12 - PERDIDO NA PRÓPRIA CASA
“... e não queria entrar” (Lc. 15,28).
A parábola que Rembrandt pintou poderia ser chamada “a parábola dos filhos perdidos”.
Não só se perdeu o filho mais moço, que saiu de casa e foi a um país distante, mas o que ficou em casa
também se tornou um homem perdido. Tornou-se um estranho em sua própria casa. Não há comunhão.
Todo relacionamento é permeado pela escuridão. Vítima do ressentimento e do rancor o filho mais
velho recusa-se terminantemente a entrar e participar da festa.
Para ele, que se considera justo e irrepreensível, seria uma humilhação e uma indignidade sentar-se à
mesma mesa com um degenerado e um perdido, que se tornou impuro no contato com os pagãos, com as
prostitutas e com os porcos. Já que o irmão está dentro, ele, o justo, fica fora, recusando-se a partilhar
com ele e com os convidados a alegria do pai.
Enquanto ele ficar de fora, no escuro, pode somente permanecer na queixa ressentida, nascida de
comparações. Fora da luz, seu irmão mais jovem parece ser mais amado pelo pai do que ele; de fato, fora
da luz, não pode mesmo vê-lo como seu próprio irmão.
A reação do filho mais velho é diametralmente oposta à do pai. No mesmo instante em que vê o filho no
caminho de volta para casa, o pai fica visceralmente comovido, suas entranhas são agitadas pela convulsão
da emoção.
O irmão, pelo contrário, fica indignado. Suas entranhas também se comovem; não, porém, pelo amor e
pela compaixão, mas pela inveja, pelo ressentimento e pelo rancor.
Comparando as reações e as emoções que a volta do filho/irmão perdido suscita no coração do pai e do
filho mais velho, podemos falar de uma “tempestade de amor, de comoção e de compaixão” no
coração do pai, e de uma “geleira de ressentimento, de inveja e de rejeição” no coração do filho.
Na sua queixa ao pai, o filho mais velho revela-se como alguém sentindo-se profundamente magoado.
O seu amor próprio está dolorosamente ferido pela alegria do pai, e a sua própria raiva o impede de
aceitar o filho mais novo de volta, como seu irmão.
Com as palavras “esse teu filho” ele se distancia do seu irmão e também de seu pai.
Ele olha para eles como estranhos que perderam todo o senso de realidade e se envolvem num
relacionamento inadequado. O filho mais velho não tem mais um irmão. Nem, também, um pai.
Ambos passaram a ser estranhos para ele. Para seu irmão, um pecador – ele olha com desprezo; para seu
pai, um senhor de escravo – com medo. Nele, tudo perde sua espontaneidade. Tudo se torna suspeito,
constrangedor, calculado e cheio de segundas intenções. Não há mais confiança. Cada pequeno passo
requer uma retribuição; o menor gesto tem de ser medido. Esta é a patologia da escravidão.
Rembrandt coloca o filho mais velho à distância, fora da proteção do manto esvoaçante, à margem do
círculo de luz. O dilema dele é aceitar ou rejeitar que o amor de seu pai está acima de comparações; ousar
ser amado como seu pai almeja amá-lo ou insistir em ser amado como ele acha que deveria ser amado.
O pai sabe que a escolha deve ser do filho, mesmo enquanto ele espera com as mãos estendidas.
Será que o filho mais velho estará disposto a se ajoelhar e ser tocado pelas mãos que tocam seu
irmão mais jovem?
A parábola de Lucas deixa claro que o pai vai em direção a ambos os filhos.
O filho mais velho representa todos aqueles “fiéis” cumpridores de leis, dogmáticos, moralistas… que
não sabem desfrutar da festa e da vida; confundem sua casa com o “ego”, mas o ego atrofiado e doente,
que não abre espaço e nem os braços para ninguém.
Na oração: A história do filho pródigo é a de um Deus que me procura e não descansa até que me encontre.
Ele insiste e suplica para que me deixe alcançar por braços que me sustentarão.
- Entrar na luz é descobrir que, em Deus, todas as pessoas são únicas e inteiramente amadas.
- Confiança e gratidão são as matérias para a conversão do filho mais velho que habita no nosso coração.
Confiança é a convicção íntima de que o Pai me quer de volta à casa. Enquanto eu duvidar que vale a pena
que eu seja encontrado e me coloque como menos amado do que meus irmãos, não posso ser encontrado.
- Gratidão – oposto do ressentimento.
O ressentimento impede a percepção e o reconhecimento da vida como um dom. Meus ressentimentos me
dizem que não recebo o que mereço; sinto sempre inveja.
Gratidão vai além do “meu” e do “teu” e proclama a verdade que a vida é puro dom, um dom para ser
comemorado com alegria.
FONTE: CEI-JESUÍTAS - Centro de Espiritualidade Inaciana
Rua Bambina, 115 - Botafogo – RJ – 22251-050
[email protected] / www.ceijesuitas.org.br
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Perdido na própria casa - Centro de Espiritualidade Inaciana