, se encontra na situação de degradação por consequência da exploração agrícola com uso abusivo de agrotóxico ou pela própria erosão provocada através dos fenômenos da natureza. De acordo com a Declaração Universal dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidades, de 1948, a alimentação situa-se entre os direitos humanos fundamentais: “Todo homem tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e à sua família, saúde e bem estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos, os serviços sociais indispensáveis e direitos à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros, casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle (...)” (ONU, 1948).4 Em 1996, o Governo Federal instituiu o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF5), criando condições para o desenvolvimento sócio- econômico do país e promovendo o desenvolvimento sustentável na zona rural com maior capacidade 4 Declaração Universal dos Direitos Humanos, que delineia os direitos humanos básicos, foi adotada pela Organização das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948. (A/RES/217). Por Jonh Peters Hunphrey, do Canadá, mas também com a ajuda de varias pessoas de todo o mundo. 5 Foi estruturado com os seguintes objetivos específicos: justar as políticas públicas e acordo com a realidade dos agricultores familiares; Viabilizar a infra-estrutura necessária à melhoria do desempenho produtivo dos agricultores familiares; Elevar o nível de profissionalização dos agricultores familiares através do acesso aos novos padrões de tecnologia e de gestão social; Estimular o acesso desses agricultores aos mercados de insumos e produtos. 11 produtiva, financeira e geração de empregos e qualidade de vida para os agricultores. A agricultura familiar é o conjunto das unidades produtivas agropecuárias com exploração de economia familiar, compreendendo aquelas atividades realizadas em pequenas e médias propriedades, com mão de obra da própria família. Abramovay (2004), afirma que a agricultura familiar tem as seguintes características: a) - A gestão é feita pelos proprietários; b) - Os responsáveis pelo empreendimento estão ligados entre si por laços de parentesco; c) - O trabalho é fundamentalmente familiar; d) - O capital pertence à família; e) - O patrimônio e os ativos são objetos de transferência inter-gerencial no interior da família; f) - Os membros da família vivem na unidade produtiva (ABRAMOVAY, 2004, p. 78). Os trabalhadores rurais que se organizam em regime de economia familiar, individualmente ou utilizando da força de trabalho da sua família, caracterizando-se como agricultores familiares, têm direitos reconhecidos garantindo a aposentaria, são “segurados especiais”, que têm normas diferenciadas. Na Previdência Social no ato da solicitação do benefício, o INSS exige que os trabalhadores comprovem a atividade rural durante o tempo de carência para receber o benefício solicitado, e não precisam provar que pagaram as contribuições do INSS. 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS Este trabalho conclui que a fronteira agrícola do agronegócio, com seu avanço para as regiões de cerrado, contribuem para o desmatamento e a degradação do solo da região, e que as famílias acampadas terão um grande desafio para produzir seus alimentos, mas, ao utilizar-se de técnicas agroecológicas, a partir dos quintais, estarão contribuindo para a restruturação do solo contaminado com os agrotóxicos utilizados há vários anos na região. O agronegócio é o inimigo dos agricultores de Reforma Agrária no Distrito Federal pela sua presença em torno dos acampamentos e assentamentos que avança constantemente seus pequenos espaços através de propostas da grilagem, arrendamentos das terras e da especulação imobiliária. Esse trabalho propõe, como solução à degradação do solo, que a comunidade do Acampamento VIII de Março inicie com plantios nos quintais, onde contribuirá com o reflorestamento do Acampamento, na recuperação do solo degradado. Com base na revisão bibliográfica e de documentos realizada pela autora, a reflexão sobre os impactos do agronegócio 12 e alternativas para a recuperação da área do acampamento continuará sendo compartilhada com a comunidade para, nos próximos anos, prosseguir com as ações necessárias. 5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABRAMOVAY, Ricardo. Agricultura familiar e uso do solo. São Paulo. Rev. Vol. 11 nº 2, 2004. ALTIERI, Miguel. Agroecologia: bases científicas para uma agricultura sustentável. 3ª ed. Ed. Expressão Popular. São Paulo AS-PTA, Rio de Janeiro, 2012. ANDRIOLI, Antônio Inácio; FUCHS, Richard. Transgênicos: As sementes do mal. A silenciosa contaminação de solos e alimentos. 2ª ed. Ed. Expressão Popular. São Paulo, 2012. BERTONI, José; LOMBARDI NETO, Francisco. 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