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Artigo publicado na revista Universidade e Sociedade, n º 16, junho/1998, p.21 a 26.
Como (sobre)vive o cinema?
Profa. Dra. Anita Simis1
Desde 1934, quando surgiu o primeiro órgão estatal preocupado com as questões cinematográficas, todos os seus sucessores
intervieram no mercado, mas nem sempre formularam uma política cultural como parte das políticas públicas. Raras vezes se
atentou para o fato de que a implementação desta política depende de diretrizes claras, eleitas democraticamente, e da
integração entre os mais variados órgãos no âmbito federal, estadual e municipal.
Em 1989, durante a campanha eleitoral, Fernando Collor, propondo o fim do clientelismo, afirmava que o Estado que
empresa espetáculos, patrocina artistas ou promove iniciativas, na verdade, favorece uma "cultura oficial", e por isso,
propunha que a gerência dos teatros, festivais, concertos, exposições, bibliotecas e museus deveriam ficar a cargo dos
artistas, empreendedores culturais e educadores, nunca dos burocratas. Como veremos a seguir, ele desconsiderava o papel
do Estado no estabelecimento de normas igualitárias de competitividade, impondo um mercado onde a livre concorrência
entre leões e macacos ocorre em um deserto sem árvores.
Logo que assumiu, o governo Collor extinguiu ou dissolveu diversos órgãos, como o Ministério da Cultura (1985), que
significava apenas 0,5% do orçamento da União; a Fundação do Cinema Brasileiro (1987), que além de realizar festivais e
conceder prêmios, desenvolvia a pesquisa, a conservação de filmes e a formação profissional; o Concine (1976), que exercia
a função de normatizar, controlar e fiscalizar as atividades cinematográficas e de vídeo; a Embrafilme (1969), responsável por
diversas atividades entre as quais o financiamento, a distribuição e a exibição dos filmes nacionais; aboliu os incentivos
1
Anita Simis é professora do Departamento de Sociologia da Faculdade de Ciências e Letras da UNESP/Araraquara e publicou
recentemente o livro Estado e Cimema no Brasil, pela editora Annablume.
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fiscais para aplicação na área cultural (Lei Sarney) e criou a Secretaria da Cultura. Na verdade o Estado abandonava sua
posição de árbitro entre as disputas envolvidas, mas sem propor uma política que sinalizasse as vias para o desenvolvimento
cultural.
As conseqüências foram imediatas: os dados estatísticos sobre o mercado cinematográfico deixaram de ser computados;
perdeu-se o controle sobre a remessa de lucros obtida com a comercialização dos filmes importados para as matrizes
estrangeiras, cujo montante aferido, só no primeiro semestre de 1989, somava US$ 23.640.908,31; os acordos de coprodução e de integração do cinema íbero-americano por meio de um mercado comum foram engavetados; no mercado de
videocassetes, o direito autoral foi burlado, pois, sem fiscalização, a pirataria voltou a crescer. O que a gestão do primeiro
secretário da cultura, Ipojuca Pontes, apresentou, restringia-se apenas às medidas que visavam ao controle de autenticidade
das cópias de vídeo, atendendo assim às reivindicações dos interesses estrangeiros ao coibir a pirataria num setor onde
prevalece o produto importado. A Secretaria transformava-se em vigia do direito autoral em troca da receita proveniente da
emissão de etiquetas. Quanto ao setor exibidor, historicamente ligado ao distribuidor de filmes estrangeiros pelo sistema de
lote2, transferia-lhe o controle da renda de suas bilheterias. Até então, o controle era feito com base na revenda dos ingressos
padronizados fornecidos pela Embrafilme. Esta medida, introduzida em 1974, tornava obrigatório o uso de máquinas
registradoras, e embora, tenha representado um avanço no controle dos dados, segundo depoimento do cineasta e expresidente da Embrafilme e do Concine, Roberto Farias, não conseguiu coibir totalmente a fraude, tendo sido apreendidos
cerca de 40.000 ingressos que, ao invés de serem rasgados como determinava a legislação, voltavam à bilheteria e alguns
eram até plastificados. Com a volta ao sistema anterior, a produção cinematográfica ficou sem as mínimas condições para
fiscalizar o sistema de informações gerenciado e operado pelos exibidores e, mesmo que pudesse fiscalizar cada sala cinema,
ela não teria poderes de polícia para coibir qualquer fraude.
Além disso, é preciso ter em conta que a crise econômica dos anos 80 atingiu drasticamente todos os setores produtivos e no
final da década o número de espectadores de cinema foi reduzido pela metade, conforme pode-se verificar na tabela 1.
TABELA 1
Número de
Espectadores
Número de
Espectadores
De acordo com dados fornecidos pelo Concine, até 1978, o número
de espectadores de filmes nacionais vinha crescendo, enquanto que,
1974
201
1982
127 a partir de 1975, o número dos espectadores dos filmes estrangeiros,
1975
275
1983
106 vinha diminuindo, ou seja, os filmes nacionais vinham ganhando
1976
250
1984
89 uma fatia do mercado tradicionalmente ocupado pelo produto
1977
208
1985
91 estrangeiro. De 1979 a 1984, apesar da crise, a produção brasileira
ainda conseguiu manter uma porcentagem do mercado
1978
211
1986
127
cinematográfico (entre 29 e 36%). Deve-se ressaltar ainda que a
1979
191
1987
116 média entre o número de filmes lançados e o número de
1980
164
1988
108 espectadores mostrava que embora o mercado cinematográfico fosse
ocupado predominantemente pela produção estrangeira, até 1985 o
1981
138
público brasileiro preferia o produto nacional. Posteriormente, de
Fonte: Concine
1985 a 1988, a produção brasileira acompanhou a recuperação do
mercado como um todo, cujo topo foi alcançado significativamente em 1986, ano em que o governo decretou o chamado
Plano Cruzado que, com o objetivo de conter a inflação e estabilizar a economia, tinha como um de seus pilares o
congelamento de todos os preços por um ano (ver tabela 2). Mas, de 1988 em diante, a crise econômica transformou o
espetáculo cinematográfico em produto supérfluo e provavelmente, em 1991, o público não tenha ultrapassado os 60
milhões. Até mesmo o setor de vídeo foi atingido pela recessão. Atualmente, mesmo com o crescimento da população, o
Ministério da Cultura, ressentindo-se da falta de dados confiáveis, presumia que no passado o público em salas de cinema foi
de entre 50 a 60 milhões. De qualquer forma, hoje dificilmente a produção cinematográfica pode admitir uma recuperação
do total do público que teve durante a década de 70.
Año
Año
TABELA 2
ANOS
PRODUÇÃO NACIONAL DE FILMES
1983
85
1984
92
1985
1986
87
112
1987
82
1988
90
Quando Ipojuca Pontes foi substituído por Sérgio Paulo Rouanet (8/03/91),
os agentes ligados à produção cultural vislumbraram a possibilidade de
interferir junto aos poderes públicos e procuraram estabelecer medidas que
apoiassem a criação cultural. No entanto, mantiveram algumas das
formulações da gestão anterior. São elas:
1.
A definição de obra audiovisual brasileira para os filmes ou vídeos
que fossem produzidos por empresa brasileira de capital nacional e
aqueles realizados em regime de co-produção com empresas
Fonte: Concine
estrangeiras. Esta medida proporcionou a toda obra realizada em
regime de co-produção usufruir dos mesmos incentivos ou das medidas de proteção, como a
obrigatoriedade de exibição, anteriormente gozados apenas pelos filmes ou vídeos produzidos por empresa
brasileira;
2
Trata-se do sistema em que o exibidor não escolhe os filmes de longa metragem isoladamente, mas um lote deles. Fora do Brasil,
esta prática comercial vinha sendo adotada por Hollywood em países como a Inglaterra desde a Primeira Guerra, e era conhecida
como "block booking".
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2. a proposta que transferia a responsabilidade do Estado de elaborar e fiscalizar os dados referentes à produção,
distribuiçãoexibição de filmes, e também de videocassetes, para a iniciativa privada.
Mas, fruto do consenso entre cineastas, videastas, produtores, diretores de cinematecas, bem como de exibidores, as
sugestões, encaminhadas ao Congresso por meio de um projeto de lei, também propunham novas formas de apoio e
incentivo à indústria do audiovisual e à conservação de filmes nacionais. No entanto, a Lei 8.401/92, composta por 32
artigos, foi sancionada com 11 vetos, significativamente aqueles que direta ou indiretamente mais possibilitavam o fomento
da produção como podemos conferir a seguir. Entre as medidas de apoio e incentivo temos:
1. a introdução de incentivos à co-produção seja por meio dos mecanismos da conversão da dívida externa, seja por meio dos
recursos oriundos do imposto devido sobre a remessa dos lucros obtidos com a comercialização dos filmes estrangeiros.
Estabelecido originalmente pela Lei 4.131, em 1962, esse imposto devido sobre a remessa dos lucros transformou-se,
posteriormente, em uma das fontes de recursos da Embrafilme, mas originalmente pretendia incentivar o investimento direto
na produção cinematográfica brasileira. Portanto, com essa medida voltava-se às intenções originais (os artigos que se
referem a essas medidas foram vetados);
2. a instituição da Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Audiovisual Brasileira resultante da aplicação de 5% sobre
cada contrato de produção publicitária audiovisual. Se anteriormente existia havia a contribuição para o desenvolvimento da
indústria nacional paga pelo produto estrangeiro, bem como pelos setores de produção e distribuição nacionais, agora se
incluía o setor publicitário (o artigo referente a essa medida também foi vetado). Em troca, a Lei restringia a liberação da obra
publicitária audiovisual estrangeira a um processo de adaptação que seria normatizado posteriormente
3. a proposta de que as televisões estatais destinem 20% do tempo de sua programação mensal à exibição de filmes nacionais
de qualquer metragem. Previa-se por um prazo de dez anos, a obrigatoriedade de exibição do longa metragem nacional nas
salas de cinema , embora não se tenha fixado o número de dias, o que seria feito futuramente. O percentual obrigatório de
vídeos nacionais que as distribuidoras de videocassetes deveriam dispor também seria fixado posteriormente.
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4. a instituição da obrigatoriedade de copiagem das obras cinematográficas, com exceção daquelas consideradas de importante
interesse artístico, em laboratórios brasileiros, medida que estava comprometida na gestão anterior e que certamente cerraria
as portas dos dois laboratórios existentes.
5. a instituição da redução de impostos sobre importação, produtos industrializados e operações financeiras que incidam sobre
a compra de equipamentos e material de consumo utilizados por produtores, distribuidores, exibidores e laboratórios de
processamento de imagem, bem como a redução da alíquota do imposto sobre operações financeiras sobre a remessa de
lucros decorrente da exploração dos filmes estrangeiros no país. A título de comparação, lembramos que as emissoras de
televisão e as empresas produtoras de vídeo não pagam impostos sobre a importação de seus equipamentos, mesmo quando
importam equipamento específico de cinema. (o artigo referente a essa medida foi vetado);
6. a introdução do abatimento de 5 a 10% do imposto de renda devido aos investimentos realizados na produção de filmes, na
constituição de empresas ou no seu financiamento (o artigo referente a essa medida foi vetado).
7. Finalmente, a Lei ainda previa um programa, o Procine, gerido por uma comissão de 11 membros, quatro dos quais próprio
governo, mas que foi totalmente vetado.
É curioso notar que com o processo de impeachment, o governo de Itamar Franco, ao substituir o de Collor, reintroduziu,
com pequenas modificações em outra Lei, de número 8685/93, mais conhecida como Lei do Audiovisual, muitas das
medidas que haviam sido vetadas por Collor e, certamente, aquela que mais influenciou a retomada da produção
cinematográfica foi a reintrodução do abatimento integral de uma porcentagem do imposto de renda devido aos
investimentos realizados na produção de filmes.
Ao lado dessas medidas, a Lei Rouanet, sancionada pelo presidente Collor em 23 de dezembro de 1991, vinha completar os
mecanismos de apoio à produção do audiovisual e apareceu como uma reedição melhorada da antiga Lei Sarney. No
mesmo ano, mas já no âmbito municipal, por iniciativa do vereador Marcos Mendonça, a Lei 10923 permitiu que o
contribuinte do ISS e do IPTU deduzisse até 5% para subvenção de projetos culturais. Outros municípios, como o Rio de
Janeiro, seguiram o exemplo. No âmbito estadual, no Ceará, a Lei Jereissati (1995) oferecia às empresas a possibilidade de
abater até 2% do ICMS para patrocínio na cultura e, em São Paulo, a Lei 8819/96, estipulou um valor máximo para projetos
culturais. Afora essas medidas, vários Estados tem estimulado a criação de Pólos de Desenvolvimento, inclusive o Ceará, para
atividades ligadas ao cinema e ao vídeo. Conforme podemos conferir pela tabela 3 abaixo, os recursos provenientes da
renúncia fiscal estão sendo ano a ano cada vez mais utilizados e, no caso do cinema, se traduzindo em um aumento do
número
de
longas-metragens
TABELA 3
realizado.
ANOS
1994
1995
1996
1997
No entanto, conforme aponta Marcos
renúncia fiscal em milhões
Manhaes Marims3, o orçamento de
(soma dos recursos das Leis R$90 (*) ou
um filme médio está tendendo a
Rouanet e do Audiovisual)
85
R$100
R$100
R$100 subir: em 1995, a captação por filme
total utilizado pela cultura
foi de aproximadamente 1,2 milhão
(Cinema e outras artes)
5% (*)
25% (*)
90%
? por filme e, em 1996, de 2,7 milhões
por filme. Exemplos de orçamentos
total utilizado apenas pelo
cinema
21%
60%
? em produções de sucesso anteriores,
como Carlota Joaquina ou Terra
número de longas-metragens
5
17
22
? Estrangeira, em 1994, que custaram
menos que R$600 mil cada um, ou
empresas que investiram
___
___
350
? mesmo Quatrilho e O Menino
Maluquinho, em 1995, que custaram
Fonte: Os itens marcados com (*) foram divulgados por Marcos Manhães Marins no
cerca de R$1,6 milhão cada um,
Projeto Cimemabrasil na Internet. O restante tem como fonte o Secretário do Audiovisual
uma
disparidade
SDAv/Ministério da Cultura, Moacir de Oliveira, conforme o Boletim Cultura/Hoje, de 15 de apresentam
Marco 1997.
significativa em relação às produções
de Tieta ou Que é Isso Companheiro,
em 1996, que alcançaram cerca de R$4 milhões cada um. Finalmente, Canudos foi orçado em 6 milhões e já há um projeto
no Ministério da Cultura que está orçado em R$12 milhões.
Ora, é o próprio Marcos Manhaes Marims que refresca nossa memória, lembrando que o filme nacional de maior bilheteria
foi Dona Flor e seus dois Maridos (1976): em 10 anos, somando inclusive sua distribuição internacional, fez cerca de 12
milhões de espectadores, o que totalizaria hoje uma renda de bilheteria média de R$ 24 milhões. Para a produtora
LCBarreto, isso significou um retorno de R$ 6 milhões ou um lucro de R$ 3 milhões, porque o orçamento foi de R$ 3
milhões. Tendo em vista que, como vimos, esse filme fez essa bilheteria nos anos áureos do cinema nacional e que a isenção
estipulada pela Lei do Audiovisual tem um prazo fixo para terminar, o ano de 2.003, se a tendência for a elevação dos
orçamentos ano após ano, nada indica que a produção cinematográfica será auto-sustentável.
Por outro lado, uma pista para entendermos essa elevação dos valores orçamentários pode ser apresentada pela crítica feita
pelo produtor cultural Yacoff Sarkovas4. Segundo Sarkovas, a Lei do Audiovisual, ao contrário da Lei Rouanet, possibilita a
dedução integral do investimento, isto é, a empresa torna-se sócia de um filme sem nada investir.
3
4
Dados divulgados por Marcos Manhaes Marins no Projeto Cimemabrasil na Internet.
“A grande ilusão”, Jornal do Brasil, 26/4/97.
25
Na Lei Rouanet, a empresa patrocina um projeto cultural e resgata parte do custo, reduzindo seu imposto de renda, isto é,
seduzida pela dedução fiscal, complementa a conta, utilizando suas verbas de comunicação. Com isso aprende que ao
associar sua marca a atividades culturais, agrega valor e melhora a credibilidade com o público-alvo. No futuro, acredita
Sarkovas, mesmo que essa Lei seja extinta, as empresas que acumularem boas experiências de patrocínio continuarão a
patrocinar parte da demanda cultural. Na Lei do Audiovisual, os atravessadores se comissionam, vendendo às empresas a
sociedade de um filme, mas para isso usam apenas dinheiro público, não há investimento privado. “Abordadas por um
número de propostas superior aos tetos de dedução fiscal, as empresas passam a realizar leilões: o produtor cinematográfico
que oferecer a maior taxa de recompra do certificado, leva. Traduzido: a empresa compra cotas de um filme com dinheiro
público revendendo-as na mesma hora pela melhor oferta, embolsando a quantia obtida.” Conforme o artigo, entre
comissões e recompras ficam pelo caminho cerca de 40% . Em outra matéria publicada pela imprensa, são os próprios
cineastas que atestam a veracidade dessas informações e ainda afirmam que alguns colegas procuram “ganhar na produção”
para não correrem o risco do filme não se pagar com a bilheteria5.
Do que se pode concluir que o Estado, por meios tortuosos, está financiando sozinho a produção audiovisual e com
enormes desperdícios. Medidas recentes Ministério da Cultura pretendendo limitar os incentivos a 80% do orçamento nas
duas Leis (portaria 63) ou mesmo procurando fiscalizar e controlar a aplicação do dinheiro da renúncia fiscal em projetos
audiovisuais, servirão apenas de paliativos se não forem pensadas formas de tornar a obra audiovisual interessante do ponto
de vista comercial.
Conforme informações fornecidas por Jorge Peregrino, representante do Sindicato dos Distribuidores, no Brasil existe uma
sala de cinema para cada 120 mil espectadores; nos EUA, uma para cada 10 mil e no México
uma para cada 25 mil. É, portanto, um mercado que ainda teria condições de crescer. De fato, embora, como já
assinalamos, o número de espectadores em salas de cinema tenha diminuído muito em relação às décadas anteriores, e isso
seja um fenômeno mundial, está prevista a abertura em nosso país de 110 salas para 1997, 220, em 1998, e 500, em 1999.
Referimo-nos aos investimentos de cerca de 400 milhões de dólares dos cinemas Multiplex formado por dois grupos:
Cinemax e National Amusement, que nos últimos 10 anos propiciou um aumento de público da ordem de 50% na Austrália,
Inglaterra e Alemanha. No entanto, tal sistema não tem interesse pela produção cinematográfica local e seu modelo inclui
uma série de atrativos que seduzem o espectador - capaz de consumir - antes mesmo dele entrar na sala de exibição. Não é
um modelo voltado para a massa que mora na periferia e que, potencialmente, é o público do cinema nacional. Pelo
contrário, onde foi implantado tem concorrido com as salas tradicionais de cinema, esvaziando-as. Mas, talvez, pela primeira
vez, os cineastas possam se aliar aos exibidores nacionais para que possam se reequipar e enfrentar os Multiplex, oferecendo,
em contra partida, espaço e uma porcentagem maior ao produtor nacional pela exibição de seus filmes.
Finalmente, a ausência de um mercado alternativo para a obra audiovisual brasileira, seja por meio da venda para exibição
no vídeo doméstico (locadoras e consumidor direto), seja da venda para a televisão aberta ou fechada, tem dificultado a
valorização obra audiovisual. Mas se no setor de videocassetes, a obra vem sendo objeto de promoções por parte de revistas,
caso da Isto é, ou jornais, como O Estado e a Folha de S. Paulo, é a televisão que se apresenta como a alternativa mais
promissora.
Nos EUA, a tendência dos canais de televisão por assinatura roubarem espectadores e publicidade da televisão convencional
(embora estas ainda permaneçam hegemônicas em relação às redes de cabo) levou alguns estudiosos a considerar que o
grande desafio da televisão moderna será a implodir o concentracionismo vigente, fortalecendo as centenas de segmentos
criados. Argumentam que esse desafio, se concretizao, poderá tornar a televisão um veículo mais pluralista, aberto a um
número maior de correntes políticas ou estéticas, um veículo que responderia ao anseio de liberdade de expressão, abrindo,
inclusive novas oportunidades para a veiculação de obras audiovisuais produzidas por setores independentes. Creio ser esta
uma visão simplista, pois parte do pressuposto de que o desenvolvimento tecnológico, por si próprio, é capaz de tornar a
televisão mais democrática. Na verdade, tal interpretação nos faz lembrar o otimismo com relação ao progresso técnico no
início do século, quando uma série de previsões exageradas considerava que o futuro da humanidade, seu conforto e bemestar social, estava depositado no progresso técnico. Os que partem do pressuposto de que o desenvolvimento tecnológico,
por si próprio, é capaz de tornar a televisão mais democrática, justificam esta idéia pelo fato de que os novos mecanismos de
distribuição de sinais elevariam ao infinito as possibilidades de emissão de programas e certamente abririam muitas
oportunidades de trabalho para os produtores.
5
“Novos cineastas querem mudar o foco”, Folha de S. Paulo, 25/4/97.
26
Todos seriam beneficiários da liberdade de acesso e de expressão que nasceria com a pluralização e sobretudo com a
desregulamentação, pois, a pluralização dos sinais eliminaria qualquer justificativa para a interferência dos governos sobre o
que possa ou não ser transmitido já que a idéia de liberdade não pode ser associada à de dependência - e muito menos do
Estado. Há uma confusão nessa concepção de democracia. Se de fato há uma comunicação que é cada vez mais voltada
para o indivíduo e, portanto, cada vez menos uma comunicação de massa, não é verdade que tal processo aponte
necessariamente em direção a uma sociedade mais democrática. Como equilibrar os diversos interesses e as condições
"aceitáveis" de liberdade de informação? Na verdade, sem uma legislação que viabilize a entrada e o uso da expansão dos
sinais nada indica que haverá uma diversificação dos programas veiculados e um alargamento do mercado para a produção
independente. Talvez o melhor exemplo para nossa argumentação seja o que ocorreu com a entrada da rádio FM. Houve
um aumento do número de estações, mas não necessariamente um aumento da diversidade de programas musicais,
culturais, etc. Além disso, diferentemente do que ocorre nos EUA, nossa legislação não prevê que uma porcentagem das
assinaturas seja repassada para os canais básicos de utilização gratuita, como a televisão universitária, canal comunitário,
canal educativo/cultural, afora os canais do senado, câmara, etc. Aliás, a legislação proíbe a inserção de comerciais, mas
apenas a publicidade do tipo “apoio cultural”, nos canais educativos ou universitários.
Quanto ao incremento da produção independente com a abertura de mercado proporcionada pelos novos sinais, os
exemplos que dispomos até o momento mostram que são raros os canais que se oferecem para investir, co-produzindo, ou
mesmo pagando pela exibição. Outro aspecto que subsidia meu argumento é o fato de que com a associação da nova mídia
às empresas estrangeiras, pouco espaço será reservado à produção local. A TVA, por exemplo, associou-se à Warner Bros e à
HBO (ambas integrantes do conglomerado Time Warner - uma é produtora de filmes, outra é a divisão de programação), à
Sony Pictures (ex-Columbia, cujo acervo conta com 3.000 filmes e seriados) e à OLE Communications, para lançar a HBO
Brasil. A alternativa seria o fortalecimento das relações entre a televisão e o cinema, seguindo modelos como o do canal Plus
na França e Premiere na Alemanha que ainda oferecem ao cinema um respaldo financeiro apreciável. No entanto, no Brasil,
esta alternativa não tem dado resultados perenes. A Globosat / Multishow paga apenas cerca de R$ 3 mil por longametragem brasileiro inédito já concluído e ainda exige 2 anos de exclusividade e a possibilidade de reapresentação do
mesmo por 12 a 15 vezes durante os 2 anos. Mesmo as empresas de canal a cabo, que exibem, mensalmente, centenas de
títulos de filmes por mês, não chegam a encorajar a co-produção cinematográfica. Recentemente, uma dessas empresas ao
procurar uma produtora de filmes chegou a apresentar a seguinte proposta: para exibir dez de seus longa-metragens, a
produtora deveria solicitar R$ 100 mil por meio da Lei do Audiovisual a título de difusão e divulgação, sendo que desse
montante, a produtora ficaria com R$ 75 mil e os R$ 25 mil restantes seriam para pagar a empresa pela promoção e
publicidade do filme no canal a cabo. Ou seja, a empresa, além não arcar com nenhum custo com a programação, ainda
cobraria 25% de publicidade e indiretamente o ônus seria do Estado.
Bibliografia consultada
Boletim Cultura/Hoje, de 15 de Marco 1997.
CONCINE, Relatório de Atividades. Rio de Janeiro, Concine, 1988 e 1989.
MARINS, Marcos Manhaes, Projeto Cimemabrasil na Internet.
MINISTÉRIO da Cultura. Consultoria Jurídica. Consolidação da Legislação Cultural Brasileira Legislação e Normas. Brasília, 1994.
“Novos cineastas querem mudar o foco”, Folha de S. Paulo, 25/4/97.
SARKOVAS, Yacoff. “A grande ilusão”, Jornal do Brasil, 26/4/97.
SIMIS, Anita (coord. da pesquisa), MARTINEZ, José Otávio N.G. Legislação Cinematográfica
Brasileira. Rio de Janeiro, Concine, 1990.
SIMIS, Anita. Estado e Cimema no Brasil, São Paulo, Annablume, 1996.
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