III Encontro Nacional de Estudos da Imagem
03 a 06 de maio de 2011 - Londrina - PR
AS IMAGENS DO
INTERNACIONAIS
MUNDO
NAS
ONDAS
CURTAS
DAS
RÁDIOS
Antonio Argolo Silva Neto: Graduado em Pedagogia e Especialista em Antropologia Cultural
Afro-Brasileira pela UESB, Jequié/BA; Mestrando do Programa de Pós-Graduação em
Desenho, Cultura e Interatividade PpgDCI/UEFS, Feira de Santana/BA. E-mail:
[email protected] Dissertação “Radiodifusão Internacional: os desenhos de mundo na
sintonia internacional das Ondas Curtas”, financiada pela CAPES.
Edson Dias Ferreira: Doutor em Antropologia pela PUC/SP, Professor do Programa de PósGraduação em Desenho, Cultura e Interatividade pela UEFS, Feira de Santana/BA. E-mail:
[email protected] Participante como orientador e co-autor da pesquisa.
Eixo temático: 8 – Semiótica.
Resumo
Neste artigo procura-se investigar e analisar a concepção do imaginário e do desenho de
mundo pela audiência brasileira, a partir da sintonia de rádios internacionais que emitem para
o Brasil na faixa das Ondas Curtas (OC). Nosso intuito é identificar as pautas radiofônicas e
suas imagens mental/visuais, ancoradas nas publicidades audiofônicas, gráficas e
iconográficas. A pesquisa se divide nas categorias metodológicas “desenho mental”
(radiofonia) e “desenho visual” (radiografia). Na radiofonia está sendo utilizada a análise
semiótica e na radiografia o método iconográfico, tendo como técnica a sintonia, gravação e
análise dos programas em português e espanhol; digitalização e análise dos materiais gráficos
e iconográficos procedentes das rádios estrangeiras. Sob esse recorte, nosso universo se
delimita ao espectro da sintonia das OC e aos seus materiais publicitários disponíveis no
acervo do pesquisador. A prévia dessas investigações indica uma publicidade cultural,
sedimentada nas subcategorias “culturas tradicionais”, “informações e entretenimento”,
“religião” e “política”. A partir dessas pautas, as imagens rádiofonográficas se ancoram na
dimensão mental/visual. Por isso tendem auxiliar a percepção do ouvinte entre o que se ouve
nos programas (e imagina) e o que se vê (materializa), através do contato visual com os
materiais iconográficos.
Palavras-chave: Comunicação, Cultura, Imaginário.
Introdução
A vida contemporânea é essencialmente marcada pela trocas de saberes e informações, que se
repercutem na forma de viver em sociedade. Nessa perspectiva, os meios de comunicação de
massa participam ativamente desse processo. Dotados de uma linguagem simbólica e
presentes na maioria dos lares, eles nos transportam no tempo e espaço ampliando as
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percepções culturais e influindo na nossa forma de ser e conceber o mundo. Isso nos faz
refletir sobre as imagens que a mídia disponibiliza sobre o mundo e o quanto elas nos
aproximam ou distanciam dele. É preciso também repensar sobre o papel dos veículos
tradicionais, como o rádio. Em situá-lo no tempo e espaço, saber qual é a sua contribuição
sociocultural e como ele participa na representação mental de sua audiência.
De fato, as experiências no rádio antecederam os preceitos da comunicação de massa,
sendo um pioneiro na transmissão da voz humana e veiculação de informações instantâneas
para uma audiência diversificada. A sintonia das Ondas Curtas1 (OC) teve um papel relevante
nesse processo. Por se tratar de um sistema de transmissão que ultrapassa as barreiras
geopolíticas, a OC foi amplamente utilizada nas emissões das “rádios internacionais”, por
vários países, sobretudo durante as guerras mundiais, visando a doutrinação ideológica.
A partir das implicações desses conflitos surgiu a necessidade de ampliar consciências
para uma cultura de paz e resgate da dignidade humana. O rádio atendia esses requisitos,
interligando pessoas que ainda não dominavam a cultura letrada e habitavam em lugares
inacessíveis. Com isso, as “rádios internacionais” via OC ganharam um novo desenho. Muitos
países passaram a utilizá-las para divulgar informações, cultura, entretenimento e pontos de
vistas para o exterior, em vários idiomas inclusive em português para o Brasil.
A Enciclopédia Mirador (1990), assegura que esses programas servem para difundir
modos de vida e contrapor visões de mundo. Já o Serviço Brasileiro da BBC (1998) ressalta a
importância de suas emissões como interlocutora da população brasileira, que estava
silenciada durante a censura do regime militar. No âmbito mundial: “[...] Margareth Thatcher,
declarou, certa vez, que os programas de rádio para o exterior contribuíram mais para a
transformação liberal do mundo do que os batalhões armados [...]” (RADIO DEUTSCHE
WELLE, 1992, p. 1).
No entanto, o que se percebe nesses serviços radiofônicos internacionais não é apenas a
demanda de informações, mas seu caráter simbólico. Naturalmente, o rádio se utiliza das
representações simbólicas para conceber sua transmissão e recepção. Portanto, sua
programação está sobrecarregada de signos e estímulos mentais, que permite aos ouvintes não
só recriar essas mensagens audiofônicas, mas alimentar o ser imaginário.
Metodologia
Ao se ocupar da linguagem simbólica o rádio se aproxima dos postulados do “desenho” e
“imagem”, na representação daquilo que está ausente. Sob esse prisma, os procedimentos
metodológicos que embasam esta investigação subdividem-se em duas categorias: desenho
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mental “radiofonia” e desenho visual “radiografia”2.
Na “radiofonia” recorremos à semiótica para estabelecer uma conexão entre a
programação do rádio e a análise de sua publicidade. Essa escolha é ancorada nas idéias de
Charles Peirce, apud Joly (1996). Ao se compreender que a radiodifusão é uma linguagem
portadora de signos sonoro/orais, pode-se dizer que ela representa o pensamento humano e
está apta a comunicar visões de mundo, que são amplamente (re)apropriadas pelas ações
mentais da sua audiência.
Na análise “radiográfica” estão sendo estudados os objetos gráfico/iconográficos, que são
oferecidos aos ouvintes pelas rádios internacionais, tais como os souvenires, papéis recortados
e os cartões QSLs3. Esses últimos possuem grande importância, pois são produzidos pelas
emissoras e trazem em seu escopo a publicidade atribuída ao país de onde se está
transmitindo. O QSL consiste num impresso, tipo postal, que atesta a audiência através de um
relatório de sintonia enviado pelo ouvinte à emissora. Na análise desses materiais está sendo
utilizado o método iconográfico de Panofisky, preconizada por Peter Burke (2004).
Os suportes técnicos utilizados nesta pesquisa baseiam-se na sintonia e análise da
programação radiofônica para o Brasil; identificação e análise dos objetos publicitários
vinculados à radiodifusão estrangeira. Sob esse recorte, nosso universo delimita-se ao
espectro das rádios internacionais via OC em suas emissões em português e espanhol; objetos
radiográficos disponíveis no acervo do pesquisador.
A concepção mental no espectro da radiodifusão
Desenho e imagem são linguagens freqüentemente associadas às manifestações artísticas,
gráficas ou até mesmo aos meios onde elas exercem maior visibilidade. No entanto, sua
complexidade como expressão humana não se limita apenas a essas prerrogativas. Mesmo
antes de esboçar os primeiros traços geométricos, o homem tentou pensar o mundo,
compreendê-lo e transformá-lo a partir daquilo que estava ao seu alcance cognitivo e
empírico. Daí, a inserção do desenho no macro contexto da imagem, também concebido como
algo mental anterior à sua projeção numa superfície ou num objeto concreto.
A imagem mental corresponde à impressão que temos, por exemplo, lemos ou
ouvimos a descrição de um lugar, de vê-lo quase como se estivéssemos lá. Uma
representação mental é elaborada de maneira quase alucinatória, e que parecem
tomar emprestadas suas características de visão. Vê-se (MARTINE JOLY, 1996 p.
19)
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Nessa perspectiva, desenhos e imagens são símbolos que representam algo que está
ausente. Mircea Eliade (1996), afirma que até o homem mais realista vive de imagem. Tais
como aquelas que são liberadas por uma música qualquer, que evoca a nostalgia de um tempo
passado, mitificado, resgatando as lembranças da vida: situações que poderiam ser renegadas
ou aproveitadas, até mesmo sensações de cheiro, tristeza, alegria... Ou seja, percepções que
estão latentes no inconsciente e ganham visibilidade através desse estímulo mental.
Ter imaginação é ver o mundo na sua totalidade; pois as imagens têm o poder e a
missão de mostrar tudo o que permanece refratário ao conceito. Isso explica a
desgraça e a ruína do homem a ‘quem falta imaginação’: ele é cortado da realidade
profunda da vida e de sua própria alma (ELIADE 1996, p.16).
As imagens nos acompanham desde a origem humana. Entre os antepassados, elas
serviram de interface nos projetos e perpetuação de saberes às gerações futuras. Certamente a
linguagem oral exerce uma relevância nesse processo, pois ao se utilizar de signos conseguiu
sistematizar e perpetuar concepções simbólicas, nos aproximando das condições próprias do
ser humano.
Segundo Durand (1998), Jung (2008) e Morin (1979), o ser primitivo e o contemporâneo
compartilham de estruturas antropológicas em comum, que são retomadas para conceber o
pensamento simbólico. Porém, se antes esse estímulo se restringia ao repasse cultural face a
face, na atualidade um novo paradigma se impõe. Stuart Hall (2006) e Thompson (1998)
asseguram que os meios tecnológicos participam diretamente desse processo de mediação
simbólica. As culturas passam a assumir nova ancoragem e o estímulo do imaginário muda
em função dos mass media, cada vez mais presentes e propulsores de imagens.
Desde o advento do rádio e sua inserção na sociedade, essas representações ganharam um
novo desenho. Através das ondas do rádio foi possível resgatar as nuances de um tempo
primordial e se transportar mentalmente às várias dimensões humanas e geográficas, para
conceber as imagens do mundo.
Mesmo diante da amplitude tecnológica na atualidade – que tende afetar diretamente a
audiência radiofônica –, o rádio continua exercendo uma importância particular, por ser
dotado de uma linguagem própria à estimulação do imaginário. Sobre isso, Bachelard (1986)
argumenta que além do fator comunicação o rádio possui uma dimensão cósmica, capaz de
alimentar o espírito humano. Envolto nessa aura sonoro/espiritual fluem as condições próprias
na ritualização da audiência para esboçar os primeiros traços do desenho mental:
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Não se trata de escutar este tipo de transmissão numa sala de baile, num salão. [...]
não digamos numa cabana, isso seria belo demais, mas num quarto, à noite, quando
se tem o direito e o dever de colocar em si mesmo a calma, o repouso. O rádio
possui tudo o que é preciso para falar na solidão. Não necessita de rosto
(BACHELARD,1986, p. 180).
De acordo com Argolo (2005), a viabilidade cósmica no rádio ancora uma condição
antropológica, a um antigo desejo do ser humano em tornar-se onipresente em vários espaços
geográficos – certamente para se igualar aos deuses. Tem sua origem entre o homem
primitivo, ao se valer do fogo para emitir uma comunicação, que passa a ser aperfeiçoada na
construção de um tambor, emitindo mensagens e produzindo ritos em códigos.
A reprodução da voz humana no rádio, em 1906 por Reginald Fassend (FLEUR, 1976),
veio concretizar esse sonho. O rádio que antes se valia da transmissão em códigos, agora
assume a interface da oralidade. Permitindo não só a representação humana, mas a
estimulação de imagens entre seus semelhantes. Tanto que a primeira veiculação da voz
radiofonizada ocorreu numa noite de Natal, uma data emblemática. Portadora da mensagem
espiritual anunciando a chegada do Messias e propulsora dos signos míticos.
Bordenave (1995) também nos chama a atenção para a participação sígnica no rádio. Para
esse autor, a audiência radiofônica nunca consistiu num efeito linear de transmissão e
decodificação de mensagens. A ausência de imagens reais, a potencialidade conotativa dos
signos, os recursos orais que são utilizados na linguagem do rádio são predisposições
imaginárias, que servem para ritualizar a audiência.
Resultados preliminares
Por se tratar de um trabalho em andamento no Mestrado em Desenho, Cultura e
Interatividade da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), serão apresentados
apenas os dados preliminares que couberam à análise semiótica e iconográfica. Esse resultado
se deu a partir da sintonia da programação e sua vinculação aos objetos gráfico/iconográficos.
Mediante essa análise, foi possível identificar o mote da radiodifusão internacional
associada à ideologia da emissora e do país onde sua emissão é irradiada. Por conseguinte, as
imagens gráficas se ancoram na dimensão sonora, norteando a percepção do ouvinte entre o
que se ouve (e imagina), o que se vê (materializa) e o que de fato é possível conceber através
do contato sonoro/visual com a publicidade radiofônica.
A análise iconográfica, segundo Burke (2004, p. 45) pressupõe dois níveis de
interpretação: “a descrição pré-iconográfica”, através da identificação de objetos dispostos na
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imagem; por último, a análise do “significado convencional”. Nessa conjuntura, toda imagem
antecede uma série de elementos que não podem ser estudados separadamente. Assim as
imagens do rádio não se restringem apenas ao que se vê, mas a um contexto amplo: aspectos
geográficos, a história dos povos de vários países, produções culturais, ideologia... O retrato
radiográfico das imagens radiofonizadas.
Em síntese, o foco da programação internacional sempre se adéqua à realidade das
regiões para as quais transmitem – mas sem perder de vista a identidade e a divulgação dos
países de emissão. Os programas para o Brasil, às vezes, tem um formato brasileiro e até
flashes de correspondentes locais. Neles pode-se ouvir desde notícias, cursos de idiomas,
estudos religiosos, política, economia, educação, ciência, história, turismo, ecologia, esportes,
músicas variadas, entrevistas, literatura, temas sociais, entretenimento, programas de cartas...
Porquanto, não obstante ao seu caráter informativo, o fluxo ideológico dessas emissões
permite identificar uma programação cultural, sedimentada nas subcategorias “culturas
tradicionais”, “informações e entretenimento”, “religião” e/ou “política”.
Enquadram-se nessa primeira subcategoria, a publicidade artística e expressões que
reportam às tradições culturais e produções humanas. Destacam-se “algumas” das principais
emissoras mais ouvidas no Brasil, levando-se em consideração a natureza de seus programas:
Culturas tradicionais - Rádio Internacional da China - CRI; KBS World Radio (Coréia
do Sul); NHK World - Rádio Japão; Rádio Bulgária, Rádio Taiwan Internacional, etc.
Embora, possuam um noticiário característico e uma programação variada, seu principal foco
é o retorno ao passado, às representações mitológicas, crenças, lendas e canções folclóricas,
que fazem parte do imaginário de seus povos.
Figura 1, 2 e 3 – As retratações mitológicas na Martenitza e nos desenhos recortados
Gravura 1: Martenitza, borla de fios brancos e vermelhos, que representa a chegada da primavera e a fundação
do Estado búlgaro pelo Rei Aspaju. Souvenir enviado pela Rádio Bulgária. Já os “papéis de seda recortados”
representam uma tradição da China milenar, utilizados para decorar festas tradicionais. Gravura 2 e 3: o
cavalo e coelho são animais do zodíaco chinês. Lembranças da Rádio Internacional da China (CRI), cujas
informações são veiculadas nos seus programas. Fontes: Acervo do pesquisador.
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Esses programas tornam-se oportunos não só para a difusão de saberes intocados, mas
para a concepção do desenho do mundo. Ao mover o dial flui um tráfego de imagens de um
mundo exótico, fecundo em mistérios a serem desvendados. Essas características sígnicas do
rádio podem se assemelhar também às percepções produzidas pela linguagem poética citada
por Bachelard (1986), em sua capacidade de bem estar mental: “Enfim, a viagem aos mundos
longínquos da imaginação só conduz bem um psiquismo dinâmico se assumir o aspecto de
uma viagem ao país do infinito. No reino da imaginação, a toda imanência se junta uma
transcendência” (BACHELARD, 1986, pp. 5-6).
Entre o visível e o invisível as cores, sensações, os cheiros, sabores, a contemplação se
transcendem à sintonia internacional. O ouvinte é transportado de dentro do seu próprio lar e
experimenta novas realidades de um novo mundo a ser (re)desenhado, (re)apropriado.
Informação e entretenimento - Rádio Praga; Rádio Damasco (Rep. Árabe da Síria);
Rádio Mediterrâneo (Marrocos); RDP Internacional - Rádio Portugal; Rádio Exterior da
Espanha (REE), entre outras. Programas culturais variados, notícias, documentários,
entretenimento e a musicalidade local urdem a sintonia. Nessa programação a cultura se
desloca do cunho tradicional para se ater especificamente às informações e propostas
culturais, propriamente eruditas e destinadas a entreter sua audiência.
Figura 4, 5 e 6 – A retratação cultural e o entretenimento nas imagens dos QSLs
Gravura 4: QSL da Rádio Praga, destacando a biografia do músico Antonin Divorak; Gravura 5: QSL da Rádio
Romênia Internacional, escultura “sabedoria” obra modernista de Constantin Brancusi; Gravura 6: QSL da
KBS World - Radio Korea (Coréia do Sul), alusivo à estrela de patinação no gelo Kim Yuna. A programação
informativa nas Ondas Curtas também apresenta as repercussões culturais e artísticas da sociedade moderna.
Isso é retratado tanto na programação radiofônica como nas imagens dos cartões QSLs.
Fontes: Acervo do pesquisador.
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Religião - um aspecto crescente na sintonia, pois a OC consegue atingir lugares
longínquos afetados pela censura, guerras e até a hegemonia de religiões que não permitem a
proliferação de outras crenças. Essas emissões representam uma forma viável e necessária
para atingir diferentes públicos, sem ter que enfrentar esses impasses diplomáticos.
Por sua vez, a natureza humana está envolta num espaço arquétipo, sensível, mitológico,
que nutre a crença do invisível e desconhecido (NUNES, 1993; DURAND, 1998). Essa
necessidade espiritual é naturalmente estimulada através da linguagem radiofônica, nos seus
mecanismos simbólicos, que estimulam a manifestação do sagrado.
Figura 7, 8 e 9 – A espiritualidade nas imagens da radiodifusão internacional
Gravura 7: QSL da Rádio Taiwan Internacional retratando a espiritualidade ancestral no cultivo das ervas
medicinais; Gravura 8: Adesivo da Rádio Voz da República Islâmica do Irã alusivo aos motivos sagrados do
Islã; Gravura 9: Cartão QSL da Rádio Internacional da China retrata o “Templo do céu” destinado às
meditações dos monges confuncianos. Além dessas representações, na OC é possível ouvir outras crenças,
permitindo novas compreensões do sagrado. Fontes: Acervo do pesquisador.
Adentrando a essa inferência, na sintonia em português e espanhol podem ser
identificadas posições religiosa/humanistas, que variam a depender da ideologia católica,
protestante, islâmica e ancestral. Entre elas a Rádio Vaticano (RV), Rádio Católica Mundial
(EWTN), Rádio Mundial Adventista (AWR), HCJB Global, Family Radio (WYFR), Rádio
Trans Mundial (RTM), Voz da Rep. Islâmica do Irã (IRIB), Rádio Taiwan Internacional.
Política - sempre foi o principal vetor cultural e ideológico da OC. Os conflitos EUA x
URSS fazem parte do passado. Mas atualmente países como EUA, Cuba, Rússia, Coréia do
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Norte, Irã, Síria etc., fazem uso do rádio para emitir suas visões partidárias. Nessa sintonia se
encontram as estações governamentais emitindo para o mundo em português e espanhol.
No entanto, a radiodifusão internacional se configura numa sintonia dialética. O
ouvinte não fica a mercê de uma opinião polarizada. Ele pode conceber seu próprio desenho
de mundo comparando as versões dos fatos e acessando a informação diretamente da fonte,
sobretudo quando se tratam de nações pouco conhecidas.
Figura 10 e 11 – A publicidade política nos materiais radiográficos das Ondas Curtas
Gravura 10: QSL da Rádio Havana Cuba, as cores azul e vermelho grafam um pássaro livre sob a mira de um
alvo que se propaga em ondas hertzianas – simboliza a história política de Cuba e seu ideal de liberdade que
extrapola as ameaças imperialistas e ganha o mundo a partir das ondas radiofônicas; Gravura 11: boletim da
BBC onde o Presidente Collor aparece em entrevista ao Serviço Brasileiro da BBC na Onda Curta. O noticiário
da BBC sempre foi criticado pelo governo brasileiro durante a Ditadura Militar, com a abertura política no
Brasil a credibilidade da BBC passa a ser reconhecida pelas autoridades. Fontes: acervo do pesquisador.
A política ambiental e humanitária também é audível na OC. Emissoras, sobretudo, da
Europa desenvolvem programas, documentários e até seminários no Brasil e América Latina
para focar a consciência política e o desenvolvimento sociocultural nessas regiões. Tais idéias
também são retratadas nas imagens gráficas dos cartões QSLs.
Considerações
A partir do resultado preliminar desta pesquisa – levantada através da análise radiofônica
e radiográfica – é possível perceber que a sintonia internacional funciona como um
mecanismo de mediação simbólica, seja na divulgação da publicidade cultural de seus
respectivos países ou possibilitando o fluxo mental de sua audiência.
Mesmo sendo um instrumento de comunicação tradicional, pautado nas transmissões de
sons e oralidade, o rádio reúne condições próprias para conceber signos. Ao girar a sintonia
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flui um tráfego de imagens de um mundo exótico, fecundo em mistérios a serem desvendados.
Essas informações nos põem em dia com o cotidiano de outras civilizações e até nos permite
atuar como coadjuvante desse processo histórico. Acessando vários países e suas produções
culturais, o rádio possibilita a (re)construção de desenho de mundo e transporta sua audiência
para esses contextos simbólicos, estimulando o imaginário e confrontando essas experiências
auditivas (imaginárias) com os materiais gráficos (visuais) que são oferecidos aos ouvintes.
Até início dos anos 90 a audiência brasileira contava com grande fluxo de programas
internacionais; hoje apenas poucas emissoras continuam mantendo transmissões para o Brasil.
Diante das novas tecnologias da comunicação, o rádio passa por um processo de
transformação e readaptação, sem, contudo comprometer seu papel simbólico. Com isso, esta
pesquisa reforça sua importância na contemporaneidade como propulsor de signos, que se
representam nas linguagens sonoro/visuais, para estimular a vida mental de sua audiência e a
construção de novos conhecimentos.
Referências
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educação dos ouvintes brasileiros. In: Monografia de conclusão de curso. Jequié/BA: UESB,
2005.
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2ª ed. São Paulo: Difel, 1986.
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DURAND, Gilbert. O imaginário: ensaio acerca das ciências e da filosofia da imagem. Trad.
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FLEUR, Melvin L. de. Teoria da Comunicação de Massa. Rio de Janeiro: Editora
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JUNG, Carl G. o homem e seus símbolos. Trad. Maria Lúcia Pinho. 2ª Ed., Rio de janeiro:
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MORIN, Edgar. O enigma do homem. Trad. Fernando de Castro Ferro. 2ª ed. Rio de Janeiro:
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NUNES, Mônica Rebecca Ferrari. O mito no Rádio: a voz e os signos de renovação periódica.
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THOMPSON, John B. A mídia e a modernidade: uma teoria social da mídia. Trad. Wagner
de Oliveira. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 1998.
Notas:
1 - Embora a OC também seja utilizada no radioamadorismo, neste estudo ela se refere a uma opção
de sintonia – além das faixas de AM/FM – disponível em receptores de modelos antigos, modernos,
digitais. Para utilizá-la, não necessita conhecimento técnico e sua importância reside na possibilidade
de sintonizar estações distantes, de diferentes pontos do planeta, com relativa qualidade de recepção.
2 - “Radiografia” é uma técnica utilizada na medicina para obtenção de imagem através do emprego
das ondas de rádio em raios X. Utilizo esse termo nesta pesquisa como uma metáfora, visando
conceituar os objetos “gráficos” e “iconográficos” que são utilizados ou produzidos pelas “rádios
internacionais” e oferecidos aos ouvintes, com o objetivo de difundir uma publicidade complementar à
comunicação difundida na programação radiofônica.
3 - QSL faz parte do código fonético internacional e possui várias interpretações. Consoante o
código Morse significa “acuso de recebimento” e pode assumir formas interrogativas,
afirmativas ou exclamativas. Já para a radiodifusão internacional, o “acuso de recebimento”
deixa de ser uma sentença verbal e assume a configuração de um cartão impresso pela própria
emissora. A Rádio Taiwan Internacional (2003) prefere definir QSL como Qualifield
Shortwave Listeners, isto é, cartão de qualificação para ouvintes de Ondas Curtas.
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Antonio Argolo Silva Neto