Sistema Internacional e ONU – em crise? *
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PROCURAREI FAZER UMA breve reflexão epistemológica e analítica sobre o tema.
Julgo devermos começar por procurar precisar o conceito de “sistema”.
Um sistema é um conjunto consistente de regras e entidades (teorias ou
organismos) que decorrem de alguns princípios (ou axiomas) e que podem ser
utilmente utilizados nas ciências ou na administração.
Os sistemas nas ciências são, regra geral, (com excepção de certos casos da
matemática) linguagens que procuram descrever eventos. Sempre que os eventos se
mostram incompatíveis com as linguagens, procura-se nova linguagem ou novos
sistemas – novas teorias científicas.
Os sistemas no âmbito político-social lembram, por vezes, o indeterminismo de
Heisenberg. A realidade que os sistemas procuram interpretar e enquadrar reage, por
vezes, ao próprio sistema, transformando-se e, como tal, obrigando a modificar o sistema.
No âmbito sociopolítico, poderíamos distinguir, entre outros, sistemas políticos,
propriamente ditos, sistemas de defesa, sistemas financeiros (Bretton Woods-Zona
Euro) etc...
Neste contexto, julgo pertinente perguntarmo-nos se se poderá legitimamente
falar de um Sistema Internacional?
A ONU será o único exemplo que pode considerar-se em certos aspectos como
um sistema ou uma ordem internacional com vocação mais universal. A UE pode
considerar-se outro Sistema, que não sendo incompatível com a ONU, não é global
nem universal.
Podemos também considerar, como mero exemplos, equilíbrios regionais que se
regem por normas não expressas, mas que podem ser assimilados a “quasi-sistemas” e
que embora não sejam formalizados descrevem realidades regionais – os casos do
Sudeste Asiático ou do Nordeste Asiático, ambos com um grande actor comum, a
China.
Em suma, fora dos Sistema das Nações Unidas não vejo que haja ou que se possa
falar de um Sistema Internacional. Sendo assim, a falar de crise do sistema internacional está-se a referir à crise das Nações Unidas, ou não se está a referir nenhuma
entidade real, mas antes a uma quimera metafísica.
Sistema Internacional e ONU – em crise?
José Manuel Duarte de Jesus | Embaixador
*
Conferência-debate na Faculdade de Letras de Lisboa, 2004.
Negócios Estrangeiros . N.º 8 Julho de 2005
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Por outras palavras: não há uma crise internacional. Há crises no domínio das
relações internacionais e há problemas, mais regionais ou com implicações mais
globais, independentes das Nações Unidas, e haverá problemas ou – uma crise se se
quiser uma linguagem mais dramática – no sistema da Organização das Nações
Unidas.
A – Façamos uma breve reflexão sobre as Nações Unidas e o que hoje se insiste em referir como Crise das
Nações Unidas;
B – Façamos depois outra reflexão muito breve sobre algumas das grandes crises que abalaram o mundo
político, depois da segunda guerra mundial, e verifiquemos como elas não tiveram a sua origem nas Nações
Unidas, mas em factores que são os que permanentemente estão nas origens das chamadas crises –
interesses contraditórios de grandes potências.
As Nações Unidas Importante é ter em mente que a Conferência de São Francisco para a
criação das NU não obedeceu minimamente a um critério democrático (a representação foi a de Estados soberanos e não de povos), mas sim à consolidação do poder
das potências vitoriosas da II Guerra Mundial EUA, URSS, RU e China (os então
chamados 4 grandes) com a entrada tardia da França!
Esteve presente na mente dos principais actores americanos da época que as NU –
e quando se referia NU referia-se o Conselho de Segurança – constituiriam o melhor
instrumento para a defesa dos seus interesses no mundo –. Refira-se que depois da
segunda Guerra Mundial, estávamos um pouco como hoje, os EUA eram a maior
potência estratégica mundial. A URSS era a segunda em quase igualdade.
Refira-se a este propósito um comentário de Salazar expresso em telegrama para
Londres sobre a constituição do novo CS ....«mas esta disposição parece repetir Munique com
outros beneficiários... parece deduzir-se que tudo se encaminha para o mundo ser ditatorialmente dirigido por
pequeno conselho nações, coisa de si muito séria...».
É importante sublinhar que nos Estados Unidos esta posição era defendida pela
ala democrática americana, na altura representada pelos seus principais Presidentes,
mas igualmente por conhecidos senadores republicanos como Stassen, do Minnesota,
ou Vandenberg, do Michigan.
Se reconstituíssemos todas as manobras dos serviços secretos americanos e
soviéticos, durante as negociações de S. Francisco, tornar-se-ia bem mais claro o que
as grandes potências anteviam no novo Conselho de Segurança.
É que, para os Estados Unidos, as NU pareciam um instrumento privilegiado
para pôr em prática o que veio a chamar-se a política externa de Trumann e
consagrada no famoso NSC 68 (documento de 1950 e ainda hoje não totalmente
desclassificado).
Não obstante este facto, a ala mais conservadora dos Republicanos desencadeou,
como se sabe, fortíssima campanha contra esta Organização nos anos 80, especialmente através dos violentos artigos da Heritage Foundation, que viam nas NU a força
Negócios Estrangeiros . N.º 8 Julho de 2005
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contra a “liberdade” das empresas e dos Governos. As NU apareciam, assim, como
uma esquerda antiliberal encapotada e que se exteriorizava nas suas diversas tomadas
de posição no domínio social e dos direitos humanos.
É de acrescentar ser tão vital hoje para os membros do CS o veto como o era
depois de 1945! Mas mais do que isso, julgo que não é realista pensar em termos de
segurança mundial se os principais protagonistas geoestratégicos não tiverem a arma
do veto à sua disposição.
A AG sempre foi, de certo modo, “a boda aos pobres” ou seja a fachada democrática das NU, só que as suas resoluções e votações não constituíam Direito
Internacional. Muito útil, quando o seu voto majoritário coincidia com uma maioria
do terceiro mundo, na altura em que os EUA pensaram em liderar esse grupo de
países, numa perspectiva de defesa dos seus interesses; incómodo, quando esse voto
não coincide com as estratégias prevalecentes no Conselho de Segurança.
Outro importante aspecto a não deixar de referir brevemente é como cada um dos
Estados-Membros e como a população, em geral, olham para as Nações Unidas.
Uns vêem nas NU um órgão fundamentalmente político, importante no domínio
da gestão dos problemas de segurança e defesa – o CS.
Para outros, as NU são o grande fórum mundial onde cada um, os mais pequenos
ou pobres, têm acesso à palavra e a liberdade de se aliar a outros, na defesa de certos
aspectos difíceis de trazer à superfície do palco da cena internacional, dominada pelos
grandes temas de segurança e defesa. É o fórum do terceiro mundo, dos pequenos
países e hoje da sociedade civil.
Outros ainda olham para o papel inestimável que muitos dos órgãos das Nações
Unidas desenvolvem a nível técnico e global, no âmbito da saúde, das crianças, das
mulheres, da cultura, dos problemas do desenvolvimento, da protecção ambiental, e
muitos outros.
Acresce ainda o papel mais recente das intervenções militares em missões de paz,
que põem em prática políticas que tenham luz verde do Conselho de Segurança.
Podemos, obviamente, criticar muito este vetusto edifício das Nações Unidas, mas
a verdade é que ele, com todos os seus defeitos, resistiu e bem a muitas décadas de
desgaste e crises, a muitos Secretários-Gerais, a muitas pressões de grandes potências
ou de maiorias aritméticas esmagadoras.
Não podemos deixar de não referir aqui o problema da tão falada Reforma das
NU:
Desde 1996 que se tem assistido a um processo de reforma paulatina das Nações
Unidas. Reforma que tem incidido mais nos aspectos de gestão e de gestão financeira,
de isenção e transparência de processos. Não vou referir aqui os chamados track 1 e track
2, mas julgo poder afirmar-se que, mesmo no domínio substancial, muito se tem
transformado com a criação do departamento de desarmamento (98), a articulação
com Bretton Woods e OMC e com o papel, cada vez maior, dado à sociedade civil.
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Refira-se, porém, que a Comissão de reforma do CS foi a que menos avançou e as
razões parecem evidentes.
Certo que o mundo hoje não representa a totalidade dos aspectos que reflectia em
45, mas muitos deles ainda são os mesmos.
Não vou, de resto, aqui tratar do problema da modernização do CS, do CS que
mais nos serviria hoje; seria por si só tema doutro artigo.
Conclusão Em primeiro lugar, julgo de salientar que há problemas ou crises que decorrem da
natureza das próprias Nações Unidas e das ambiguidades das intenções dos seus
fundadores, assim como da leitura que cada participante faz dela.
Neste sentido, poder-se-ia dizer que as NU estão em crise desde que foram criadas.
Penso que há que entender objectivamente estes problemas e será grave procurar
escamoteá-los!
Em suma, não vejo que a crise ou os problemas das NU sejam de hoje. São de
sempre, vêm desde 1945, assumindo formas diversas.
Julgo, porém, que o mundo seria bem pior sem as NU, que, à semelhança da
consciência humana, não impede que a nossa acção seja muitas vezes eticamente
condenável, mas trava, em muitos casos, os excessos e minimiza, noutros, os prejuízos.
A sua eficiência dependerá sempre, em primeiro lugar, do pensamento e do agir
eticamente correcto dos protagonistas, neste caso dos Estados-Membros.
Vejamos alguns dos grandes acontecimentos ou crises do pós-II Guerra, para
avaliar a natureza das clivagens nos grandes equilíbrios mundiais e o papel ou
ausência de papel das NU:
Bretton Woods No âmbito da gestação da Carta das Nações Unidas e do UNRRA, surgem na
década de 40 as instituições de Bretton Woods.
Ideia concebida em 1941, só em 1944 foram assinados os acordos que deram
origem ao FMI e depois o Banco Mundial.
Trata-se daquilo que se pode considerar a matriz financeira do novo mundo do
pós-guerra e deve-se, em grande parte, a Dexter White dos EUA e a Maynard Keynes
do RU.
Foi no decurso de muitos jantares informais que as ideias foram debatidas e foram
tomando forma.
Não podemos esquecer todas as outras figuras importantíssimas nesta construção,
nomeadamente o papel dos países latino-americanos, mas a verdade é que se trata de uma
matriz anglo-saxónica onde a Europa Continental – et pour cause – esteve muito ausente.
É interessante notar, de resto, que a URSS foi a primeira beneficiada com o novo
tratamento do crédito especial de 41, de 1 mil milhão de dólares pelos danos do
ataque alemão.
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Refiro Bretton Woods, pois trata-se de um pilar importantíssimo do novo mundo
do pós-segunda guerra mundial e que não decorreu de nenhuma decisão das Nações
Unidas.
45
rentes da definição do critério dos membros fundadores, mormente os problemas
com a Itália e a Noruega, ou com a Grécia e Turquia, ou mesmo com Portugal face
à marginalização da Espanha, não encontraram nas Nações Unidas o seu fórum
negocial.
Aluda-se à primeira reacção francesa, quando De Gaulle, então retirado da política, se manifestou contra, afirmando ser a NATO um produto dos EUA para servir os
interesses da sua defesa e não os da Europa como, de resto, já havia considerado o
Pacto de Bruxelas um instrumento para a segurança do Reino Unido.
Refiro este episódio por encerrar ingredientes que julgo serem constantes noutras
ocasiões.
NSC 68 – e o General Marshall A pedido do Presidente Trumann, o State Department, em
conjunto com o Pentágono, elaborou um documento, que se chamou NSC 68, e que
constituiu aquilo a que veio a ser conhecida como a filosofia da política externa
americana. Criticada hoje por alguns republicanos, como produto de um wilsonianismo democrata, a verdade é que ela é, em grande parte, apartidária e corresponde a
uma matriz nacional da política externa americana.
Nela se integram relacionamentos com as NU e com a Europa – ou alguns
parceiros da Europa, que constituem motivos mais ou menos permanentes de futuras
crises. O fundo do NSC 68 é ainda hoje, com variantes, base de muito da política
externa americana.
O acesso a este documento não tem sido possível, mas conhece-se muito do seu
conteúdo por documentos de vários dos seus autores mormente por Dean Acheson.
A axiomática deste papel, resumia-se nos seguintes pressupostos:
– A URSS procura a supremacia no domínio mundial através do estabelecimento
de Estados subservientes;
– Os EUA procuram contrabalançar esta situação através da promoção de “Estados
livres”, isto é, democráticos que sejam seus aliados.
Daqui resultou, face à URSS, uma política armamentista. Chegou a pôr-se, nos
EUA, nessa altura, a alternativa da chamada “guerra preventiva”, hoje tanto na moda.
Foi descartada, porque se tratava, naquele tempo, de uma guerra nuclear preventiva e
isto, 5 anos depois da segunda guerra mundial, era impensável 1.
1
Veja-se um discurso de Dean Acheson, em Dallas, a 13.06. 50, em Dallas.
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A Nato Também as negociações conducentes à criação da NATO, as dificuldades decor-
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Esta política definida no NSC 68 viria a ser conseguida através do que se chamou
na altura “moral crusade for peace” e de 50 mil milhões de dólares do chamado plano
Marshall para a Europa.
A concretização desta filosofia, que corresponde a uma reviravolta na política
externa americana e nos pressupostos das situações hoje prevalecentes, foi a decisão
de ajuda maciça à Grécia e Turquia em 47, que, como se sabe, estavam numa situação
de debacle e com uma enorme vulnerabilidade geográfica face à URSS. Refira-se que a
entrada económica, militar e administrativa dos EUA nestes dois países teve a aprovação de ambos os partidos no Congresso, conseguida por Trumann em 1947.
Já aqui os EUA evitam as NU e assumem sós a ajuda, para evitar uma discussão e um
possível veto no CS. Jornalistas como Walter Lippmann criticaram fortemente os EUA, que
tiveram, de resto, que introduzir um “ammendment” à lei que referia o expresso pedido de
ajuda da Turquia e da Grécia aos EUA. Estamos perante o início do que poderíamos
chamar a Pax Americana ou o Império Liberal de uma das grandes potências mundiais.
Assume-se, na época de Eisenhower, que só a liderança imediata americana no
mundo podia prevenir uma nova guerra mundial 2.
Pareceu claro a Eisenhower que não haveria liberdade, isto é, aliados dos EUA
contra a URSS nalgumas zonas fundamentais do mundo – Europa e Ásia –, se a
Alemanha e o Japão não retomassem vigor económico e político dentro da nova
estrutura que se vai delineando e decorrente do NSC 68.
Em 1957, num discurso sobre o State of the Union, Eisenhower repete: «First, America´s
vital interests are worldwide embracing both hemispheres and every continent».
Para entendermos melhor toda a filosofia que prevalece a esta visão do mundo,
permita-se-me citar o que se tem chamado o discurso pré-plano Marshall, depois da
viagem do General Marshall à Europa:
«It is one of the principal aims of our foreign policy today to use our economic and financial
resources to widen these margins. It is necessary if we are to preserve our own freedoms and our own
democratic institutions. It is necessary for our national security. It is our privilege and our duty as human
beings».
Em Harvard, o General Marshall revela o Plano Marshall que virá não só beneficiar
a Europa, dar-lhe a configuração actual, mas que permitirá o arranque do embrião da
própria Comunidade Europeia.
Para melhor caracterizar estes pressupostos citarei uma frase do então Secretário
de Estado americano a este propósito:
«Surely the plan should be a European Plan and come – or, at any rate, appear to come – from Europe.
But the Unites States must run the show. And it must run it now».
2
Veja-se Will Clayton.
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Nessa mesma época, Dean Acheson comentava «The communist threat to Western Europe
seemed to me singularly like that which Islam had posed centuries before, with its combination of ideological
zeal and fighting power». Seria interessante saber como ele hoje descreveria a situação actual.
47
importantes acontecimentos históricos na matriz das relações internacionais tem lugar
no mês de Maio de 1950, entre Paris e Londres.
O famoso plano Schumann Monnet, mantido durante algum tempo em segredo,
mesmo face ao Gabinete francês, foi inesperadamente revelado, em primeira mão, aos
Estados Unidos da América antes de ao Reino Unido. Episódio curioso narrado por
Dean Acheson, quando da sua viagem para Londres via Paris para uma reunião na
Lancaster House.
Ficou, de resto, conhecida a famosa reacção colérica de Bevan a este acontecimento e que só veio agravar a já difícil relação deste com os Estados Unidos.
Também há que salientar que as NU estiveram totalmente ausentes do episódio e
face aos interesses diversos daquele momento, pois estamos perante uma mudança
total de alianças. Estamos perante uns Estados Unidos entusiasmados com o plano
futuro da Europa face a uma Inglaterra marginalizada.
Aconteceu, assim, que a Grã-Bretanha não aceitou o convite que a França dirigiu
aos cinco primeiros países para se juntarem numa negociação da futura Comunidade
do Carvão e do Aço – Benelux, Alemanha e Itália.
A resposta inglesa foi «Does not feel able to accept nor reject in advance the invitation…».
Guerra da Coreia Neste caso, estávamos perante uma agressão declarada, quando as tropas
norte-coreanas passaram o paralelo 38 e uma coluna de tanques se dirigiu em direcção
a Seul.
Houve, então, uma primeira resolução do CS a pedido dos EUA, que exigia a
cessação de hostilidades e considerava o acto como uma “breach of peace” e não como
“um acto de agressão não provocada,” como rezava o texto americano.
A resolução passou sem veto e com uma abstenção (a Yoguslavia).
Dois dias mais tarde, face às opiniões de Foster Dulls, então em Tóquio, os
americanos entenderam que seria necessária nova resolução que permitisse a acção
militar contra o Norte.
É, de resto, curioso, pois também esta resolução passou sem veto da URSS (julgo
que com a abstenção da Índia). A explicação simplista é que o Embaixador Malik, o
representante permanente soviético, não se encontrava em Nova Iorque e convenientemente não se fez representar.
No entanto, os EUA, prevendo a possibilidade do veto soviético e julgando que
isso poderia trazer a China para o teatro de guerra e desencadear uma III guerra
mundial, dão ordens para iniciarem as hostilidades militares antes da resolução do CS
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Plano secreto Schumann/Monet face aos EUA e ao RU no início da Nato Um dos mais
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Julgo que é importante referir esta guerra, pois foi certamente das mais sangrentas desta nossa época, cerca de 600.000 mortos, fora os desaparecidos e feridos.
Só com a deposição de Mac Arthur e a sua substituição pelo General Ridgway (Mac
Arthur entrara em conflito aberto com Trumann) o State Department anuncia os princípios do Armistício, que vão buscar inspiração aos princípios das NU. Reter a
agressão, mas não tentar a reunificação de uma Coreia democrática pelas armas!
Também aqui, por várias razões, foi considerado que as NU não eram o quadro
ideal para negociar o armistício, que se processou à sua margem. Pode argumentar-se
que havia na altura razões importantes, a Coreia do Norte não estava na ONU, a
China também não, mas a verdade é que há sempre uma ou outra razão de peso para
afastar ou recorrer às Nações Unidas.
Já naquela altura as NU não representavam o mundo real da época.
A Crise do Suez Interessante referir a crise do Suez, porque ela não só assumiu grande
relevo à escala mundial, como revela que o posicionamento das potências, face às
NU e aos conflitos, depende sempre em primeiro lugar dos interesses tidos como
básicos para cada uma.
Neste caso, vamos verificar enorme clivagem, quase confrontacional, entre
EUA e Europa (Reino Unido e França), incomparavelmente maior do que à que
assistimos recentemente com o Iraque: os EUA apoiando-se nas NU e a Europa
privilegiando a defesa dos seus interesses e a acção militar unilateral contra a
posição das NU.
«There is no peace without law» proclamava Eisenhower num discurso a 31 de
Outubro de 56.Também, aqui, convém não esquecer que pouco tempo antes os EUA
intervieram sem mandato das NU na Guatemala. O auge da crise assume-se com a
famosa carta de Eisenhower a Eden, de 1956, em que os EUA chegam a pôr em
causa a defesa europeia se a Grã-Bretanha intervier militarmente no Egipto.
Foi finalmente necessário recorrer a um infeliz expediente, solicitando a Israel
que invadisse o Sinai, para proporcionar uma causa beli, que seria o pedido
simultâneo a Israel e Egipto para retirarem as tropas para 10 milhas do canal. Na
convicção de que Israel não recuaria, a intervenção estava justificada. Foi, como se
sabe, um desaire total.
Por fim, é interessante sublinhar que com a Guerra do Suez termina a
intervenção geoestratégica da Europa, isoladamente, no mundo, como grande
potência.
«França e Inglaterra nunca serão mais potências comparáveis aos EUA ou à
URSS. Nem a Alemanha [...] Não temos tempo a perder: a Europa será a vossa
vingança», teria afirmado Adenauer a Pineau, MNE francês na altura do fim da
guerra do Suez.
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A Guerra do Viet Nam Vejamos, rapidamente, como na Guerra do Viet Nam, a maior parte dos
aliados dos EUA se dissociaram da guerra, invocando argumentos semelhantes aos que
os EUA haviam invocado, por ocasião do Suez.
Mais uma vez, os interesses eram diversos em cada um dos campos.
Refiro o Viet Nam, porque estamos perante uma crise e uma guerra que matou
cerca de 1.500.000 pessoas, das quais cerca de 500.000 civis (curioso notar que só
teriam morrido cerca de 58 a 60.000 americanos)
«A história não confia mais a defesa da liberdade aos fracos ou tímidos», não estou a citar
nenhum Presidente dos EUA actual, mas, mais uma vez Eisenhower, no seu discurso
de posse como Presidente, em 53.
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As circunstâncias são totalmente diversas das actuais, certo, mas esse facto é
irrelevante para o que procuro demonstrar:
Primeiro, a França estava em plena guerra da Argélia, e a Indochina constituía
ainda um problema grande. O Reino Unido nutria ilusões sobre a sua vocação colonial
no Médio Oriente (tinha 80.000 homens no Egipto!!) e, por outro lado, os EUA
privilegiavam um diálogo com Nasser, defendendo o que, na altura, consideravam ser
o principal interesse da sua política externa, tornar-se o líder do terceiro mundo.
Tratava-se, de ambos os lados, de duas grandes ilusões – a defesa dos restos de
colonialismo e um objectivo nunca atingido.
Em suma, interesses antagónicos num determinado momento e procura de
soluções para uma crise internacional de grandes dimensões fora do âmbito das
Nações Unidas.
Não obstante ter havido uma última tentativa da França e RU para conseguirem
uma cobertura das NU conducente a uma resolução do CS, no sentido de ter aprovado
os chamados 6 princípios, as formas das votações nunca permitiram uma solução ao
nível do CS.
Refira-se que tanto o RU como a França usaram duas vezes do direito de veto
relativamente a propostas americanas.
Também é interessante referir que, através de Eden, pela primeira vez foi invocada
a possível ajuda no âmbito da NATO, num chamado “out of area scenario” que os EUA, de
resto, rejeitaram.
Mais tarde passar-se-ia o contrário entre a Europa e os EUA com o caso do Viet
Nam, ou com a recusa europeia de autorização da utilização de Aeroportos para a
ponte aérea americana, em 73, no conflito do Médio Oriente.
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades.
Julgo interessante aludir a um comentário de Kissinger «Great Britain, drawing many
of the same analytical conclusions as France had about its own relative weakness, put them in the service of
quite a different policy. Turning away from European unity, Great Britain opted for permanent subordination
to American policy».
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No âmbito desta doutrina, aliada ao princípio de que o interesse dos EUA está
repartido pelo mundo inteiro, e considerando que o Viet Nam do Norte é um “mandatário” da URSS – ameaça do mundo livre – encontrava-se formalizada a justificação
da intervenção militar.
Se substituirmos o inimigo, noutro contexto, a URSS ou o comunismo internacional pelo terrorismo internacional, e reconhecermos em A ou B um mandatário
do mesmo, reconstruímos o que ficou conhecido pela “doutrina do dominó” na
avaliação das circunstâncias da política externa americana. Neste quadro entendemos
a justificação de outras intervenções militares americanas. Grandes são os paralelismos
com o approach sobre o “eixo do mal”, agora definido pela administração republicana
americana, que parece ir beber muito da sua inspiração em doutrina dos democratas
da década de 50. Há que entender que estamos perante exteriorizações de interesses
nacionais e não de princípios partidários americanos.
Dulles, em 1954, ainda durante a guerra da Indochina, pensou numa coligação
Unites Action com o RU, a França, a Nova Zelândia e a Austrália para defender Dien
Bien Phu. Eisenhower tentou também convencer Churchill, em 1954, mas em vão.
Como se sabe, os EUA não assinaram os acordos de Genebra (assinados por
9 países) que criaram, de resto, a situação que iria provocar o quadro da futura guerra
que só se terminaria com os novos Acordos de Paris de 73.
Com a intervenção na guerra do Viet Nam, os EUA vão, de certo modo, substituir
a luta da França na Indochina, uma vez despida do manto aparente do colonialismo.
Nestas décadas assistimos à substituição sucessiva dos inimigos dos EUA, que
irão condicionar a sua política externa – o colonialismo, o comunismo, o
terrorismo.
Com o colonialismo e o comunismo na versão asiática, os EUA prefiguram a
guerrilha como a forma de luta do futuro e os EUA deverão preparar-se para ela no
palco do Viet Nam, como hoje se prefigura o terrorismo como a guerrilha do
futuro.
Um ataque do Viet Nam do Norte – presumível ataque, como refere Kissinger –
determina um ataque em massa ao Norte, que constituía, no ver dos dirigentes de
então, um objectivo que servia os interesses da política externa americana. Uma
decisão unilateral, à margem de uma cobertura das NU, legitima o envio de 500.000
homens armados para a guerra do Viet Nam.
Refira-se como o PM do Viet Nam do Norte, numa entrevista ao New York Times, em
66, foi clarividente ao afirmar que militarmente os EUA vencerão, mas a longo prazo,
mais vietnamitas estarão dispostos a morrer pelo Viet Nam do que americanos... e
basta confrontar o número de vítimas.
Em 1966, o senador Fulbright criticava então os EUA pela arrogância do poder e
por confundir «power with virtue and major responsabilities with a universal mission».
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Conclusão Julgo que estes exemplos tomados dentro de um critério perfeitamente aleatório –
outros poderiam ter sido referidos – mostram com algum realismo as conclusões
referidas no início.
Não há uma crise actual e particular do edifício das Nações Unidas hoje em dia.
A crise faz parte da sua própria natureza para tratar de problemas de índole de
segurança e defesa.
Este edifício integra, de resto, muitos outros aspectos que são essenciais para a
gestão do mundo e da sociedade de hoje.
Ele não esgota o quadro em que se desenrolam as relações internacionais.
No quadro das relações internacionais têm prevalecido como motores e factores
determinantes os interesses permanentes ou ocasionais dos estados intervenientes em
cada contexto de crise, apenas mitigados pelo chamado direito.NE
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Desta feita, são os EUA que numa intervenção isolada, embora com mais potência
bélica, vão terminá-la, um pouco como a Europa, no Suez, agindo isoladamente. Mais
uma vez, se repetem cenários com outros actores, outros protagonismos, outros
interesses em jogo. Mais uma vez as NU não foram actores neste drama, com excepção
da sua intervenção no fim para ajudar a pôr termo ao conflito no terreno.
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