1º Encontro Nacional da ABRI Segurança Internacional A Ordem Mundial do Século XXI: A Teoria Heartland-Hinterland e o Oriente Médio como um Entreposto da Política Internacional Danny Zahreddine** Em 1904, Halford Mackinder1, geógrafo britânico, apresentou à Sociedade Geográfica Real o seu mais célebre e discutido artigo, “The Geographical Pivot of History”, que durante muito tempo representou a principal teoria que sustentava a política de contenção de um bloco formado por Alemanha e União Soviética no pós-Primeira Guerra Mundial. Esta abordagem, ainda contemporânea, têm suscitado muitas discussões, tanto no âmbito das Relações Internacionais, quanto nos Estudos Estratégicos e na Geopolítica. A teoria Heartland-Hinterland, principal contribuição do artigo de Mackinder de 1904, tentou demonstrar a importância da dualidade de dois poderes preponderantes no sistema internacional: o poder marítimo e o poder terrestre. Os Estados, utilizando de suas capacidades marítimas ou terrestres buscavam o controle de determinadas áreas do mundo, caracterizadas por aspectos geográficos, estratégicos, econômicos e políticos que as tornavam regiões sensíveis para a política internacional, esta grande região foi denominada por Mackinder como Heartland. O controle destas áreas por um Estado, ou por uma coalizão de Estados, representaria o domínio do ordenamento internacional por estes países. Desta forma, o intuito deste artigo é apresentar as principais idéias de Mackinder, avaliando a sua contribuição para o entendimento da ordem internacional e identificar, no século XXI, prováveis Heartlands que possam ser decisivos para o controle do sistema internacional por um único Estado ou por uma coalizão de Estados. As ligações existentes entre as relações internacionais e a geografia é algo indissociável, pois como dizia o geógrafo francês, Jean Gottman, “as relações internacionais não ocorrem no vácuo”. Desta forma, destacar as características geográficas que mais estimulam as relações internacionais é um trabalho que pode gerar ganhos para o entendimento tanto de conflitos internacionais como para o ordenamento do sistema internacional. 1 Halford John Mackinder (1861-1947), geógrafo inglês que teve grande importância para o fortalecimento do ensino de geografia no Reino Unido, além de ter trabalhado junto à marinha britânica. 1 1º Encontro Nacional da ABRI Segurança Internacional A Ordem Mundial do Século XXI: A Teoria Heartland-Hinterland e o Oriente Médio como um Entreposto da Política Internacional Danny Zahreddine** É neste sentido que o trabalho de Mackinder é esclarecedor, pois apresenta a geografia como um motor fundamental para a história das civilizações. Desta forma, após mais de um século do seu célebre artigo de 1904, a noção de Heartland continua sendo um conceito importante para entendermos a ação dos Estados nacionais em busca do controle de determinadas áreas do mundo. O início do século XXI, principalmente no pós 11 de setembro, a aplicação de alguns conceitos da teoria mackinderiana (levando em consideração seus limites), na busca de um provável Heartland para o novo século é no mínimo instigante. A principal pergunta que este trabalha suscita é a seguinte: existe um novo Heartland para o Século XXI ? Se a resposta for sim, onde localizaria esta nova região Core e qual a sua influência para o ordenamento mundial. Este trabalho discutirá o conceito de Heartland, assim como a importância do poder marítimo e do poder terrestre para as relações internacionais. Desta forma, será inevitável a apresentação de alguns teóricos das relações internacionais que também tratam desta temática, como John Mearsheimer. A discussão acerca da existência de uma área Core como a proposta por Mackinder no século XXI e apresentar o Oriente Médio como forte candidato a este posto será uma tarefa buscada neste texto. Para isto, uma reflexão sobre as características do atual sistema internacional, da geopolítica adotada pelos principais Estados para o Oriente Médio, da economia regional, da “política do Oleoduto” e sobre os atores transnacionais que afetam os Estados daquela região será apresentada com o objetivo de demonstrar a importância desta área para o ordenamento mundial. Desta maneira, como desdobramento natural deste artigo, poderemos reafirmar a relevância dos estudos de geopolítica para as relações internacionais e as contribuições que esta ação interdisciplinar poderá gerar para o entendimento da dinâmica do Sistema Internacional para o século XXI. 1. Espaço e Poder: A geografia como força motriz da história?? 2 1º Encontro Nacional da ABRI Segurança Internacional A Ordem Mundial do Século XXI: A Teoria Heartland-Hinterland e o Oriente Médio como um Entreposto da Política Internacional Danny Zahreddine** A discussão acerca da relevância dos aspectos geográficos para o entendimento das relações internacionais é um tema pouco discutido nos principais manuais de relações internacionais na atualidade. Raymond Aron, Duroselle, Renovin e outros célebres pensadores desta área do conhecimento, são alguns exemplos de teóricos que apresentaram em suas obras aspectos fundamentais das relações internacionais que estavam diretamente ligados à importância dos aspectos geográficos para o próprio funcionamento do sistema internacional. Em 1904, quando Halford Mackinder apresentou seu artigo “The Geographical Pivot of History”, o que o autor tentava demonstrar era a importância do entendimento da dinâmica espacial do sistema internacional, de modo que as potências que entendessem o funcionamento desta dinâmica pudessem controlar a política internacional. Seria justamente o entendimento destes pontos geoestratégicos da superfície do globo que faria um Estado controlar seus principais fluxos. Para sustentar suas idéias, Mackinder fez uma extensa apresentação acerca das principais civilizações na história da humanidade, destacando características locacionais e espaciais de tais civilizações. Para ele, estes aspectos, são por exemplo: existência de mares interiores e rios que desaguavam dentro destes mares; cadeias montanhosas que restringiam o acesso a estas áreas; existência de recursos naturais e terras agricultáveis, além da existência de uma população expressiva e bem distribuída pelo território, transformaria esta região em uma verdadeira fortaleza territorial. Desta forma, devido à existência de atributos naturais importantes, assim como a dificuldade de controle desta suposta região, o Estado que conseguisse controlá-la, poderia desfrutar de dois ganhos principais: 1) Uma região bem protegida do assédio externo; 2) A utilização dos recursos naturais existentes nesta área. 3 1º Encontro Nacional da ABRI Segurança Internacional A Ordem Mundial do Século XXI: A Teoria Heartland-Hinterland e o Oriente Médio como um Entreposto da Política Internacional Danny Zahreddine** Mackinder acreditava que esta combinação, juntamente com características históricas e culturais de cada povo, permitiria ao Estado que dominasse uma região com estas características reconfigurar o ordenamento mundial. O conceito de Heartland perpassa por este entendimento, com um ponto adicional, para ele, esta “fortaleza terrestre” existia e poderia ser localizada, esta região seria a porção oriental da Europa, se estendendo até os Montes Urais. Este é um ponto de grande discussão na teoria Heartland-Hinterland2, pois de acordo com o autor, a potência que dominasse o Heartland teria maior possibilidade de controlar também toda África, Ásia e Europa, e conseqüentemente o mundo. Este embate pelo controle de tal área se daria pelas principais formas de poder utilizadas pelo Estado, que seria o poder terrestre versus poder marítimo. O poder terrestre para Mackinder era o poder central no sistema internacional, e o poder marítimo o periférico. A luta pelo controle de áreas estratégicas do mundo se daria pela confrontação destes dois poderes, que geraria áreas de fricção no contato direto destas forças. A França, Alemanha e Rússia são exemplos de poderes terrestres, enquanto Japão e Reino Unido exemplos de poderes marítimos. Os Estados Unidos da América seria uma “ilha geopolítica”, devido à sua localização e posição, além de conter características marcantes de uma potência terrestre e marítima, o que o tornaria um poder anfíbio. O conceito de Inner crescent e outer crescent, muito utilizado por Mackinder, visava demonstrar as áreas de contato entre o poder marítimo e o poder terrestre, sendo que o inner crescent (arco interior) seria a área de expansão natural e de defesa do poder terrestre (principalmente as áreas que circundavam o poder continental e as áreas anfíbias do continente), enquanto o outter crescent (arco exterior) seria a área de domínio do poder marítimo (oceanos e mares) (MELLO, 1999). 2 A idéia de Heartland-Hinterland remete a uma relação centro-periferia, não do ponto de vista da teoria da dependência, mas sim da dinâmica existente entre o poder central (territorial) e o periférico (marítimo). 4 1º Encontro Nacional da ABRI Segurança Internacional A Ordem Mundial do Século XXI: A Teoria Heartland-Hinterland e o Oriente Médio como um Entreposto da Política Internacional Danny Zahreddine** Como dito anteriormente, um dos pontos mais controversos desta teoria é a relação de causalidade que Mackinder faz ao relacionar o controle do Heartland com o controle da balança de poder mundial. De fato, a região mencionada pelo autor é historicamente importante e até os dias de hoje é palco da disputa das grandes potências, por exemplo: o início da I Guerra mundial que se deu nos Bálcãs; o tratado de não agressão entre a Alemanha nazista e a União Soviética controlada por Stálin; as maiores batalhas da segunda guerra mundial; o equilíbrio do terror praticado entre Estados Unidos e União Soviética durante a Guerra Fria, culminando com o compartilhamento de Berlim; e os últimos desdobramentos da disputa estadunidense e russa pelo controle da Europa Oriental e Ásia Central (o polêmico escudo antimíssil proposto pelos EUA em 2007) . Mesmo com toda a relevância desta região, é necessário relativizar a relação de causalidade proposta por Mackinder, pois como bem sabemos, a ex-União Soviética controlou quase a totalidade do Heartland Mackinderiano antes do seu esfacelamento no início da década de 1990, e nem por isto conseguiu controlar a política mundial. Isto pode ter sido fruto de dois fenômenos: 1) A URSS não conseguiu controlar todo o Heartland proposto por Mackinder, faltando Berlim e a parte ocidental da Alemanha, o que demonstra o quão difícil é o controle de toda região, ou 2) porque esta relação de causalidade não existia. Tendo acreditar que estes dois aspectos explicam em certa medida o porque da não prevalência da URSS sobre os EUA, considerando a teoria mackinderiana. Desta forma, a principal contribuição de Mackinder foi apresentar uma teoria que permitisse uma percepção mais sistemática do ordenamento mundial logo no início do século XX, além de apontar para as principais características que fariam os Estados a buscarem a hegemonia no sistema internacional, que seria a busca do poder marítimo ou terrestre para o controle de regiões estratégicas do globo, o que atribuiria a estas potências a supremacia no sistema internacional. 5 1º Encontro Nacional da ABRI Segurança Internacional A Ordem Mundial do Século XXI: A Teoria Heartland-Hinterland e o Oriente Médio como um Entreposto da Política Internacional Danny Zahreddine** 2. Mackinder e as Relações Internacionais É possível fazer uma série de correlações entre as principais idéias de Mackinder com outros teóricos das relações internacionais, mas a abordagem mais próxima é mantida entre Mackinder e John Mearsheimer. Mackinder é denominado como geógrafo político, geopolítico e geoestratégico, e é justamente esta última denominação que o aproxima de John Mearsheimer, conhecido pelos seus trabalhos que abordam os Estudos Estratégicos e a Teoria de relações internacionais. Em seu livro The Tragedy of Great Power Politics (2001), principalmente em seu capítulo IV, fica claro a aproximação destes dois autores. Mearsheimer (2001) discute a natureza do sistema internacional e de seu principal instrumento de inserção neste sistema, que é o poder. Para ele, dentre os mais diversos tipos de poder, os que se destacam mais são: o poder marítimo e o poder terrestre, sendo que o poder terrestre é predominante sobre o marítimo. Mackinder (1904) acreditava ser muito mais difícil para uma potência marítima se lançar ao mar, constituir uma força terrestre e quebrar o arco defensivo do poder continental do que o contrário. Mearsheimer (2001) também destaca as limitações da utilização do poder marítimo, pois para ele, o poder determinante para a conquista territorial seria o próprio poder terrestre, sendo as táticas utilizadas pelo poder marítimo (como por exemplo, os bloqueios), muitas vezes insuficiente para levar à rendição de um outro Estado. Da mesma forma, Mackinder (1904) destacou a formidável barreira que o oceano constituía para as grandes potências, sendo este o fator limitador da potência terrestre, pois este arco exterior defensivo (outer crescent) por si só já gerava altos custos para os Estados que buscavam o domínio dos mares ou das potências insulares (MELLO, 1999). Mearsheimer (2001), por sua vez, também compartilha desta impressão com Mackinder, sendo que para ele, a dificuldade da existência de uma hegemonia global residiria justamente pela 6 1º Encontro Nacional da ABRI Segurança Internacional A Ordem Mundial do Século XXI: A Teoria Heartland-Hinterland e o Oriente Médio como um Entreposto da Política Internacional Danny Zahreddine** existência do “poder parador das águas” (MEARSHEIMER, 2001) do grande oceano, sendo que a existência desta barreira forçava o surgimento de hegemonias regionais em detrimento de uma hegemonia global. Os componentes do poder para Mackinder (1904) estavam ligados principalmente à questão posicional e localizacional, além do controle de recursos minerais que forneceriam a base do desenvolvimento industrial e militar de um país. Com uma percepção semelhante, Mearsheimer (2001) atribui grande importância à existência e utilização destes recursos, o que faria a diferença entre o poder militar convencional de uma potência com relação à outra, mesmo em época de equilíbrio de poder nuclear. O seminal texto de Mackinder de 1904 aponta para alguns elementos fundamentais que reforçam a necessidade do entendimento da dinâmica do espaço mundial, e que talvez esta fosse a chave para predizer o comportamento de determinados Estados. A idéia de balança de poder existente em seu texto, a sistematização das relações entre os elementos do sistema internacional e a apresentação dos principais fatores que levam os Estados a se enfrentarem neste sistema, constitui um caminho interessante, do ponto de vista da geoestratégia, para o entendimento das relações internacionais. A busca por regiões que favoreçam o acúmulo e a projeção de poder, além das alianças geradas por esta busca, contribui para o choque entres os Estados, gerando impacto no ordenamento do sistema internacional. A busca pelo controle do espaço e do território (RAFESTIN, 1993), possui desdobramentos que vão além da simples ocupação territorial apontada pelo senso comum, pois os elementos geográficos e espaciais envolvidos em tais regiões estão ligadas às questões populacionais, culturais, estratégicas, econômicas, comerciais, logísticas, entre outras dimensões. Assim, a possibilidade de relativizar o conceito de Heartland, que possui uma escala global, para uma escala regional, utilizando as principais características apontadas por Mackinder (1904), juntamente com os pontos de convergência da abordagem de John Mearsheimer (2001), poderá resultar em 7 1º Encontro Nacional da ABRI Segurança Internacional A Ordem Mundial do Século XXI: A Teoria Heartland-Hinterland e o Oriente Médio como um Entreposto da Política Internacional Danny Zahreddine** uma abordagem espacialista que nos auxiliará a entender a existência ou não de novos heartlands para o século XXI. 3. A Ordem Internacional e a Influência do Heartland A discussão acerca das definições de sistema internacional, sociedade internacional e comunidade internacional não é o foco deste artigo, porém, para clarificar os conceitos utilizados nesta exposição, opta-se pela utilização do conceito de sistema internacional e ordem na política internacional como apresentado por Hedley Bull (2002). Desta forma, não farei aqui uma discussão aprofundada sobre a diferenciação entre o sistema internacional e a sociedade internacional, mas sim utilizarei de maneira ampla o conceito de sistema internacional quanto “constelação de Estados”, como colocado por Bull (2002), e ordem como sendo a disposição destes elementos no sistema internacional, o que irá gerar uma determinada configuração do sistema internacional. O que nos interessa neste trabalho é observar como a existência de heartlands regionais pode alterar ou não a configuração do sistema internacional, gerando impacto no ordenamento mundial. Levando em consideração o sistema internacional, e tomando como pressuposto o principal ponto de convergência da abordagem realista, neorealista e neoliberal, de que o sistema é anárquico, e que a ação do Estado está diretamente ligada à sua sobrevivência, indico como fator fundamental para tal objetivo a busca pelos Estados de regiões do globo que favorecessem a manutenção ou ampliação do poder. Logo, observar a localização, tamanho e qualidade das principais reservas de petróleo existentes no globo, assim como o controle de estreitos e canais, que favorecem o comércio internacional e o deslocamento de tropas, 8 1º Encontro Nacional da ABRI Segurança Internacional A Ordem Mundial do Século XXI: A Teoria Heartland-Hinterland e o Oriente Médio como um Entreposto da Política Internacional Danny Zahreddine** constituem alguns exemplos fundamentais para o cálculo dos Estados na busca da manutenção ou aumento do poder das grandes potências. O que deve ser destacado é que esta observação perpassa pelo entendimento do funcionamento do sistema internacional, mas também constitui uma avaliação eminentemente espacial, que terá desdobramentos claros na organização do espaço mundial. Com isto, a busca pelos Heartlands regionais3 implica na tentativa de encontrar regiões do globo que são sensíveis à política internacional devido às suas múltiplas características geográficas, sendo que o controle destas regiões pelas grandes potências, ou a mudança do status quo nestas regiões poderia gerar uma transformação significativa do ordenamento do sistema internacional. Como exposto no início deste artigo, tentarei demonstrar algumas características de uma dada região do mundo que talvez se enquadre nas proposições amplas do que seria um Heartland regional, e que de fato tenha uma interferência significativa no ordenamento mundial. 4. Existem Heartlands no Sistema Internacional do Século XXI ? Para Mackinder existia apenas um Heartland, e este se localizava na Eurásia (MELLO, 1999), sendo que o embate pela hegemonia global se daria pelo controle desta região. Já ponderamos sobre este ponto e propus a existência de vários Heartlands regionais, em detrimento de um único Heartland. Porém, é importante ressaltar que existem regiões no mundo que são mais sensíveis ao assédio das grandes potências do que outras, e que o empenho para controlá-las também é diferenciado. Logo, mesmo aceitando a existência de vários Heartlands regionais, temos que levar em consideração 3 Esta definição não consta nos artigos de Mackinder, utiliza-se aqui pelo autor como uma derivação da definição original. 9 1º Encontro Nacional da ABRI Segurança Internacional A Ordem Mundial do Século XXI: A Teoria Heartland-Hinterland e o Oriente Médio como um Entreposto da Política Internacional Danny Zahreddine** uma hierarquia entre estas regiões, sendo que determinadas áreas são mais importantes do que outras do ponto de vista geoestratégico. Um exemplo da utilização regional do conceito de Heartland já foi feito por alguns geopolíticos brasileiros (TRAVASSOS, 1947), que apontavam a Bolívia como uma espécie de Heartland sul americano. Para o autor, a Bolívia seria um país chave, pois participava de três domínios geopolíticos existentes na América do Sul: o domínio amazônico, andino e do prata. Além disto, a complexidade de sua topografia, a existência de recursos naturais, e o reiterado assédio que este país sofreu desde sua independência (perdendo aproximadamente 40% do seu território e seu acesso ao mar, em uma série de guerras e acordos com vários países sul-americanos, como por exemplo: Chile, Peru, Paraguai, Bolívia e Brasil), além da complexidade da sociedade boliviana, fazia deste país um elemento chave nas relações entre Brasil, Peru, Colômbia e Paraguai. Esta observação foi feita no início do século XX, e posteriormente reiterada pelo General Golbery, sobretudo em sua Geopolítica do Brasil (1967). Porém, após o término da União Soviética e dos atentados de 11 de setembro de 2001, quais seriam as regiões do globo que são mais sensíveis para a ordem mundial? Se utilizarmos o critério das áreas mais conflituosas do mundo, no início do século XXI, algumas regiões se destacam, e geram impactos distintos para o ordenamento mundial. Temos que deixar claro que este é um dos critérios colocados por Mackinder (1904), como forma de identificar uma área Core. É importante ressaltar também que não são somente as áreas mais conflituosas as mais sensíveis para a ordem mundial, mas levar em consideração a combinação sobre a natureza dos conflitos, a riqueza de tais regiões e a complexidade etno-religiosa de tais populações, que também são fatores que influenciam na determinação do Heartland. Nas Américas, fora os atentados de 11 de setembro de 2001, que atingiram Nova York e Washington, nos EUA, os principais conflitos nesta região do mundo são de caráter interno: O Movimento Zapatista de Chipas no México; A América Central e o processo de reabilitação dos países que 10 1º Encontro Nacional da ABRI Segurança Internacional A Ordem Mundial do Século XXI: A Teoria Heartland-Hinterland e o Oriente Médio como um Entreposto da Política Internacional Danny Zahreddine** sofreram ditaduras e movimentos separatistas; As divisões políticas na Venezuela; A guerra civil colombiana que se arrasta por décadas; A instabilidade política no Equador, Bolívia e Paraguai e a violência urbana no Brasil (Le monde Diplomatique, 2003). Porém, estes problemas possuem pouco impacto no ordenamento mundial (com exceção dos ataques de 11 de setembro de 2001), seja pela distância dos principais centros políticos do sistema internacional (EUA e Europa), ou pela relevância destes Estados no contexto da política internacional (Com exceção dos EUA, nenhum dos países acima citados são membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas ou possuem armas nucleares). Na Europa, Os principais conflitos do século XXI estão ligados a movimentos separatistas, como por exemplo: o caso Basco na Espanha; o da Irlanda do Norte com o Reino Unido, e dos Bálcãs. Este último suscitou um impacto maior no sistema internacional, pois culminou em uma ação militar da OTAN em março de 1999, com o intuito de minorar a possibilidade de alastramento do conflito para a Europa Ocidental. Mas mesmo assim, os focos de tensão nesta área também estão mais ligados às questões internas dos Estados, e ao processo de migração de populações de países pobres para a Europa do que a conflitos internacionais. Por sua vez, a África e a Ásia são as regiões com maior concentração de focos de tensão, onde se destacam: conflitos internacionais, conflitos independentistas, guerras civis e graves distúrbios internos (Le Monde Diplomatique, 2003). A natureza das guerras na África remonta o processo neocolonial europeu naquele continente (MILZA, 1999), o que fomentou guerras tribais, guerras civis, conflitos independentistas e internacionais. A formação das fronteiras dos Estados Nacionais africanos e sua incompatibilidade territorial com as minorias étnicas e religiosas que lá habitavam proporcionou uma multiplicidade de conflitos, como por exemplo: No chifre da África (Somália, Eritréia e Etiópia), na costa Atlântica (Côte d’Ivoire, Libéria e Serra Leoa), no Magreb (principalmente Líbia, Argélia, Saara 11 1º Encontro Nacional da ABRI Segurança Internacional A Ordem Mundial do Século XXI: A Teoria Heartland-Hinterland e o Oriente Médio como um Entreposto da Política Internacional Danny Zahreddine** Ocidental, Mauritânia e outros), e a África Sub-Saariana (Ruanda, Burundi, República Democrática do Congo, República do Congo, Moçambique, Angola e etc) (Le Monde Diplomatique, 2003). Existem vários outros focos de tensão na África, mas me limitarei a estes. Porém, devido à natureza destes conflitos e o isolamento africano no sistema internacional, as iniciativas para solução destes conflitos, ou os impactos que eles têm no sistema também são minorados. Já a Ásia, devido à sua grande extensão territorial, e por ser o continente com o maior número de conflitos e Estados que possuem armas nucleares (Le Monde Diplomatique, 2003), aparece como região extremamente sensível à política internacional. Sabemos que regionalizar áreas do globo é uma discussão infindável entre os geógrafos, logo, apenas como forma de sintetizar meus argumentos, apresentarei cinco sub-regiões asiáticas e discutirei sumariamente os principais focos de tensão existentes nestas regiões, que são: Oriente Médio, Ásia Central, Sub-continente Indiano, Leste Asiático e Sudeste Asiático. O Sudeste Asiático é formado principalmente pela antiga Indochina, Filipinas, Malásia e Indonésia, e os focos de tensão ligados à região estão relacionados em sua maioria a movimentos independentistas (Le Monde Diplomatique, 2003). Devido à importância crescente da economia dos países que fazem parte desta região, existe uma preocupação maior com a contenção destes movimentos. Já o Leste Asiático possui como principais atores regionais a Rússia, China, Japão, Coréia do Norte e Coréia do Sul, sendo que a Índia também possui um papel importante na dinâmica política desta região. Devido à existência de quatro países com capacidade de utilização de armas nucleares, além dos fatores relacionados à maior inserção chinesa na política internacional, e o ressurgimento russo, o equilíbrio de poder nesta região é cada vez mais complexo. Existem vários focos de tensão nesta área, mas também de origem interna, como o caso das minorias étnicas na China e na Rússia e a disputa entre as duas coréias. A presença estadunidense na região (utilizando portos e 12 1º Encontro Nacional da ABRI Segurança Internacional A Ordem Mundial do Século XXI: A Teoria Heartland-Hinterland e o Oriente Médio como um Entreposto da Política Internacional Danny Zahreddine** Bases militares, principalmente no Japão e em Taiwan) (Le Monde Diplomatique, 2003) funciona como contrapeso à tentativa de projeção de poder chinesa, o que gera certo equilíbrio regional. O Sub-Continente Indiano é formado pela antiga área colonial inglesa no sul da Ásia, formado principalmente por Paquistão, Índia, Bangladesh e Sri Lanka. A principal característica desta região é o embate existente entre Paquistão e Índia, que como são dois Estados com capacidade de utilização de armamentos nucleares, formam uma balança de poder que se equilibra pela existência de tais armas. A disputa pela Caxemira entre Índia, Paquistão e China, e os movimentos separatistas na Índia e no Sri Lanka são os principais focos de tensão da região (Le Monde Diplomatique, 2003). Tanto o Leste Asiático, quanto o Sub-Continente Indiano são regiões asiáticas importantíssimas para o ordenamento mundial, pela existência de grandes potências territoriais e marítimas. Além disto, Estas regiões configuram como grande pólo econômico e do comércio internacional. A existência de potências nucleares faz com que esta região se estabilize por meio da deténte nuclear (PAUL, 2004). Por sua vez, a Ásia Central, formada principalmente pelos ex-membros da extinta União Soviética e Afeganistão, representa ainda uma área de disputa entre a OTAN e a Rússia, pelas características geoestrégicas e de recursos naturais próprio da região. Porém, como apresentado no início deste artigo, me deterei mais nos aspectos referentes ao Oriente Médio, de forma a demonstrar a prevalência desta região para o ordenamento mundial em detrimento de outras áreas do sistema internacional. 5. Características Geoestratégicas do Oriente Médio Antes de apresentar meus argumentos principais sobre a importância do Oriente Médio como Heartland regional, é necessário demarcar qual é a área e os limites do que consideramos Oriente Médio. A própria denominação de Oriente Médio já é controversa, pois de acordo com a tradição francesa, esta 13 1º Encontro Nacional da ABRI Segurança Internacional A Ordem Mundial do Século XXI: A Teoria Heartland-Hinterland e o Oriente Médio como um Entreposto da Política Internacional Danny Zahreddine** área compreendida entre o mediterrâneo oriental e o Iraque é conhecida como Oriente Próximo4, enquanto para os Ingleses, esta mesma região, porém englobando mais países é denominada como Oriente Médio5. Neste artigo utilizarei a nomenclatura Oriente Médio, por já ser um termo consagrada e por considerar um número maior de países. Podemos considerar o Oriente Médio como: (...) definido como uma região que vai desde o Egito, na sua porção oeste, até o Irã, no seu limite leste, e tendo como extremo norte a Turquia e extremo Sul o Iêmen, possuiu uma área aproximada de 7 milhões de quilômetros quadrados (maior que o continente Europeu), englobando 15 países e totalizando uma população aproximada de mais de 311 milhões de habitantes. (ZAHREDDINE, 2006, P.67) Desta forma, não considero o norte da áfrica (exceto o Egito) e nem o Afeganistão como partes do Oriente Médio. Isto é decorrente da própria dinâmica topográfica e política da região, pois se observarmos um mapa de relevo daquela área do globo, iremos perceber a existência de cadeias montanhosas que de certa forma limitam as trocas ou reforçam características regionais no interior desta porção territorial. Os montes Taurus na porção sul da Turquia, o mediterrâneo, o canal de Suez e o Hejaz saudita na porção oeste, a península arábica e o mar da Arábia ao sul e os montes Zagros na fronteira entre Iraque e Irã constitui um conjunto topográfico que gera certa unidade espacial à região. Mapa 1 4 O Oriente Próximo no entendimento da tradição francesa é formado basicamente por Síria, Líbano, Iraque, Jordânia, Israel e Palestina. 5 O Oriente Médio já engloba um número muito maior de Estados, variando muito na literatura especializada. Pode-se encontrar a região do Oriente Médio englobando do Norte da África até o Afeganistão, como também do Egito ao Irã. 14 1º Encontro Nacional da ABRI Segurança Internacional A Ordem Mundial do Século XXI: A Teoria Heartland-Hinterland e o Oriente Médio como um Entreposto da Política Internacional Danny Zahreddine** 15 1º Encontro Nacional da ABRI Segurança Internacional A Ordem Mundial do Século XXI: A Teoria Heartland-Hinterland e o Oriente Médio como um Entreposto da Política Internacional Danny Zahreddine** O Afeganistão por sua vez, está mais voltado para a dinâmica política da Ásia Central do que para o Oriente Médio, seja pela existência de uma topografia complexa que o aproxima mais da porção central da Ásia, seja pela própria história de suas minorias étnicas que estão ligadas àquela região do mundo. O Irã já seria o país mais oriental do Oriente Médio, que mantêm fortes relações políticas, comerciais e culturais com o Oriente Médio, mas que também mantêm traços marcantes da dominação persa que se estendeu para o Leste. O Egito é considerado como parte Oriente Médio, pois mesmo sendo um país africano, sempre teve um papel importante na política regional do território vizinho, seja como liderança político-militar, ou como um atalho estratégico do mar europeu para o mar da Arábia e o oceano Índico. Um fato distintivo da posição do Oriente Médio é que ele Está localizado na soldadura de três continentes: o europeu, o africano e o asiático, sendo um entroncamento comercial histórico e que mantêm sua importância até a atualidade. Não é por coincidência que os três países que fazem contato direto com as regiões limítrofes (Europa, África e Ásia Central) são os mais populosos dentre os demais. O Egito possui uma população de 74 milhões de Habitantes, sendo precedido pela Turquia, com 72 milhões de habitantes e o Irã, com 68 milhões de habitantes (WORLD BANK, 2005). Para termos uma escala de comparação, o quarto país mais populoso da região é o Iraque, com aproximadamente 25 milhões de habitantes6. Além das características posicionais, que torna a região um ponto de contato entre três continentes, esta área possui três pontos estratégicos de imenso valor para a economia, comércio e política internacional, que são: 1) O estreito de Bósforo e de Dardanelos na Turquia; 2) O Canal de Suez no Egito; 3) O Golfo Pérsico e o Estreito de Hormuz no Irã. 6 A informação sobre o tamanho da população iraquiana não é precisa, devido à continuidade da crise interna do país desde a invasão da Coalizão Anglo-americana em 2003. Este dado se refere ao ano de 2002 do Banco Mundial. O próximo país mais populoso seria a Arábia Saudita. 16 1º Encontro Nacional da ABRI Segurança Internacional A Ordem Mundial do Século XXI: A Teoria Heartland-Hinterland e o Oriente Médio como um Entreposto da Política Internacional Danny Zahreddine** O Estreito de Bósforo e de Dardanelos, no extremo noroeste da região, representa a ligação entre o Mar Negro e o Mar Mediterrâneo. Ele é a principal porta de entrada para o Cáucaso e a única saída da Rússia para o Mediterrâneo. Este aspecto é relevante pois o Estreito de Bósforo, localizado na cidade de Istambul, possui uma distância entre suas margens, nas áreas mais estreitas, de menos de 700 metros, isto significa que os petroleiros russos e a marinha mercante russa, que pela ausência de mares quentes, muitas vezes se vê vulnerável por necessitar usar esta ligação fundamental entre a Rússia continental e o mar europeu (o Mediterrâneo). O Canal de Suez no Egito, localizado à sudeste do Mediterrâneo, liga o mar europeu à costa oriental Africana, e à Península Arábica. Possui uma extensão aproximada de 163 km e uma largura média de 365 metros. Mesmo com o aumento do tamanho das embarcações, e as limitações que o canal de Suez vêm sofrendo, ele continua sendo um atalho vital para o comércio internacional e o transporte de tropas. Um exemplo de sua importância é levar em consideração a necessidade de transportar mercadorias ou tropas fazendo o périplo da África pelo Cabo da Boa Esperança, ou usando o Canal de Suez. No primeiro exemplo, uma viagem de Roma até Bombaim percorreria uma distância aproximada de 21.000 km, enquanto pelo Canal de Suez, esta distância seria de 8.250 km. Com isto, percebe-se a importância econômica e estratégica deste canal. O terceiro ponto que quero salientar é o Golfo Pérsico e o estreito de Hormuz. O Golfo Pérsico possui uma área de aproximadamente 233 mil Km2, e concentra a maior reserva, produtores e exportadores de petróleo do mundo. São sete os países que fazem parte da orla do Golfo Pérsico, dentre eles as cinco maiores reservas mundiais de petróleo. Além disto, a desembocadura do Rio Tigre e do Rio Eufrates, por meio do Canal de Chat al Arab, se dá no Golfo Pérsico. Com isto, o transporte da maior parte deste petróleo é feita pelas rotas marítimas atravessando o estreito de Hormuz, que possui aproximadamente 50 km de largura em seu ponto mais estreito, e passando pelo Golfo de Omã. O 17 1º Encontro Nacional da ABRI Segurança Internacional A Ordem Mundial do Século XXI: A Teoria Heartland-Hinterland e o Oriente Médio como um Entreposto da Política Internacional Danny Zahreddine** controle deste estreito representa o monitoramento de uma das mais vitais linhas de abastecimento energético no sistema internacional, sendo esta uma área extremamente importante. Estes pontos estratégicos, juntamente com a posição desta região, atribui a esta área uma grande importância geopolítica, devido à sua característica de centralidade geográfica no sistema internacional. 18 1º Encontro Nacional da ABRI Segurança Internacional A Ordem Mundial do Século XXI: A Teoria Heartland-Hinterland e o Oriente Médio como um Entreposto da Política Internacional Danny Zahreddine** Mapa 2 19 1º Encontro Nacional da ABRI Segurança Internacional A Ordem Mundial do Século XXI: A Teoria Heartland-Hinterland e o Oriente Médio como um Entreposto da Política Internacional Danny Zahreddine** 20 1º Encontro Nacional da ABRI Segurança Internacional A Ordem Mundial do Século XXI: A Teoria Heartland-Hinterland e o Oriente Médio como um Entreposto da Política Internacional Danny Zahreddine** Abordando as características climáticas da região, notamos a predominância do clima desértico, o que de certa forma impacta nas relações comerciais e de intendência. Ao mesmo tempo que o deserto apresenta características de porosidade, pois são na sua maioria grandes paisagens e extensões abertas, os desertos também apresentam características de mar, devido à dificuldade de transpô-lo. A Escassez da água é predominante na região, Exceto em algumas áreas, como o vale do Nilo, Eufrates, Tigre e Jordão. 5.1 Implicações históricas para a dinâmica do Oriente Médio Durante séculos o Oriente Médio foi dominado pelas mais diversas civilizações, porém, nesta exposição, me deterei na história recente do Oriente Médio de maneira a demonstrar os principais fatos que contribuíram para a relevância desta região para o sistema internacional. O início do século XX representou uma mudança importante do subsistema regional do Oriente Médio. A derrota do Império Turco Otomano na Primeira Guerra Mundial, a descoberta do petróleo na região, o início da migração de judeus para a Palestina, o que culminaria na criação do Estado de Israel em 1948, e o início da guerra entre Árabes e Israelenses, são fatos fundamentais da história desta região. Em 1917, a revolta árabe geraria a última gota para a existência do Império Turco Otomano. Com a abertura de mais um front contra os turcos na Primeira Grande Guerra, e com a vitória da guerrilha árabe, apoiada pelo Reino Unido, o final do conflito significou a entrada da influência inglesa e francesa na região. A constituição dos mandatos britânicos e franceses sobre os países do Oriente Médio, com exceção da Arábia Saudita e do Irã, remodelou as relações regionais e diminui a possibilidade da criação de um único Estado Árabe. 21 1º Encontro Nacional da ABRI Segurança Internacional A Ordem Mundial do Século XXI: A Teoria Heartland-Hinterland e o Oriente Médio como um Entreposto da Política Internacional Danny Zahreddine** Com a descoberta das grandes reservas de petróleo no Irã, Iraque, Kuait e Arábia Saudita, e com a mudança da matriz energética global para o petróleo, a disputa pelo controle da região se ampliou, englobando não só as potências européias, mas também os Estados Unidos da América. A criação do Estado de Israel em 1948 representou um momento chave para a história e para a política da região, pois devido ao forte apoio dos EUA, fruto do entendimento da importância da constituição de um Estado “ocidental” na área, as relações com os árabes e os israelenses se deterioraram, gerando assim uma sucessão de conflitos que ainda se encontram em aberto até os dias de hoje. Israel representou para os árabes a tentativa das grandes potências ocidentais em controlarem seu principal recurso, o petróleo. A posição geográfica de Israel no Mediterrâneo, fora do principal eixo petrolífero do Oriente Médio7, representa uma cabeça de ponte de 9.500 km que liga a política estadunidense (interessada no controle político da região), e a estratégia de manutenção do Estado de Israel. 6. O Oriente Médio como Heartland regional e predominante do Sistema Internacional Após apresentar resumidamente as principais características geoestratégicas do Oriente Médio demonstrarei meus argumentos para observar se o Oriente Médio pode ser considerado uma região Core mais importante que outras áreas do globo. O primeiro ponto que gostaria de discutir á a unidade topográfica da região. Para Mackinder (1904) o Heartland era formado por uma blindagem natural que o transformava em uma “Fortaleza Terrestre”, tornando muito difícil o controle de toda esta área por uma única potência. Se observarmos a 7 Este eixo se localiza fundamentalmente em uma linha vertical que percorre do Golfo Pérsico até a porção norte do Iraque. 22 1º Encontro Nacional da ABRI Segurança Internacional A Ordem Mundial do Século XXI: A Teoria Heartland-Hinterland e o Oriente Médio como um Entreposto da Política Internacional Danny Zahreddine** configuração topográfica do Oriente Médio, perceberemos que toda esta região é circundada por mares, montanhas ou desertos. O poder “parador das águas” de Mearsheimer (2001) é um fator que limita o acesso de potências externas, por isto a existência de bases estadunidenses em alguns países da região e o patrulhamento de porta-aviões se torna fundamental para o monitoramento da área pelos Estados Unidos. O relevo montanhoso da região, principalmente na Turquia, Líbano, partes da Arábia Saudita, Iraque e Irã é um fator que diminui a capacidade de ocupação e deslocamento de forças externas dentro destas áreas, servindo como refúgio natural das populações locais em caso de invasão estrangeira. Já o deserto, funciona como um grande mar de areia, que limita a atuação de equipamentos e seres humanos na tentativa de transpô-lo, devido às altas temperaturas e o desgaste que as areias e as rochas geram nos equipamentos. Tentar atravessar um deserto gera vários problemas semelhantes ao se tentar atravessar um oceano. Estes fatores geram o efeito de blindagem parcial da região, isto é, a área não é intransponível, tanto que algumas potências já ocuparam porções da região, mas nenhuma delas controlou sua totalidade, o que também é colocado na proposta teórica de Mackinder. Um outro ponto destacado por Mackinder é que o Heartland seria uma região raramente conquistada por um único país. Se observarmos a história antiga da região, veremos que vários impérios estiveram naquela área, nenhum deles controlou toda a sua extensão. A ocupação grega e romana era predominantemente feita pelo litoral, não interiorizando a ocupação. O Império Árabe-Muçulmano não conseguiu controlar todo o Oriente Médio sob a Égide de um único Califa, e o império Turco Otomano relegou quase a totalidade da península arábica e da antiga Pérsia aos clãs locais. Se observarmos no século XXI, esta região ainda continua sendo assediada politicamente e militarmente, mas é difícil definir a prevalência de alguma potência sobre a outra, sejam os estadunidenses, britânicos, franceses, russos ou chineses, nenhum deles conseguiu controlar toda a região. 23 1º Encontro Nacional da ABRI Segurança Internacional A Ordem Mundial do Século XXI: A Teoria Heartland-Hinterland e o Oriente Médio como um Entreposto da Política Internacional Danny Zahreddine** Esta disputa pelo controle desta área core remete a um outro ponto tratado por Mackinder, que é a existência de riquezas naturais capazes de sustentar o fortalecimento econômico e militar dos Estados. Antes do século XX, o principal papel do Oriente Médio era o de via comercial e ponto de passagem, porém, após a descoberta do petróleo na região, (aliás, as maiores reservas do mundo), o interesse pela área mudou drasticamente. Esta importância pode ser observada na Tabela 1, que entre as dez maiores reservas de petróleo do mundo, as cinco primeiras estão localizadas no Oriente Médio. Tabela 1 – As Dez Maiores Reservas de Petróleo - 2002 Ranking 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 País Arábia Saudita (OPEP) Iraque Emirados Árabes Unidos Kuwait Irã Venezuela Rússia Estados Unidos Líbia Nigéria Reservas Mundiais de Petróleo (%) 25% 10,7% 9,3% 9,2% 8,6% 7,4% 5,7% 2,9% 2,8% 2,3% Fonte: Petrobrás - 2002 Um outro aspecto importante para o abastecimento mundial de energia é a relevância de determinados países para a produção de petróleo, pois mesmo com a existência de vastas reservas, muitos países não conseguem prospectalas, o que implica na terceirização do serviço e enfraquecimento do setor petrolífero do país. De acordo com Anderson (2000), muitos países do Oriente Médio produzem e refinam petróleo muito abaixo da capacidade de suas reservas, o que demonstra uma capacidade potencial de utilização destas reservas no futuro. Mesmo assim, como pode ser observado na Tabela 2, dentre os dez maiores países produtores de petróleo, três deles estão no Oriente Médio, sendo a Arábia Saudita a maior produtora. 24 1º Encontro Nacional da ABRI Segurança Internacional A Ordem Mundial do Século XXI: A Teoria Heartland-Hinterland e o Oriente Médio como um Entreposto da Política Internacional Danny Zahreddine** Tabela 2 – Os Dez Maiores Países Produtores de Petróleo - 2006 Ranking 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 País Arábia Saudita (OPEP) Rússia Estados Unidos Irã (OPEP) República Popular da China México Canadá Emirados Árabes Unidos (OPEP) Venezuela (OPEP) Noruega Produção em milhões de Barris por dia 10,7 9,6 8,3 4,1 3,8 3,7 3,2 2,9 2,8 2,7 Fonte: Energy Information Administrations (EIA) – Official Energy Estatistics from the US Government - 2006 Além das reservas e da produção de petróleo, vários países consomem todo petróleo que possuem, logo, não conseguem fazer resguardar suas reservas ou vender o produto quando o preço do barril estiver alto. Na Tabela 3, entre os dez maiores países exportadores de petróleo, quatro deles fazem parte do Oriente Médio, sendo que a Arábia Saudita é a primeira no Ranking. Tabela 3 – Os Dez Maiores Exportadores de Petróleo - 2006 Ranking 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 País Arábia Saudita (OPEP) Rússia Noruega Irã (OPEP) Emirados Árabes Unidos (OPEP) Venezuela (OPEP) Kuwait (OPEP) Nigéria (OPEP) Argélia (OPEP) México Fonte: Energy Information Administrations (EIA) – Official Energy Estatistics from the US Government- 2006 25 1º Encontro Nacional da ABRI Segurança Internacional A Ordem Mundial do Século XXI: A Teoria Heartland-Hinterland e o Oriente Médio como um Entreposto da Política Internacional Danny Zahreddine** O que podemos perceber com estes dados, é que o Oriente Médio constitui uma região que além de possuir recursos naturais importantes, como o petróleo, esta é uma região produtora, exportadora e com potencialidade de aumentar a produção e o refino deste recurso natural (ANDERSON, 2000). A importância do Oriente Médio quanto fornecedor da principal matriz energética do sistema internacional o torna pedra angular da política mundial, pois como foi percebido nas crises do petróleo de 1973 e 1979, ainda hoje, qualquer mudança na relação dos países produtores e exportadores de petróleo do Oriente Médio com as grandes potências, pode gerar uma elevação do preço do barril no mercado internacional. Além das características locacionais e posicionais, e da relevância do petróleo para a economia mundial, um outro fator importante que deve ser destacado é a população da região. A maioria da população do Oriente Médio é constituída por muçulmanos, mas mesmo assim, esta área representa o berço das três principais religiões monoteístas do mundo: judaísmo, cristianismo e islamismo. Logo, mesmo com a prevalência da população muçulmana, a presença dos judeus em Israel, e em vários outros países árabes, assim como o dos cristãos, gera embates ideológicos fruto da importância desta área para estes povos. Jerusalém representa uma das cidades mais sagradas para os judeus, cristãos e muçulmanos e esta característica conferi uma maior complexidade à região. A existência de somente uma potência com capacidade nuclear na região (Israel), torna esta balança de poder extremamente instável. A tentativa de outros Estados em contrabalancear a coalizão Israel-EUA, como Irã, e em certa medida a Síria, por meios não convencionais, polariza as relações dentro do sub-sistema regional do Oriente Médio, tornando cada vez mais difícil a predominância de uma coalizão com relação à outra. Os embates que ocorrem no Líbano, Palestina e Israel, e aqueles que ocorreram na Síria e no Egito (em um passado recente), reflete as zonas de fricção entre o assédio de potências externas na tentativa de interferir na política regional. Por outro lado, os embates se tornam mais violentos na 26 1º Encontro Nacional da ABRI Segurança Internacional A Ordem Mundial do Século XXI: A Teoria Heartland-Hinterland e o Oriente Médio como um Entreposto da Política Internacional Danny Zahreddine** tentativa de resistência dos atores locais em responder tais ações. A ocupação do Iraque significou um passo avançado pelo controle de uma zona central no Heartland do Oriente Médio, mas a capacidade dos EUA em continuar a ação contra o Irã e a Síria corrobora a idéia deste trabalho, que é da dificuldade de se controlar a totalidade da região. Considerações Finais A pergunta inspiradora deste artigo foi se o Oriente Médio constituía um Heartland regional, e se a sua existência impactava sobre o ordenamento mundial. A primeira pergunta me parece afirmativa (mesmo sendo um trabalho exploratório e limitado), devido aos elementos aqui apresentados que são minimamente compatíveis com os princípios tratados por Mackinder. A segunda pergunta também, pois o que foi observado na década de 1970, com as duas crises do petróleo, momento histórico que remodelou as relações econômicas, políticas e estratégicas entre os elementos do sistema internacional, e consequentemente o ordenamento mundial, pode ser observado também com o 11 de setembro. Esta tragédia humana concedeu os argumentos “morais” necessários para a tentativa de controle do Oriente Médio pelos Estados Unidos, o que pode ser comprovada com os mais de 300 bilhões de dólares8 gastos com a invasão do Iraque desde 2003, além da ajuda de custo dado a fundo perdido a Israel para garantir a modernização das IDF. Além do custo econômico, o apoio político e incondicional é uma marca histórica da relação entre Estados Unidos e Israel. A maioria das resoluções vetadas pelos Estados Unidos durante a década de 1980 no conselho de segurança estavam ligadas a Israel. Este apoio incondicional gera um alto 8 Esta é uma estimativa baixa, fornecida pelo governo estadunidense no início do ano de 2007. Algumas organizações internacionais nos EUA acreditam que este gasto esteja próximo aos 500 bilhões de dólares 27 1º Encontro Nacional da ABRI Segurança Internacional A Ordem Mundial do Século XXI: A Teoria Heartland-Hinterland e o Oriente Médio como um Entreposto da Política Internacional Danny Zahreddine** custo político aos EUA, pois fragiliza a sua relação política perante a maioria árabe muçulmana da região. O 11 de setembro, e a luta contra o terrorismo reformulou as relações entre os Estados não pelo ataque terrorista em si, mas pela possibilidade do governo estadunidense aproveitar desta justificativa para remodelar a configuração de forças do sistema internacional, buscando controlar o Oriente Médio de maneira definitiva, uma tarefa ainda em aberto. O alto custo econômico e político de inserção dos EUA no Oriente Médio demonstram a importância desta região para a maior potência global, que tenta aprofundar as características de unipolaridade do sistema internacional por meio do controle desta área vital. Logo, o Oriente Médio pode ser considerado um Heartland regional preponderante para a ordem mundial, pois além de modificar o comportamento dos Estados, o valor conferido a esta região pela maior potência mundial reafirma ainda mais esta importância. Referência Bibliográfica ANDERSON, Ewan W. The Meddle East: Geography & Geopolitics. London: Routledge, 2000. BULL, Hedley. A sociedade anárquica: um estudo da ordem na política mundial. São Paulo: Universidade de Brasília, 2002. 28 1º Encontro Nacional da ABRI Segurança Internacional A Ordem Mundial do Século XXI: A Teoria Heartland-Hinterland e o Oriente Médio como um Entreposto da Política Internacional Danny Zahreddine** MACKINDER, Halford J. The Geographical Pivot of History. 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