Relato de Experiência Projeto Luz & Autor em Braille: a leitura como fator de inclusão social Justificativa Existia apenas um local com livros em Braille, em todo o Distrito Federal, área, hoje, com 33 regiões administrativas (cidades). Uma Biblioteca localizada em Brasília, distante da cidade de Taguatinga, sede do projeto, cerca de 25 Km. Ao criar a 2ª Biblioteca Braille no DF, em 1995, tornou-se necessário um projeto para fazê-la conhecida de todos. Nasceu então, o Luz & Autor em Braille, logo a seguir, provocando uma verdadeira revolução na cidade. Antes, quase não se falava em deficiente visual, o projeto foi o marco da inclusão no DF. Tudo era distante para este público especial, que começou a participar das reuniões para o lançamento do projeto, no mesmo ano. A leitura entre jovens, adultos e idosos com deficiência visual era escassa e, raramente, eram convidados a participar de eventos. Apenas crianças deficientes visuais tinham o atendimento garantido em Centro de Ensino Especial vizinho à Biblioteca escolar citada, com isso os mais velhos agarraram esta oportunidade de aprendizagem e socialização, com alegria, grande interesse e muita disposição para o novo e para a Biblioteca pública recém-criada em Taguatinga-DF. As pessoas participantes do projeto, desde o início, eram, na maioria, jovens, adultos e idosos, predominando adultos, com maior independência, para se deslocarem de cidades distantes até a Biblioteca, sede do projeto. Duas crianças participaram nos primeiros anos, sempre acompanhadas de familiares. Com nível de renda baixo, a maioria dos frequentadores morava em cidades distantes e dois participantes em zona rural. Muitos, carentes de carinho, atenção, agarravam-se à oportunidade de fazer amigos, socializaremse e participarem dos encontros, sentados com seu escritor-patrono do ano, uma das ações do projeto. O dia do encontro era esperado com bastante expectativa e todos os esforços, para este dia, eram feitos. O projeto consiste em incentivar a leitura de textos literários por deficientes visuais e incentivá-los a produzir suas próprias obras literárias numa Biblioteca Braille que oferece espaço para encontros entre escritores e leitores especiais, além de apresentações artísticas relacionadas à literatura. Deficientes visuais, escritores, comunidade e alunos de escolas vizinhas foram o público inicial, ampliado com estudantes universitários e todos os interessados a conhecer o trabalho. Para democratizar o acesso à leitura, livros de escritores brasilienses e textos de jornais foram transcritos para o Braille, servindo de motivação para que o deficiente visual criasse a sua própria obra. O projeto Luz & Autor em Braille começou no ano da criação da Biblioteca com 17 escritores e o mesmo número de deficientes visuais, fortalecendo desde o início os laços de afeto entre aquele que escreve e aquele que lê. A leitura é muito trabalhada, possibilitando aprendizagem interdisciplinar. 1 Objetivos Com o objetivo geral de contribuir com a educação e inclusão social dos deficientes visuais do Distrito Federal e cidades do entorno de Brasília, para que tenham uma vida mais digna, com cidadania, por meio de leituras, vários objetivos específicos se destacam: divulgar uma Biblioteca recém-inaugurada, de forma a atrair o seu público especial. facilitar a vida dos deficientes visuais, principalmente os de cidades distantes do centro, pois os livros em Braille são volumosos, acarretando dificuldades para levá-los e lê-los em casa. promover a socialização da pessoa com deficiência visual, por meio da integração com escritores, valorizando a literatura que transforma e enriquece a condição humana; estimular a leitura, com vários gêneros literários transcritos em Braille e incentivar/orientar a criação de produções literárias pelos deficientes visuais, utilizando várias linguagens artísticas. possibilitar a inclusão do deficiente visual no processo educacional por meio de atividades artísticas que o integrem à comunidade brasiliense. atuar como disseminadores da escrita e leitura em Braille. fortalecer a auto-estima dos deficientes visuais. tornar a Biblioteca Braille mais conhecida entre seu público específico. valorizar a literatura brasiliense adquirindo obras dos autores locais e transcrevendo-as para o Braille. Metodologia Entrosamento com escritores do DF para aquisição de obras, transcrição de diferentes gêneros para o Braille e criação da estante do escritor do DF na Biblioteca; Mobilização dos deficientes visuais: Estimular o público alvo à leitura, empréstimo de livros, criação de textos, inspirados no autor ou livro escolhido, por meio de reuniões na Biblioteca e visitas à casa de possíveis leitores feitas por deficientes visuais, que trabalham na Biblioteca. Além disso, são organizadas várias atividades, para atrair o interesse do público alvo; Autor em Braille: O deficiente visual lê sobre a vida de seu respectivo escritor-patrono, lê suas obras e cria seu próprio texto, sonhando com o dia em que irá conhecer sua fonte de inspiração. Os textos produzidos são revisados ortograficamente pela equipe da Biblioteca e produz-se uma versão em Braille e outra à tinta permitindo a leitura de duas maneiras nas exposições; Exposição anual das obras: uma vez ao ano é organizado o grande encontro entre leitor-autor e escritor-patrono. Para este evento são convidados todos os envolvidos e também autoridades, imprensa e comunidade; Publicação das obras: Depois de quase 400 textos produzidos pelos deficientes visuais, a coletânea “Revelando Autores em Braille” é o coroamento, contendo um texto de cada um dos 83 leitores participantes e biografia dos 58 escritores-patronos; 2 - Atividades educativas e culturais: Na Biblioteca desenvolvem-se jornadas de leituras, aulas de alfabetização em Braille, visando contribuir com o resgate da auto-estima dos participantes. Além disso, são organizadas oficinas literárias, musicais e teatrais, envolvendo, também, familiares que acompanham os deficientes visuais. Outras ações, inspiradas no Luz & Autor em Braille, tomam conta do dia-a-dia da Biblioteca, ações interligadas e ininterruptas. A cada ano, o projeto inovase, para atrair mais e mais leitores: Atividades diárias: aula do sistema Braille; empréstimos de livros; reforço escolar; rodas de leituras diárias; novos projetos em ação: ledor interativo, solidários da visão, teatro infantil em ação, bazar literário, painel da inclusão e o mais recente – Sociedade de poetas cegos... Atividades semanais: poesia; música; jornada de leituras diversas; dançaterapia; transcrições em Braille; correção de textos; visita de escritores... Atividades bimestrais: capacitação de professores; exposições; oficinas teatrais; auxílio em monografias e trabalhos de conclusões de cursos... Atividades semestrais: bazar literário; recitais poéticos, painel da inclusão... Atividades anuais: Feira do Livro de Brasília/Encontro Revelando Autores em Braille – uma celebração do Projeto Luz & Autor em Braille:uma miscelânea cultural com muita música, peças de teatro inspiradas na literatura; boletim da inclusão, com várias edições. Em 2009, cria-se o Plano de Ação da Bibliobraille, com destaque para a meta do Luz & Autor em Braille, com atividades inovativas. Avaliação O projeto tem um efeito multiplicador, como se fosse uma corrente que vai agregando pessoas; o grupo que conduz o projeto conta com pessoas que acreditam no poder transformador da educação pela leitura integrada às artes; que tem amor, carinho e dedicação para com os leitores especiais; além, é claro, de escritores da própria região e ilimitado número de deficientes visuais, para desfrutarem do prazer da leitura, todos conscientes de que podem melhorar suas vidas, por meio de leituras. O projeto capacita os participantes, por meio das atividades diárias da Biblioteca; considerado o carro-chefe, é alimentado por ações que vão se somando: rodas de leituras, aulas de Braille, jornadas de leituras, palestras e apresentações artísticas em instituições públicas e particulares, participações em congressos nacionais e internacionais, oficinas literárias, culturais e educacionais, participação em eventos de inclusão na Feira do Livro de Brasília, aulas de informática no telecentro da Biblioteca inaugurado em 2009 ... a capacitação é contínua. A leitura opera milagres e o estímulo à essa 3 prática faz o deficiente visual progredir nos estudos, como exemplo a deficiente visual Noeme Rocha com especialização e 2 graduações: uma artista com peças de teatro infantil, poesias e músicas de sua autoria...fruto do projeto, pois o mesmo resultou em seu casamento, em sua família. O projeto promove a aquisição de parcerias voluntárias, seja na confecção de um folder, na revisão de textos, na doação de livros e revistas, em aulas de reforço, em gravações, em leituras e outras que surgem, constantemente. O projeto possibilita uma Biblioteca humanizada, pois o tratamento diferencia-se das demais Bibliotecas públicas. Qualquer um que chega, mesmo iniciante nas ações do projeto, tem uma atenção especial dispensada pela equipe, que primeiro tenta identificar suas necessidades, para depois incentiválo à leitura. Os novatos registram seus nomes na biblioteca e passam a ser nossos parceiros, colaboradores, alunos ou voluntários. Cada um multiplica os benefícios adquiridos, formando uma corrente de amigos que luta por uma vida melhor. São crianças (acompanhantes de cegos adultos), jovens, adultos, idosos - deficientes visuais - e muita gente da comunidade que vê o trabalho como terapia, como lição de vida. Perdem a timidez e conseguem apresentarse, em palco, artisticamente. Quem participa a primeira vez, se integra ao grupo, pois se sente contagiado pelas lições de vida encontradas. O projeto caracteriza-se pela persistência. Aprende-se, com o projeto que vale a pena lutar, quando acreditamos em algo, mesmo em situações adversas. Ao desfrutarem do prazer da leitura e dos benefícios trazidos por ela para a melhoria de suas vidas, ampliando seus conhecimentos e resgatando sua auto-estima, passam a se sentir capazes. E, ao colocar a arte, criando poemas, músicas, participando de dramatizações, teatros, jograis, a vida se torna mais bela. O projeto aprimora o atendimento, a cada dia, na conquista de novos leitores, sem desencadear custos, pois recursos são escassos em bibliotecas, mantê-la como um centro de convivência para os deficientes visuais, onde a arte de ler e criar reina em quaisquer circunstâncias. Nos cinco primeiros anos do projeto, todas as ações eram avaliadas, por meio de reuniões formais e\ou informais, feitas pelo grupo de trabalho e voluntários colaboradores. As conversas com os deficientes visuais participantes eram a mola que impulsionava a continuidade do que intitulamos “1ª versão do projeto”. Em 2001, editamos o livro, como coroamento da 1ª fase do projeto, com textos produzidos por 83 deficientes visuais. Reunimos e vimos que manteríamos a idéia-chave do projeto, as mesmas ações listadas na metodologia, mas com maior flexibilidade. A partir daí, uma nova versão do projeto é escrita e debatida, definindo-o como um modo de ver o mundo, um estímulo a uma infinidade de ações que tornam a vida dos deficientes visuais bem mais bonita, mais digna e mais cidadã. Não podíamos continuar na mesmice, então transferimos o encontro anual para o maior evento literário de Brasília: a Feira do Livro. O projeto e\ou a 4 biblioteca torna-se itinerante, vai em escolas onde é convidado, apresenta-se, enfim torna-se flexível e cada vez mais rico. Já em 2009, foi feita uma pesquisa com o tema “Leitura: fator de inclusão social de alunos com deficiência visual” entrevistando 46 deficientes visuais: avaliamos, positivamente o projeto e iniciou-se nova versão, com a tecnologia conquistada na Biblioteca (um telecentro com 9 computadores acessíveis), sem deixar a ideia-chave do projeto. Resultados já alcançados: Aumento do interesse pelos estudos, com vários casos de retorno. Em pesquisa de campo com 46 deficientes visuais, a maioria estuda e frequenta a Biblioteca. Quatro funcionários da biblioteca/do projeto estudando, dois com especialização em Educação Inclusiva e duas deficientes visuais em curso superior (Psicologia e Assistência Social). Aumento da participação de deficientes visuais em eventos, como na I Bienal Internacional de Poesia de Brasília, em setembro/ 2008. Uma mega-oficina de 220 dias de poesia na Biblioteca Braille, atividade realizada com as mesmas ações do Projeto: escritorespatronos, transcrição em Braille, leituras e produção de poemas e apresentações artísticas; simbolizada por uma árvore com 220 folhinhas, cada uma representando um dia de leitura na Biblioteca. Destaque em temas transversais, como educação ambiental, educação fiscal, saúde, etc, com inclusão social bem consistente. Outros resultados foram visíveis desde o início do projeto, narrados no livro “Revolucionando Bibliotecas”. Reportagens deram uma visão geral e destacaram a melhoria das produções literárias dos deficientes visuais; criatividade para outras produções artísticas; interesse por cursos, estudos e eventos; aumento do círculo de amizades e relacionamentos afetivos; oportunidades de emprego; convívio com alunos do ensino regular; melhoria da qualidade de vida; publicação da coletânea “Revelando Autores em Braille”; hemeroteca eletrônica com reportagens e toda a trajetória do Projeto em fotos legendadas. A valorização de talentos locais, como escritores da cidade, que podem trocar experiências com leitores, resgatando a auto-estima abalada pela perda da visão. O amor, o entusiasmo, a garra, a criatividade, visíveis em todos os envolvidos, garantiram a continuidade da ação. Apresentações em congressos, seminários, feiras, escolas, mostrando os talentos revelados na Biblioteca, como o Painel da Inclusão, a partir de 2007, com 15 artistas-deficientes visuais. Alguns reconhecimentos relevantes, como o Prêmio ODM 2005; finalista Viva Leitura 2007, Mãos da Cidadania 2008 e participação, já pela 8ª vez consecutiva na Semana de Ação Mundial/Campanha Global de Educação. Ao tornar-se um trabalho científico, resultado de especialização, em 2009, foi apresentado em 6 Congressos internacionais, com destaque 5 em Portugal. Com isso, a procura pelo tema por universitários cresceu, servindo de fonte até para tese de doutorado. Ultimamente, o surgimento de cursos para a equipe de trabalho estimula o crescimento de todos que acabam se envolvendo: uma pós pelo Programa de Conselheiros Nacionais entrevistou 25 projetos de leituras no DF, resultando na Monografia: Leitura, Cidadania e Transformação Social, na qual o Projeto Braille está contido, portanto mais uma fonte de pesquisa para a Biblioteca. A Biblioteca Braille contribui por meio do Projeto Luz & Autor em Braille com o resgate da auto-estima das pessoas abaladas pela perda da visão, aproximando-as da leitura, promovendo uma educação inclusiva e oferecendo assim novas perspectivas de vida, conforme o lema “Incentivar leituras é trabalhar pela dignidade humana”. Ao mesmo tempo valorizam-se talentos locais, como escritores da cidade, que podem trocar experiências com leitores. O Projeto mobiliza cidadãos, trabalha com voluntários além dos escritores-patronos que se envolvem de maneira voluntária na iniciativa. Fortalecimento de parcerias com outras instituições no desenvolvimento do projeto: com as instituições básicas (Secretaria de Estado de Educação do DF, Secretaria de Estado de Cultura do DF, Administração Regional de Taguatinga). E outras, como: Centro de Voluntariado do DF, Pacta Internacional Consultoria, Associação Nacional de Jornais, Academia de Letras de Taguatinga ... Publicação do projeto no livro “50 jeitos brasileiros de mudar o mundo”, organizado por UNV (Voluntários das Nações Unidas) de Salvador-Bahia. Com isso interesse internacional pelo projeto (Itália). Transcrição do livro Revelando Autores em Braille, coroamento da 1ª fase do projeto, pela Fundação Dorina Nowill para Cegos/SP, em 2009. Em 2008, voluntária gravou 50 CDs (áudio-livro) dessa obra-produção do projeto. Implantação de Ponto de Leitura (ganho em concurso do MinC) na Bibliobraille, em 2009: kit com 650 livros, estantes móveis, computador completo... O Projeto permite vários desdobramentos voltados para o resgate da autoestima de pessoas abaladas pela perda da visão. A leitura oferece novas perspectivas de vida. Em conformidade com o lema “Incentivar leituras é trabalhar pela dignidade humana”, valorizam-se talentos locais, como escritores da cidade, que podem trocar experiências com esses leitores especiais. Gente bem acolhida produz melhor e vive melhor. Enfim, são muitos fatores que contribuem para a seguinte afirmativa: A Biblioteca Braille é uma grande lição de vida pelo seu trabalho social, educacional e cultural, fazendo jus ao título recebido em 2001 “ a instituição social do ano” no ano internacional do voluntariado, graças ao seu projeto “Luz Autor em Braille”, que revolucionou, não só nossa cidade, mas a todo o Distrito Federal como modelo de inclusão social. 6