Cocaína Audemir Alves da Rocha Raquel Alves da Silva Vanderlei Bandochi Introdução A cocaína é um alcalóide produzido por espécies vegetais do gênero Erythroxylon, amplamente cultivadas em algumas regiões da América do Sul e em menor extensão no México e Índias Ocidentais.As duas espécie mais importantes são: E. Coca Lam: variedade coca conhecida popularmente por coca boliviana ou coca andina E. Novogranatense (Morris) Hieron: variedade truxillense (Rusby) Plowman conhecida como coca peruana ou coca trujillo. Folhas destinadas a extração clandestina de cocaína, depois de colhidas, passam por várias etapas de tratamento com querosene, ácido sulfúrico e carbonato de sódio, além de outros solventes e KmnO4. Introdução Durante o processo de extração a cocaína é obtida sob a forma básica, na proporção de 70 a 85%, juntamente com outros alcalóides essenciais. Este extrato bruto pode ser purificado com a adição de ácido clorídrico, fornecendo cloridrato de cocaína com grau de pureza igual a 90 a 100%, dependendo da sofisticação do processo de extração. No mercado clandestino a cocaína raramente é vendida como substância pura Os diluentes mais comuns da cocaína são a lactose, procaína, anfetamina, talco. Ácido acetil salicílico, etc. Introdução 1 – TOXICOCINÉTICA 1.1 – ABSORÇÃO A cocaína pode ser aspirada, fumada, injetada ou aplicada diretamente nas mucosas e tecidos do corpo. A inalação e o fumo da pasta de cocaína são as formas de uso difundidas atualmente. A via endovenosa teve seu uso ampliado recentemente e a oral é utilizada, principalmente, pelos nativos da região dos Andes e noroestes do Amazonas. A administração intramuscular, subcutânea e o uso direto por fricção sobre as mucosas são vias de administração esporádicas. A cocaína, por ser muito lipossolúvel, é absorvida rapidamente através de todas as membranas, mucosas e tecidos do corpo. Apesar da vasoconstrição produzida pela cocaína, sua velocidade de absorção supera a de eliminação, o que provoca o acúmulo do fármaco no organismo. 1– TOXICOCINÉTICA 1.1 – ABSORÇÃO. Quando a folha ou pasta de coca são mascadas, em geral com adição de uma adição alcalina, os alcalóides, inclusive a cocaína são liberados na forma básica. Não está totalmente definido se a absorção será no estômago ou no intestino, entretanto, pelo pKa da cocaína (8,6), pode-se supor que a absorção ocorrerá no intestino delgado. A biodisponibilidade da cocaína, após administração oral e nasal, é cerca de 30% da observada após injeção endovenosa. No caso da pasta de cocaína, alguns fatores que determinam esta menor absorção é a destruição pirolítica e/ou votalização, bem como a técnica de fumar. Na administração oral, a absorção incompleta da substância pode ser causada pelo efeito de primeira passagem pelo fígado e pela hidrólise que a substância pode sofrer a nível do trato gastrointestinal. 1.2 – DISTRIBUIÇÃO A cocaína não se liga significativamente às proteínas plasmáticas, sendo que, 2 horas após a administração endovenosa, os teores presentes nos eritrócitos são maiores que os plasmáticos. Existem poucos dados sobre o armazenamento da cocaína no organismo humano, não se conhecendo até hoje um sítio preferencial de acúmulo do fármaco. Apesar disso, tudo indica que a cocaína tem maior afinidade pelos tecidos do que pelo plasma. A cocaína não desenvolve neuroadaptação, provavelmente porque este fármaco não se armazena no cérebro, como demonstram os estudos experimentais feitos em ratos. 1.3 – BIOTRANSFORMAÇÃO Os principais produtos de biotransformação da cocaína, já demonstrados no homem são: a benzoilecgonina, a ecgonina, o éster metilecgonina e a norcocaína. Pelo que se sabe atualmente, a cocaína, no organismo é rápida e extensivamente biotransformada à benzoilecgonina e éster metilecgonina e em pequenas quantidades à ecgonina e norcocaína. Desde 1977 sabe-se que o éster metilecgonina, um dos principais metabólicos da cocaína, é produzido pela pseudocolinesterase do plasma humano, e em menor quantidade também pelo fígado. Outro metabólico, a benzoilecgonina, é provalvelmente formada no organismo pela hidrólise química espontânea da cocaína em pH fisiológico (pH=7,4), uma vez que não foi evidenciado, até hoje, o envolvimento significativo de sistemas enzimáticos nesta conversão. A ecgonina parece ser formada pela conversão química espontânea do éster metilecgonina e a norcocaína, pela N-desmetilação da cocaína no fígado e também na mucosa intestinal (2,6 a 6,2% de cocaína são convertida à norcocaína). 1.3 – BIOTRANSFORMAÇÃO Cit. P-450 Norcocaína (2 a 6% N-OH-Norcocaína (ativa) (hepatotóxica) Cit.P-450 ChE Cocaína Èster metilecgonina (32 a 49%) (2 a 14%) Carboxilesterase Hidrolise NÃO enzimática ou Cocaetileno (3 a 5%) Hidrólise hepática (B-esterase)??? ChE Benzoil Ecgonina (1 a 8%) Ecgonina (29 a 45%) Benzoilecgonina Norcocaetilleno Éster etilecgonina Crack: éster metil anidro ecgonina (metilecgonina). 1.4 – ELIMINAÇÃO A eliminação da cocaína e seus metabólicos é feita através da urina. Cerca 65 a 73% da dose ingerida é eliminada pela urina nas primeiras 48 horas após a ingestão. O principal metabólito urinário é a benzoilecgonina e a porcentagem de cocaína inalterada na urina varia muito de trabalho para trabalho, sendo normalmente de 1 a 9%. Em pH acima do normal (urina alcalina) a hidrólise química da cocaína é maior do que no pH urinário. 1.4 – ELIMINAÇÃO A t ½ da cocaína é de 8 horas, sendo que a hidrólise e a eliminação dos produtos de biotransformação parecem ser mais rápidos e intensos nos dependentes do que nos não dependentes. Outra via de eliminação da cocaína é a saliva. Quantidades significativas aparecem na saliva após ingestão, enquanto que a excreção pelas fezes é pequena, como demonstram estudos feitos em ratos. É interessante observar que, não foram ainda, encontrados produtos resultantes da conjugação dos metabólicos da cocaína com ácido glucurônico, sulfato ou aminoácidos. 2 – TOXICODINÂMICA A cocaína é capaz de produzir não só o efeito local, mas também efeito sistêmico, agindo como anestésico ou estimulante do SNC, conforme a maneira de uso. 2.1 – A AÇÃO ANESTÉSICA da cocaína através de todos os tipos de fibras nervosas provém do bloqueio na formação e transmissão do impulso nervoso. Basicamente, este bloqueio é explicado pela redução na permeabilidade celular dos íons Na e K nas fibras nervosas. Esta redução seria causada pelo aumento de tensão superficial das camadas monomoleculares de lipídios da membrana celular, provocando o fechamento dos poros, através dos quais os íons se locomovem. Um outro fator que parece contribuir para o bloqueio da transmissão do impulso nervoso é a competição entre a cocaína e os íons cálcio durante a formação do potencial de ação, com relação ao receptor que controla a permeabilidade da membrana. 2 – TOXICODINÂMICA 2.2 – NA SUA AÇÃO CENTRAL a cocaína impede o processo de recaptura do mediador químico nos nervos transmissores adrenérgicos dos terminais nervosos. Como só uma pequena parte das catecolaminas liberadas são metabolizadas (a maior parte é recapturada), a cocaína faz com que as catecolaminas persistam nas imediações dos receptores, em concentrações e tempo maiores. Ocasionando uma estimulação das estruturas inervadas pelas fibras adrenérgicas. Esta inibição das captura da noradrenalina causada pela cocaína, tem sido confirmada no sistema nervoso autônomo, mas não foi demonstrada ainda no cérebro. Atualmente os autores concordam que, os efeitos das estimulações central da cocaína é principalmente provocada pela inibição da reabsorção da dopamina, não da NC. A cocaína então, agindo nas sinapses dopaminérgicas do cérebro, leva ao estímulo do centro de gratificação ou de recompensa, que por sua vez está relacionada com a natureza efetiva das sensações. 3 – TOXICIDADE A DL50 não é disponível em seres humanos, mas em animais de laboratório varia de 15 a 25mg/kg. A quantidade mínima para fins recreativos é de 12mg em media (varia de 2 a 20mg). Esta dose é capaz de causar efeitos intensos quando aspirada. Pela via oral doses tão elevadas como 100mg produzem poucos efeitos, enquanto por IV, doses baixas quando 2 a 16mg podem produzir efeitos psicológicos e fisiológicos. Ocorrência de morte por sensibilidade anafilática à cocaína tem sido noticiada com seu uso, mesmo em pequenas doses. 4 – SINAIS E SINTOMAS DA INTOXICAÇÃO 4.1 – INTOXICAÇÃO A CURTO PRAZO A intoxicação aguda pela cocaína desenvolve-se em ritmo acelerado, existindo casos em que a morte sobrevém quase que instantaneamente. Neste tipo de intoxicação ocorre absorção normalmente rápida da cocaína em concentração elevada e tóxica para o coração. A morte ocorre por colapso cardíaco, originada de uma ação tóxica direta sobre o músculo cardíaco. Entre os efeitos em curto prazo, podemos citar o aparecimento de CLARÕES na periferia do campo visual. O fenômeno ocorre provavelmente em razão do efeito da cocaína na retina e nervo óptico. As diversas fases da intoxicação a curto prazo são esquematizadas abaixo, lembrando-se que a cocaína estimula o SNC de cima para baixo. 4.1 – INTOXICAÇÃO A CURTO PRAZO 1º Estágio (estimulação inicial) - Córtex euforia : -, loquacidade, inquietação, aumento das faculdades mentais, atenuação da sensação de fadiga, maior capacidade de trabalho muscular, dor de cabeça. - Bulbo: - respiração rápida e superficial. - Vago: - diminuição do ritmo cardíaco. 4.1 – INTOXICAÇÃO A CURTO PRAZO 2º Estágio (estimulação posterior) - Córtex: alucinações tácteis, apatia, confusão mental. - Bulbo: náuseas, vômitos, respiração irregular. - Sistema vasomotor central: vaso constrição, aumento da pressão sanguínea. Centros motores inferiores: Tremores, movimentos convulsivos, convulsões clônico-tônicas (semelhante a ataque de grande mal). - Sistema nervoso Simpático: - taquicardia, midríase, elevação da temperatura, cianose. O aumento da temperatura é causado pela maior atividade muscular, vasoconstrição e ação direta sobre os centros termorreguladores. 4.1 – INTOXICAÇÃO A CURTO PRAZO 3º Estágio (depressão) - Paralisia muscular , perda de reflexos, inconsciência, colapso respiratório e circulatório, pulso não palpável cianose e morte. No caso de morte, que pode ocorrer em pouquíssimo tempo (2 a 3 minutos) foram verificadas, através de autópsias, a presença de edema e congestão pulmonar e cerebral. Alguns metabólicos da cocaína como a benzoilecgonina e norcocaina, que apresenta hepatotoxidade, podem ser responsáveis por parte dos efeitos tóxicos atribuídos à droga. 4.1 – INTOXICAÇÃO A CURTO PRAZO Alguns fatores que contribuem para uma reação fatal à cocaína são: - Concentração de cocaína no sangue - suscetibilidade individual - presença de outros fármacos - adulterantes adicionados à cocaína - velocidade de absorção. 4.2 – INTOXICAÇÃO A LONGO PRAZO Durante o desenvolvimento de intoxicação causada pelo uso prolongado de cocaína, ocorrem efeitos físicos e subjetivos que variam em intensidade, obedecendo às variações individuais. O uso prolongado de cocaína pode provocar alucinações tácteis, com sensação de alguma coisa rastejando sobre a pele. Esta sensação pode parecer tão real que são produzidas ulcerações na pele, durante as tentativas de retirada dos parasitas imaginários. São descritos casos em que surgem, também alucinações auditivas, gustativas e visuais, como miniaturização de objetos. 4.2 – INTOXICAÇÃO A LONGO PRAZO Embora não muito freqüente, podem aparecer ulceração e destruição das membranas e cartilagens nasais, pela aspiração freqüente da cocaína (devido a vasoconstrição local). A intoxicação a longo prazo pela cocaína pode provocar idéias paranóicas no dependente, existindo a possibilidade de ocorrência de atos de violência contra perseguidores imaginários. Esta violência, associada ao uso de cocaína, é menos freqüente que aquelas causadas pelos anfetamínicos, em razão da brevidade de sua ação (15 a 30’). Comportamentos estereotipados (pouco freqüentes) podem ser evidenciados através de atitudes repetitivas, tais como: Polir continuamente um determinado objeto ou permanecer andando de um lado para o outro, enquanto durar a ação do fármaco. 4.2 – INTOXICAÇÃO A LONGO PRAZO Com o consumo freqüente de altas doses de cocaína, pode ocorrer um desinteresse pela realidade, que varia de um indivíduo para outro. Algumas vezes a experiência psicótica apresenta um comportamento depressivo predominante, acompanhado por um estado melancólico ou incapacidade de sentir qualquer emoção. O estado psicótico pode desaparecer após alguns dias ou continuar por semanas até meses. Freqüentemente usa-se um tranqüilizante ou às vezes a heroína, para combater o nervosismo, depressão e insônia causada pela ação da cocaína. Vários casos de suicídio tem sido relatados, durante esta fase. A ação prolongada da cocaína pode liberar um processo esquizofrênico em dormência, às vezes mesmo em pessoas sem história familiar ou predisposição aparente a esquizofrenia 5 – USO, ABUSO E FARMACODEPENDÊNCIA. Em relação à dependência, a maioria dos autores observa que as folhas de coca mascadas não levam à dependência física ou psíquica. Não constataram também tolerância, mesmo naqueles mascadores antigos de coca. Já a cocaína desenvolve dependência psíquica com acentuada tendência ao uso continuado da droga. Porém, se a substância é ou não capaz de desenvolver tolerância ainda não está satisfatoriamente definido. O mesmo ocorre em relação ao aparecimento da dependência física. Entretanto, deve-se notar que, hoje, os padrões usuais para fármacodependência da cocaína estão totalmente alterados, uma vez que a cada dia têm surgido novas formas de abuso, além de serem utilizadas concentrações cada vez maiores deste fármaco. Assim sendo, atualmente muitos pesquisadores têm admitindo uma possível Tolerância e até dependência física, para os usuários de cocaína por via intravenosa e “freebasing”. 5 – USO, ABUSO E FARMACODEPENDÊNCIA Uma síndrome de abstinência suave e nem sempre notada clinicamente tem sido relatada. As pessoas que deixam de usar a droga queixam-se de depressão, fadiga, agitação, calafrios, isolamento social, compulsão pela droga e distúrbios do apetite e do sono, embora estes sintomas possam estar associados a uma dependência psíquica ou a reações tóxicas. O comportamento predominante nos usuários de cocaína, quando estes não têm acesso a ela, é de procura e compulsão pela droga, indicando o desenvolvimento de um elevado grau de dependência psíquica.