preparando
41
capítulo três
a força de
trabalho em saúde
neste capítulo
41 Entrada da força de trabalho: a composição certa
43
Formação: instituições adequadas para produzir os
trabalhadores certos
57
Repensando o recrutamento: o caminho para a
força de trabalho
60 Conclusão
O capítulo anterior ofereceu uma visão geral
dos enormes desafios que enfrenta a força
de trabalho em saúde. Este capítulo e os dois
capítulos seguintes tratam de muitos desses
desafios, usando a estrutura de estratégias para
formar, sustentar e conservar a força de trabalho. Neste terceiro capítulo fala-se sobre
preparação: acertando desde o início; oferecendo a formação necessária para criar uma
força de trabalho qualificada para a prestação dos cuidados em saúde. Ele foca na entrada
dos trabalhadores de saúde na força de trabalho e nas instituições de formação em saúde –
escolas, universidades e centros de formação – , que dão aos trabalhadores o conhecimento
e as habilidades necessárias para os trabalhos que desempenharão.
ENTRADA DA FORÇA DE TRABALHO:
A COMPOSIÇÃO CERTA
© AFP 2005
A preparação da força de trabalho em saúde para trabalhar pelo
alcance de seus objetivos de saúde representa um dos desafios e
oportunidades mais importantes para os sistemas de saúde. Indo além
da noção tradicional de composição de especialidades, este capítulo
estende o conceito de composição para incluir: quantas pessoas são
formadas (números); o nível em que elas refletem as características
socioculturais e demográficas da população (diversidade) e que
tarefas os trabalhadores de saúde em diferentes níveis são formados
para desempenhar e são capazes de desempenhar
(habilidades). A manutenção de um equilíbrio razoável em
termos de números, diversidade e habilidades da força de
trabalho em saúde requer um entendimento completo das
forças motrizes e dos desafios que dão forma aos sistemas
de saúde e de educação, bem como aos mercados de
trabalho, conforme representado na Figura 3.1. Esse
entendimento, não importa o quão imperfeito, pode ser
usado como guia para a elaboração de políticas e possíveis
ações relacionadas a formação e recrutamento.
42
Relatório Mundial de Saúde 2006
Figura 3.1 Conseguindo a composição certa: desafios à produção da força de trabalho
em saúde
Forças que influenciam
composição da força
de trabalho
Desafios
Ações possíveis
Déficit limitado
- Aumentar o tamanho das turmas
- Encurtar o período de formação
Necessidades de saúde
Demografia
Carga de doenças
Epidemias
Números
Sistemas de saúde
Financiamento
Tecnologia
Preferência do consumidor
Má-distribuição - Selecionar as áreas mal-servidas
- Situar a formação em áreas mal-servidas
Diversidade
Homogeneidade - Estender matrículas para minorias
- Esforços de retenção durante a formação
Contexto
Trabalho e educação
Reformas do setor público
Globalização
Impacto desejado
sobre a força
de trabalho
Números adequados
Déficit difundido - Criar novas instituições
- Aumentar a cooperação regional
Ausentes
- Criar novas instituições, categorias
- Redes regionais, internacionais
Ineficazes
- Avaliação e certificação
- Credenciamento,
licenciatura
Habilidades
Fonte: (1).
Diversidade Intensificada
Habilidades Asseguradas
O “canal” do recrutamento
O processo que leva à entrada dos trabalhadores de saúde na força de trabalho pode
ser visto como aquele no qual as pessoas evoluem por instituições educacionais e se
formam com habilidades específicas ou com títulos que facilitam seu recrutamento por
empregadores para a força de trabalho em saúde (Figura 3.2). Esse “canal” engloba
institutos de educação primária, secundária e terciária e os serviços de saúde que
produzem uma série de trabalhadores, de auxiliares a técnicos e outros profissionais.
Ao longo do canal, os critérios de entrada nas instituições de formação, a saída
durante o período de formação e os mercados para recrutamento determinam as
características e o número de indivíduos que progridem até se tornarem trabalhadores
de saúde. Um foco nas instituições de formação em saúde e nos mercados de
recrutamento rende percepções sobre como controlar as entradas na força de
trabalho em saúde em alinhamento com objetivos de desempenho.
Figura 3.2 Canal para gerar e recrutar a força de trabalho em saúde
Instituições de Formação
Redução em
números
-Profissionais
-Técnicos
Graduação -Auxiliares
-Trabalhadores
comunitários
Licenciamento/certificação
Seleção
Credenciamento
estudantes
potenciais
-Primárias
-Secundárias
-Terciárias
-Profissionais
-Técnicas
Trabalhadores Potenciais
Recrutamento
Migração
Trabalho em outros setores
Força de trabalho em saúde
preparando a força de trabalho em saúde
FORMAÇÃO: INSTITUIÇÕES ADEQUADAS PARA
PRODUZIR OS TRABALHADORES CERTOS
O século XX produziu mudanças avassaladoras no programa das instituições
de formação em saúde. O influente relatório de Flexner, de 1910, introduziu uma
abordagem científica à educação médica que levou ao fechamento de mais da metade
das faculdades de medicina nos Estados Unidos e fortaleceu a confiança do público
de que todos os médicos teriam padrões similares de conhecimentos, habilidades e
competências (2). Menos de uma década mais tarde, a demanda pela formação de
trabalhadores de campo para campanhas de saúde pública foi parte da base lógica
para a construção de faculdades de saúde pública na China, nos Estados Unidos, na
Iugoslávia e em muitos outros países (3). Como parte de um plano abrangente para
o desenvolvimento de serviços de saúde essenciais, as recomendações do relatório
de Bhore levaram a uma revisão das instituições de formação em saúde na Índia(4).
Outras reformas importantes com impacto generalizado enfatizaram novos tipos de
trabalhadores como os “médicos descalços” da China (5, 6) ou novas formas de
capacitação dos trabalhadores de saúde com ênfase na solução de problemas (7).
O século XXI está trazendo novos desafios, e muitos observadores estão expressando
preocupação de que a paisagem institucional não está respondendo aos problemas
atuais, nem preparando para o que vem por aí (ver Quadro 3.1). No mundo todo,
a prevalência crescente de doenças crônicas, focos de doenças imprevistas e a
corrida para cumprir os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODMs) colocam
expectativas e responsabilidades enormes sobre o papel das instituições de formação
em saúde, conforme discutido no Capítulo 2. É necessário um entendimento mais
Quadro 3.1 O futuro da medicina acadêmica está em risco?
“Medicina acadêmica” é freqüentemente definida como
uma tríade formada por pesquisa, prestação de serviços
clínicos e educação médica. Também pode ser definida
como a capacidade de estudar, descobrir, avaliar, ensinar e
melhorar os sistemas de saúde. Mas muitos comentaristas e
relatórios preocupam-se com a crise da medicina acadêmica
em todo o mundo. A ausência de infra-estrutura básica em
países de baixa renda significa que ela está agonizando,
quando não inexistente. Mesmo nos países com alta renda,
os investimentos do governo podem ser desperdiçados se
não forem realizadas mudanças estruturais, como a criação
de trajetórias melhores e mais flexíveis para carreiras. A
medicina acadêmica parece estar falhando na realização de
seu potencial e responsabilidade de liderança, numa hora em
que a carga de doenças e a pobreza estão aumentando.
Em resposta a essas preocupações, em 2003, as
publicações British Medical Journal, o Lancet e quarenta
outros parceiros lançaram a Campanha Internacional para
a Revitalização da Medicina Acadêmica (International
Campaing to Revitalize Academic Medicine, ICRAM), uma
iniciativa global para debater o futuro da medicina acadêmica
com foco em duas questões:
• Redefinir os valores centrais da medicina acadêmica.
Embora muitas instituições declarem que promovem
objetivos de excelência científica, inovação e
prestação de cuidados orientados para o paciente,
não há consenso sobre uma visão global para a
medicina acadêmica. Que impacto tem a introdução
de atividades comerciais e modelos corporativos
na educação médica? A maioria dos estudantes de
medicina e recém-formados em atuação parecem
ter opiniões fortes sobre a importância de valores
como o altruísmo, a colaboração, o aprendizado
compartilhado e o papel das instituições de
medicina acadêmica na liderança ética.
• Desenvolver uma estratégia para reformar a
formação médica e intensificar a diversidade. A
superação de desencorajamentos significativos
para seguir uma carreira em medicina acadêmica,
em todas as regiões e cenários, é um ponto
primordial para a ação. Evidências sugerem que
mesmo que as recompensas intelectuais sejam
tentadoras, a ausência de paridade com colegas
da medicina clínica no que tange a pagamento e
a incerteza de financiamento para pesquisa são
grandes obstáculos. Outros incluem a ausência
de uma trajetória clara para a carreira, a ausência
de oportunidades de capacitações flexíveis e
tutoria insuficiente, o que contribui ainda mais um
ambiente de trabalho desfaforável. Esses fatores
estão ainda mais visíveis nas mulheres. Apesar
do fato de a tutoria estar associada ao avanço da
carreira e à satisfação, à publicação de trabalhos
em periódicos científicos e ao sucesso nos pedidos
de subvenções, isso tudo é quase inexistente na
formação de medicina acadêmica.
Fonte: (8).
43
44
Relatório Mundial de Saúde 2006
Tabela 3.1 Funções dos institutos de educação em saúde para gerar a força de
trabalho em saúde
Governança
Serviços educacionais
Seleção de pessoal
Financiamento
Infra-estrutura e tecnologia
Informação e conhecimento
Controlar a permanência e a qualidade das instituições nos setores de educação e saúde
Orientar o conteúdo e o processo dos currículos para as competências profissionais
Desenvolver corpo docente ou instrutores de boa qualidade, bem apoiados e motivados.
Assegurar níveis adequados, financiamento justo para acesso de estudantes e
coordenação eficiente de recursos
Desenvolver locais de formação e materiais de aprendizado para acomodar diversas
necessidades dos estudantes
Gerar informações para informar políticas e avaliar a produção da força de trabalho em
saúde
claro da paisagem institucional, combinado com um maior apoio para a mudança,
para que as instituições de formação em saúde sejam mais eficazes na resposta a
esses desafios(9). Instituições de formação em saúde incumbem-se de seis funções
primordiais: administração ou governança institucional; prestação de serviços
educacionais; seleção e emprego de funcionários para o quadro; financiamento de
cursos de formação; desenvolvimento e manutenção de infra-estrutura e tecnologia;
e geração de informações e conhecimento. Essas funções estão descritas na Tabela
3.1. Juntas, elas formam o sistema de apoio à geração da força de trabalho em saúde
e são exploradas em maiores detalhes nas seções a seguir.
Governança
As prioridades específicas relacionadas ao número, à variedade e à qualidade de
instituições de formação em saúde são: composição de disciplinas das instituições,
credenciamento para manter padrões, gestão da reserva de matrículas e retenção de
estudantes até a formatura.
Obtendo o equilíbrio entre faculdades e formandos
De forma geral, os estabelecimentos educacionais que formam trabalhadores de
saúde se dedicam à formação de médicos e pessoal de enfermagem: 1 691 e 5 492,
respectivamente, em contraste com 914 faculdades de farmácia, 773 faculdades de
odontologia e 375 faculdades de saúde pública. As regiões da OMS do Mediterrâneo
Oriental e do Sudeste da Ásia têm extraordinariamente menos faculdades de saúde
Tabela 3.2 Instituições de formação de profissionais de saúde,
por região da OMS
66
Enfermagem
e parto
288
34
Saúde
pública
50
Américas
441
947
252
112
272
Sudeste da Ásia
295
1 145
133
12
118
Europa
Mediterrâneo
oriental
Pacífico ocidental
412
1 338
247
81
219
137
225
35
8
46
340
1 549
72
112
202
1 691
5 492
773
375
914
Região da OMS
África
Total
Medicina
Odontologia
Farmácia
57
Fonte: MERCER, H. ; DAL POZ, M.R. Global health professional training capacity (ensaio de apoio para o
Relatório Mundial de Saúde 2006; http://www.who.int/hrh/documents/en/).
preparando a força de trabalho em saúde
pública (sem contar os departamentos dentro de outras faculdades) do que outras
regiões (Tabela 3.2). Num número grande de países, infelizmente faltam os dados
sobre instituições ou, se disponíveis, não são parte de uma estratégia abrangente
para a força de trabalho (10). Para poder responder aos déficits ou aos excessos
de trabalhadores implementando medidas como alterar o tamanho das turmas ou
abrir ou fechar instituições, primeiro é necessário avaliar a atual capacidade de
formar tipos diferentes de trabalhadores, a relação entre formação pré-serviço
e durante o serviço e as políticas para modificar esta situação. Os custos para a
abertura de novas instituições de formação podem parecer altos a curto prazo,
mas ainda assim precisarão ser comparados com a taxa de retorno de estudantes
formados no exterior.
Quadro 3.2 O movimento pela saúde pública no Sudeste da Ásia: iniciativas
regionais e novas faculdades
Os países do Sudeste da Ásia têm menos de 5% das faculdades
de saúde pública do mundo, mas quase um terço da população
mundial. Assim, o aumento da formação em saúde pública
para profissionais de saúde é uma necessidade urgente desses
países. Partes interessadas nacionais, regionais e internacionais
estão alinhando recursos e vontade política para fazer isso
acontecer, com abordagens inovadoras para a criação de
faculdades de saúde pública.
A Iniciativa de Saúde Pública do Sudeste da Ásia foi lançada
em 2004 com o objetivo de fortalecer o planejamento de saúde
pública com cinco objetivos:
• posicionar a saúde pública nos primeiros lugares das
agendas nacionais e regionais;
• fortalecer a educação em saúde pública;
• aumentar a cooperação técnica no desenvolvimento de
instituições nacionais de formação em saúde pública;
• estabelecer uma rede de instituições de educação em
saúde pública;
• facilitar a definição de um pacote adequado de funções
essenciais de saúde pública nos países.
Em Dhaka, Bangladesh, a Faculdade de Saúde Pública
James P. Grant da Universidade BRAC, objetiva formar
uma categoria de profissionais que trará uma melhoria
aos resultados na área de saúde, envolvendo populações
de áreas em desvantagem no mundo.
• Seus primeiros 25 estudantes são, em sua maioria, de países
de baixa renda – Afeganistão, Bangladesh, Índia, Quênia,
Nepal, Paquistão, Filipinas e Uganda – , mas também dos
Estados Unidos, e formaram-se em janeiro de 2006.
• Os estudantes aprendem com trabalhos de campo
centrados em problemas de saúde pública das
comunidades bengalis.
• A expectativa é que os formandos se tornem importantes
especialistas, gestores, pesquisadores, educadores e
formuladores de políticas públicas, e a faculdade
executará um serviço ativo de colocações.
• Os corpos discente e docente beneficiam-se com uma
colaboração próxima com o Centro de Pesquisas em
Saúde e População de Bangladesh (Bangladesh`s
Centre of Health and Population Research - ICDDR,B).
O quadro de pessoal é formado de bengalis, pessoas
da região e de outros países, o que promove a um
ambiente estimulante, da mesma forma que o fazem
os parceiros acadêmicos de outras partes do mundo.
Na Índia, a recém-criada Fundação de Saúde Pública está
mobilizando recursos para estabelecer cinco faculdades de
saúde pública espalhadas pelo país em Ahmedabad,
Chennai, Hyderabad, Nova Déli e Calcutá. A fundação reflete
uma parceria público-privada baseada nos princípios do
fortalecimento de instituições existentes e possibilita que
várias partes interessadas trabalhem juntas. Essas novas
faculdades irão oferecer:
• programas educacionais multidisciplinares estruturados,
combinando padrões de excelência comparáveis
aos das melhores instituições do mundo e conteúdo
programático relevante para as necessidades da Índia;
• cursos de formação de curta e longa duração para
profissionais de saúde e afins, para pessoas que
desempenham funções relevantes na área de saúde
pública – no governo, nas instituições acadêmicas,
e nas organizações não-governamentais – e pessoas
sem emprego atual que querem seguir carreira na
saúde pública, como, por exemplo, potenciais
analistas de políticas de saúde e gestores de
saúde;
• pesquisas sobre os problemas de saúde priorizados
na Índia, incluindo a geração de conhecimento e
componentes de tradução de conhecimentos.
Fontes: (11, 12).
45
46
Relatório Mundial de Saúde 2006
Estratégia 3.1 Encorajar a formação em todo o espectro
dos cuidados em saúde
O déficit generalizado de categorias funcionais em saúde pública e gestão precisa ser
tratado urgentemente por meio de novas abordagens de liderança e estratégias viáveis.
No Sudeste da Ásia, uma iniciativa de saúde pública está servindo para catalisar uma
maior capacidade institucional regional: em Bangladesh, a inovadora organização nãogovernamental BRAC abriu uma faculdade de saúde pública para fomentar a iniciativa
na melhoria da saúde de grupos populacionais pobres e em desvantagem social. Na
Índia, uma nova parceria entre o Ministério da Saúde e atores primordiais do meio
acadêmico e do setor privado está planejando estabelecer cinco faculdades de saúde
pública para tratar prioridades nacionais em saúde pública (Quadro 3.2).
Acreditação: promovendo a competência e a confiança
A acreditação é um mecanismo essencial não apenas para avaliar o desempenho
institucional, mas, fundamentalmente, para assegurar a confiança do público (Capítulo
6). Conduzida principalmente por ministérios de educação ou delegada
a conselhos, a acreditação requer que as instituições gerem evidências
em apoio aos objetivos de desempenho relacionados à formação. Uma
pesquisa recente envolvendo faculdades de medicina (13) demonstra
que os programas de acreditação estão distribuídos de forma desigual
– eles existem em três quartos dos países do Mediterrâneo Oriental,
quase metade dos países do Sudeste da Ásia e somente em cerca de
um terço dos países africanos. Além disso, é menos provável que as
faculdades de medicina particulares se submetam a tais procedimentos
de credenciamento do que as financiadas com dinheiro público, um fato
preocupante em vista do seu papel crescente na educação da força de
trabalho (Quadro 3.3). Em países relativamente pobres onde os esforços
para aumentar a força de trabalho em saúde usando trabalhadores com preparação
menos formal estão difundidos, é necessário criatividade para expandir rapidamente
a capacidade efetiva dos centros de formação, incluindo habilidades para realizar a
acreditação e os modestos recursos financeiros para sustentá-lo. Esforços também
são necessários para estender a acreditação e o aumento da qualidade para além
das faculdades de medicina ou enfermagem, incluindo outras faculdades, como as
de saúde pública (19).
É necessário
criatividade
para expandir a
capacidade dos
centros de formação
Quadro 3.3 Crescimento rápido da educação particular de profissionais de saúde
As universidades particulares que oferecem formação para
profissionais de saúde estão aumentando rapidamente em
países de renda baixa e média, refletindo um fenômeno
mais amplo de aumento da prestação de serviços
particulares de educação vocacional e técnica.
Dados recentes provenientes do mundo todo são
indicativos dessa tendência:
• Na região do Mediterrâneo Oriental, da OMS, entre
1980 e 2005, as instituições particulares de formação
aumentaram de 10% para quase 60%.
• Na América do Sul, entre 1992 e 2000, a Argentina, o Chile
e o Peru tiveram aumentos de 60% a 70% no número
de faculdades de medicina, o que é principalmente um
reflexo do crescimento do setor privado.
• No estado de Karnataka, na Índia, 15 das 19
faculdades de medicina são particulares.
• Nas Filipinas, em 2004, 307 das 332 faculdades de
enfermagem eram instituições particulares.
• Na Costa do Marfim, 60% de todos os estudantes
técnicos estão matriculados em escolas
particulares.
• Na República Democrática do Congo, entre 2001
e 2003, o número de formandos das faculdades
de medicina e enfermagem dobrou, principalmente
como resultado de um aumento liderado pelo setor
privado na formação dos trabalhadores de saúde.
Fontes: (14 –18).
preparando a força de trabalho em saúde
Gerenciamento de matrículas para aumentar a diversidade
O ingresso na maioria dos programas de formação das profissões da área de saúde
requer educação secundária. Muitos países sofrem com o financiamento inadequado
nesse nível e lutam com as altas taxas de desistência na escola secundária e os
baixos números de matrícula, especialmente entre os grupos mais pobres. Esses
fatores limitam severamente a quantidade de pessoas que podem ingressar em
programas educacionais para carreiras na área de Saúde. Os perfis de estudantes
que ingressam nas profissões da área de Saúde raramente refletem os perfis
nacionais de diversidade social, lingüística e étnica, uma vez que os estudantes são
aceitos desproporcionalmente entre as classes sociais mais altas e grupos étnicos
dominantes da sociedade (20, 21).
Estratégia 3.2 Desenvolver políticas de admissão que
reflitam a diversidade
A crescente diversidade na população de pacientes, combinada a uma crescente
consciência da importância das questões socioculturais e lingüísticas na prestação
de cuidados (22, 23), trouxe uma nova atenção aos desequilíbrios nos processos
de ingresso. Juntamente com as quotas de admissão, outras abordagens para
aumentar a diversidade incluem a extensão para aqueles que podem não considerar
a formação profissional em saúde como uma opção (24); programas especializados
para estudantes com representação inferior nas escolas secundárias (25); e critérios
de seleção expandidos para que ofereçam matrícula para estudantes com atributos
pessoais que os tornam bem-ajustados à prestação de serviços de saúde (26).
Retendo os estudantes até a formatura
Não basta ter a composição certa de pessoas entrando no setor educacional – as
instituições também devem levar esses estudantes até o fim do seu período de instrução
(27). Pouquíssimas informações estão disponíveis de países de renda baixa e média
sobre as taxas de saída dos estudantes ou os fatores que contribuem para essas saídas
nas outras instituições, tipos de programas de formação e perfis sociodemográficos
dos estudantes. As poucas evidências disponíveis apontam para um número tão alto
quanto 20 a 30% do corpo discente que não completa seu curso por causa de um
pobre desempenho acadêmico, impedimentos financeiros e outras circunstâncias
pessoais, incluindo problemas de saúde e habitação inadequada (28, 29). A retenção
de estudantes de enfermagem no Reino Unido e nos Estados Unidos é intensificada por
meio de uma vasta gama de atividades, incluindo aconselhamento acadêmico, tutoria
para não-nativos, creche a um custo acessível, auxílio financeiro, aconselhamento para
a carreira e emprego garantido, uma vez que os estudos tenham sido completados com
sucesso (30-32). Os mecanismos criados para aumentar a retenção de estudantes
até a formatura devem considerar as políticas existentes relacionadas aos critérios de
admissão e aos procedimentos de seleção.
Serviços educacionais
O conhecimento e as habilidades de diferentes tipos de trabalhadores de saúde são
determinados pelo que eles aprendem, de forma que a organização e a administração
do currículo podem ser um catalisador importante para a mudança e a inovação
dos sistemas de saúde. Com a inclusão de um novo curso, um currículo oferece
legitimidade a um assunto ou abordagem que pode gerar mudanças que levem a
novas disciplinas, departamentos, faculdades e tipos de trabalhadores de saúde, com
47
48
Relatório Mundial de Saúde 2006
enorme impacto sobre a prática da prestação de cuidados em saúde. Nos últimos
quarenta anos, por exemplo, a epidemiologia clínica saiu das margens da medicina
para liderar a transformação baseada em evidências de saúde e da prestação de
cuidados em saúde (33).
Estratégia 3.3 Assegurar currículos de qualidade que
correspondam às necessidades
Na preparação da força de trabalho, o currículo deve atender aos padrões que
são muitas vezes definidos como competências centrais. Por exemplo, todos os
cardiologistas devem ser capazes de interpretar um eletrocardiograma, enquanto
todos os especialistas em saúde pública têm de entender um odds ratio. Além
de garantir esse núcleo de competências, o currículo também deve ajustar-se às
constantes mudanças do conhecimento na área de saúde e às necessidades e
demandas que surgem dos sistemas de saúde, incluindo-se aí as expectativas dos
consumidores. Por exemplo, o crescente reconhecimento das poderosas forças
sociais que determinam a saúde e o acesso aos serviços deu origem a
novos cursos sobre temas como a condição social, globalização, ética na
saúde pública e competência cultural (34 a 41).
O alinhamento entre o que está sendo ensinado e o que é adequado –
dadas as necessidades de clientelas ou populações específicas – demanda
atenção cuidadosa. Um currículo padrão para pessoal de enfermagem
que reflete as realidades da prestação de cuidados em saúde em um
cenário de cuidados terciários pode não desenvolver as competências
necessárias para responder às necessidades de populações indígenas
em áreas remotas. Da mesma forma, as competências centrais para
um Mestrado em Saúde Pública (MSP) na Europa podem diferir do que
é necessário para um MSP na África. Um estudo recente descobriu que
menos da metade de todas as instituições de formação em vários países
africanos ensinava imunização adequadamente (42), a despeito do declínio das taxas
nacionais de cobertura vacinal. Muitas recomendações para alterações nos currículos
que surgiram de painéis e comissões de consenso são insuficientemente sensíveis ao
desafio da implementação. Os novos cursos não conseguem encontrar um caminho de
entrada para o programa se as habilidades da faculdade, os materiais de aprendizado
importantes ou os apoios institucionais não estiverem disponíveis.
As decisões quanto aos currículos requerem mais do que simples mudanças no
papel, já que suas implicações podem desafiar limites profissionais, hierarquias,
responsabilidades e serviços remunerados. Mudanças de conteúdo – que constituem
uma dimensão da orientação de habilidades, números e da diversidade de maneira
mais geral – requerem uma ampla participação, não somente dos membros das
faculdades, mas também de organizações profissionais, órgãos reguladores e grupos
de pacientes (43, 44). O engajamento desses grupos com seus diferentes estilos pode
limitar o escopo e a velocidade das decisões (45), mas é essencial à legitimidade das
mudanças no currículo. A natureza do desenvolvimento curricular é normalmente
adquirir novos conteúdos sem poder descartar os antigos (46). Esse movimento em
mão única levou a currículos desmasiadamente extensos, muitas vezes resultando
na diluição do seu foco em profundidade insuficiente no tratamento dos assuntos
cobertos por eles.
O refrão da força
de trabalho neste
relatório – formar,
sustentar e conservar
estende-se aos
professores
preparando a força de trabalho em saúde
Adquirindo habilidades para aprender
Em reconhecimento ao rápido crescimento e à velocidade de mudança do conhecimento
e às dinâmicas do local de trabalho, existe uma crescente aceitação de que os programas
de formação não podem ensinar tudo o que as pessoas precisam saber. A capacidade de
adquirir novas habilidades e conhecimentos que preparam para o aprendizado contínuo
é em si uma competência central que os currículos devem nutrir. Em resposta a isso,
os processos educacionais têm-se movido para longe do ensino didático e em direção
ao aprendizado centrado no estudante e baseado em problemas, com maior ênfase no
“saber como” do que no “saber tudo” (47). Estudantes e seus professores expressam
satisfação com essa mudança, e os membros da faculdade gostam de ensinar usando
o aprendizado baseado em problemas (48, 49).
A exposição antecipada à prática clínica ou ao serviço de saúde pública promove
a competência ensinando os estudantes como integrar e aplicar conhecimentos
em cenários de prática, aprender com modelos de comportamento e experimentar
abordagens interdisciplinares e em equipe à prestação de serviços de saúde
(50, 51). Avaliações recentes desse método, chamado de aprendizado baseado
na prática ou de ensino a aprendiz, demonstraram um aumento na empatia por
pessoas doentes e aprendizado efetivo a partir do conhecimento tácito de médicos
experientes (52 - 54). Um exemplo da prática focada no paciente em uma faculdade
de farmácia é dado no Quadro 3.4.
Quadro 3.4 O ensino baseado na prática, o aprendizado baseado nos
problemas e a prática com foco no paciente andam juntos
É crucial encorajar os profissionais de saúde a empreender
o aprendizado contínuo e a desenvolver competências
relevantes para o local de trabalho que possam adaptar-se a
vários desafios e populações. Novas tendências em educação
objetivam aumentar a saúde do público pela implementação
dessa idéia nos métodos de treinamento; isso envolve a
integração de três abordagens e rende melhorias mais
vultosas nas habilidades, nas atitudes e nos comportamentos
dos profissionais de saúde do que nos programas que não
empregam essa integração(55).
O ensino baseado na prática objetiva:
• preencher a lacuna entre o meio acadêmico e a prática;
• beneficiar estudantes, faculdades, agências e comunidades;
• envolver e desenvolver o pensamento crítico e habilidades
para a solução de problemas;
• ser interdisciplinar, multidisciplinar e multidimensional;
• desenvolver parceiras de aprendizado entre acadêmicos,
médicos e estudantes para educar professores, médicos
e pesquisadores;
• incorporar a educação experimental, incluindo a
reflexão crítica, a observação e o aprendizado na
prática (56).
O aprendizado baseado em problemas complementa o
aprendizado baseado na prática por meio:
• da identificação do problema;
• da exploração do conhecimento preexistente;
• da geração de hipóteses e mecanismos possíveis;
• da identificação de questões e objetivos de aprendizado;
• do auto-estudo e do aprendizado em grupo;
• da reavaliação e da aplicação de novos conhecimentos
ao problema;
• da avaliação e da reflexão sobre o aprendizado (57).
A prática focada no paciente:
• integra o ensino e o aprendizado à prática clínica;
• compartilha experiências de doenças, moléstias e
recuperação com os pacientes;
• entende as necessidades variáveis de prestação de
cuidados;
• observa e participa das formas nas quais os vários
prestadores de serviços trabalham juntos para atender
às necessidades dos pacientes.
Formando estudantes de farmácia: o Programa de Parceiros
em Clínica da Faculdade de Farmácia da Universidade
Estadual de Ohio proporciona um ambiente de aprendizado
ativo, oferece um modelo focado no paciente baseado nos
princípios de cuidados farmacêuticos e é uma arena para a
pesquisa aplicada em prática de farmácia. A integração com a
prática clínica é empreendida logo no início e mantida, sendo
os estudantes ligados a pacientes específicos – chamados
“pacientes longitudinais” – a quem eles acompanham por
todos os estágios da prestação de cuidados. O programa
oferece vários serviços e desenvolvimento de competências,
incluindo controle da anticoagulação, autocontrole do
diabetes, controle de colesterol, educação para hepatite C,
consultas para a prescrição de produtos feitos com ervas e
suplementos dietéticos, controle de medicação, abandono do
tabagismo e bem-estar (58).
49
50
Relatório Mundial de Saúde 2006
Uma força de trabalho de professores
O refrão da força de trabalho neste relatório – formar, sustentar e conservar – estendese a professores e membros do corpo docente de institutos de educação profissional
em saúde. Uma ausência de oportunidades de formação, insuficiente aconselhamento
e avanços na carreira estão entre as principais descobertas da campanha internacional
descrita no Quadro 3.1. Embora as evidências publicadas sejam preparando a força
de trabalho em saúde escassas, os desafios enfrentados por outros instrutores de
trabalhadores de saúde não diferem dos desafios das faculdades de medicina.
Centros de formação acadêmica têm tipicamente uma missão tripartite: ensinar,
pesquisar e prestar serviços. O ideal é que esses três aspectos recebam atenção e
recursos institucionais iguais, com seu quadro de pessoal encorajado a contribuir para
cada um. A realidade é que os incentivos são muitas vezes mais pesados em favor da
pesquisa e da prestação de serviços, em detrimento do ensino.
Paralelamente a isso, o imperativo de gerar renda para arcar com custos indiretos
por meio da prestação de serviços ou pesquisa torna a educação e o ensino nas
relações pobres (59). No Sudeste da Ásia, a tendência de seguir o dinheiro está
direcionando o ensino para áreas mais lucrativas das especialidades médicas,
diminuindo potencialmente a capacidade da força de trabalho em saúde de responder
às necessidades básicas da saúde pública (60).
É importante entender o que motiva os professores e apoiá-los no sentido de
aumentar sua motivação. Um estudo realizado na Austrália, por exemplo, descobriu
que os supervisores clínicos colocavam a satisfação pessoal como o principal fator
motivador para ensinar, seguido pela oportunidade de atrair estudantes para suas
próprias áreas de especialidade (61). O reconhecimento pessoal por parte da faculdade,
sob a forma de cargos acadêmicos, educação continuada subsidiada e acesso a
informações foi outro incentivo para seguir. Por sua vez, a renúncia a educação se
deve a falta de recompensas, a percepção de que a pesquisa tem muito peso na
hora de conceder ascensão e se valoriza pouco a educação, a falta de atitudes dos
docentes, os programas de serviço clínico e pesquisa, os currículos mal desenhados
e a pesada carga administrativa devido ao grande tamanho das classes.
Apesar desses desincentivos em muitos países têm-se observado um firme
compromisso por parte dos profissionais de saúde em relação à educação e orientação
dos alunos (62). Os acordos de igualdade e as alianças a longo prazo entre centros
médicos acadêmicos de países de alta renda e universidades e estabelecimentos
de saúde de baixa renda, por exemplo, em relação com a atenção HIV/Aids, oferece
Quadro 3.5 Programas de desenvolvimento de faculdades: formando
instrutores em educação profissional de saúde
Um dos objetivos da Fundação para o Avanço da
Educação e Pesquisa Médica Internacional (Fundation
for Advancement of International Medical Education and
Research - FAIMER) é criar uma rede global de educadores
médicos para desenvolver e intercambiar informações e
idéias para melhorar a educação. A Fundação oferece um
programa de dois anos com bolsa parcial criado para
educadores de faculdades de medicina de outros países.
O primeiro ano consiste de duas sessões presenciais
nos EUA, e no intervalo entre as sessões, um projeto
de inovação de currículo na instituição de origem do
participante. O segundo ano, cursado no país de origem do
bolsista, envolve a monitoria do bolsista e participação
ativa num grupo de discussões na Internet. O programa
é feito para ensinar métodos de educação e habilidades
de liderança, assim como para desenvolver ligações
profissionais fortes com outros educadores médicos
em todo o mundo. Os programas educacionais da
Faimer atualmente focam os educadores médicos e
as instituições do Sul da Ásia, da África Subsaariana
e da América do Sul. O objetivo é estabelecer redes
regionais de educadores que possam desenvolver esses
programas localmente. Para maiores informações, visite
o endereço http://www.ecfmg.org/faimer.
preparando a força de trabalho em saúde
51
Quadro 3.6 Da formação em serviço à formação pré-serviço: Controle
Integrado de Doenças Infantis
O Controle Integrado de Doenças Infantis (Integrated
Management of Childhood Ilness - IMCI) foi desenvolvido
em meados dos anos 1990 pela OMS e por outros parceiros
como uma estratégia de prevenção e tratamento para
assegurar a saúde e o bem-estar das crianças abaixo de
5 anos em todo o mundo. A estratégia do IMCI consiste
em melhorar as habilidades de controle de caso dos
trabalhadores de saúde, os sistemas de saúde em geral e
as práticas de saúde familiar e comunitária (71). Ele apóia
a formação de médicos, pessoal de enfermagem e outros
trabalhadores para prestar cuidados integrados (72).
A formação em serviço amplia os conjuntos de
habilidades existentes dos trabalhadores de saúde,
principalmente por meio de um bloco de treinamento clínico
de 11 dias de duração com preleções, métodos ativos de
ensino e apoios práticos, todos de preferência direcionados
para o tipo específico de profissional de saúde e a extensão
da sua formação prévia.
A formação pré-serviço foi acrescentada mais recente
ao IMCI e objetiva apresentar essas mesmas habilidades
centrais para os trabalhadores de saúde bem mais cedo,
sob a forma de um módulo de treinamento central como
parte dos currículos de educação em saúde.
Benefícios da formação pré-serviço sobre a formação
em serviço. Os benefícios de deslocar mais investimentos
dos programas de formação em serviço para
os de pré-serviço são numerosos e baseiamse nas experiências compartilhadas das
instituições de educação em saúde em todas
as seis regiões da OMS: Bolívia, Equador,
Egito, Etiópia, Indonésia, Moldávia, Marrocos,
Nepal, Filipinas, República Unida da Tanzânia,
Uzbequistão, Vietnã e muitos outros países
estão envolvidos nesse exercício (73 a 76). As
principais lições aprendidas incluem:
• O financiamento para formação IMCI em
serviço é difícil de obter dos orçamentos
de saúde nacionais ou estaduais, e o
treinamento padrão de 11 dias significa que
o pessoal será desviado dos cuidados com
os pacientes por um tempo substancial,
especialmente para estabelecimentos de
saúde com restrições de recursos.
• Em razão do número limitado de instrutores – uma
vez que os instrutores em serviço saem mais caro
e ainda assim muitas vezes existe uma alta taxa de
troca e saída –, a formação pré-serviço pode diminuir
custos e aumentar o retorno do investimento
alavancando os recursos limitados de treinamento
e as audiências de estudantes cativos.
• Mesmo que instituído apenas para os estudantes
de medicina, a formação pré-serviço infundiria
nos futuros médicos princípios centrais do IMCI
que seriam eventualmente integrados em suas
próprias práticas, nas práticas de seus colegas
e nas de outras categorias de trabalhadores
de saúde, uma vez que os médicos são muitas
vezes responsáveis pela formação de pessoal de
enfermagem, paramédicos e outros trabalhadores
de saúde auxiliares.
• O capítulo modelo do IMCI para livros-texto (veja
a continuação da figura), preparado pela OMS e a
UNICEF (77), facilita o processo de introdução do
conteúdo do IMCI nos livros-texto sobre formação
em saúde escritos e editados no nível local.
O Processo Integrado de Controle de Casos
Encaminhamento urgente
PACIENTES AMBULATORIAIS
-Tratamentos pré-encaminhamento
- Aconselhar pais
- Encaminhar criança
CENTRO DE REFERÊNCIA
- Triagem e tratamento emergencial
(TTE)
- Diagnóstico
Tratamento
- Monitoramento e acompanhamento
INSTALAÇÕES DE SAÚDE PARA
PACIENTES AMBULATORIAIS
Verificar se há sinais de perigo
- Convulsões
- Letargia/inconsciência
- Incapacidade de beber/mamar no seio
- Vômitos
Avaliar SINTOMAS PRINCIPAIS
- Tosse/dificuldade para respirar
- Diarréia
- Febre
- Problemas de ouvido
Avaliar nutrição
e VACINAÇÃO
e PROBLEMAS POTENCIAIS
DE ALIMENTAÇÃO
Verificar OUTROS PROBLEMAS
CLASSIFICAR CONDIÇÕES e
IDENTIFICAR AÇÕES DE TRATAMENTO
De acordo com um gráfico de
tratamentos classificados por cores
Tratamento em
instalação de saúde
PACIENTES AMBULATORIAIS
- Tratar infecção local
- Administrar medicamentos via oral
- Aconselhar e ensinar cuidador
- Acompanhar
Tratamento Domiciliar
DOMICÎLIO
Cuidador é aconselhado sobre como:
- Administrar medicamentos via oral
- Tratar infecções localizadas em casa
- Continuar a alimentação
- Quando voltar ao médico imediatamente
- Acompanhar
Fonte: (77).
52
Relatório Mundial de Saúde 2006
a possibilidade de reforçar a preparação do corpo docente e melhorar os planos
de estudo e material didático (63, 66). Assim mesmo, o aparecimento de redes
de instituições de formação em saúde – com vínculos virtuais – promete oferecer
oportunidades adicionais para dividir recursos docentes (67). No Quadro 3.5
descreve-se uma fundação internacional que tem por finalidade concreta respaldar
o desenvolvimento de uma faculdade de medicina. O intercâmbio de experiências
sobre este tipo de arranjo e outros inovadores permitem avaliar os bons e maus
resultados.
Estratégia 3.4 Encorajar e apoiar a excelência no ensino
O papel crítico do corpo docente na preparação da força de trabalho em saúde
justifica a adoção de uma estratégia muito mais abrangente para apoiar a excelência
no ensino. Componentes centrais podem incluir: carreiras mais dignas de crédito no
ensino; possibilidades de promoção profissional para as mulheres do corpo docente,
particularmente em medicina acadêmica; bom material e apoio técnico; remuneração
razoável; retroinformação e avaliação construtivas; acesso ao aconselhamento;
oportunidades de formação para melhorar a qualidade do ensino; prêmios para o ensino
e a inovação no conteúdo do currículo.
Financiamento
Atualmente, não existem diretrizes normativas sobre a quantia que deve ser investida
na geração da força de trabalho em saúde. Embora existam estudos dispersos sobre
os custos da formação de determinados tipos de trabalhadores de saúde (68), na
maioria dos países não existem dados completos sobre as quantias que os países e
as agências de desenvolvimento investem na formação pré-serviço e na formação
em serviço da força de trabalho em saúde. Apesar dessa falta de dados, é evidente
que o nível de financiamento e a forma como ele é distribuído para as instituições de
formação em saúde têm implicações importantes para o tamanho, as habilidades e a
diversidade da força de trabalho em saúde.
Considerando o modelo do canal de meios pelos quais os trabalhadores de saúde
são recrutados (Figura 3.2), o quantitativo de estudantes potenciais para formação em
saúde depende de forma geral do nível de financiamento da educação. Em países mais
pobres, índices muito baixos de matrículas no ensino secundário e terciário refletem
financiamento inadequado em educação (69) e podem limitar o tamanho geral e a
diversidade socioeconômica dos alunos, ou comprometer a preparação desses. Nesse
contexto, o aumento do financiamento da educação primária e secundária é essencial
para aumentar o suprimento de trabalhadores de saúde (70).
Os custos significativos de formação associados ao aumento da força de trabalho
em saúde, identificados no Capítulo 1, sugerem que são necessários grandes
aumentos no financiamento da formação em saúde em países com déficits severos
de trabalhadores de saúde. Níveis mais altos de financiamento são necessários
para aumentar a capacidade de formação (mais instituições ou mais matrículas) e
a qualidade, com uma melhor infra-estrutura e professores altamente motivados.
O redirecionamento de alguns recursos atualmente gastos em formação em serviço
para a formação pré-serviço drenaria parte de uma importante fonte de financiamento
para estabelecimentos sem recursos. Esforços inovadores para integrar a formação
para programas prioritários aos currículos das instituições de formação em saúde estão
demonstrando que isso funciona (Quadro 3.6). Para conseguir grandes aumentos nos
níveis de financiamento e uma melhor coordenação de todos os setores, é necessário
comprometimento político, apoio dos doadores e negociação com os ministérios do
financiamento, da educação e outros (Capítulo 7).
preparando a força de trabalho em saúde
Quadro 3.7 Regionalização da capacitação para profissionais de saúde:
Universidade do Pacífico Sul e Universidade das Índias Ocidentais
16 Countries support and benefit from The University of the West Indies
Por meio do trabalho em conjunto, pequenos Estados-nação
oferecem um acesso melhor à educação e à capacitação,
constroem sua própria capacidade e liderança nacional,
promovem valores adequados para a região e tornam-se
competitivos de forma global. As instituições regionais que
englobam grandes áreas geográficas precisam de programas
bem desenvolvidos de ensino a distância, com cronogramas
flexíveis para acomodar as necessidades dos estudantes.
Tecnologias avançadas de comunicação também são
necessárias para chegar até os estudantes. Dois exemplos
bem-sucedidos de colaboração regional e integração em
educação oferecem um modelo em potencial para a educação
de profissionais de saúde em outras áreas do mundo.
Universidade do Sul do Pacífico (USP). Estabelecida
em 1968, a USP espalha-se por 33 milhões de quilômetros
quadrados de oceano, uma área mais do que três vezes o
tamanho da Europa. A universidade pertence conjuntamente
aos governos de 12 Estados-ilha: as Ilhas Cook, Fiji, Kiribati,
Ilhas Marshall, Nauru, Niue, Samoa, Ilhas Salomão, Tokelau,
Tonga, Tuvalu e Vanuatu. A universidade tem campi em todos
os 12 países membros, e o campus principal, Laucala,
fica situado em Fiji. Embora não exista faculdade de
ciências da saúde, existem faculdades de artes e
direito; administração e economia; ilhas e oceanos; e
ciência e tecnologia.
Universidade das Índias Ocidentais (UWI).
Criada em 1948 como um estabelecimento de ensino
superior ligado à Universidade de Londres, a UWI
é uma instituição de formação regional que ganhou
status universitário em 1962, e atualmente tem 11.000
alunos. A Faculdade de Ciências Médicas, uma das
quatro faculdades existentes oferece uma ampla gama
de programas para não graduados, graduados e pósgraduados. Uma das explicações para o sucesso da
universidade é o fato de os graduados retornarem aos
seus respectivos países e trabalharem no setor Saúde
como prestadores de serviços de saúde, gestores ou
formuladores de políticas públicas. Um primeiroministro e quatro ministros de saúde da região são
formados na Faculdade de Ciências Médicas.
Dezesseis países mantêm e se beneficiam da Universidade das Índias Ocidentais
Ilhas Turks e Caicos
Grand Turk
Nassau
5
10
6
Jamaica 4
7
8
9
3
1
IIlhas Virgens Anguilla São Cristóvão e Névis
Bahamas Britânicas The Valley
St John`s
Antígua
Basseterre
Tortola
Montserrat
Plymouth
2
1 - Campus de Mona
2 - Morant Bay
3 - Port Antonio
4 - Brown`s Town
5 - Montego Bay
6 - Savanna-La-Mar
7 - Mandeville
8 - Denbigh
9 - Vere
10 - Ocho Rios
Roseau
Belize City
Belize
Dominica
Campus de
Georgetown
St Augustine
Ilhas Caymans San Fernando
Trinidad e Tobago
Sangre Grande
St George s
Mayaro Granada
Santa Lúcia
Campus
de Cave Hill
Q.E. Hospital
Barbados
The Morne
Kingstown
StVincent
53
54
Relatório Mundial de Saúde 2006
O alcance da diversidade desejada na força de trabalho está ligado, em parte,
à maneira como se financia a formação. O número de instituições de formação
em saúde no setor privado está aumentando em todo o mundo (Quadro 3.3). O
declínio nos subsídios públicos para instituições de formação em saúde gera
preocupações no sentido de que os estudantes mais pobres possam não considerar
a prestação de cuidados em saúde como ocupação, agrupar-se em programas onde
a formação custa menos, além de aceitar trabalho remunerado durante a formação
(às expensas da aquisição de habilidades e conhecimentos), ou, ainda, descubram
que sua escolha de carreira está limitada pelo endividamento. A oferta de isenção
de taxas, bolsas de estudo e empréstimos está entre os mecanismos usados para
preservar o acesso à formação (78).
Infra-estrutura e tecnologia
A construção, a reforma e a manutenção de prédios, laboratórios especiais e outros
locais de campo, junto com a aquisição de materiais de aprendizado, estão entre as
necessidades de infra-estrutura das instituições de formação em saúde. Insuficiências
em infra-estrutura podem provocar restrições significativas no número de estudantes
que podem ser capacitados eficazmente e limitar a expansão da formação, mesmo em
relação aos serviços básicos (79). Uma pesquisa recente da infra-estrutura de formação
psiquiátrica em 120 países descobriu que cerca de setenta países possuíam instalações
claramente inadequadas (80). Por causa dos gastos envolvidos na construção e na
manutenção de instituições de formação em saúde para países muito pequenos, como
Estados-ilha, as instalações regionais de formação oferecem uma opção mais em conta
para construir capacidades e liderança nacional (Quadro 3.7).
A localização física das instalações de saúde pode influenciar consideravelmente
o perfil da diversidade do pessoal e dos estudantes. As instituições de formação em
saúde são mais freqüentemente localizadas em áreas urbanas, e o reconhecimento
dessa tendência para o urbano levou a esforços crescentes para construí-las em
áreas rurais ou criar links virtuais eficazes usando tecnologia de comunicação da
informação (81, 82).
Estratégia 3.5 Encontrar meios inovadores de acesso a
especialidades e materiais de ensino
O acesso a livros-texto e a outros materiais de ensino de qualidade representa um
desafio importante e pode ser tratado de várias maneiras. O programa Paltex em
países da América Latina e Caribe examina a qualidade e oferece descontos por
volume de compra para um leque variado de livros-texto e ferramentas básicas de
diagnóstico para mais de seiscentas instituições (83). Em lugares isolados e com
poucos recursos estão se utilizando tecnologias da informação e de comunicação para
aderir os conhecimentos docentes e difundir material de formação de maneira mais
eficaz. A Iniciativa Inter-Rede de Acesso a Pesquisa (Hinari), criada pela OMS com
o envolvimento empenhado de grandes editores, permite que institutos acadêmicos,
departamentos do governo e hospitais-escola, particularmente em países de baixa
renda, tenham acesso a uma das maiores coleções de literatura biomédica e de saúde
do mundo. Mais de 3 200 periódicos e outros recursos estão disponíveis agora sem
custo para instituições de saúde em 69 países, e por um custo muito baixo em outros
44 países (84).
preparando a força de trabalho em saúde
Quadro 3.8 Base de evidência para aumentar o desempenho de instituições
de educação em saúde
A Figura (a) mostra que aproximadamente 90% de todos os
artigos de pesquisa sobre tópicos que abordam a formação da
força de trabalho em saúde, catalogados na PubMed entre 1970
e 2004, focavam na mensuração educacional, em métodos de
ensino ou questões curriculares. O nível de pesquisa de outros
tópicos que possam oferecer percepções importantes sobre a
intensificação de habilidades, diversidade e números – como
bolsas de estudos para pesquisa e graduação, matrículas e
desistências – manteve-se à margem. Devem ser conduzidas
mais pesquisas sobre tópicos adequados em países de baixa
renda (85) e incluídas em sínteses de pesquisas.
A variedade de instituições de educação em saúde
representada em pesquisas é muito pequena. A Figura (b)
mostra que de todos os artigos de pesquisa catalogados
na PubMed sobre faculdades de profissionais de saúde
para o mesmo período 55% falavam de faculdades de
medicina, 17% sobre faculdades de farmácia e somente
2% sobre faculdades de saúde pública. Apesar do enorme
déficit da força de trabalho em saúde em todas as classes
diferentes de trabalhadores, a cada ano as pesquisas que
abordam instituições de educação em saúde permanecem
muito inclinadas na direção das faculdades de medicina,
sem aumentos significativos no número de artigos sobre
faculdades de odontologia, enfermagem, veterinária,
saúde pública, farmácia ou outras ocupações na área
de Saúde. Descobertas similares podem ser notadas a
partir da análise de bases de dados regionais da literatura
científica (86).
(a) Artigos de pesquisa sobre tópicos que abordam o treinamento da força
de trabalho de saúde1
5000
Número de artigos
4000
Mensuração educacional
Modelos educacionais
Ensino
Bolsas de pesquisa e de graduação
Currículo
Critérios para matrícula
Acreditação
Abandono
3000
2000
1000
0
1970
1975
1980
1985
Ano
1990
1995
2000
2005
(b) Artigos de pesquisa sobre faculdades de profissionais em saúde1
700
Número de artigos
600
500
Faculdades de medicina
Faculdades de saúde pública
Faculdades de odontologia
Faculdades de farmácia
Faculdades de enfermagem
Outras faculdades de
ocupações de saúde
Faculdades de veterinária
400
300
200
100
0
1970
1975
1980
Conforme catalogação na PubMed, 1970–2004.
1
1985
1990
Ano
1995
2000
2005
55
56
Relatório Mundial de Saúde 2006
Informações para a formulação de políticas
Ao contrário da carência de informações sobre a prestação de serviços educacionais
e de formação, estudantes, programas e formandos são a principal prioridade.
Uma análise das bases de dados da literatura dos últimos trinta anos revela que o
foco dominante da investigação tem sido a avaliação da educação, os métodos de
ensino e o currículo (Quadro 3.8). Poucos dos países com os déficits mais agudos de
trabalhadores de saúde têm em sua rotina a coleta e o relato de dados sobre o número
de formandos, ou mesmo o número de instalações de formação para profissionais
de saúde (87). Um número ainda menor de países subdivide essas informações em
termos do alcance das diferentes instituições, ou por vários atributos socioeconômicos
dos estudantes e dos formandos. Embora sejam importantes para a descrição e a
comparação com padrões normativos, pela perspectiva do planejamento, os números
sozinhos são só um ponto de partida.
Estratégia 3.6 Avaliar o desempenho institucional,
as opções de políticas e as medidas adotadas
Para fundamentar a adoção de políticas e a tomada de decisões relacionadas
à formação de trabalhadores de saúde são necessárias informações sobre o
desempenho atual e o esperado. Por exemplo, uma análise da província canadense
de Nova Escócia indica que a demanda pela prestação de serviços médicos clínicos
irá crescer mais rápido do que a oferta durante os próximos 15 anos se as políticas
atuais de formação permanecerem inalteradas (88). Para avaliar o desempenho
das instituições de formação de saúde, é necessária uma estratégia nacional
para fortalecer a geração e a síntese de dados da força de trabalho. Esses dados
nacionais devem ser combinados com informações do país todo sobre os custos e
a eficácia de diferentes maneiras de formação e contratação de trabalhadores de
saúde, como por exemplo, através de observatórios de recursos humanos para a
saúde (ver Capítulos 6 e 7).
Figura 3.3 Relação entre educação, trabalho e mercado de serviços de saúde
e os recursos humanos
Mercado da educação
Mercado de trabalho
Centros de formação
Organizações de saúde
Capacidade instalada
Programa
Currículo
Preços
Demanda
por educação
Processo de
transformação
Requerentes
Capacidade intelectual
Habilidades
Aptidão
Fonte: (1).
Prática individual
Postos
Salários
Oferta de força
de trabalho
Formados
Estudantes
Mercado de serviços
de saúde
Processo
de vinculação
Demanda por
força de trabalho
Unidades de serviço
Protocolos
Infra-estrutura
Tecnologia
Insumos
Preços
Processo
de produção
Desempregados Vinculados Oportunidades
Recursos
Competências
Experiências
Expectativas
Demanda
por serviços
Recursos
Trabalhadores
Desempenho
Capacidade
Substituições
Usuários
preparando a força de trabalho em saúde
REPENSANDO O RECRUTAMENTO:
O CAMINHO PARA A FORÇA DE TRABALHO
O recrutamento representa a entrada formal na força de trabalho em saúde. É,
portanto, uma função crítica, cujo desempenho deve ser controlado nos níveis do
sistema e de cada empregador. Cinco resultados de desempenho são relevantes para
avaliar o recrutamento: números, competências, histórico (diversidade), localização,
e tempo.
Números, recrutados devem refletir não apenas as necessidades e as demandas
atuais, mas também a extensão do subemprego ou da baixa produtividade
(Capítulo 4) e da saída de trabalhadores (Capítulo 5).
Figura 3.4 Tempo previsto para a recuperação do investimento dos estudantes
em educação, Colômbia, 2000
a) Clínicos não especialistas
Pesos colombianos (milhões)
30
20
10
0
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
Anos
-10
-20
-30
-40
-50
b) Fisioterapeutas
Pesos colombianos (milhões )
15
10
5
0
-5
Anos
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
-10
-15
-20
-25
-30
Gastos com a formação
Dívida acumulada
Renda
Fonte: (89).
57
58
Relatório Mundial de Saúde 2006
Competências, que são as habilidades e a experiência das pessoas contratadas,
devem refletir tanto os produtos do processo educativo quanto as qualidades
não técnicas (ex.: compaixão e motivação), necessárias para uma prestação
eficaz de serviços de saúde.
O Histórico dos trabalhadores de saúde contratados e seu posicionamento no
local certo devem ser compatíveis com os perfis sociocultural e lingüístico da
população a ser servida.
O recrutamento deve ser sensível ao tempo, como em casos de rápida
mobilização de trabalhadores para lidar com respostas a emergências
humanitárias e focos de doenças.
Mercados de trabalho imperfeitos
Em grande medida, os resultados de desempenho do recrutamento refletem o contexto
do mercado de trabalho em geral. Os empregadores, do lado da demanda do mercado,
delineiam os tipos e as condições de emprego, enquanto os trabalhadores, do lado da
oferta, contribuem com suas especialidades e preferências individuais sobre como e
onde trabalhar. O equilíbrio do mercado é alcançado uma vez que a demanda por força
de trabalho se iguala ao fornecimento de trabalhadores. O equilíbrio do mercado pode
coexistir, no entanto, com o excesso de oferta urbana e a escassez rural de trabalhadores
de saúde e também com subgrupos populacionais mal servidos.
Um quadro mais complexo está ilustrado na Figura 3.3: a oferta de força de
trabalho reflete o resultado da demanda por educação, enquanto a demanda de força
de trabalho reflete o resultado da demanda por serviços de saúde mediados pelos
empregadores e por mecanismos de financiamento.
Esta situação mais realística reflete valores, prioridades, impedimentos e
competição entre os diferentes setores, atores institucionais e indivíduos. Os
estudantes em perspectiva muitas vezes consideram o quão rápido conseguem pagar
os débitos educacionais e trabalhar num local desejável. Com base em um estudo
da Colômbia, o tempo mínimo de trabalho para pagar o débito durante a formação
pré-serviço é mostrado na Figura 3.4, para dois trabalhadores de saúde diferentes (1).
Ao mesmo tempo, muitos governos seguem estratégias de recrutamento baseadas
em números, refletindo reformas mais amplas, como a redução geral do setor
público ou ajuste estrutural, em vez das prioridades específicas da saúde (89). A
padronização dos salários e as condições de trabalho no governo, que raramente
suprem as necessidades do trabalhador de saúde, também limitam o setor público na
contratação e conservação de trabalhadores no mercado de trabalho de saúde.
Em países de baixa renda onde há escassez de prestadores de serviços de saúde,
o setor público normalmente compete no recrutamento de trabalhadores com o setor
privado, organizações não governamentais internacionais e outros doadores e entidades
multilaterais que oferecem pacotes atraentes de empregos locais ou internacionais. A
Dra. Elizabeth Madraa, gerente do Programa de Controle da Aids em Uganda, lamenta:
“Nós estamos sempre formando e eles vão para ONGs no exterior, onde ganham
salários melhores; aí temos de formar (mais pessoas) novamente.” (90). As agências
de recrutamento, contratadas por grandes empregadores, alimentam ainda mais esse
êxodo. Essas imperfeições precisam de uma forte liderança e ações que façam avançar
os objetivos de saúde. A magnitude da migração da força de trabalho em saúde e as
práticas irregulares de agências de recrutamento têm resultado, por exemplo, num
número crescente de diretrizes para o recrutamento ético (Capítulo 5).
preparando a força de trabalho em saúde
Estratégia 3.7 Melhorar o desempenho
do recrutamento
Ações em várias frentes podem aumentar o desempenho no recrutamento. Elas estão
relacionadas ao aumento de informações, para ter maior eficiência, ao controle de
incentivos para trabalhadores autônomos e ao aumento da igualdade na cobertura
de serviços de saúde, e estão descritas a seguir.
Informação. As necessidades, as demandas e desempenho de recrutamento
muitas vezes não são bem articulados por meio dos processos de planejamento
existentes ou instrumentos de pesquisa. Além disso, uma capacidade de recrutamento
pobre impede os esforços de aumentar atividades, responder de forma rápida
ou desenvolver novas categorias. Os dados essenciais para o controle
do recrutamento incluem números e tendências das vagas, lacunas
ou excessos na oferta de trabalhadores relativa à demanda regional e
medições de desempenho como o tempo levado para contratar uma pessoa
ou preencher uma vaga. A avaliação da percepção que os trabalhadores
têm dos empregadores (Capítulo 4, instituições ímã) oferece uma base
para os recrutadores responderem mais adequadamente às preocupações
dos empregadores em perspectiva.
Eficiência. As conseqüências da ineficiência institucional são
abundantes: burocracias morosas fazem com que os futuros candidatos
não se apresentem aos postos, desistam antes de começar a trabalhar
ou simplesmente sucumbam ao baixo moral que permeia muitos
serviços de saúde pública; o fracasso em definir ou estabelecer postos
de trabalho para trabalhadores rurais de saúde levou a uma saturação
As ações em
várias frentes
podem aumentar
o desempenho do
recrutamento
Quadro 3.9 As trabalhadoras de saúde do Paquistão: seleção e
desenvolvimento de novas categorias
Criado em 1994 para aumentar o acesso aos cuidados em
saúde em comunidades rurais e favelas urbanas, o Programa
Nacional do Paquistão para o Planejamento Familiar e os
Cuidados Primários de Saúde tem contado intensamente
com o desempenho de suas 80 mil trabalhadoras de saúde,
que prestam serviços de cuidados básicos de saúde a quase
70% da população do país (98). Os severos critérios de
seleção utilizados incluem a exigência de que elas venham da
comunidade à qual irão servir, tenham pelo menos 18 anos
de idade, tenham completado o ensino médio com sucesso
e sejam recomendadas pelos residentes da sua comunidade
como uma boa candidata. As mulheres casadas têm
preferência. Elas recebem 15 meses de formação (três meses
em período integral, 12 meses em meio período), e estudam
os princípios fundamentais da prestação de cuidados básicos
de saúde e higiene, organização comunitária, comunicação
interpessoal, coleta de dados e sistemas de informações de
gestão em saúde. Uma vez instaladas, elas se reportam a uma
supervisora semanalmente.
A formação está alinhada à prática: elas tratam pequenas
indisposições e fazem encaminhamentos em casos mais sérios,
registram as estatísticas vitais da comunidade, conduzem
educação básica em saúde, oferecem contracepção a
casais e servem como ligação entre suas comunidades e
o sistema formal de saúde, ajudando a coordenar serviços
como vacinação e controle de anemia, e oferecem cuidados
pré-natal e pós-natal às mães. Pesquisas recentes mostram
uma clara conexão entre a presença das trabalhadoras
de saúde e o aumento da saúde na comunidade (99100). Avaliações independentes notam que depois que
a categoria das trabalhadoras de saúde foi introduzida,
foram documentados aumentos substanciais nas taxas de
vacinação infantil, monitoramento do crescimento infantil,
uso de contracepção e serviços pré-natais, fornecimento
de tabletes de ferro a mulheres grávidas e diminuição do
número de diarréia infantil (101).
Principais lições:
• É importante desenvolver estratégias para cumprir
os objetivos da força de trabalho em saúde com um
amplo espectro de trabalhadores de saúde.
• Combinar recrutamento adequado, simplificação de
tarefas, formação e supervisão podem levar a novas
categorias eficientes e eficazes.
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Relatório Mundial de Saúde 2006
das áreas urbanas pelos novos contratados (91); e nomeações não transparentes
e politicamente motivadas suplantam os melhores candidatos. Para melhorar a
eficiência no recrutamento, as burocracias devem contratar pessoal de recursos
humanos qualificado, que deve ser apoiado e controlar o recrutamento de acordo
com as melhores práticas. O recrutamento baseado no mérito é um bom exemplo
de melhor prática que está fortemente relacionada à qualidade e à integridade das
instituições do governo. Questões complexas, como o nível adequado de centralização
ou descentralização de procedimentos de recrutamento de como os serviços de saúde
controlados pelo governo, requerem uma análise de custos e benefícios específica
para o contexto e das realidades políticas relacionadas ao controle geral de serviços
de saúde controlados pelo governo nos níveis central, distrital e local (92-94).
Gestão do auto-recrutamento. Em muitos cenários, os trabalhadores de saúde
não são formalmente recrutados por um empregador, mas montam sua própria
prática, ou seja, são autônomos. O licenciamento, a certificação e o registro de
trabalhadores de saúde, bem como de associações profissionais, podem ajudar a
controlar e assegurar a competência da força de trabalho em saúde autônoma. Se
essas capacidades reguladoras estiverem ausentes ou fracas, então a confiança
pública pode se erodir (Capítulo 6). Em Bangladesh, por exemplo, descobriu-se que
o risco de mortalidade neonatal era seis vezes maior quando as mães consultavam
trabalhadores de saúde autônomos, sem qualificações reconhecidas, em vez de
trabalhadores de saúde possuidores de qualificações reconhecidas (95). Em locais
em que o governo reembolsa os trabalhadores de saúde autônomos, ele pode exercer
influência sobre seus números e localização, como um mecanismo importante
para alcançar um melhor equilíbrio entre os tipos de trabalhadores (por exemplo,
generalistas ou especialistas), onde trabalham e para quem prestam serviços.
Recrutamento para áreas de necessidade. O recrutamento representa uma
oportunidade ideal para levar os trabalhadores aonde eles são necessários. Em
todo o mundo, as áreas urbanas afluentes são ímãs para os trabalhadores de
saúde, deixando as favelas urbanas e as áreas rurais remotas relativamente mal
servidas. O serviço compulsório ou acordos de compromisso após a educação
subsidiada pelo setor público são difundidos, mas raramente avaliados (96). Existem
evidências crescentes que sugerem que o recrutamento local apresenta forte
possibilidade de conservação do pessoal por um longo período (97), destacando,
assim, a importância das oportunidades de treinamento para as pessoas em
comunidades rurais ou remotas. A identificação de membros respeitados dessas
comunidades, que são adequados para treinamento e aceitos pela população,
como no Paquistão (Quadro 3.9), atende às necessidades do serviço de saúde,
aos objetivos de treinamento e a seleção com base na diversidade.
CONCLUSÃO
Este capítulo fez uma revisão das questões associadas à geração e ao recrutamento
da força de trabalho em saúde. As questões políticas discutidas aqui – relacionadas
à formação, às competências dos trabalhadores de saúde e ao mercado de trabalho
– levaram naturalmente a perguntas sobre a gestão dos trabalhadores de saúde
existentes, assunto do Capítulo 4.
preparando a força de trabalho em saúde
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