1º Encontro Nacional da ABRI
Segurança Internacional
A Ordem Mundial do Século XXI: A Teoria Heartland-Hinterland e o Oriente Médio como
um Entreposto da Política Internacional
Danny Zahreddine**
Em 1904, Halford Mackinder1, geógrafo britânico, apresentou à
Sociedade Geográfica Real o seu mais célebre e discutido artigo, “The
Geographical Pivot of History”, que durante muito tempo representou a principal
teoria que sustentava a política de contenção de um bloco formado por
Alemanha e União Soviética no pós-Primeira Guerra Mundial.
Esta
abordagem,
ainda
contemporânea,
têm
suscitado
muitas
discussões, tanto no âmbito das Relações Internacionais, quanto nos Estudos
Estratégicos e na Geopolítica. A teoria Heartland-Hinterland, principal
contribuição do artigo de Mackinder de 1904, tentou demonstrar a importância
da dualidade de dois poderes preponderantes no sistema internacional: o poder
marítimo e o poder terrestre. Os Estados, utilizando de suas capacidades
marítimas ou terrestres buscavam o controle de determinadas áreas do mundo,
caracterizadas por aspectos geográficos, estratégicos, econômicos e políticos
que as tornavam regiões sensíveis para a política internacional, esta grande
região foi denominada por Mackinder como Heartland. O controle destas áreas
por um Estado, ou por uma coalizão de Estados, representaria o domínio do
ordenamento internacional por estes países.
Desta forma, o intuito deste artigo é apresentar as principais idéias de
Mackinder, avaliando a sua contribuição para o entendimento da ordem
internacional e identificar, no século XXI, prováveis Heartlands que possam ser
decisivos para o controle do sistema internacional por um único Estado ou por
uma coalizão de Estados.
As ligações existentes entre as relações internacionais e a geografia é
algo indissociável, pois como dizia o geógrafo francês, Jean Gottman, “as
relações internacionais não ocorrem no vácuo”. Desta forma, destacar as
características geográficas que mais estimulam as relações internacionais é um
trabalho que pode gerar ganhos para o entendimento tanto de conflitos
internacionais como para o ordenamento do sistema internacional.
1
Halford John Mackinder (1861-1947), geógrafo inglês que teve grande importância para o
fortalecimento do ensino de geografia no Reino Unido, além de ter trabalhado junto à marinha britânica.
1
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É neste sentido que o trabalho de Mackinder é esclarecedor, pois
apresenta a geografia como um motor fundamental para a história das
civilizações. Desta forma, após mais de um século do seu célebre artigo de
1904, a noção de Heartland continua sendo um conceito importante para
entendermos a ação dos Estados nacionais em busca do controle de
determinadas áreas do mundo.
O início do século XXI, principalmente no pós 11 de setembro, a
aplicação de alguns conceitos da teoria mackinderiana (levando em
consideração seus limites), na busca de um provável Heartland para o novo
século é no mínimo instigante. A principal pergunta que este trabalha suscita é
a seguinte: existe um novo Heartland para o Século XXI ? Se a resposta for
sim, onde localizaria esta nova região Core e qual a sua influência para o
ordenamento mundial.
Este trabalho discutirá o conceito de Heartland, assim como a
importância do poder marítimo e do poder terrestre para as relações
internacionais. Desta forma, será inevitável a apresentação de alguns teóricos
das relações internacionais que também tratam desta temática, como John
Mearsheimer. A discussão acerca da existência de uma área Core como a
proposta por Mackinder no século XXI e apresentar o Oriente Médio como forte
candidato a este posto será uma tarefa buscada neste texto.
Para isto, uma reflexão sobre as características do atual sistema
internacional, da geopolítica adotada pelos principais Estados para o Oriente
Médio, da economia regional, da “política do Oleoduto” e sobre os atores
transnacionais que afetam os Estados daquela região será apresentada com o
objetivo de demonstrar a importância desta área para o ordenamento mundial.
Desta maneira, como desdobramento natural deste artigo, poderemos
reafirmar a relevância dos estudos de geopolítica para as relações
internacionais e as contribuições que esta ação interdisciplinar poderá gerar
para o entendimento da dinâmica do Sistema Internacional para o século XXI.
1. Espaço e Poder: A geografia como força motriz da história??
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A discussão acerca da relevância dos aspectos geográficos para o
entendimento das relações internacionais é um tema pouco discutido nos
principais manuais de relações internacionais na atualidade. Raymond Aron,
Duroselle, Renovin e outros célebres pensadores desta área do conhecimento,
são alguns exemplos de teóricos que apresentaram em suas obras aspectos
fundamentais das relações internacionais que estavam diretamente ligados à
importância dos aspectos geográficos para o próprio funcionamento do sistema
internacional.
Em 1904, quando Halford Mackinder apresentou seu artigo “The
Geographical Pivot of History”, o que o autor tentava demonstrar era a
importância do entendimento da dinâmica espacial do sistema internacional, de
modo que as potências que entendessem o funcionamento desta dinâmica
pudessem controlar a política internacional. Seria justamente o entendimento
destes pontos geoestratégicos da superfície do globo que faria um Estado
controlar seus principais fluxos.
Para sustentar suas idéias, Mackinder fez uma extensa apresentação
acerca das principais civilizações na história da humanidade, destacando
características locacionais e espaciais de tais civilizações. Para ele, estes
aspectos, são por exemplo: existência de mares interiores e rios que
desaguavam dentro destes mares; cadeias montanhosas que restringiam o
acesso a estas áreas; existência de recursos naturais e terras agricultáveis,
além da existência de uma população expressiva e bem distribuída pelo
território, transformaria esta região em uma verdadeira fortaleza territorial.
Desta forma, devido à existência de atributos naturais importantes,
assim como a dificuldade de controle desta suposta região, o Estado que
conseguisse controlá-la, poderia desfrutar de dois ganhos principais: 1) Uma
região bem protegida do assédio externo; 2) A utilização dos recursos naturais
existentes nesta área.
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Mackinder
acreditava
que
esta
combinação,
juntamente
com
características históricas e culturais de cada povo, permitiria ao Estado que
dominasse uma região com estas características reconfigurar o ordenamento
mundial. O conceito de Heartland perpassa por este entendimento, com um
ponto adicional, para ele, esta “fortaleza terrestre” existia e poderia ser
localizada, esta região seria a porção oriental da Europa, se estendendo até os
Montes Urais.
Este é um ponto de grande discussão na teoria Heartland-Hinterland2,
pois de acordo com o autor, a potência que dominasse o Heartland teria maior
possibilidade
de
controlar
também
toda
África,
Ásia
e
Europa,
e
conseqüentemente o mundo. Este embate pelo controle de tal área se daria
pelas principais formas de poder utilizadas pelo Estado, que seria o poder
terrestre versus poder marítimo.
O poder terrestre para Mackinder era o poder central no sistema
internacional, e o poder marítimo o periférico. A luta pelo controle de áreas
estratégicas do mundo se daria pela confrontação destes dois poderes, que
geraria áreas de fricção no contato direto destas forças.
A França, Alemanha e Rússia são exemplos de poderes terrestres,
enquanto Japão e Reino Unido exemplos de poderes marítimos. Os Estados
Unidos da América seria uma “ilha geopolítica”, devido à sua localização e
posição, além de conter características marcantes de uma potência terrestre e
marítima, o que o tornaria um poder anfíbio.
O conceito de Inner crescent e outer crescent, muito utilizado por
Mackinder, visava demonstrar as áreas de contato entre o poder marítimo e o
poder terrestre, sendo que o inner crescent (arco interior) seria a área de
expansão natural e de defesa do poder terrestre (principalmente as áreas que
circundavam o poder continental e as áreas anfíbias do continente), enquanto o
outter crescent (arco exterior) seria a área de domínio do poder marítimo
(oceanos e mares) (MELLO, 1999).
2
A idéia de Heartland-Hinterland remete a uma relação centro-periferia, não do ponto de vista da teoria
da dependência, mas sim da dinâmica existente entre o poder central (territorial) e o periférico
(marítimo).
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Como dito anteriormente, um dos pontos mais controversos desta teoria
é a relação de causalidade que Mackinder faz ao relacionar o controle do
Heartland com o controle da balança de poder mundial. De fato, a região
mencionada pelo autor é historicamente importante e até os dias de hoje é
palco da disputa das grandes potências, por exemplo: o início da I Guerra
mundial que se deu nos Bálcãs; o tratado de não agressão entre a Alemanha
nazista e a União Soviética controlada por Stálin; as maiores batalhas da
segunda guerra mundial; o equilíbrio do terror praticado entre Estados Unidos e
União Soviética durante a Guerra Fria, culminando com o compartilhamento de
Berlim; e os últimos desdobramentos da disputa estadunidense e russa pelo
controle da Europa Oriental e Ásia Central (o polêmico escudo antimíssil
proposto pelos EUA em 2007) .
Mesmo com toda a relevância desta região, é necessário relativizar a
relação de causalidade proposta por Mackinder, pois como bem sabemos, a
ex-União Soviética controlou quase a totalidade do Heartland Mackinderiano
antes do seu esfacelamento no início da década de 1990, e nem por isto
conseguiu controlar a política mundial. Isto pode ter sido fruto de dois
fenômenos: 1) A URSS não conseguiu controlar todo o Heartland proposto por
Mackinder, faltando Berlim e a parte ocidental da Alemanha, o que demonstra o
quão difícil é o controle de toda região, ou 2) porque esta relação de
causalidade não existia. Tendo acreditar que estes dois aspectos explicam em
certa medida o porque da não prevalência da URSS sobre os EUA,
considerando a teoria mackinderiana.
Desta forma, a principal contribuição de Mackinder foi apresentar uma
teoria que permitisse uma percepção mais sistemática do ordenamento
mundial logo no início do século XX, além de apontar para as principais
características que fariam os Estados a buscarem a hegemonia no sistema
internacional, que seria a busca do poder marítimo ou terrestre para o controle
de regiões estratégicas do globo, o que atribuiria a estas potências a
supremacia no sistema internacional.
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2. Mackinder e as Relações Internacionais
É possível fazer uma série de correlações entre as principais idéias de
Mackinder com outros teóricos das relações internacionais, mas a abordagem
mais próxima é mantida entre Mackinder e John Mearsheimer. Mackinder é
denominado como geógrafo político, geopolítico e geoestratégico, e é
justamente esta última denominação que o aproxima de John Mearsheimer,
conhecido pelos seus trabalhos que abordam os Estudos Estratégicos e a
Teoria de relações internacionais.
Em seu livro The Tragedy of Great Power Politics (2001), principalmente
em seu capítulo IV, fica claro a aproximação destes dois autores. Mearsheimer
(2001) discute a natureza do sistema internacional e de seu principal
instrumento de inserção neste sistema, que é o poder. Para ele, dentre os mais
diversos tipos de poder, os que se destacam mais são: o poder marítimo e o
poder terrestre, sendo que o poder terrestre é predominante sobre o marítimo.
Mackinder (1904) acreditava ser muito mais difícil para uma potência
marítima se lançar ao mar, constituir uma força terrestre e quebrar o arco
defensivo do poder continental do que o contrário. Mearsheimer (2001) também
destaca as limitações da utilização do poder marítimo, pois para ele, o poder
determinante para a conquista territorial seria o próprio poder terrestre, sendo
as táticas utilizadas pelo poder marítimo (como por exemplo, os bloqueios),
muitas vezes insuficiente para levar à rendição de um outro Estado.
Da mesma forma, Mackinder (1904) destacou a formidável barreira que
o oceano constituía para as grandes potências, sendo este o fator limitador da
potência terrestre, pois este arco exterior defensivo (outer crescent) por si só já
gerava altos custos para os Estados que buscavam o domínio dos mares ou
das potências insulares (MELLO, 1999). Mearsheimer (2001), por sua vez,
também compartilha desta impressão com Mackinder, sendo que para ele, a
dificuldade da existência de uma hegemonia global residiria justamente pela
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existência do “poder parador das águas” (MEARSHEIMER, 2001) do grande
oceano, sendo que a existência desta barreira forçava o surgimento de
hegemonias regionais em detrimento de uma hegemonia global.
Os componentes do poder para Mackinder (1904) estavam ligados
principalmente à questão posicional e localizacional, além do controle de
recursos minerais que forneceriam a base do desenvolvimento industrial e
militar de um país. Com uma percepção semelhante, Mearsheimer (2001)
atribui grande importância à existência e utilização destes recursos, o que faria
a diferença entre o poder militar convencional de uma potência com relação à
outra, mesmo em época de equilíbrio de poder nuclear.
O seminal texto de Mackinder de 1904 aponta para alguns elementos
fundamentais que reforçam a necessidade do entendimento da dinâmica do
espaço mundial, e que talvez esta fosse a chave para predizer o
comportamento de determinados Estados. A idéia de balança de poder
existente em seu texto, a sistematização das relações entre os elementos do
sistema internacional e a apresentação dos principais fatores que levam os
Estados a se enfrentarem neste sistema, constitui um caminho interessante, do
ponto de vista da geoestratégia, para o entendimento das relações
internacionais.
A busca por regiões que favoreçam o acúmulo e a projeção de poder,
além das alianças geradas por esta busca, contribui para o choque entres os
Estados, gerando impacto no ordenamento do sistema internacional. A busca
pelo
controle
do
espaço
e
do
território
(RAFESTIN,
1993),
possui
desdobramentos que vão além da simples ocupação territorial apontada pelo
senso comum, pois os elementos geográficos e espaciais envolvidos em tais
regiões estão ligadas às questões populacionais, culturais, estratégicas,
econômicas, comerciais, logísticas, entre outras dimensões.
Assim, a possibilidade de relativizar o conceito de Heartland, que possui
uma escala global, para uma escala regional, utilizando as principais
características apontadas por Mackinder (1904), juntamente com os pontos de
convergência da abordagem de John Mearsheimer (2001), poderá resultar em
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uma abordagem espacialista que nos auxiliará a entender a existência ou não
de novos heartlands para o século XXI.
3. A Ordem Internacional e a Influência do Heartland
A discussão acerca das definições de sistema internacional, sociedade
internacional e comunidade internacional não é o foco deste artigo, porém, para
clarificar os conceitos utilizados nesta exposição, opta-se pela utilização do
conceito de sistema internacional e ordem na política internacional como
apresentado por Hedley Bull (2002).
Desta forma, não farei aqui uma discussão aprofundada sobre a
diferenciação entre o sistema internacional e a sociedade internacional, mas
sim utilizarei de maneira ampla o conceito de sistema internacional quanto
“constelação de Estados”, como colocado por Bull (2002), e ordem como sendo
a disposição destes elementos no sistema internacional, o que irá gerar uma
determinada configuração do sistema internacional. O que nos interessa neste
trabalho é observar como a existência de heartlands regionais pode alterar ou
não a configuração do sistema internacional, gerando impacto no ordenamento
mundial.
Levando em consideração o sistema internacional, e tomando como
pressuposto o principal ponto de convergência da abordagem realista,
neorealista e neoliberal, de que o sistema é anárquico, e que a ação do Estado
está diretamente ligada à sua sobrevivência, indico como fator fundamental
para tal objetivo a busca pelos Estados de regiões do globo que favorecessem
a manutenção ou ampliação do poder.
Logo, observar a localização, tamanho e qualidade das principais
reservas de petróleo existentes no globo, assim como o controle de estreitos e
canais, que favorecem o comércio internacional e o deslocamento de tropas,
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constituem alguns exemplos fundamentais para o cálculo dos Estados na
busca da manutenção ou aumento do poder das grandes potências.
O que deve ser destacado é que esta observação perpassa pelo
entendimento do funcionamento do sistema internacional, mas também
constitui uma avaliação eminentemente espacial, que terá desdobramentos
claros na organização do espaço mundial.
Com isto, a busca pelos Heartlands regionais3 implica na tentativa de
encontrar regiões do globo que são sensíveis à política internacional devido às
suas múltiplas características geográficas, sendo que o controle destas regiões
pelas grandes potências, ou a mudança do status quo nestas regiões poderia
gerar
uma
transformação
significativa
do
ordenamento
do
sistema
internacional.
Como exposto no início deste artigo, tentarei demonstrar algumas
características de uma dada região do mundo que talvez se enquadre nas
proposições amplas do que seria um Heartland regional, e que de fato tenha
uma interferência significativa no ordenamento mundial.
4. Existem Heartlands no Sistema Internacional do Século XXI ?
Para Mackinder existia apenas um Heartland, e este se localizava na
Eurásia (MELLO, 1999), sendo que o embate pela hegemonia global se daria
pelo controle desta região. Já ponderamos sobre este ponto e propus a
existência de vários Heartlands regionais, em detrimento de um único
Heartland.
Porém, é importante ressaltar que existem regiões no mundo que são
mais sensíveis ao assédio das grandes potências do que outras, e que o
empenho para controlá-las também é diferenciado. Logo, mesmo aceitando a
existência de vários Heartlands regionais, temos que levar em consideração
3
Esta definição não consta nos artigos de Mackinder, utiliza-se aqui pelo autor como uma derivação da
definição original.
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uma hierarquia entre estas regiões, sendo que determinadas áreas são mais
importantes do que outras do ponto de vista geoestratégico.
Um exemplo da utilização regional do conceito de Heartland já foi feito
por alguns geopolíticos brasileiros (TRAVASSOS, 1947), que apontavam a
Bolívia como uma espécie de Heartland sul americano. Para o autor, a Bolívia
seria um país chave, pois participava de três domínios geopolíticos existentes
na América do Sul: o domínio amazônico, andino e do prata. Além disto, a
complexidade de sua topografia, a existência de recursos naturais, e o
reiterado assédio que este país sofreu desde sua independência (perdendo
aproximadamente 40% do seu território e seu acesso ao mar, em uma série de
guerras e acordos com vários países sul-americanos, como por exemplo: Chile,
Peru, Paraguai, Bolívia e Brasil), além da complexidade da sociedade
boliviana, fazia deste país um elemento chave nas relações entre Brasil, Peru,
Colômbia e Paraguai. Esta observação foi feita no início do século XX, e
posteriormente reiterada pelo General Golbery, sobretudo em sua Geopolítica
do Brasil (1967).
Porém, após o término da União Soviética e dos atentados de 11 de
setembro de 2001, quais seriam as regiões do globo que são mais sensíveis
para a ordem mundial? Se utilizarmos o critério das áreas mais conflituosas do
mundo, no início do século XXI, algumas regiões se destacam, e geram
impactos distintos para o ordenamento mundial. Temos que deixar claro que
este é um dos critérios colocados por Mackinder (1904), como forma de
identificar uma área Core. É importante ressaltar também que não são somente
as áreas mais conflituosas as mais sensíveis para a ordem mundial, mas levar
em consideração a combinação sobre a natureza dos conflitos, a riqueza de
tais regiões e a complexidade etno-religiosa de tais populações, que também
são fatores que influenciam na determinação do Heartland.
Nas Américas, fora os atentados de 11 de setembro de 2001, que
atingiram Nova York e Washington, nos EUA, os principais conflitos nesta
região do mundo são de caráter interno: O Movimento Zapatista de Chipas no
México; A América Central e o processo de reabilitação dos países que
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sofreram ditaduras e movimentos separatistas; As divisões políticas na
Venezuela; A guerra civil colombiana que se arrasta por décadas; A
instabilidade política no Equador, Bolívia e Paraguai e a violência urbana no
Brasil (Le monde Diplomatique, 2003).
Porém, estes problemas possuem pouco impacto no ordenamento
mundial (com exceção dos ataques de 11 de setembro de 2001), seja pela
distância dos principais centros políticos do sistema internacional (EUA e
Europa), ou pela relevância destes Estados no contexto da política
internacional (Com exceção dos EUA, nenhum dos países acima citados são
membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas ou
possuem armas nucleares).
Na Europa, Os principais conflitos do século XXI estão ligados a
movimentos separatistas, como por exemplo: o caso Basco na Espanha; o da
Irlanda do Norte com o Reino Unido, e dos Bálcãs. Este último suscitou um
impacto maior no sistema internacional, pois culminou em uma ação militar da
OTAN em março de 1999, com o intuito de minorar a possibilidade de
alastramento do conflito para a Europa Ocidental. Mas mesmo assim, os focos
de tensão nesta área também estão mais ligados às questões internas dos
Estados, e ao processo de migração de populações de países pobres para a
Europa do que a conflitos internacionais.
Por sua vez, a África e a Ásia são as regiões com maior concentração
de focos de tensão, onde se destacam: conflitos internacionais, conflitos
independentistas, guerras civis e graves distúrbios internos (Le Monde
Diplomatique, 2003). A natureza das guerras na África remonta o processo
neocolonial europeu naquele continente (MILZA, 1999), o que fomentou
guerras tribais, guerras civis, conflitos independentistas e internacionais. A
formação
das
fronteiras
dos
Estados
Nacionais
africanos
e
sua
incompatibilidade territorial com as minorias étnicas e religiosas que lá
habitavam proporcionou uma multiplicidade de conflitos, como por exemplo: No
chifre da África (Somália, Eritréia e Etiópia), na costa Atlântica (Côte d’Ivoire,
Libéria e Serra Leoa), no Magreb (principalmente Líbia, Argélia, Saara
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Ocidental, Mauritânia e outros), e a África Sub-Saariana (Ruanda, Burundi,
República Democrática do Congo, República do Congo, Moçambique, Angola e
etc) (Le Monde Diplomatique, 2003). Existem vários outros focos de tensão na
África, mas me limitarei a estes. Porém, devido à natureza destes conflitos e o
isolamento africano no sistema internacional, as iniciativas para solução destes
conflitos, ou os impactos que eles têm no sistema também são minorados.
Já a Ásia, devido à sua grande extensão territorial, e por ser o continente
com o maior número de conflitos e Estados que possuem armas nucleares (Le
Monde Diplomatique, 2003), aparece como região extremamente sensível à
política internacional. Sabemos que regionalizar áreas do globo é uma
discussão infindável entre os geógrafos, logo, apenas como forma de sintetizar
meus argumentos, apresentarei cinco sub-regiões asiáticas e discutirei
sumariamente os principais focos de tensão existentes nestas regiões, que
são: Oriente Médio, Ásia Central, Sub-continente Indiano, Leste Asiático e
Sudeste Asiático.
O Sudeste Asiático é formado principalmente pela antiga Indochina,
Filipinas, Malásia e Indonésia, e os focos de tensão ligados à região estão
relacionados em sua maioria a movimentos independentistas (Le Monde
Diplomatique, 2003). Devido à importância crescente da economia dos países
que fazem parte desta região, existe uma preocupação maior com a contenção
destes movimentos.
Já o Leste Asiático possui como principais atores regionais a Rússia,
China, Japão, Coréia do Norte e Coréia do Sul, sendo que a Índia também
possui um papel importante na dinâmica política desta região. Devido à
existência de quatro países com capacidade de utilização de armas nucleares,
além dos fatores relacionados à maior inserção chinesa na política
internacional, e o ressurgimento russo, o equilíbrio de poder nesta região é
cada vez mais complexo.
Existem vários focos de tensão nesta área, mas também de origem
interna, como o caso das minorias étnicas na China e na Rússia e a disputa
entre as duas coréias. A presença estadunidense na região (utilizando portos e
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Bases militares, principalmente no Japão e em Taiwan) (Le Monde
Diplomatique, 2003) funciona como contrapeso à tentativa de projeção de
poder chinesa, o que gera certo equilíbrio regional.
O Sub-Continente Indiano é formado pela antiga área colonial inglesa no
sul da Ásia, formado principalmente por Paquistão, Índia, Bangladesh e Sri
Lanka. A principal característica desta região é o embate existente entre
Paquistão e Índia, que como são dois Estados com capacidade de utilização de
armamentos nucleares, formam uma balança de poder que se equilibra pela
existência de tais armas. A disputa pela Caxemira entre Índia, Paquistão e
China, e os movimentos separatistas na Índia e no Sri Lanka são os principais
focos de tensão da região (Le Monde Diplomatique, 2003). Tanto o Leste
Asiático,
quanto
o
Sub-Continente
Indiano
são
regiões
asiáticas
importantíssimas para o ordenamento mundial, pela existência de grandes
potências territoriais e marítimas. Além disto, Estas regiões configuram como
grande pólo econômico e do comércio internacional. A existência de potências
nucleares faz com que esta região se estabilize por meio da deténte nuclear
(PAUL, 2004).
Por sua vez, a Ásia Central, formada principalmente pelos ex-membros
da extinta União Soviética e Afeganistão, representa ainda uma área de disputa
entre a OTAN e a Rússia, pelas características geoestrégicas e de recursos
naturais próprio da região. Porém, como apresentado no início deste artigo, me
deterei mais nos aspectos referentes ao Oriente Médio, de forma a demonstrar
a prevalência desta região para o ordenamento mundial em detrimento de
outras áreas do sistema internacional.
5. Características Geoestratégicas do Oriente Médio
Antes de apresentar meus argumentos principais sobre a importância do
Oriente Médio como Heartland regional, é necessário demarcar qual é a área e
os limites do que consideramos Oriente Médio. A própria denominação de
Oriente Médio já é controversa, pois de acordo com a tradição francesa, esta
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área compreendida entre o mediterrâneo oriental e o Iraque é conhecida como
Oriente Próximo4, enquanto para os Ingleses, esta mesma região, porém
englobando mais países é denominada como Oriente Médio5. Neste artigo
utilizarei a nomenclatura Oriente Médio, por já ser um termo consagrada e por
considerar um número maior de países.
Podemos considerar o Oriente Médio como:
(...) definido como uma região que vai desde o Egito, na sua porção
oeste, até o Irã, no seu limite leste, e tendo como extremo norte a
Turquia e extremo Sul o Iêmen, possuiu uma área aproximada de 7
milhões de quilômetros quadrados (maior que o continente Europeu),
englobando 15 países e totalizando uma população aproximada de
mais de 311 milhões de habitantes. (ZAHREDDINE, 2006, P.67)
Desta forma, não considero o norte da áfrica (exceto o Egito) e nem o
Afeganistão como partes do Oriente Médio.
Isto é decorrente da própria
dinâmica topográfica e política da região, pois se observarmos um mapa de
relevo daquela área do globo, iremos perceber a existência de cadeias
montanhosas que de certa forma limitam as trocas ou reforçam características
regionais no interior desta porção territorial. Os montes Taurus na porção sul
da Turquia, o mediterrâneo, o canal de Suez e o Hejaz saudita na porção
oeste, a península arábica e o mar da Arábia ao sul e os montes Zagros na
fronteira entre Iraque e Irã constitui um conjunto topográfico que gera certa
unidade espacial à região.
Mapa 1
4
O Oriente Próximo no entendimento da tradição francesa é formado basicamente por Síria, Líbano,
Iraque, Jordânia, Israel e Palestina.
5
O Oriente Médio já engloba um número muito maior de Estados, variando muito na literatura
especializada. Pode-se encontrar a região do Oriente Médio englobando do Norte da África até o
Afeganistão, como também do Egito ao Irã.
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O Afeganistão por sua vez, está mais voltado para a dinâmica política da
Ásia Central do que para o Oriente Médio, seja pela existência de uma
topografia complexa que o aproxima mais da porção central da Ásia, seja pela
própria história de suas minorias étnicas que estão ligadas àquela região do
mundo. O Irã já seria o país mais oriental do Oriente Médio, que mantêm fortes
relações políticas, comerciais e culturais com o Oriente Médio, mas que
também mantêm traços marcantes da dominação persa que se estendeu para
o Leste.
O Egito é considerado como parte Oriente Médio, pois mesmo sendo um
país africano, sempre teve um papel importante na política regional do território
vizinho, seja como liderança político-militar, ou como um atalho estratégico do
mar europeu para o mar da Arábia e o oceano Índico.
Um fato distintivo da posição do Oriente Médio é que ele Está localizado
na soldadura de três continentes: o europeu, o africano e o asiático, sendo um
entroncamento comercial histórico e que mantêm sua importância até a
atualidade. Não é por coincidência que os três países que fazem contato direto
com as regiões limítrofes (Europa, África e Ásia Central) são os mais populosos
dentre os demais.
O Egito possui uma população de 74 milhões de Habitantes, sendo
precedido pela Turquia, com 72 milhões de habitantes e o Irã, com 68 milhões
de habitantes (WORLD BANK, 2005). Para termos uma escala de comparação,
o quarto país mais populoso da região é o Iraque, com aproximadamente 25
milhões de habitantes6.
Além das características posicionais, que torna a região um ponto de
contato entre três continentes, esta área possui três pontos estratégicos de
imenso valor para a economia, comércio e política internacional, que são: 1) O
estreito de Bósforo e de Dardanelos na Turquia; 2) O Canal de Suez no Egito;
3) O Golfo Pérsico e o Estreito de Hormuz no Irã.
6
A informação sobre o tamanho da população iraquiana não é precisa, devido à continuidade da crise
interna do país desde a invasão da Coalizão Anglo-americana em 2003. Este dado se refere ao ano de
2002 do Banco Mundial. O próximo país mais populoso seria a Arábia Saudita.
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O Estreito de Bósforo e de Dardanelos, no extremo noroeste da região,
representa a ligação entre o Mar Negro e o Mar Mediterrâneo. Ele é a principal
porta de entrada para o Cáucaso e a única saída da Rússia para o
Mediterrâneo. Este aspecto é relevante pois o Estreito de Bósforo, localizado
na cidade de Istambul, possui uma distância entre suas margens, nas áreas
mais estreitas, de menos de 700 metros, isto significa que os petroleiros russos
e a marinha mercante russa, que pela ausência de mares quentes, muitas
vezes se vê vulnerável por necessitar usar esta ligação fundamental entre a
Rússia continental e o mar europeu (o Mediterrâneo).
O Canal de Suez no Egito, localizado à sudeste do Mediterrâneo, liga o
mar europeu à costa oriental Africana, e à Península Arábica. Possui uma
extensão aproximada de 163 km e uma largura média de 365 metros. Mesmo
com o aumento do tamanho das embarcações, e as limitações que o canal de
Suez vêm sofrendo, ele continua sendo um atalho vital para o comércio
internacional e o transporte de tropas. Um exemplo de sua importância é levar
em consideração a necessidade de transportar mercadorias ou tropas fazendo
o périplo da África pelo Cabo da Boa Esperança, ou usando o Canal de Suez.
No primeiro exemplo, uma viagem de Roma até Bombaim percorreria uma
distância aproximada de 21.000 km, enquanto pelo Canal de Suez, esta
distância seria de 8.250 km. Com isto, percebe-se a importância econômica e
estratégica deste canal.
O terceiro ponto que quero salientar é o Golfo Pérsico e o estreito de
Hormuz. O Golfo Pérsico possui uma área de aproximadamente 233 mil Km2, e
concentra a maior reserva, produtores e exportadores de petróleo do mundo.
São sete os países que fazem parte da orla do Golfo Pérsico, dentre eles as
cinco maiores reservas mundiais de petróleo. Além disto, a desembocadura do
Rio Tigre e do Rio Eufrates, por meio do Canal de Chat al Arab, se dá no Golfo
Pérsico.
Com isto, o transporte da maior parte deste petróleo é feita pelas rotas
marítimas atravessando o estreito de Hormuz, que possui aproximadamente 50
km de largura em seu ponto mais estreito, e passando pelo Golfo de Omã. O
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controle deste estreito representa o monitoramento de uma das mais vitais
linhas de abastecimento energético no sistema internacional, sendo esta uma
área extremamente importante. Estes pontos estratégicos, juntamente com a
posição desta região, atribui a esta área uma grande importância geopolítica,
devido à sua característica de centralidade geográfica no sistema internacional.
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Mapa 2
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Abordando
as
características
climáticas
da
região,
notamos
a
predominância do clima desértico, o que de certa forma impacta nas relações
comerciais e de intendência. Ao mesmo tempo que o deserto apresenta
características de porosidade, pois são na sua maioria grandes paisagens e
extensões abertas, os desertos também apresentam características de mar,
devido à dificuldade de transpô-lo. A Escassez da água é predominante na
região, Exceto em algumas áreas, como o vale do Nilo, Eufrates, Tigre e
Jordão.
5.1 Implicações históricas para a dinâmica do Oriente Médio
Durante séculos o Oriente Médio foi dominado pelas mais diversas
civilizações, porém, nesta exposição, me deterei na história recente do Oriente
Médio de maneira a demonstrar os principais fatos que contribuíram para a
relevância desta região para o sistema internacional.
O início do século XX representou uma mudança importante do subsistema regional do Oriente Médio. A derrota do Império Turco Otomano na
Primeira Guerra Mundial, a descoberta do petróleo na região, o início da
migração de judeus para a Palestina, o que culminaria na criação do Estado de
Israel em 1948, e o início da guerra entre Árabes e Israelenses, são fatos
fundamentais da história desta região.
Em 1917, a revolta árabe geraria a última gota para a existência do
Império Turco Otomano. Com a abertura de mais um front contra os turcos na
Primeira Grande Guerra, e com a vitória da guerrilha árabe, apoiada pelo Reino
Unido, o final do conflito significou a entrada da influência inglesa e francesa na
região. A constituição dos mandatos britânicos e franceses sobre os países do
Oriente Médio, com exceção da Arábia Saudita e do Irã, remodelou as relações
regionais e diminui a possibilidade da criação de um único Estado Árabe.
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Com a descoberta das grandes reservas de petróleo no Irã, Iraque, Kuait
e Arábia Saudita, e com a mudança da matriz energética global para o
petróleo, a disputa pelo controle da região se ampliou, englobando não só as
potências européias, mas também os Estados Unidos da América.
A criação do Estado de Israel em 1948 representou um momento chave
para a história e para a política da região, pois devido ao forte apoio dos EUA,
fruto do entendimento da importância da constituição de um Estado “ocidental”
na área, as relações com os árabes e os israelenses se deterioraram, gerando
assim uma sucessão de conflitos que ainda se encontram em aberto até os
dias de hoje.
Israel representou para os árabes a tentativa das grandes potências
ocidentais em controlarem seu principal recurso, o petróleo. A posição
geográfica de Israel no Mediterrâneo, fora do principal eixo petrolífero do
Oriente Médio7, representa uma cabeça de ponte de 9.500 km que liga a
política estadunidense (interessada no controle político da região), e a
estratégia de manutenção do Estado de Israel.
6. O Oriente Médio como Heartland regional e predominante do Sistema
Internacional
Após
apresentar
resumidamente
as
principais
características
geoestratégicas do Oriente Médio demonstrarei meus argumentos para
observar se o Oriente Médio pode ser considerado uma região Core mais
importante que outras áreas do globo.
O primeiro ponto que gostaria de discutir á a unidade topográfica da
região. Para Mackinder (1904) o Heartland era formado por uma blindagem
natural que o transformava em uma “Fortaleza Terrestre”, tornando muito difícil
o controle de toda esta área por uma única potência. Se observarmos a
7
Este eixo se localiza fundamentalmente em uma linha vertical que percorre do Golfo Pérsico até a
porção norte do Iraque.
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configuração topográfica do Oriente Médio, perceberemos que toda esta região
é circundada por mares, montanhas ou desertos.
O poder “parador das águas” de Mearsheimer (2001) é um fator que
limita o acesso de potências externas, por isto a existência de bases
estadunidenses em alguns países da região e o patrulhamento de porta-aviões
se torna fundamental para o monitoramento da área pelos Estados Unidos.
O relevo montanhoso da região, principalmente na Turquia, Líbano,
partes da Arábia Saudita, Iraque e Irã é um fator que diminui a capacidade de
ocupação e deslocamento de forças externas dentro destas áreas, servindo
como refúgio natural das populações locais em caso de invasão estrangeira.
Já o deserto, funciona como um grande mar de areia, que limita a
atuação de equipamentos e seres humanos na tentativa de transpô-lo, devido
às altas temperaturas e o desgaste que as areias e as rochas geram nos
equipamentos.
Tentar
atravessar
um
deserto
gera
vários
problemas
semelhantes ao se tentar atravessar um oceano.
Estes fatores geram o efeito de blindagem parcial da região, isto é, a
área não é intransponível, tanto que algumas potências já ocuparam porções
da região, mas nenhuma delas controlou sua totalidade, o que também é
colocado na proposta teórica de Mackinder.
Um outro ponto destacado por Mackinder é que o Heartland seria uma
região raramente conquistada por um único país. Se observarmos a história
antiga da região, veremos que vários impérios estiveram naquela área, nenhum
deles controlou toda a sua extensão. A ocupação grega e romana era
predominantemente feita pelo litoral, não interiorizando a ocupação. O Império
Árabe-Muçulmano não conseguiu controlar todo o Oriente Médio sob a Égide
de um único Califa, e o império Turco Otomano relegou quase a totalidade da
península arábica e da antiga Pérsia aos clãs locais. Se observarmos no século
XXI, esta região ainda continua sendo assediada politicamente e militarmente,
mas é difícil definir a prevalência de alguma potência sobre a outra, sejam os
estadunidenses, britânicos, franceses, russos ou chineses, nenhum deles
conseguiu controlar toda a região.
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Esta disputa pelo controle desta área core remete a um outro ponto
tratado por Mackinder, que é a existência de riquezas naturais capazes de
sustentar o fortalecimento econômico e militar dos Estados. Antes do século
XX, o principal papel do Oriente Médio era o de via comercial e ponto de
passagem, porém, após a descoberta do petróleo na região, (aliás, as maiores
reservas do mundo), o interesse pela área mudou drasticamente. Esta
importância pode ser observada na Tabela 1, que entre as dez maiores
reservas de petróleo do mundo, as cinco primeiras estão localizadas no Oriente
Médio.
Tabela 1 – As Dez Maiores Reservas de Petróleo - 2002
Ranking
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
País
Arábia Saudita (OPEP)
Iraque
Emirados Árabes Unidos
Kuwait
Irã
Venezuela
Rússia
Estados Unidos
Líbia
Nigéria
Reservas Mundiais
de Petróleo (%)
25%
10,7%
9,3%
9,2%
8,6%
7,4%
5,7%
2,9%
2,8%
2,3%
Fonte: Petrobrás - 2002
Um outro aspecto importante para o abastecimento mundial de energia é
a relevância de determinados países para a produção de petróleo, pois mesmo
com a existência de vastas reservas, muitos países não conseguem prospectalas, o que implica na terceirização do serviço e enfraquecimento do setor
petrolífero do país. De acordo com Anderson (2000), muitos países do Oriente
Médio produzem e refinam petróleo muito abaixo da capacidade de suas
reservas, o que demonstra uma capacidade potencial de utilização destas
reservas no futuro. Mesmo assim, como pode ser observado na Tabela 2,
dentre os dez maiores países produtores de petróleo, três deles estão no
Oriente Médio, sendo a Arábia Saudita a maior produtora.
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Tabela 2 – Os Dez Maiores Países Produtores de Petróleo - 2006
Ranking
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
País
Arábia Saudita (OPEP)
Rússia
Estados Unidos
Irã (OPEP)
República Popular da China
México
Canadá
Emirados Árabes Unidos (OPEP)
Venezuela (OPEP)
Noruega
Produção em
milhões de Barris
por dia
10,7
9,6
8,3
4,1
3,8
3,7
3,2
2,9
2,8
2,7
Fonte: Energy Information Administrations (EIA) – Official Energy
Estatistics from the US Government - 2006
Além das reservas e da produção de petróleo, vários países consomem
todo petróleo que possuem, logo, não conseguem fazer resguardar suas
reservas ou vender o produto quando o preço do barril estiver alto. Na Tabela
3, entre os dez maiores países exportadores de petróleo, quatro deles fazem
parte do Oriente Médio, sendo que a Arábia Saudita é a primeira no Ranking.
Tabela 3 – Os Dez Maiores Exportadores de Petróleo - 2006
Ranking
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
País
Arábia Saudita (OPEP)
Rússia
Noruega
Irã (OPEP)
Emirados Árabes Unidos (OPEP)
Venezuela (OPEP)
Kuwait (OPEP)
Nigéria (OPEP)
Argélia (OPEP)
México
Fonte: Energy Information Administrations (EIA) – Official Energy
Estatistics from the US Government- 2006
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O que podemos perceber com estes dados, é que o Oriente Médio
constitui uma região que além de possuir recursos naturais importantes, como
o petróleo, esta é uma região produtora, exportadora e com potencialidade de
aumentar a produção e o refino deste recurso natural (ANDERSON, 2000). A
importância do Oriente Médio quanto fornecedor da principal matriz energética
do sistema internacional o torna pedra angular da política mundial, pois como
foi percebido nas crises do petróleo de 1973 e 1979, ainda hoje, qualquer
mudança na relação dos países produtores e exportadores de petróleo do
Oriente Médio com as grandes potências, pode gerar uma elevação do preço
do barril no mercado internacional.
Além das características locacionais e posicionais, e da relevância do
petróleo para a economia mundial, um outro fator importante que deve ser
destacado é a população da região. A maioria da população do Oriente Médio
é constituída por muçulmanos, mas mesmo assim, esta área representa o
berço das três principais religiões monoteístas do mundo: judaísmo,
cristianismo e islamismo. Logo, mesmo com a prevalência da população
muçulmana, a presença dos judeus em Israel, e em vários outros países
árabes, assim como o dos cristãos, gera embates ideológicos fruto da
importância desta área para estes povos. Jerusalém representa uma das
cidades mais sagradas para os judeus, cristãos e muçulmanos e esta
característica conferi uma maior complexidade à região.
A existência de somente uma potência com capacidade nuclear na
região (Israel), torna esta balança de poder extremamente instável. A tentativa
de outros Estados em contrabalancear a coalizão Israel-EUA, como Irã, e em
certa medida a Síria, por meios não convencionais, polariza as relações dentro
do sub-sistema regional do Oriente Médio, tornando cada vez mais difícil a
predominância de uma coalizão com relação à outra.
Os embates que ocorrem no Líbano, Palestina e Israel, e aqueles que
ocorreram na Síria e no Egito (em um passado recente), reflete as zonas de
fricção entre o assédio de potências externas na tentativa de interferir na
política regional. Por outro lado, os embates se tornam mais violentos na
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tentativa de resistência dos atores locais em responder tais ações. A ocupação
do Iraque significou um passo avançado pelo controle de uma zona central no
Heartland do Oriente Médio, mas a capacidade dos EUA em continuar a ação
contra o Irã e a Síria corrobora a idéia deste trabalho, que é da dificuldade de
se controlar a totalidade da região.
Considerações Finais
A pergunta inspiradora deste artigo foi se o Oriente Médio constituía um
Heartland regional, e se a sua existência impactava sobre o ordenamento
mundial. A primeira pergunta me parece afirmativa (mesmo sendo um trabalho
exploratório e limitado), devido aos elementos aqui apresentados que são
minimamente compatíveis com os princípios tratados por Mackinder.
A segunda pergunta também, pois o que foi observado na década de
1970, com as duas crises do petróleo, momento histórico que remodelou as
relações econômicas, políticas e estratégicas entre os elementos do sistema
internacional, e consequentemente o ordenamento mundial, pode ser
observado também com o 11 de setembro. Esta tragédia humana concedeu os
argumentos “morais” necessários para a tentativa de controle do Oriente Médio
pelos Estados Unidos, o que pode ser comprovada com os mais de 300 bilhões
de dólares8 gastos com a invasão do Iraque desde 2003, além da ajuda de
custo dado a fundo perdido a Israel para garantir a modernização das IDF.
Além do custo econômico, o apoio político e incondicional é uma marca
histórica da relação entre Estados Unidos e Israel. A maioria das resoluções
vetadas pelos Estados Unidos durante a década de 1980 no conselho de
segurança estavam ligadas a Israel. Este apoio incondicional gera um alto
8
Esta é uma estimativa baixa, fornecida pelo governo estadunidense no início do ano de 2007. Algumas
organizações internacionais nos EUA acreditam que este gasto esteja próximo aos 500 bilhões de dólares
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custo político aos EUA, pois fragiliza a sua relação política perante a maioria
árabe muçulmana da região.
O 11 de setembro, e a luta contra o terrorismo reformulou as relações
entre os Estados não pelo ataque terrorista em si, mas pela possibilidade do
governo estadunidense aproveitar desta justificativa para remodelar a
configuração de forças do sistema internacional, buscando controlar o Oriente
Médio de maneira definitiva, uma tarefa ainda em aberto.
O alto custo econômico e político de inserção dos EUA no Oriente Médio
demonstram a importância desta região para a maior potência global, que tenta
aprofundar as características de unipolaridade do sistema internacional por
meio do controle desta área vital. Logo, o Oriente Médio pode ser considerado
um Heartland regional preponderante para a ordem mundial, pois além de
modificar o comportamento dos Estados, o valor conferido a esta região pela
maior potência mundial reafirma ainda mais esta importância.
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