EPÍLOGO
Hoje, após 2000 anos, o cristianismo é a fé, pelo menos
nominalmente, de um terço da população mundial. Iniciada com um
punhado de pescadores, coletores de impostos e jovens arruaceiros numa
obscura província da Judéia, essa fé se espalhou pelo planeta clamando
pela lealdade de cerca de um bilhão de pessoas.
Um dos aspectos mais marcantes do cristianismo de hoje é que
poucos dos que se professam crentes estudam seriamente a história de sua
religião. Antigamente, os adeptos de uma religião raramente se
encontravam com os adeptos de outra. Poucos precisavam defender sua
religião contra a crítica de uma fé rival. Hoje, contudo, quando os meios
de comunicação de massa fazem de todo o mundo nossos vizinhos, a
ignorância dos cristãos é difícil de se justificar.
O movimento de separação entre Estado e igreja acabou por remover
a religião do ensino público. Mas mesmo a “educação cristã” em muitas
denominações tem feito pouco para oferecer a seus membros um
entendimento adulto da fé que eles professam. Será, então, motivo de
surpresa ver um cristão de hoje cometer erros grosseiros sobre sua crença
ou defender alguma prática pagã como conduta “cristã”?
Cristãos informados podem se sentir tentados a perguntar: “Se ao
justo é difícil ser salvo, que será do ímpio e pecador?” (1Pedro 4.18). Mas
eles sabem que a falha humana é apenas metade da história. Eles
percebem o quanto muitas vezes a própria igreja foi seu pior inimigo e
com que freqüência o avivamento vem de um lugar totalmente
inesperado. Inúmeras vezes, a igreja descobriu algum poder desconhecido
desviar uma ameaça a sua existência ou transformar crise em
oportunidade de crescimento. Perseguições ferrenhas serviram para
limpar a casa da fé. A proliferação da heresia fez com que se tornassem
548
HISTÓRIA DO CRISTIANISMO AO ALCANCE DE TODOS
mais claras as crenças básicas da igreja. E a súbita aparição de hordas
bárbaras abriu as portas para uma expansão maior. Essa habilidade de
encarar novos desafios e fazer jorrar a fonte de avivamento é um dos
segredos do crescimento cristão.
Em geral, o caminho para se avançar inclui um olhar determinado
para o passado, para a imagem de Deus revelada na história de Jesus. Os
cristãos sempre consideraram a época de Jesus e dos apóstolos um
modelo para todas as outras épocas. Ela deu à igreja sua fé em Jesus, o
Messias ressuscitado e a esperança do perdão dos pecados por seu
intermédio. E essa época demonstrou, por meio da vida de Paulo, que o
evangelho da graça não conhece limites de nações, raça, sexo e cultura.
O cristianismo católico que aceitou essa verdade espalhou-se
rapidamente pelo mundo mediterrâneo. Confrontou-se com as idéias
estrangeiras do gnosticismo, marcionismo, montanismo e chamaram de
mentira a mentira apelando para os escritos apostólicos e para os bispos
ortodoxos que os guardavam. Ao mesmo tempo, os cristãos se depararam
com o poder de perseguição de Roma e ousaram morrer heroicamente
como mártires, testemunhas para outros crentes que seguiram seus passos.
Essa semente de sangue de mártir, como chamou Tertuliano, deu
frutos abundantes na conversão do império. A era imperial começou em
312, quando Constantino teve uma visão de Cristo. Antes do século IV, o
restrito cristianismo tornou-se a religião oficial do Império Romano em
expansão. Uma igreja nas catacumbas era uma coisa, mas o que o
cristianismo tinha a ver com os palácios?
Sob a tutela do imperador, a igreja aprendeu a servir o poder
formulando a fé para as massas. Daí a era dos grandes concílios. Os
cristãos que não tinham posses para freqüentar palácios rumaram para
regiões incultas em busca de um novo caminho para a graça. Venerandos
eremitas se viram à vanguarda de um movimento, o monasticismo, o
aceno do futuro.
Mas, a maioria dos cristãos viu a mão de Deus no casamento feliz da
igreja cristã e do Estado romano. No Oriente, o casamento continuou
por um milênio. Uma fé mística floresceu sob a proteção dos
imperadores ortodoxos até 1453, quando os turcos muçulmanos levaram
o Império Bizantino à ruína final. A queda de Constantinopla significou
o surgimento de Moscou, a nova capital da ortodoxia oriental.
No Ocidente, a história foi diferente. Depois do século V, quando
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bárbaros germanos e hunos derrubaram as defesas do Império e
invadiram a cidade eterna, os homens voltaram-se para a Cidade de Deus
de Agostinho em busca de explicações. Encontraram uma visão para a
nova era. Esses séculos são chamados de “medievais”. As pessoas que neles
viveram consideravam-nos cristãos.
Suas razões residem no papel do papa, que se postou nas ruínas do
Império destruído no Ocidente e deu início à construção da igreja medieval sobre a extinta glória de Roma. Como única ligação com o passado
romano, a igreja de Roma mobilizou os monges beneditinos e os dispôs
como embaixadores missionários dentre o povo germânico. Levou
séculos, mas os papas, juntamente com os governantes cristãos,
lentamente pacificaram e batizaram um continente e o chamaram de
cristandade, Europa cristã.
As massas batizadas, contudo, significavam pagãos batizados. No
século X, fez-se necessário um avivamento espiritual. Ele começou em um
monastério no centro da França chamado Cluny e se expandiu até atingir
o papado. O maior dos papas reformistas foi Gregório VII. Seus
dedicados sucessores levaram o ofício papal ao zênite do poder terreno.
Como não era mais a base do Império Romano, a igreja do século XII, por
si só, constituía um tipo de império, um reinado terreno e espiritual que
se estendia da Irlanda à Palestina, da Terra ao Céu. Os cruzados e a
filosofia escolástica foram testemunhas dessa soberania papal.
Mas o poder corrompe. A igreja ganhou o mundo, mas perdeu a
alma. De qualquer maneira, isso era o que pregava uma torrente de
reformistas determinados: waldenses, franciscanos e albigenses. Em meio
à luta pelo poder terreno e às evidências de uma religião estéril, muitos
cristãos, nos séculos XIV e XV, voltaram-se para a Bíblia em busca de uma
visão nova e do avivamento.
A Reforma veio com furor. Martinho Lutero tocou a trombeta, mas
muitos outros abraçaram a causa. O período denominado de período
reformador é caracterizado pela movimentação de protestantes: luteranos,
reformados, anglicanos e anabatistas. No meio do século XVI, a Reforma
havia arruinado a unidade tradicional da Europa ocidental e legado o
pluralismo religioso aos tempos modernos.
A igreja de Roma resistiu a esse ataque com a tradição. Ela reuniu
novas tropas, principalmente a Sociedade de Jesus. Enviou novas ondas
missionárias à Ásia, África e América Latina. Travou batalhas na França,
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HISTÓRIA DO CRISTIANISMO AO ALCANCE DE TODOS
Holanda e Alemanha. Mas, no final, a cristandade escorregou para o
passado. Em seu lugar, surgiu o conceito denominacional de igreja, que
permitia às nações modernas tratar as igrejas como sociedades
voluntárias, separadas do Estado. Novas escolas de pensamento
fervilharam no século XVII. Nada era mais poderoso do que a razão.
Perguntava-se: “Quem precisa de Deus?” O homem consegue viver por
si só. Os cristãos manifestaram suas objeções, mas essas idéias se
espalharam até que o secularismo tomasse conta da vida pública das
sociedades ocidentais. Deus permaneceu, mas como uma questão de
escolha pessoal.
Os cristãos não podiam mais apelar para a força do exército para
suprimir tais heresias. Então, muitos deles voltaram-se para a conduta
dos apóstolos, pregação e oração. O resultado foi uma série de
avivamentos evangélicos: principalmente os pietistas, metodistas, e o
Grande Avivamento. Pela pregação e conversões pessoais, os evangélicos
buscaram restaurar Deus na vida pública.
A era do progresso viu cristãos de todo tipo travar uma batalha
corajosa contra o avanço do secularismo. Dos avivamentos evangélicos
surgiram novos esforços para levar o evangelho de Cristo para terras
distantes e inúmeros ministros de serviços sociais na Europa
industrializada e na América do Norte. Dos baluartes de Roma, um
papado defensivo lançou uma carga de mísseis orientados contra os
inimigos modernos da fé católica. Apesar de todos os esforços dos
cristãos, lentamente os cristãos foram retirados da vida pública no
mundo ocidental. Os cristãos foram deixados com um problema que
reconhecemos hoje, em nosso próprio tempo: Como os cristãos podem
exercer influência moral em sociedades pluralistas e totalitárias, nas quais
as colocações cristãs sobre a realidade não mais prevalecem?
A profundidade do problema ficou evidente na era das ideologias,
quando novos deuses surgiram pedindo a lealdade do homem secular. O
nazismo exaltava o Estado; o comunismo louvava o partido; e a
democracia americana reverenciava o indivíduo e seus direitos.
Supostamente iluminadas, as nações modernas travaram duas batalhas
globais numa tentativa de estabelecer a supremacia dessas duas novas
divindades. Quando nenhuma delas prevaleceu, uma guerra fria de
coexistência se estabeleceu nas nações anteriormente cristãs. Nesses
tempos conturbados, as denominações lutaram devido a teologias liberais
EPÍLOGO
551
e ortodoxas, encontraram novos caminhos para recobrar a unidade
perdida, e demonstraram fome de novas experiências apostólicas.
Depois da Segunda Guerra Mundial, surgiram no Terceiro Mundo
lideranças vigorosas de novos cristãos, que ofereciam esperanças de um
novo tempo para a antiga fé. Será que os missionários das nações
neopagãs da Europa e América do Norte conseguiram garantir uma
participação no futuro à África e América Latina ao levar-lhes o
evangelho?
Só o futuro dirá. Mas os cristãos podem ter esperanças porque a fé
sempre vai além das circunstâncias terrenas. Sua confiança reside em uma
pessoa. E nenhuma outra pessoa, segundo os registros históricos,
influenciou mais pessoas sob as mais diversas condições por tanto tempo
do que Jesus Cristo. As cores e sombras de sua imagem parecem mudar
segundo as necessidades dos homens: o Messias judeu dos crentes
remanescentes, a sabedoria dos apologistas gregos, o rei cósmico da igreja
imperial, o logos celestial dos concílios ortodoxos, o governador do
mundo das cortes papais, o modelo monástico da pobreza apostólica, o
salvador dos predicantes evangélicos.
Na verdade, ele é um homem para todos os tempos. Em um tempo
em que era visto por todos como alguém sem importância, uma relíquia
de um passado rapidamente descartado, a história da igreja oferece um
silencioso testemunho de que Jesus Cristo não irá sair de cena. Seu título
pode mudar, mas sua verdade permanecerá por todas as gerações.
O PERÍODO DE JESUS E DOS APÓSTOLOS
6 A.C.–70 D.C.
As raízes do cristianismo remontam à história judaica anterior
ao nascimento de Jesus. Contudo, foi Jesus de Nazaré quem
atacou o judaísmo instituído e gerou um movimento de
renovação da história no século I.
Após sua crucificação, determinada por Pôncio Pilatos, oficial
romano, os ensinamentos de Jesus espalharam-se pela região
do Mediterrâneo.
Um apóstolo chamado Paulo teve grande influência nesse
processo. Deu ênfase à salvação, dádiva de Deus para todos os
homens, e alçou o cristianismo, emergente do judaísmo
palestino, à condição de religião universal.
A.C.
0
Nascimento
de Jesus
25
Morte de
Jesus
50
Morte de
Estêvão
Destruição
de Jerusalém
Nero
75
Morte de
Paulo
O período de Jesus e dos Apóstolos
100
1
ANDANDO COM O REI!
O cristianismo é a única grande religião que tem como fato central a
humilhação de seu Deus.
“Amado cordeiro morto”, cantam os crentes,
“seu precioso Sangue
Jamais perderá seu poder,
Até que toda a igreja do Senhor resgatada
Seja salva do pecado.”
A crucificação era uma morte bárbara, reservada a agitadores, piratas
e escravos. A lei judaica amaldiçoava “todo aquele que fosse pregado
numa cruz”, e Cícero, o estadista romano, advertia: “Que até o próprio
nome da cruz fique distante, não apenas do corpo do cidadão romano,
mas de seus pensamentos, de seus olhos, de seus ouvidos.”
Parte da punição das vítimas consistia no açoite e em carregar a
própria cruz ao local da morte. Quando a cruz era erguida, pregava-se
nela uma tabuleta com o nome do acusado e o crime por ele cometido.
No caso de Jesus, INRI: Iesus Nazarenus Rex Iudaeorum — Jesus de Nazaré,
rei dos judeus.
Pôncio Pilatos, juiz romano de Jesus, aparentemente desejava que
essa inscrição fosse uma provocação malévola contra os judeus, mas, da
mesma maneira que aconteceu com a cruz, os seguidores de Jesus
encontraram um significado especial nessa mensagem.
JESUS E A IGREJA
Jesus era judeu. Descendia de uma família judia, havia estudado a lei
judaica e seguia a religião judaica. Todo estudo sério a respeito de sua
4
HISTÓRIA DO CRISTIANISMO AO ALCANCE DE TODOS
vida deixa isso tão claro que várias pessoas se perguntam se Jesus de fato
teve a intenção de criar esse grupo de seguidores que chamamos de
“igreja”. Albert Schweitzer, missionário famoso que esteve na África,
acreditava que Jesus era obcecado pelo sonho do iminente fim do mundo
e morreu para tornar esse sonho realidade. Rudolf Butmann, importante
teólogo alemão, achava que Jesus era um profeta que desafiava as pessoas
a optarem radicalmente a favor ou contra Deus. Outros cristãos
defendiam a idéia de que o reino de Deus era uma fraternidade de amor e
perdão. Se ele fundou uma sociedade, dizem eles, era uma sociedade
invisível, uma companhia moral ou espiritual, e não uma instituição com
leis e credos.
Essa visão não-institucional do cristianismo é tão difundida que o
melhor que fazemos é considerá-la. Jesus teve algo a ver com a formação
da igreja cristã? E se teve, como moldou seu caráter especial?
Cada leitor do evangelho é livre para julgar por si mesmo, mas uma
leitura imparcial de Mateus, Marcos, Lucas e João revela os planos de
Jesus a respeito de um grupo de seguidores que desse continuidade ao seu
trabalho. Durante dois anos, ele trabalhou com um grupo de discípulos
fiéis, transmitiu-lhes ensinamentos sobre a vida no que chamava de “o
reino de Deus”, e os apresentou as “novas promessas”, que os manteve
juntos no amor e no perdão.
Pode-se supor que àquele grupo simples faltassem as leis, os oficiais e
os crentes da cristandade de hoje, mas era uma sociedade à parte. Jesus
enfatizou com insistência o modo de vida especial que separava “o reino
de Deus” das autoridades rivais entre os homens. Pouco a pouco, os
discípulos foram percebendo que segui-lo significava dizer “não” a outras
vozes que clamavam por sua lealdade. De alguma forma, esse foi o
nascimento do movimento de Jesus. E pelo menos nesse sentido Jesus
“fundou” a igreja.
A PALESTINA NO TEMPO DE JESUS
Na época de Jesus, a Palestina carecia de lealdade. Ela era um
cruzamento de povos e culturas. Seus dois milhões ou mais de habitantes
— dominados por Roma — encontravam-se divididos por regiões,
religiões e posições políticas. “Em uma viagem de um dia, podia-se passar
por povoados rurais, em que os lavradores aravam a terra com
O PERÍODO DE JESUS E DOS APÓSTOLOS
5
ferramentas primitivas, e até em cidades agitadas, onde os homens
apreciavam o conforto da civilização romana. Na cidade santa de
Jerusalém, sacerdotes judeus ofereciam sacrifícios ao Senhor de Israel,
enquanto em Sebaste, cerca de apenas 48 quilômetros dali, sacerdotes
pagãos celebravam cerimônias em nome do deus romano Júpiter.”
Os judeus, que representavam apenas metade da população,
desprezavam seus dominadores e se ressentiram profundamente da
presença de sinais da cultura pagã em sua antiga terra natal. Os romanos
não eram somente mais um povo de uma longa série de conquistadores.
Representavam um modo de vida odiado. Seu reinado trouxe à Palestina
a cultura helênica (grega), que os sírios haviam tentado impor aos judeus
mais de um século atrás. Todos os descendentes de Abraão desprezavam
seus conquistadores; discordavam apenas quanto ao modo de lhes resistir.
Séculos antes, os profetas de Israel haviam falado sobre o dia em que
o Senhor libertaria seu povo do paganismo e estabeleceria seu reino sobre
toda a Terra. Naquele dia, diziam, ele enviaria um soberano ungido —
um messias — para dar um fim ao corrupto mundo atual e substituí-lo
por um paraíso eterno. Ele venceria a morte e julgaria suas ações neste
mundo. Os perversos seriam punidos, mas os retos seriam
recompensados com a vida eterna no reino de Deus.
Segundo o livro de Daniel e outros escritos judeus populares, o reino
de Deus só se estabeleceria após uma batalha final cósmica entre as forças
do mal, comandadas por Satanás, e as forças do bem, lideradas pelo
Senhor. Ela só cessaria com a destruição da ordem do mundo existente e
com a criação de um reino sem limites (Dn 7.13, 22). Essa crença
juntamente com as idéias sobre ressurreição e juízo final faziam parte da
fé judaica popular.
Em decorrência do desgosto de viver sob dominação romana,
surgiram várias facções entre os judeus, cada uma com uma interpretação
diferente da crise. O movimento de Jesus era uma delas.
O grupo dos fariseus enfatizava as tradições e as práticas judaicas que
os separavam da cultura pagã. Seu nome significa “os separados”, e eles se
orgulhavam de observarem rigidamente cada detalhe da lei judaica e de
sua extrema intolerância com as pessoas que consideravam impuras em
relação a essa lei. Sua fé e seu patriotismo os tornaram líderes respeitados
entre seu povo.
Para alguns judeus, no entanto, o domínio romano significava uma
6
HISTÓRIA DO CRISTIANISMO AO ALCANCE DE TODOS
grande vantagem. Dentre eles, estavam membros da aristocracia de
Jerusalém. Desse pequeno, rico e seleto grupo saía o alto sacerdote e os
demais sacerdotes do templo. Muitos deles apreciavam a moda e as
maneiras sofisticadas da cultura greco-romana. Alguns chegaram a adotar
nomes gregos. Seus interesses eram representados por um grupo
politicamente conservador chamado saduceus. Na época de Jesus, esses
homens ainda controlavam o alto conselho judeu, ou sinédrio, mas
tinham pouca influência sobre as pessoas comuns. Um outro grupo, o
dos zelotes, era favorável à resistência armada contra todos os romanos
instalados em sua pátria. Eram motivados pelos gloriosos dias dos
macabeus, dois séculos atrás, quando o fervor religioso e a espada pronta
para a luta derrotaram os suseranos pagãos gregos. Assim, as colinas da
Galiléia sempre abrigaram um grande número de grupos guerrilheiros
prontos para iniciar uma revolta ou destruir um símbolo da autoridade
romana na Palestina.
Finalmente, havia também os essênios, que tinham pouco ou
nenhum interesse pela política ou pela guerra. Em vez disso, retiraram-se
para o deserto. Lá, em isoladas comunidades monásticas, estudavam as
Escrituras e preparavam-se para o reino de Deus.
Jesus teve de pedir a lealdade de seus seguidores sem confundir os
propósitos de sua missão com os objetivos desses outros grupos existentes
entre os judeus. Era uma tarefa difícil.
O MINISTÉRIO DE JESUS
Jesus iniciou seu ministério unindo-se a um novo movimento
existente no deserto judaico e liderado por um profeta chamado João. A
vau do rio Jordão, ao norte do mar Morto, era um dos locais mais
agitados de toda a região, de forma que João Batista tinha a multidão de
que precisava para ouvi-lo. Usando roupa feita de pêlo de camelo e com
olhar flamejante, ele ficava na margem do rio, aconselhando a todos que
por ali passavam a arrepender-se de seus pecados e a preparar-se para o
dia do juízo por meio do batismo no rio Jordão.
Muitos acreditavam que João era o Messias prometido, mas ele o
negava com veemência. Explicava sua missão com as palavras do profeta
Isaías: “Voz do que clama no deserto, preparai o caminho do Senhor,
endireitai as suas veredas” (Mt 3.3). Afirmava ser apenas o precursor do
O PERÍODO DE JESUS E DOS APÓSTOLOS
7
Messias. “Eu na verdade vos batizo com água”, disse ele, “Ele vos batizará
com o Espírito Santo e com fogo” (Lc 3.16).
O apelo de João ao arrependimento e à retidão atraiu Jesus ao Jordão.
Ele encontrou na mensagem de João a verdade de Deus, e, para cumprir
sua palavra, se submeteu ao batismo de João e logo em seguida deu início
a sua própria missão, proclamando: “O tempo está cumprido e o Reino
de Deus está próximo. Arrependei-vos e crede no evangelho” (Mc 1.15).
Jesus, contudo, ao invés de permanecer no deserto, preferiu iniciar
sua missão na Galiléia, uma terra de suaves colinas e vales verdejantes.
Nas primeiras semanas e meses, andou de vilarejo em vilarejo pela
Galiléia, pregando nas sinagogas à noite e nos Sabbath. Carregando um
saco de pães, um odre de vinho e uma bengala, ele andava pelas estradas
empoeiradas. Provavelmente, vestia-se como qualquer outro viajante,
com uma túnica de linho rústico coberta por um manto vermelho ou
azul.
Em um dia típico, Jesus sairia ao amanhecer e andaria quilômetros e
quilômetros. Perto do pôr-do-sol, entraria em um povoado e procuraria
sua sinagoga. Como diz uma história popular, “lá talvez tivesse uma
recepção calorosa dos habitantes da cidade, que muitas vezes não tinham
um rabino e dependiam dos serviços de mestres andarilhos, como Jesus.
Quando os lampiões fossem acesos, e os homens do vilarejo tomassem
seus lugares, Jesus se sentaria numa plataforma central” e começaria a ler
uma passagem das sagradas Escrituras. Em voz clara e forte, ele
anunciaria o cumprimento de alguma profecia ou contaria alguma
parábola.
O tema principal dos ensinamentos de Jesus era o reino de Deus.
Mas o que queria dizer com isso? Ele acreditava numa intervenção
decisiva de Deus na história do mundo? Ou, de alguma maneira, que o
reino já estava aqui? Provavelmente, acreditasse nas duas coisas. Elas
podem se conciliar se reconhecermos que tratam da soberania de um
Deus pessoal e misericordioso, e não de um reino geográfico ou local.
Jesus dava a entender que o governo de Deus já estava presente no
poder salvador que havia em sua pessoa. E ele ofereceu provas sobre isso.
Seus milagres de cura não eram apenas maravilhas, mas sinais, o poder
dos tempos por vir já manifesto no presente. “Mas se eu expulso os
demônios pelo dedo de Deus”, disse Jesus, “certamente a vós é chegado o
reino de Deus” (Lc 11.20). Por temer que suas curas fossem mal-
8
HISTÓRIA DO CRISTIANISMO AO ALCANCE DE TODOS
interpretadas, que as pessoas o vissem como mais um mágico, sempre
pediu àqueles que curava que se mantivessem em silêncio.
Mas as notícias se espalharam, e rapidamente as pessoas das vilas e
cidades de toda a Galiléia comentavam sobre o novo operador de
maravilhas capaz de curar cegos, aleijados e doentes com o poder de sua
voz e o simples toque de suas mãos fortes de carpinteiro. Logo, multidões
se formavam onde quer que ele falasse.
A crescente popularidade de Jesus gerou controvérsias,
principalmente entre os fariseus, que detestavam ver as pessoas seguindo
e ouvindo um homem que nunca estudara com seus cultos escribas. E
não hesitaram em questionar abertamente suas referências.
A MENSAGEM DE JESUS
Jesus aceitava os desafios dos fariseus por lhe oferecerem
oportunidade de confrontar sua mensagem de arrependimento e graça
com o fato de se auto-exaltarem.
Em certa ocasião, provavelmente quando os peregrinos dirigiam-se a
Jerusalém para uma das grandes festas, Jesus falou sobre dois homens que
haviam se dirigido ao templo para orar. Que tremendo contraste havia
entre eles! Um era fariseu, e o outro, surpreendentemente, coletor de
impostos.
Com a perícia de um ator, o homem sem pecados ficou em pé e
orou: “Ó Deus, graças te dou porque não sou como os demais homens
que praticam a extorsão, são injustos e adúlteros, tampouco como este
cobrador de impostos. Jejuo duas vezes na semana e dou os dízimos de
tudo o que possuo” (Lc 18.11-12). Seja como for, era isso o que ele pedia
para si mesmo e não apenas uma falsa ostentação vazia. Os fariseus
destacavam-se nos “atos de retidão” — jejuando e dizimando —, o que os
mantinha afastados dos homens depravados.
A falha desse indivíduo estava na exaltação que fazia de si mesmo e
no olhar cruel que tinha em relação aos outros. Os fariseus se
consideravam os únicos justos e viam aos demais mortais sob uma rígida
condenação.
Enquanto isso, o coletor de impostos, disse Jesus, estando em pé e
afastado, era a imagem da contrição. Seus olhos voltavam-se para baixo, e
a cabeça estava curvada pelo sentimento de culpa. Sua oração era um
O PERÍODO DE JESUS E DOS APÓSTOLOS
9
soluçar de remorso, uma súplica por misericórdia: “Ó Deus, tenha
misericórdia de mim, pecador!”
“Digo-vos”, disse Jesus, “que este desceu justificado para sua casa, e
não aquele” (Lc 18.14). Impossível haver maior contraste do que aquele
entre a fé dos fariseus e a atitude do movimento de Jesus. Uma se baseava
na observância das centenas de leis religiosas dos judeus, e a outra na
negação de si mesma e na crença na misericórdia de Deus.
Jesus escolheu um grupo de homens, dentre as centenas de seus
seguidores, para andar com ele todo o tempo. Passaram a ser chamados
de “apóstolos”, que significa “enviados”. No início, era um grupo
heterogêneo — doze homens ao todo —, pescadores e cobradores de
impostos, que devotavam forte lealdade a Jesus.
Para eles, Jesus mostrou a distinção entre seu reino e os reinos do
mundo. Seus seguidores, disse ele, representavam um outro tipo de
sociedade e de grandeza. Nos reinos deste mundo, líderes poderosos
dominam os outros homens, mas o reino de Deus é governado de
maneira santa, pelo serviço e pelo amor.
“Não temam”, disse-lhes ele, “é vontade de seu Pai dar-lhes o reino.”
A popularidade de Jesus tornou-se evidente um ano antes de sua
prisão em Jerusalém. Na Páscoa, depois de haver alimentado cinco mil
peregrinos numa colina da Galiléia, vários de seus discípulos tentaram
proclamá-lo rei. Jesus sabia, entretanto, que eles sequer imaginavam quais
eram os planos de Deus para a sua vida — e morte. Assim sendo,
abandonou o local com apenas alguns homens.
Jesus sabia que tinha um papel único nos planos de redenção de Deus,
mas temia os títulos tradicionais oferecidos a redentores messiânicos. As
multidões confundiam as coisas facilmente. Sua imagem ensinando aos
doze homens forma-se ao longo das linhas de Isaías que compõem o retrato
do Servo Sofredor: “desprezado e rejeitado pelos homens (...) pelas suas
pisaduras fomos sarados (Is 53.3,5) e da descrição de Zacarias que falava de
um rei humilde, montado em um jumento” (Zc 9.9).
A ÚLTIMA SEMANA
Com essas imagens proféticas em mente, no domingo anterior à
Páscoa, Jesus entrou em Jerusalém montado em um burro, cumprindo as
profecias de Zacarias. A multidão atirava ramos de palmas em seu
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