Revista IMPRENSA E O JUDICIÁRIO Como encontrar o equilíbrio para essa relação Grupo estuda medidas de segurança para juízes federais Os desafios da cooperação jurídica internacional no Brasil Entrevista exclusiva: Cesar Asfor Rocha, novo presidente do STJ e do CJF Editorial O relacionamento nem sempre fácil entre os membros do Poder Judiciário e os representantes da Imprensa é o assunto em destaque nesta edição. Não é de hoje que a Justiça Federal se preocupa com o aprimoramento dessa relação. Uma prova é a realização constante de debates e seminários com a presença de profissionais dos dois setores. São encontros que têm o propósito de dar mais transparência e permitir que a população tenha acesso às decisões tomadas nos tribunais. Nesse sentido, tanto o Conselho da Justiça Federal como os órgãos de primeira e segunda instâncias da Justiça Federal têm-se empenhado para ampliar os canais de comunicação com a sociedade, sobretudo, para que a instituição se torne adequadamente conhecida e respeitada pela população. Esta é uma tarefa que tem na linguagem jurídica um dos principais obstáculos. O desafio maior cabe ao assessor de imprensa, que tem a missão de atender tanto o juiz, que nem sempre abre mão dos termos técnicos próprios da atividade jurídica, quanto o repórter que, por outro lado, costuma ter dificuldades no domínio do conteúdo. Historicamente, o Judiciário é conhecido como um poder fechado e distante da sociedade. Muitos juízes ainda resistem a dar declarações à imprensa, por exemplo. Um procedimento, na maioria das vezes, justificado pela necessidade de evitar a influência da opinião pública e até a interferência de terceiros na hora de julgar um processo. Como as decisões tomadas nos tribunais têm impacto às vezes imediato na sociedade, é impossível frear o interesse da imprensa. Nesse contexto, o trabalho das assessorias de comunicação é indispensável. É cada vez mais importante ter profissionais capazes, não só de traduzir uma decisão jurídica, como também de preservar a imagem e a credibilidade da instituição. Em reportagem especial, a Revista Via Legal apresenta o problema e os caminhos apontados por profissionais das duas áreas para consolidar um modelo de relacionamento capaz de atender ao maior interessado: o cidadão. O cearense Cesar Asfor Rocha, recentemente eleito presidente do Superior Tribunal de Justiça e do Conselho da Justiça Federal, é o entrevistado desta edição. Ele revela as prioridades à frente do Conselho e os projetos que pretende colocar em prática nas instituições que compõem a Justiça Federal. A Revista traz ainda uma homenagem ao ministro Humberto Gomes de Barros, que deixou a Presidência do STJ e do CJF em virtude de aposentadoria. Outro destaque desta edição são as providências que têm sido adotadas para garantir a segurança de juízes federais e familiares. Em abril deste ano, o Conselho da Justiça Federal criou a Comissão Nacional de Segurança, que tem como meta definir medidas administrativas para proteger os magistrados, alvo constante de grupos criminosos. Nos últimos anos, a Justiça Federal se aparelhou e investiu em mudanças como a criação de varas especializadas, para garantir o rigor na punição dos envolvidos em lavagem de dinheiro e tráfico de drogas, entre outros crimes. As ameaças são resultado, principalmente, da eficiência do trabalho de combate a essas organizações. O assunto é discutido tanto internamente como no Congresso Nacional, onde já existem algumas propostas em discussão. Entre as sugestões, está a criação de um grupo de servidores especialmente treinados para a segurança de juízes. Outra possibilidade é utilização de carros blindados e a instalação de dispositivos de monitoramento via satélite nos veículos e telefones usados pelos magistrados ameaçados. Em outra reportagem, são discutidos os reflexos da atuação de organizações criminosas internacionais no dia-a-dia dos tribunais. A chamada “transnacionalização” do crime exige providências que passam, necessariamente, pela cooperação internacional. Neste caso, o maior número de ocorrências são de crimes contra o mercado financeiro em que um mesmo grupo atua em vários países. Para quem tem a responsabilidade de punir os criminosos, essa tarefa é praticamente impossível nos casos em que não haja a interação dos órgãos policiais e judiciários dessas nações. 1 CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL Ministro CESAR Asfor ROCHA Presidente Ministro ARI PARGENDLER Vice-Presidente Ministro GILSON Langaro DIPP Coordenador-Geral da Justiça Federal e Diretor do Centro de Estudos Judiciários Ministro HAMILTON CARVALHIDO Ministra ELIANA CALMON Alves Desembargadora Federal JIRAIR ARAM MEGUERIAM Desembargador Federal Joaquim Antonio CASTRO AGUIAR Desembargadora Federal MARLI Marques FERREIRA Desembargadora Federal SÍLVIA Maria Gonçalves GORAIEB Desembargador Federal JOSÉ BAPTISTA de Almeida Filho Membros efetivos Revista Via Legal – Ano I – número 2 – mai./ago. 2008 Contato: Revista Via Legal - Assessoria de Comunicação Social - Conselho da Justiça Federal SAFS – Quadra 6 – Lote 1 – Trecho III – Ed. Sede do Superior Tribunal de Justiça - Prédio Ministros I – 3º andar CEP 70095-900 – Brasília – DF Telefones: (061) 3319-6447/6443 e-mail: [email protected] Ministro PAULO Benjamin Fragoso GALLOTTI Ministro FRANCISCO Cândido de Melo FALCÃO NETO Ministra LAURITA Hilário VAZ Desembargador Federal ANTONIO EZEQUIEL DA SILVA Desembargador Federal FERNANDO JOSÉ MARQUES Desembargadora Federal SUZANA de CAMARGO Gomes Desembargador Federal JOÃO SURREAUX Chagas Desembargador Federal PAULO de Tasso Benevides GADELHA Membros suplentes Eva Maria Ferreira Barros Secretária-Geral CENTRO DE PRODUÇÃO DA JUSTIÇA FEDERAL (CPJUS) Assessoria de Comunicação Social - CJF Assessora de Comunicação e Editora-Geral: Roberta Bastos Cunha Nunes – FENAJ 4235/14/12/DF; Editoras-Gerais Adjuntas: Dione Thiago e Natália Leite; Coordenadora de Comunicação Impressa: Cláudia Lucena Aires Moura; Coordenador de Multimídia: Alexandre Fagundes; Chefe da Seção de Imprensa: Ana Cristina Sampaio Alves; Repórter e revisora: Adriana Dutra; Chefe da Seção de Planejamento Visual: Raul Cabral Mera; Chefe da Seção de Edição e Produção: Edson Queiroz; Chefe da Seção de Rádio e TV: Paulo Rosemberg Prata da Fonseca; Servidor da Coordenadoria de Multimídia: Paulo Alberto da Silva; Repórteres: Camila Cotta e Thais Del Fiaco Rocha; Designer: Gustavo Torquato; Fotógrafos: Cícero Bezerra e Jorge Campos; Estagiários: Thais Paz de Lima. 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Seções Judiciárias: MA: Supervisora: Ana Maria Turolla; Jornalista: Francisco Florêncio; MG: Supervisora: Christianne Callado de Souza; Analista Judiciário: Agenita Terezinha Souza Ameno; Técnicos Judiciários: Ana Clédia Zorzal Pena Moreira e Carla Costa Poppe; PA: Supervisor: Paulo Bemerguy; GO: Supervisor: Carlos Eduardo Rodrigues Alves; Técnico Judiciário: Kássia Martins; TO: Supervisora: Iracele Barros Leite; DF: Supervisora: Vanessa Rodrigues Barbosa Siqueira; Jornalista: Larissa de Menezes Jansen; Servidores: Hélio Epaminondas de Albuquerque; Flávia de Seta Maurício; Fotógrafo:Eudenir Pereira Lima; Estagiária: Adriana de Oliveira Lago; BA: Supervisora: Maristela Amorim; Assistente técnico: Luiz Carlos Bittencourt Goulart; Estagiários: Luciano Bonfim Hellstrom e Elaine Santos de Jesus; AC: Supervisora: Lina Grasiela do Nascimento; Fotógrafos: Franklin Andrade, Sâmia Milena Araújo Souza, Edilson Chaves dos Santos, Michelle Albuquerque e Nilzio Júnior; PI: Supervisora: Francisca Zelma Lima Cavalcante; Apoio administrativo: Ylanna Mara Xavier Lustosa Vargas; AM: Supervisora: Andréa Silveira Rocha da Silva; AP: Supervisora: Gilvana Maria Castelo Tourinho de Barros; MT: Supervisora: Marisa dos Anjos Fernandes; RO: Editor: Antônio Serpa do Amaral Filho; Fotógrafo: Mauro Alves de Lima Júnior; Assistente de Produção:Vanessa Duarte Barbosa; Revisor: Rinaldo dos Santos Silva. Assessoria de Comunicação Social – TRF2 Assessora de Comunicação e Editora Regional: Ana Sofia Gonçalves; Repórteres: André Camodego; Marcelo Ferraz; Sérgio Mauricio Costa; Servidores: Susana Tupinambá, Antonio Carlos Esteves e Libanita Araújo. Equipe Via Legal: Editora Regional: Viviane Rosa; Repórter Cinematográfico: João Paulo Couto; Editores de Imagens: Roberta Chaves de Araújo Souza; Assistente de Produção: Denise Moraes Gouveia da Silva. Seções Judiciárias: RJ: Supervisora: Carmen Varella; Jornalistas: Bruno Costa; Jane David; Maria do Socorro Branco; Soraya Calheiro; ES: Supervisora: Ana Paola Dessaune Carlos Vidal; Jornalista: Patrícia Del Piero de Almeida; Fotógrafo: José Augusto Magnago. Assessoria de Comunicação – TRF3 Assessora de Comunicação Social e Editora Regional: Ester Laruccia; Repórteres: Ana Cristina Eiras, Andrea Moraes e Selma Alcântara; Assistentes: Daniela Benedete e Rosana Álvares; Fotógrafo: José Edgard Catão; Cinegrafistas e Editores de Imagens: Bernardo Spinelli de Oliveira e Eduardo Silveira Costa; Estagiários: Danilo de Albuquerque Júlio e Letícia Mendes Gouveia. Equipe Via Legal: Editora Regional: Érica Resende; Repórter Cinematográfico: Décio Ciappini; Editor de Imagens: Renato Primo Commi; Assistente de Produção: Luiz Lucindo de Azevedo. 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Assessoria de Comunicação – TRF5 Supervisora da Seção de Comunicação Social e Editora Regional: Cristina Ramos; Jornalista: Josie Maria Marja; Fotógrafo: Getúlio Lourenço Bessoni de Melo. Equipe Via Legal: Editor Regional: Juliano Domingues; Repórter Cinematográfico: Silvano Prysthon; Editor de Imagens: Willian Gerson de Lima Siqueira. Seções Judiciárias: AL: Assessora: Ana Márcia da Costa Barros; RN: Supervisora: Anna Ruth Dantas de Salas; Estagiário: Léo Valente Santiago; CE: Supervisor: Luiz Gonzaga Feitosa do Carmo; Assistente Técnica de Divulgação e Editoração: Lorena de Paula Pessoa Sá; PB: Supervisora:Silvana Sorrentino Moura de Lima; Estagiária: Ana Paula da Silva; SE: Assessor: Gilton Lobo Menezes; Estagiário: Diego Martin Fonseca Menezes; PE: Supervisor: Marcelo Schmitz. Projeto Gráfico: Raul Cabral Méra - CJF; Diagramação: Raul Cabral Méra e Gustavo Torquato Impressão: Coordenadoria de Serviços Gráficos do Conselho da Justiça Federal 2 Sumário Especial Direito Ambiental Em pólos opostos Um precisa de tempo para reflexão, utiliza linguagem técnica e tem postura cautelosa e discreta para lidar com os fatos. A outra precisa correr contra o tempo, privilegia a clareza em seu vocabulário e lida com os fatos de forma objetiva e aberta. Assim se situam o Judiciário, de um lado, e a imprensa, do outro. Reportagem especial reflete sobre essa paradoxal relação e aponta caminhos para um relacionamento saudável entre ambas as instituições. 25 Entrevista Segurança Ameaças e atentados preocupam juízes federais criminais Direito Criminal Meninas de Nova Friburgo (RJ) são vítimas de pedófilos Juiz desativa bancas de jogo do bicho que atuavam em todo o Nordeste Campanha em Mato Grosso recupera vítimas do tráfico de drogas No Rio Grande do Norte, juiz troca pena de prisão por leitura Jogador de futebol em SP falsifica documentos para ficar mais jovem Com apenas 60 anos, ele assume a Presidência do Superior Tribunal de Justiça e do Conselho da Justiça Federal para o biênio 2008/2010. A equipe da revista Via Legal foi ouvir do novo presidente sua visão sobre o Conselho e a Justiça Federal e suas prioridades de gestão à frente do órgão Direito Internacional Especialistas apontam a necessidade de aprimorar a cooperação entre os países Mudança de gestão Em entrevista exclusiva, Cesar Asfor Rocha fala sobre suas metas para o CJF Um balanço da curta e intensa gestão de Humberto Gomes de Barros Previdenciário 32 Justiça Federal e INSS promovem parceria em prol da conciliação Perícias feitas nas dependências da Justiça Federal agilizam processos Índios Juízes ameaçados Juízes federais criminais têm sido alvo cada vez mais constante de ameaças por parte de organizações criminosas. O Conselho da Justiça Federal e a Associação dos Juízes Federais do Brasil estudam medidas para garantir maior segurança a esses magistrados. 14 Internacional 29 32 32 34 36 36 38 42 Tribunal Regional Federal da 5 Região adota comunidade carente do Recife Creche em SP se beneficia com leilão de bens do traficante Abadia Menores infratores ganham oportunidade de trabalho no TRF da 4a Região a Institucional 36 29 Responsabilidade Social Previdenciário Réu em grande parte das ações movidas na Justiça Federal, o Instituto Nacional do Seguro Social começa a modificar sua postura, apostando na conciliação como forma de reduzir a litigiosidade. 25 40 Processos históricos estão sendo recuperados e catalogados no RJ Servidores do TRF da 3a Região dedicam seu talento aos colegas de trabalho A história de imigrantes japoneses que fizeram a Justiça Federal em SP CCJF: uma outra face da Justiça Federal no Centro Histórico do RJ Cultura da conciliação 16 18 20 22 24 40 Em um mundo globalizado, a cooperação jurídica internacional ganha uma importância crescente. Especialistas avaliam a evolução desse instrumento no Brasil. 29 16 Reserva indígena dos Cintas-Larga é palco de sangrentos conflitos Cultura Cooperação em alta 14 25 O diálogo possível entre os juízes e os jornalistas Cesar Rocha 04 06 08 10 12 14 Imprensa Foto: Jorge Campos Segurança Primeira privatização de floresta pública no país provoca intensa discussão jurídica Justiça Federal da 4a Região afinada com o descarte correto do lixo Novos quiosques na orla de Copacabana (RJ) provocam polêmica ambiental Pesca de arrastão, considerada predatória, é combatida no Sul do país No Nordeste, autoridades tentam salvar o Rio Parnaíba 04 Servidores do TRF3 aprendem a interagir com portadores de necessidades especiais Notas Livros Agenda Giro pelas Decisões 42 43 44 45 45 47 49 50 51 51 53 54 55 56 3 Direito Ambiental Privatização Buraco de mineração na Floresta Nacional Polêmica Foto: Serviço Florestal Brasileiro - MMA Após ampla discussão jurídica, começa processo de licitação, inédito no Brasil, para concessão de direito de exploração de floresta pública Tatiana Montezuma - Brasília (DF) O assunto é polêmico e, antes mesmo de ser colocado em prática, motivou questionamentos judiciais. A decisão do governo federal de repassar à iniciativa privada o direito de explorar as florestas brasileiras está garantida em lei, mas ainda enfrenta resistências. A primeira área licitada é a da Floresta Nacional do Jamari, no município de Itapuã do Oeste, em Rondônia. O processo só foi liberado depois de uma disputa que chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF). A licitação foi concluída em 18 de agosto, tendo saído vencedoras três madeireiras: Amata, Sakura Indústria e Comércio de Madeiras e Alex Madeiras. Elas vão pagar um total de R$ 3,8 milhões anuais pelo direito de explorar a floresta nos próximos 40 anos. As regras para o repasse das áreas estão previstas na Lei de Gestão de Florestas Públicas – (Lei n° 11.284), aprovada em 2006 pelo Congresso Nacional, e regulamentada por um decreto do ano passado. Para o Ministério Público Federal, a licitação da área da Floresta do Jamari também deveria ter sido aprovada pelo Congresso Nacional. O órgão recorreu ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região que, em março de 2008, suspendeu a licitação. 4 Direito Ambiental A Advocacia-Geral da União foi ao STF, afirmando ser dispensável a prévia autorização do Legislativo, uma vez que esta exigência, prevista no texto inicial da lei, foi vetada pelo Presidente da República. A previsão inicial era que os processos de áreas superiores a 2,5 mil hectares só fossem implementados depois de receber o aval de deputados e senadores. O governo alegou ainda que a concessão não significa a transferência da posse de terra pública, apenas permite que a empresa faça o manejo sustentável da área. Os argumentos foram acatados pelo tribunal, que liberou a licitação. No dia 11 de junho, foi realizada uma sessão pública para abertura dos envelopes com as propostas das empresas interessadas em explorar a Floresta do Jamari. Antes da definição do vencedor, novas etapas deverão ser cumpridas. Paralelamente à licitação da Floresta Jamari, o governo federal está realizando o cadastro de todas as florestas públicas brasileiras. A intenção é que o levantamento seja concluído até o fim de 2009. O estudo, segundo Tasso Azevedo, diretor do Programa Florestal Brasileiro, servirá de base para a elaboração do plano anual de outorga, ou seja, é o primeiro passo para definir novas áreas a serem concedidas à iniciativa privada. Desde a criação da Floresta Jamari, em 1984, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) desenvolve na região um plano de conservação que engloba programas de pesquisa de uso público e de manejo florestal, entre outros. A área total da floresta é de 220 mil hectares e, de acordo com a decisão do Serviço Florestal Brasileiro, 90 mil hectares serão repassados à iniciativa privada. A empresa que vencer a licitação deverá fazer o uso sustentável da unidade por até 40 anos, podendo ser responsabilizada em caso de danos à natureza. Todas as regras que disciplinam a concessão das florestas estão definidas na Lei n° 11.284/2006. A norma estabelece, por exemplo, que a empresa deve proteger os ecossistemas, o solo, a água, a biodiversidade, o patrimônio público e até os valores culturais associados à floresta. Também cabe ao concessionário definir atividades que promovam o uso eficiente e racional das florestas e contribuam para o cumprimento das metas do desenvolvimento sustentável local, regional e de todo o país. Ainda de acordo com a norma, a empresa é obrigada a usar técnicas de manejo sustentável na exploração de madeira, óleos, sementes e resinas. Poderá, além disso, oferecer serviços de ecoturismo e esporte de aventura. A concessão de florestas públicas proíbe o acesso a patrimônio genético para fins de pesquisa, exploração dos recursos minerais, pesqueiros ou de fauna silvestre. Também proíbe terminantemente a concessão de titularidade imobiliária ou de preferência em sua aquisição. O dinheiro arrecadado com a concessão deverá ser empregado no controle das áreas licitadas, incluindo monitoramento permanente e fiscalização. No caso do processo envolvendo a Floresta Jamari, 30% serão destinados ao Serviço Florestal e ao Ibama. Os outros 70% serão divididos entre o gestor da unidade, o Instituto Chico Mendes e o Fundo Nacional do Desenvolvimento Florestal do Estado de Rondônia. A estratégia é usar os recursos em ações de conservação do meio ambiente. A legislação também prevê que todas as etapas sejam acompanhadas pela Comissão de Gestão de Florestas Públicas, formada por representantes do governo federal, dos estaduais, municipais e também da sociedade civil. Ao todo, são 24 pessoas com a obrigação de garantir o cumprimento das normas. A intenção do Serviço Florestal Brasileiro é que o processo de licitação da Floresta Jamari sirva de modelo para os demais que devem ser implantados em todo o país. n Foto: Serviço Florestal Brasileiro - MMA Exploração ilegal seletiva 5 Direito Ambiental Responsabilidade DE TODOS Foto : AS COM /TRF 4 É cada vez maior a consciência de que o tratamento e o descarte corretos do lixo são uma responsabilidade de cada cidadão e também do poder público, a quem cabe proteger o meio ambiente da poluição causada pelos aterros sanitários Q uando se fala em aquecimento global e tragédias como tsunamis, vendavais e até terremotos, muita gente se assusta. Mas o que poucos perceberam até agora é que tais fenômenos estão diretamente ligados a hábitos errados do cotidiano de cada um e que ações individuais podem ajudar a resolver ou, pelo menos, amenizar a situação. O gestor ambiental José Antônio Antunes reforça a tese ao dizer que de nada adianta colocar um adesivo no carro defendendo a salvação das baleias se a pessoa consome demais ou descarta o lixo doméstico de maneira errada. Tudo, segundo ele, gera impacto no meio ambiente. Para o administrador de empresas e servidor público, que se pós-graduou na área e atua na destinação correta do lixo dentro do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em Porto Alegre, a consciência ecológica tem que ser colocada em prática. Afinal, o lixo produzido diariamente é responsabilidade de cada um e também do poder público. No Brasil, as cidades produzem 140 mil toneladas de lixo urbano por dia. Segundo estimativas dos órgãos de fiscalização ambiental, cerca de 60% desse total vão parar nos lixões sem receber nenhum tipo de tratamento. O material contamina o lençol freático, já que há infiltração de substâncias tóxicas que acabam chegando ao subsolo. Polui o ar, principalmente por causa dos gases produzidos pela decomposição de matérias, e coloca em risco também a saúde dos catadores, que encontram nesses depósitos a céu aberto a única fonte de sustento das suas famílias. Segundo a desembargadora federal do TRF4, Marga Inge Barth Tessler, especialista em Direito Ambiental, a culpa pelo destino incorreto do lixo pode ser rateada entre toda a sociedade. “Há uma omissão dos legisladores, do poder público e também da população, que não se dá conta dos malefícios que a gestão errada do lixo acarreta”. A desembargadora diz que o cidadão deve mudar seus hábitos de consumo, comprando produtos que venham em embalagens inteligentes e abolindo o uso desnecessário do plástico, por exemplo. Mas, para ela, as administrações públicas e os legisladores são os que devem responder pela cota maior na solução do problema. 6 Analice Bolzan - Porto Alegre (RS) Salvem os lixões Só a partir da década de 1980 as grandes cidades começaram a investir na construção de aterros sanitários. Foi o que aconteceu em Gravataí, na região metropolitana de Porto Alegre. Atualmente o aterro sanitário Santa Tecla trata 300 toneladas de lixo por dia, em três municípios. Até 1993 era um imenso lixão, com catadores disputando restos. Os incêndios e a contaminação do solo e das águas da região, que abriga uma área de preservação ambiental, levaram o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) a autuar a Prefeitura várias vezes. O problema foi parar na Justiça Federal. O Ministério Público Federal ingressou com uma ação civil pública na Vara Ambiental, Agrária e Residual de Porto Alegre, representando os moradores da cidade. A Prefeitura recorreu. O atual secretário de Serviços Urbanos de Gravataí, Alex Leite, disse que a estratégia foi pedir uma liminar para manter a área recebendo lixo, mas sendo transformada em aterro. “Ninguém consegue de um dia para o outro achar um lugar adequado para colocar o lixo”, argumenta Leite. A juíza federal da Vara Ambiental, Clarides Rahmeier, entendeu que o local deveria funcionar sob liminar até a conclusão do novo aterro e a recuperação do meio ambiente. Hoje, a natureza retomou parte do antigo lixão com a cobertura de mata nativa. A terra está protegida, os gases monitorados e o chorume - o líquido resultante do lixo do aterro - vai para lagoas de tratamento sem comprometer o lençol freático. O processo do lixão de Gravataí, que ainda tramita na Justiça Federal gaúcha, ilustra bem o conflito que o Judiciário enfrenta ao tratar do assunto. Não adianta só mandar fechar os lixões. Para a juiza Clarídes Rahmeier, a sentença judicial tem que se preocupar também com o que fazer com os resíduos que sempre vão continuar existindo. Direito Ambiental As ações na Justiça poderiam ser evitadas e o enorme volume de resíduos que chega aos lixões ou aos aterros diminuído, se houvesse conscientização. De acordo com o Compromisso Empresarial para Reciclagem (Cempre) - uma ONG paulista que pesquisa e atua na área, em 1994 apenas 81 municípios do país faziam a coleta seletiva. Hoje são 405, cerca de 7% das cidades brasileiras, envolvendo 26 milhões de pessoas. O setor é um investimento rentável para empresários e para o poder público. Uma pesquisa recente do Cempre revela que a reciclagem movimenta R$ 8 bilhões por ano no Brasil. Quem investe, não se arrepende. Em Porto Alegre a coleta seletiva funciona há 18 anos e é considerada modelo. Hoje todos os bairros são atendidos com recolhimento até duas vezes por semana. O diretor de projetos so4 /TRF COM : AS Foto ciais e reciclagem da prefeitura da capital, Jairo Armando, informa que 60 toneladas de lixo são encaminhadas diariamente para 13 unidades de triagem, transformando o resíduo em renda e inclusão social para 713 catadores cadastrados. n RS DÁ O EXEMPLO A produção de gás metano é um dos maiores problemas de um aterro sanitário. O gás gerado pela decomposição do material orgânico pode transformar a área numa verdadeira bomba se não for queimado através de um sistema adequado. No Rio Grande do Sul, este passivo ambiental está sendo revertido em 140 municípios. Um sistema de captação e queima de gases gerados em aterro sanitário destruirá até 90% do metano resultante da decomposição orgânica. Com isto será possível a redução anual de 170 mil toneladas de dióxido de carbono (CO²), o principal vilão do efeito estufa. O projeto pioneiro começou em 2007 com um investimento de cerca de R$ 6 milhões para a Sil Soluções Ambientais, do Grupo Copelmi. Eles receberam permissão da Organização das Nações Unidas (ONU) para atuar como Mecanismo de Desenvolvimento Limpo e negociam com o fundo japonês Japon Carbon Finance ( JCF) a venda de créditos de carbono obtidos pela captura do gás metano. Foto: ASCOM/TRF4 Conscientização 7 Direito Ambiental Reforma embargada A intenção da Prefeitura era melhorar a estrutura de atendimento aos turistas e dar uma nova “cara” às praias cariocas. O problema é que ao autorizar a padronização dos quiosques, o Poder Público teria deixado de exigir que a empresa responsável pelas mudanças apresentasse o estudo de impacto ambiental das obras. A falta do documento, que determina as conseqüências da medida, resultou em vários processos judiciais que tentam impedir a continuidade dos trabalhos. As primeiras denúncias chegaram aos tribunais há 10 anos. Os autores são deputados estaduais que defendem a suspensão imediata das obras. Para eles, se a empresa que venceu a licitação para explorar os quiosques continuar com a reforma, uma grave agressão ambiental será provocada na região. Os parlamentares afirmam que o esgoto dos banheiros e da cozinha vai direto para o lençol freático e, nos dias de chuva, acaba atingindo a praia. “Se existe um ecossistema delicado é o mar, é a praia. Ali já tem língua negra, ainda vem o esgoto produzido pelo quiosque”, dispara o deputado Paulo Ramos (PDT). A substituição das antigas estruturas começou pela praia mais famosa da cidade. O novo comércio da orla de Copacabana tem banheiro adaptado para deficientes, chuveiro, guardavolumes, câmeras de segurança, depósito de alimentos e até cozinha instalada em área subterrânea. As mesas ficam em um dique de frente para o mar e o cliente tem à disposição um pólo gastronômico digno de uma praça de alimentação de shopping center. É possível escolher entre fast food, cafeterias e até comida chinesa. A intenção da empresa Orla Rio é modernizar todos os quiosques instalados num trecho de 40 quilômetros, do Leme à Prainha. “Estamos conseguindo reestruturar a orla marítima no Rio de Janeiro pelo que ela merece, colocando sanitários públicos, que são muitos escassos. O funcionário do quiosque não tinha como ir ao banheiro, o cliente também não. Fora isso, há toda a infra-estrutura necessária para atender melhor o cliente”, explica um dos vice-presidentes da Orla Rio, João Marcello Barreto. zerra Foto: Cícero Be 8 Outro lado Questionada sobre as denúncias de que a padronização representa danos ao meio ambiente, a empresa Orla Rio garante que cumpre todas as normas. “Nosso projeto não contempla em momento nenhum a utilização de fossas, a utilização de depósitos de areia ou do mar para os resíduos gerados pelos quiosques. Pelo contrário, nós monitoramos completamente os refluxos desses quiosques dos banheiros e das cozinhas”, rebate Antônio Abreu. Entre as centenas de páginas do processo em tramitação na Justiça Federal também consta que a empresa não apresentou o estudo de impacto ambiental. A análise, que é feita por peritos da área, é capaz de concluir se a intervenção humana vai ou não degradar uma determinada área. “A necessidade do relatório seria para dimensionar a característica de cada praia. Aí você teria o seguinte: aqui você não pode construir banheiros porque atinge dire- Direito Ambinetal tamente o lençol. Aqui você tem condições de construir banheiro, mas com essa profundidade”, explica o advogado de acusação, Ítalo Leite. A Fundação Estadual de Engenharia e Meio Ambiente (Feema) alega que onde a reforma já começou o estudo é desnecessário, por se tratar de áreas totalmente urbanizadas e sem vegetação. Segundo um dos peritos do órgão, Maurício Couto, a reforma dos quiosques é uma atividade de baixo impacto ambiental. “Na verdade, é encarada como uma troca de equipamento urbano e vai ser feita num local dotado de toda a infra-estrutura de serviços públicos de água, esgoto, drenagem, iluminação pública, sistema viário, acesso de pedestre”, argumenta. Ainda de acordo com a Feema, o estudo de impacto ambiental só foi dispensado no trecho que vai do Leme à Copacabana e que as condições do restante das praias ainda vão ser avaliadas. Mas, para os deputados, o parecer do órgão foi irresponsável e omisso. Segundo os autores da ação, um acidente ocorrido no último verão reforça a necessidade do estudo. “Os primeiros quiosques foram construídos com os sanitários e a cozinha no subsolo, onde a água já invadiu”, garante o deputado Paulo Ramos. A empresa não confirma o acidente e diz que a acusação exagera ao apontar falhas na estrutura dos quiosques. “O que pode ter acontecido na época dessa última ressaca, pelo que se tem notícia, é que uma das ondas, um pouco mais expressiva, avançou pela faixa de areia, foi até o calçadão e desceu para dentro do quiosque”, retruca o advogado da empresa, Luiz Cláudio Costa. Negligência Mas os deputados também denunciam que a empresa teria sido negligente durante as obras. “Encontraram pedras dentro do mar. E ainda há situações de risco. Muitas vezes os banhistas reclamam que encontram as pedras que vieram das obras”, diz o deputado. “Ao longo dos anos, a agressão ao meio ambiente vai acontecendo e nós não percebemos hoje. A biota vai sendo atingida, os lençóis vão sendo danificados e isso conseqüentemente vai para a praia”, completa o advogado de acusação. Julgamento A Justiça Federal decidiu embargar parte da reforma. O desembargador federal do TRF2, Paulo Espírito Santo, entendeu que os quiosques estão em áreas urbanizadas, com estrutura sanitária adequada e, portanto, não comprometem a paisagem local. Ele acatou o parecer da Feema que dispensa o estudo de impacto ambiental, mas decidiu que a obra só pode ser concluída onde houver licença de instalação. Segundo o advogado da Orla Rio, Luiz Cláudio Costa, a empresa já possui a autorização para seguir com o restante das obras do Leme à Copacabana. “Para os demais setores nós estamos buscando o licenciamento”, afirma. A acusação considera o embargo parcial uma vitória, mas continua insatisfeita com os órgãos de proteção ao meio ambiente. “Fica uma situação frágil para exercermos essa jurisdição quando os órgãos ambientais que têm poder de polícia não acatam, não fiscalizam e permitem que a empresa continue a fazer o que faz”, critica o advogado Ítalo Leite. Apesar das acusações, a Feema considera a discussão legítima e importante. É prova de que cada vez mais setores da sociedade têm cumprido o papel de cuidar do meio ambiente e de denunciar abusos contra este patrimônio, que é de todos. “A participação está cada vez maior na comunidade”, conclui o perito Maurício Couto. n Projeto de modernização dos quiosques da orla do Rio de Janeiro é contestado na Justiça. Segundo os autores da ação, as obras vão gerar prejuízos irreversíveis ao meio ambiente. Viviane Rosa - Rio de Janeiro (RJ) Direito Ambiental Pesca de arrastão no litoral do RS Vida marinha Preservada Foto: Divulgação Sea Shepherd A pesca com redes de arrasto a menos de três milhas da costa, prática que causa sérios danos à fauna e à flora do mar, levou a Justiça Federal da Região Sul a punir os responsáveis Luciana Tornquist - Porto Alegre (RS) Marcos de Vasconcellos e Camila Lopes - Rio de Janeiro (RJ) Foto: Divulgação Sea Shepherd Equipe Sea Shepherd 10 D uas decisões judiciais evidenciaram, nos últimos meses, a prática de um crime contra o meio ambiente. Proibida por lei, a chamada pesca de arrastão tem sido registrada em vários pontos do litoral brasileiro. A prática, que levou ao banco dos réus uma empresa de Santa Catarina e a regional carioca do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais (Ibama), consiste no uso de redes e de uma espécie de balão que arrasta tudo o que encontra pela frente. A técnica aumenta a quantidade de peixe retirado do mar e, ao mesmo tempo, compromete todo o ecossistema da região. No sul do país, a ação judicial foi proposta pela organização nãogovernamental Instituto Sea Shepherd Brasil. Além da empresa, o proprietário de uma traineira também foi denunciado. O crime foi descoberto em agosto de 2000, quando voluntários da entidade participaram de uma ação no litoral norte do Rio Grande do Sul. Chamada de Operação X, a blitz aconteceu entre os municípios de Tramandaí e Cidreira e teve o apoio da Patrulha Ambiental gaúcha, do Grupamento Aéreo da Brigada Militar e do Aeroclube de Osório (RS). A intenção era detectar a presença de barcos com redes de arrasto a menos de três milhas náuticas, o equivalente a 5,5 quilômetros da costa, atividade proibida por lei. Durante a operação, as embarcações da Pescados Amaral – Amaral IX e Amaral X – foram flagradas praticando a pesca predatória. Inicialmente distribuída à Justiça Estadual, a ação movida pelo Sea Shepherd acabou sendo transferida para a Vara Federal Ambiental de Porto Alegre. O assessor jurídico da Ong, Cristiano Pacheco, explica que essa foi a primeira ação civil pública movida no Brasil contra a pesca de arrastão marinha. Em janeiro de 2007, o juiz federal Cândido Alfredo Silva Leal Júnior condenou a empresa catarinense a pagar indenização de R$ 97,5 mil pela prática. O valor deve ser corrigido e atualizado e depois, utilizado em projetos de preservação e educação ambientais, relacionados à pesca no litoral do RS. Direito Ambiental Ainda na decisão, o magistrado fixou multa no mesmo valor, caso embarcações da empresa fossem flagradas praticando a atividade em local proibido. A empresa recorreu ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), argumentando falta de provas do crime. A principal justificativa era de que no processo não havia sido provado que os barcos de sua propriedade estavam dentro das três milhas marítimas e, muito menos, que faziam a pesca predatória. Em abril de 2008, a Terceira Turma do Tribunal confirmou a sentença. Segundo o desembargador federal Luiz Carlos de Castro Lugon, relator do recurso, a alegação de falta de provas é descabida. O magistrado lembrou que, além das testemunhas ouvidas, um relatório elaborado pela Patrulha Ambiental detalha tanto a fiscalização quanto os resultados do trabalho, o que comprova que as embarcações estavam em local proibido. O desembargador destacou ainda que, apenas em 1999, o Ibama autuou a empresa duas vezes pela mesma prática. Em julgamento de outro recurso movido em abril de 2008 pela Sea Shepherd e a União contra o proprietário de uma traineira, a desembargadora federal Marga Inge Barth Tessler, relatora do caso no TRF4, também entendeu que a pesca de arrasto é notoriamente lesiva ao meio marinho. “A rede de arrastão raspa e mata toda a vida marinha desde a areia até a superfície”. A magistrada salientou em seu voto que a continuidade da pesca de arrasto “prejudica e inviabiliza a produção pesqueira dos pescadores tradicionais e das comunidades deles dependentes”. Os réus envolvidos ainda podem recorrer contra as condenações aos tribunais superiores, em Brasília. Foto: Divulgação Sea Shepherd Barco Amaral IX, flagrado pela operação X praticando a pesca predatória Baía de Sepetiba No Rio de Janeiro, a decisão foi contra o Ibama, órgão responsável por fiscalizar a prática da pesca de arrasto na Baía de Sepetiba, na Ilha da Madeira, em Angra dos Reis, em Búzios e em Cabo Frio. Por ordem do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, o instituto deverá adquirir lanchas e viaturas para fiscalização terrestre, além de manter uma equipe de agentes de fiscalização ostensiva. O relator do processo, desembargador federal Sérgio Schwaitzer, lembrou que a preservação dos recursos ambientais é obrigação do poder público. “Proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção das espécies ou submetam os animais à crueldade”, disse. A decisão foi proferida no julgamento de apelação cível apresentada pelo Ministério Público Federal, contra sentença de primeira instância. A ação se baseou na representação da organização não-governamental Defensores da Terra. A entidade fez um relato referente à pesca predatória no litoral fluminense a partir de informações dos moradores e de várias visitas à Baía de Sepetiba. O desembargador entendeu, com base em documentos juntados ao processo, que a fiscalização do Ibama sobre a pesca predatória tem sido insuficiente. A chefe substituta do Departamento de Fiscalização do Ibama, Silvânia Gonçalves, admitiu que o controle tem sido feito de maneira precária. Segundo ela, a única lancha que o órgão possui está quebrada, o que obriga os agentes a pedirem embarcações emprestadas. Já a fiscalização por terra é feita de forma esporádica. Os agentes vão até os locais de descarrego de pescados uma vez por semana em horários aleatórios. Por lei, também cabe ao Ibama apreender o material de pesca e as embarcações que insistem na pesca predatória. Porém, o órgão não possui um depósito para guardar as embarcações apreendidas. Hoje, os equipamentos têm ficado sob a guarda do próprio dono, que deve se comprometer a não utilizá-las por um determinado período. Os efeitos da pesca predatória já são percebidos por quem tira do mar o sustento da família. Marcos Garcia, 45 anos, é um dos 8 mil pescadores artesanais que trabalham no entorno da Baía de Sepetiba. Ele explica que as traineiras e embarcações de pesca oceânica que praticam a pesca predatória na região costumam ser embarcações estrangeiras arrendadas por empresários brasileiros. As próprias embarcações já possuem tecnologia para industrializar e processar o pescado. “São verdadeiras indústrias flutuantes,” diz. Ainda segundo o pescador, a atividade já provocou a redução do volume de peixes. “Há 20 anos, 600 mil toneladas eram pescadas dentro do estado do Rio de Janeiro por ano. Os últimos dados são de que este número caiu para 80 mil”, diz. Para ele, o problema só será resolvido se a fiscalização for intensificada. n 11 Direito Ambiental AGONIZA Maior rio nordestino, o Parnaíba sofre com danos ambientais. O Parque Nacional das Nascentes do Parnaíba foi instituído para tentar reverter a situação, mas, seis anos depois, ainda não saiu do papel Antonio Trindade - Brasília (DF) O O MONGE assunto já foi tema de audiência pública, de duas expedições e é o centro de pelo menos três processos judiciais. Não é de hoje que o futuro do Rio Parnaíba, que corta todo o estado do Piauí, é motivo de preocupação para ambientalistas, autoridades e, sobretudo, para os moradores da região. Uma das ações, aberta em outubro de 2007, exige a demarcação do Parque Nacional das Nascentes do Rio Parnaíba. A medida é apontada como a solução mais eficaz para a preservação do manancial. O Parnaíba tem 1,4 mil quilômetros de extensão e já foi uma das principais vias de transporte do estado. Por ele, passavam, no início do século passado, barcos a vapor de pequeno e médio porte. Hoje o Velho Monge, como o rio é conhecido, sofre as conseqüências de anos de agressão. São visíveis os resultados dos danos ambientais. A mata ciliar foi devastada pelas queimadas, pastagens e plantações. A primeira ação em defesa do rio aconteceu em 2001. Na época, a Justiça Federal do Piauí organizou uma caravana em direção às nascentes do Parnaíba. A iniciativa incluiu a realização de audiências públicas nas comunidades ribeirinhas. A meta era avaliar a extensão dos danos. No ano seguinte, com a promessa de barrar a degradação ambiental, um decreto presidencial criou o Parque Nacional das Nascentes do Rio Parnaíba. No entanto, seis anos depois, a criação do parque ainda não saiu do papel. “Não há fiscalização efetiva e muito menos utilização para pesquisa e turismo ecológico. O Parnaíba, maior rio nordestino e o quinto maior do país, vem definhando em toda a sua extensão, a começar por suas nascentes”, explica o conselheiro federal e presidente da Comissão Nacional de Legislação da Seção Piauiense da Ordem dos Advogados do Brasil, Marcus Vinicius Furtado Coelho. Em setembro do ano passado, uma nova expedição foi organizada para cobrar a implantação do parque. Chamado de Nascentes Urgente, o movimento teve a participação de vários órgãos, como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), a Ordem de Advogados do Brasil (OAB), o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), a Fundação Velho Monge e a Universidade Federal do Piauí (UFPI). A decisão de recorrer à Justiça Federal para obrigar o estado a criar, de fato, a área de reserva, foi do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e das seccionais da entidade nos estados do Piauí, Maranhão, Tocantins e Bahia, que possuem território no parque. A principal esperança é que a ação civil pública resulte na liberação de verbas para os projetos ambientais. “Para que a gente possa compelir o governo federal a liberar recursos, que inclusive já estão destinados a esta finalidade; para que o parque possa ser demarcado; para que as pessoas que ocupam o parque sejam retiradas da área; para que a gente possa realmente salvar este patrimônio que é do país”, justifica o presidente da regional da OAB no Piauí, José Norberto Campelo. 12 Foto: FURPA Falta de provas Na primeira decisão judicial, o pedido dos autores foi negado. Em janeiro deste ano, o juiz federal Ênio Laercio Chappuis entendeu que não havia provas da omissão do poder público que justificasse uma ordem para a liberação imediata de recursos a serem usados na criação do parque. O magistrado também levou em conta o fato de existirem dois processos em andamento questionando o decreto que criou a reserva. A Justiça aguarda parecer do Ministério Público para decidir sobre o assunto. Em junho de 2008, o assunto voltou à tona. Desta vez, em uma audiência pública na Câmara dos Deputados. Organizado pelo deputado federal Marcelo Castro (PMDB-PI), o encontro “Desertificação e morte do Rio Parnaíba e seus afluentes no estado do Piauí” reuniu representantes do governo e da sociedade civil. Durante a audiência, o secretário de Meio Ambiente do governo do estado, Dalton Macambira, lembrou que o processo de degradação ambiental no Piauí não é recente. “Isso começou há 200 anos, na época da ocupação do estado, baseada na agricultura e na pecuária extensiva”, garantiu. Na audiência, a OAB defendeu, entre outras providências, que a bacia do Parnaíba fosse incluída na Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que prevê o repasse de verbas para as obras no Rio São Francisco. “Não queremos só a instalação do parque. Precisamos, a exemplo da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que tramita no Congresso para o Rio São Francisco, destinando verbas durante 20 anos para sua recuperação, que a bacia do Parnaíba seja incluída na PEC”, ressaltou José Norberto Campelo. Direito Ambiental Assoreamento do rio, próximo a Teresina (PI) Trecho da nascente do rio Foto: Seção Judiciária do Piauí Agricultura Na avaliação da chefe do Parque Nacional das Nascentes do Rio Parnaíba, Cristina Aguiar, o principal motivo para a demora no processo de demarcação foram as duas ações judiciais que questionaram o decreto presidencial. “Esses processos foram movidos por agricultores para tentar evitar que suas propriedades fossem retiradas da região prevista para o parque”, explica. Segundo ela, esses questionamentos provocaram especulações em relação à vigência ou não do decreto. “Mas até o final deste ano o processo de demarcação deve ter início”, aposta a analista ambiental do Instituto Chico Mendes de Conservação e Biodiversidade, órgão ligado ao Ministério do Meio Ambiente. O local destinado à instalação do parque fica na Serra da Mangabeira, que abrange os estados do Piauí, Maranhão, Ceará, Tocantins e Bahia e onde se localizam os principais afluentes do Parnaíba. A criação da reserva faz parte do Programa de Revitalização da Bacia Hidrográfica do Parnaíba. Segundo o Ibama, os recursos para implantação do parque já estão garantidos. A previsão é que sejam investidos mais de R$ 1,3 milhão, valor que será repassado ao Ibama do Piauí pela Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e Parnaíba (Codevasf ). O recurso deve vir do orçamento do Ministério da Integração Nacional. De acordo com o decreto, o Parque das Nascentes do Parnaíba terá cerca de 730 mil hectares e será o maior do estado. O Ibama não tem informações precisas sobre a quantidade de pessoas que moram atualmente na região. No entanto, dados do governo do estado apontam que a agricultura, principalmente a destinada à produção de soja, já ocupa 30% da área prevista para a reserva. Por lei, quando a reserva estiver funcionando, nenhuma propriedade privada poderá permanecer na região. “As terras de particulares serão, inevitavelmente, desapropriadas e os donos, indenizados”, explica Cristiana Aguiar. O coordenador do programa de combate à desertificação do Ministério do Meio Ambiente, José Roberto Lima, avalia que as ações de combate ao assoreamento do Parnaíba devem ser implementadas o quanto antes. “É muito difícil e caro recuperar um rio. É melhor agir agora, antes que o processo de degradação se torne irreversível”, avisa. Navegação O Parnaíba deságua diretamente no Oceano Atlântico em uma foz do tipo delta, que se ramifica em cinco braços: Igaraçu, Canárias, Caju, Melancieiras e Tutóia. A região é conhecida como o Delta do Parnaíba, um dos principais pontos turísticos do estado. É o único delta em mar aberto do continente americano. O rio foi uma hidrovia navegável por mais de cem anos. Em 1911, por exemplo, era possível ir de Parnaíba, no extremo Norte, até Santa Filomena, no Sul do Piauí, navegando por mais de mil quilômetros, durante o ano todo. Atualmente, os bancos de areia são tantos e o rio ficou tão raso em algumas regiões que essa é uma prática impossível. n Rio Parnaíba em época de cheia Foto: FURPA 13 Segurança Foto: Cícero Bezerra Juízes ameaçados À medida em que a Justiça Federal se torna mais eficiente no combate ao crime organizado, aumentam as ameaças e tentativas de atentados aos juízes que mandam os bandidos para a prisão Cláudia Moura e Thais Del Fiaco - Brasília (DF) A Justiça Federal está diante de um paradoxo. A eficiência apresentada nos últimos anos por seus juízes criminais, que desmontaram grandes estruturas criminosas e mandaram para a prisão os líderes dessas poderosas facções, está provocando um efeito colateral preocupante. A cada esquema desvendado, esses juízes têm sido alvo de ameaças e até mesmo de atentados por parte dos envolvidos. Preocupados com essas ameaças, o Conselho da Justiça Federal (CJF) e a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) estão reunindo propostas de medidas que, implementadas, possam garantir maior segurança a esses profissionais. Para o juiz federal Alexandre Libonati, da 2ª Vara Federal Criminal, da Seção Judiciária do Estado do Rio de Janeiro, o número crescente de ameaças reforça a tese de que a Justiça Federal está pagando o preço da eficiência. O ex-presidente da Ajufe, juiz federal Walter Nunes, confirma. “Vários colegas, das cinco regiões da Justiça Federal, já faz algum tempo, estão sob proteção permanente da Polícia Federal, vivendo constantemente em perigo”, alerta. O coordenador-geral da Justiça Federal, ministro Gilson Dipp lembra que a competência da Justiça Federal envolve crimes complexos, de caráter transnacional, praticados muitas vezes por pessoas importantes. Segundo o ministro, a especialização de varas federais em crimes contra o Sistema Financeiro Nacional e lavagem de dinheiro e aqueles praticados 14 por organizações criminosas fez com que os processos passassem a tramitar de forma mais ágil. Esse novo modelo de atuação permite que sejam desmontados grandes esquemas criminosos com a condenação de “gângsters” poderosos. Por outro lado, deixou mais expostos os magistrados que atuam nessas unidades. “Varas especializadas em crime organizado expõem sensivelmente o magistrado porquanto já se sabe de antemão o juiz competente”, assinala o juiz federal Fausto Martin De Sanctis, titular de uma vara especializada em São Paulo. Para alguns juízes, entretanto, como é o caso de Fausto Martin De Sanctis, o risco é inerente à atividade. “Apesar de ameaças ocasionais a juízes, estas não têm sido seguidas de efetiva ação até porque o criminoso, historicamente, tem respeitado e considerado a atuação normal da Justiça”, acredita. Em abril deste ano, o então presidente do CJF, ministro Raphael de Barros Monteiro Filho, decidiu instituir a Comissão Nacional de Segurança, com a incumbência de elaborar e acompanhar a execução de um plano de segurança para os juízes federais. A comissão é presidida pelo coordenador-geral da Justiça Federal e conta com um juiz federal de cada região da Justiça Federal, além do presidente da Ajufe. A entidade, inclusive, já encaminhou uma série de sugestões que serão analisadas pela comissão. Um dos pedidos é para que os tribunais regionais federais criem um sistema de plantão entre os agentes de segurança, para atender emergências de juízes. Também foi sugerido um contato com as regionais da Polícia Federal em cada estado, para definição de plantões em casos de urgência. A Ajufe sugeriu ainda a locação de carros blindados e a instalação de dispositivo de monitoramento via satélite nos veículos e telefones celulares dos juízes que estejam em situação de risco. Projeto de Lei Em 2006, a Ajufe apresentou anteprojeto de lei ao Congresso Nacional, prevendo a adoção de medidas para preservar a segurança e assistência a juízes em situação de risco. “Infelizmente, o ordenamento jurídico brasileiro é omisso, não existindo qualquer normatização em relação à segurança dos juízes, diante da colocação em risco de sua pessoa e de sua família, quando do desempenho de sua função”, afirma Walter Nunes. A proposição estabelece, dentre outras medidas, a substituição do julgamento singular pelo colegiado, já no primeiro grau de jurisdição, para os crimes praticados por organizações criminosas. Com isso, não seria um único juiz o responsável pela condenação do réu. Outra proposta é impor regime prisional mais severo aos integrantes do crime organizado. Ainda de acordo com o projeto, os TRFs ficariam obrigados a incluir na proposta orçamentária recursos para implantar um sistema de segurança. A criação de comissões de segurança, tanto nos tribunais quanto no Conselho da Justiça Federal, é outra proposta. Segurança pode exercer sua função sem pressões, o Judiciário não terá como cumprir suas funções indispensáveis ao próprio Estado Democrático de Direito”, afirma. Juiz sem rosto A proposta de criação do julgamento colegiado já na primeira instância, que tem sido chamada de “juiz sem rosto” é uma das iniciativas mais importantes das propostas em tramitação. A intenção é que o processo funcione da seguinte forma: em ações ou procedimentos criminais da competência da Justiça Federal que tenham por objeto crimes praticados por grupos organizados, o juiz poderá decidir pela formação de colegiado para a prática de qualquer ato processual, especialmente a decretação de prisão ou mesmo outras medidas como concessão de liberdade provisória ou revogação de prisão. O colegiado será formado pelo juiz do processo – que será o relator do caso – além de outros dois magistrados escolhidos por sorteio eletrônico entre aqueles de competência criminal em exercício no primeiro grau de jurisdição na Subseção Judiciária. A previsão é de que as sessões sejam públicas, mas há possibilidade de sessões sigilosas sempre que houver risco de que a publicidade possa resultar em prejuízo à eficácia da decisão judicial. Na visão da Ajufe, esse sistema contribuirá de forma decisiva para a segurança dos magistrados. Com uma decisão colegiada, as organi- Segurança garantida Gabriela Cardoso - Porto Alegre (RS) Garantir a segurança de juízes e servidores, principalmente durante as audiências com réus presos. Esta é função do Grupo Especial de Segurança (GES) que funciona há oito anos na Seção Judiciária do Rio Grande do Sul. O serviço, primeiro a ser implantado pela Justiça Federal em todo o país, conta com 27 agentes que atuam na capital e em outras dez cidades do interior. O trabalho inclui até a proteção 24 horas nos casos em que o juiz estiver sofrendo ameaças. A juíza da 3ª Vara Federal Criminal de Porto Alegre, Cristina Albuquerque Vieira, está entre as pessoas atendidas pelo grupo. Ela conta que o acompanhamento acontece em período integral, inclusive nos fins de semana. “Para qualquer deslocamento, supermercado, farmácia, academia. Nunca estava sozinha,” afirma. Além da capital, os agentes atuam nas cidades de Bagé, Carazinho, Cruz Alta, Novo Hamburgo, Passo Fundo, Pelotas, Rio Grande, Santa Cruz do Sul e Santa Rosa. O também juiz federal José Paulo Baltazar Junior, que integra a Comissão Nacional de Segurança do Conselho da Justiça Federal, ressalta que fa- zações criminosas não teriam um alvo único. “Isso dificulta as tentativas de atentados e ameaças. Atualmente, apenas para citar alguns, há juízes federais sob proteção da polícia nos estados do Rio de Janeiro, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Alagoas e Paraná, sendo que, neste último, o carro que transportava o magistrado foi alvejado por diversos tiros”, explica Fernando Matos. Medidas administrativas A Ajufe defende que os TRFs também adotem medidas administrativas para aumentar a segurança nos prédios da Justiça Federal. Entre elas, está o controle de acesso, identificação dos visitantes, instalação de câmeras de vigilância e aparelhos detectores de metais. “A segurança nas áreas onde estão instaladas as varas criminais deve ser ainda mais forte – com policiamento ostensivo”, ressalta Fernando Mattos. O presidente da Ajufe acrescenta que outras medidas semelhantes devem ser discutidas por comissões de segurança formadas por juízes de todas as instâncias. E o ponto de partida para essas discussões deveria ser um amplo levantamento com informações dos tribunais e seções judiciárias, envolvendo as normas de segurança já adotadas, o número de agentes de segurança habilitados para a função, um plano de formação e de capacitação permanente dos agentes selecionados e a existência de dotações orçamentárias adequadas para a implementação desse plano de segurança. tos como o aumento da criminalidade e a competência da Justiça Federal para analisar processos cada dia mais complexos justificam a existência do grupo. O magistrado salienta que todas as ações na área de segurança devem ser planejadas e que não é possível afastar totalmente a possibilidade de que aconteça algum atentado. “O risco existe e não pode ser ignorado” , diz. O prédio da Justiça Federal em Porto Alegre foi construído com celas onde os detentos ficam isolados até o momento da audiência. A medida tem como propósito evitar atentados ou resgate de presos. n Agentes do GES em treinamento 15 Foto: ASCOM/JFRS Essas comissões atuariam como órgãos estratégicos de elaboração e acompanhamento da execução do plano de segurança. Já em 2008, a Ajufe apresentou outro anteprojeto de lei em que é sugerida a criação do Fundo Nacional de Segurança da Justiça Federal. Neste caso, a intenção é obter recursos a serem destinados à implantação e manutenção do Sistema de Segurança dos Magistrados da Justiça Federal. As propostas foram elaboradas a partir de consultas feitas a magistrados que atuam em todo o país. As duas propostas foram transformadas nos Projetos de Lei nº 2.057/2007 (julgamento colegiado) e 3.491/2008 (Fundo de Segurança). Para o ex-presidente do STJ e do CJF, ministro Humberto Gomes de Barros, criar uma legislação sobre esse tema é importante, principalmente, porque o juiz não pode viver pressionado, intimidado. “É preciso uma forma de segurança, mas que não transforme o juiz em um refém. Ele é um homem que precisa viver na sociedade, tendo que manter a dignidade, para conhecer o meio em que vive. Essa lei vem em boa hora, mas não podemos transformar o juiz em um prisioneiro da segurança”, ressalta. De acordo com o presidente da Ajufe, o juiz federal Fernando Matos, o que está em jogo é a democracia. “Pretender que os magistrados sejam independentes para julgar não interessa apenas aos próprios julgadores. Interessa à democracia. Sem garantias de que Direito Criminal “A cidade é muito pequena e as pessoas ainda comentam: olha as meninas da internet, as prostitutas”. O relato é de uma adolescente que mora em Friburgo, região serrana do Rio de Janeiro, uma das vítimas de um crime que não pára de crescer no mundo: a pedofilia praticada através da internet. Os acusados são três estrangeiros que, segundo o processo, exploraram pelo menos 24 meninas na cidade. Mesmo condenados em duas instâncias da Justiça Federal, eles conseguiram deixar o Brasil e hoje tentam evitar a extradição. O caso revela a necessidade de atuação conjunta dos países e a importância das denúncias para o esclarecimento de crimes praticados pela internet. Um canadense e dois holandeses colocaram na rede imagens pornográficas das garotas que eram convencidas a posar para as fotos, com a promessa de que poderiam se tornar modelos famosas. As investigações mostraram que a ação dos acusados começou em 2002, quando Anthonny de Montygny montou uma loja de lingerie na cidade considerada um dos maiores pólos de moda íntima do país. Com o comércio estabelecido, o canadense foi à procura de vítimas. “Ele começou a aliciar as meninas. Oferecia dinheiro para elas tirarem fotos com as lingeries”, revela a desembargadora federal Liliane Roriz, do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, responsável por um dos julgamentos. A cada nova sessão, as fotos ficavam mais insinuantes e não demorou para que Montygny convencesse as menores a posar completamente nuas. Ainda de acordo com o processo, o canadense oferecia drogas e bebidas para que as meninas ficassem desinibidas. A promessa era que as fotos enviadas para a Holanda poderiam ser o passaporte para uma carreira desejada pelas jovens. “Ele sempre ressaltava isso. Se elas tirassem as fotos da forma que ele queria, poderiam ter a chance de virar modelos, quem sabe, internacionais”, destaca a psicóloga Luciana Campelo, que acompanhou as vítimas da quadrilha. As meninas sabiam que as fotos eram enviadas para a Holanda, mas não podiam imaginar que eram usadas por uma empre- sa virtual, que divulgava pornografia infantil na internet. “Eu já tive o sonho de ser modelo, já fiz curso e tudo. Eu não achava que podia ser crime”, afirma uma das garotas, hoje com 19 anos, seis a mais do que quando posou para o canadense. Em depoimento à Polícia, as vítimas revelaram que a quadrilha tinha preferência por meninas de 12 a 17 anos. Quando eram mais velhas ou aparentavam mais idade, os acusados faziam de tudo para infantilizar as menores. “Ele fazia maria chiquinha, comprava aquele pirulito grande, colocava roupa de estudante”, confirma uma das garotas que chegou a ser reprovada na escola porque trocava as salas de aula pelas freqüentes sessões de fotos. O canadense sempre conseguia rostos diferentes. Além de pagar R$ 50 por 50 fotos, ele ainda oferecia mais R$ 25 para quem convencesse uma amiga a participar das sessões. Muitas delas continuavam posando para arcar com o que não podiam ganhar dos pais “Minha mãe ganhava muito pouco e eu não tinha condições”, relata a adolescente. Novo julgamento aumenta condenação de estrangeiros que comandavam esquema de prostituição na internet. Fotos de 24 meninas de Friburgo (RJ) circulam até hoje na rede mundial de computadores. Viviane Rosa - Rio de Janeiro (RJ) Vidas expostas 16 Direito Criminal Denúncia A quadrilha só foi descoberta quando uma das meninas resolveu procurar a Polícia. Segundo a procuradora do FBI no Brasil, Karine Taxman, mesmo com a identificação do site ilegal na rede, é muito difícil punir os criminosos. “As fotos, muitas vezes, não dão indicação de onde foram tiradas. Talvez estejam num quarto bem simples. Como você vai saber em que país, que lugar, que criança é essa?”, questiona. “A denúncia é fundamental para casos como este”, completa. Ao serem presos, os acusados revelaram planos para expandir ainda mais a rede de pedofilia. Segundo a Polícia, eles pretendiam montar um estúdio de onde fosse possível transmitir cenas de sexo com crianças e adolescentes ao vivo pela internet. O material apreendido nas investigações também deixa evidente que não havia sentimento de culpa. Em uma das conversas gravadas, o canadense e os holandeses diziam ter feito um favor às meninas de Friburgo, afirmando que com o dinheiro das fotos elas teriam pelo menos o que comer. “Eles revelam total menosprezo ao Brasil e às mulheres daqui”, reforça a desembargadora Liliane Roriz. Denunciados por vários crimes, os estrangeiros tiveram dois julgamentos. No pri- meiro, foram absolvidos do crime de exploração sexual. O juiz entendeu que as menores não haviam sido obrigadas a participar das sessões de fotos. Ao avaliar o recurso impetrado pela defesa, a desembargadora Liliane Roriz teve outro entendimento e enquadrou os estrangeiros em três crimes: divulgação de pornografia infantil, submissão da criança e do adolescente à exploração sexual e formação de quadrilha. Somadas, as penas chegam a quase 50 anos de cadeia. “Quando o Estatuto da Criança e do Adolescente diz: submeter a criança e o adolescente à exploração sexual, esse ‘submeter’ envolve uma coação moral porque eles ainda não têm o desenvolvimento intelectual, moral, social e cultural para resistir a essa coação que o adulto faz”, explica a desembargadora. Os três foram soltos dias depois da prisão, enquanto a ação judicial ainda estava em andamento. Na época, a Justiça brasileira enviou um comunicado ao Consulado holandês informando que os acusados poderiam responder ao processo em liberdade desde que não saíssem do país. “Só que, lamentavelmente, apesar desse comunicado, o Consulado holandês emitiu passaportes provisórios de acordo, inclusive, com o Ministério das Relações Exteriores da Holanda. Esse caso gerou um impasse entre o governo brasileiro e o holandês”, explica a advogada Alessandra Page. Com a condenação, eles passaram a ser procurados. Os holandeses continuam foragidos. O canadense foi preso pela Interpol nos Estados Unidos e aguarda processo de extradição. Trauma Quando as investigações começaram, as fotos foram divulgadas no Brasil e ainda hoje alguns internautas espalham as imagens. “Hoje eu passo na rua, no lugar onde eu moro e as pessoas comentam, falam, fazem gracinhas”, diz uma das vítimas, que decidiu sair da escola para evitar os comentários dos colegas. “Foi uma das piores fases da minha vida. As pessoas vêem e acham que a gente é um lixo, um nada”, lamenta. Neste momento, o desafio é evitar que os acusados se livrem da punição. O apelo da Justiça brasileira é para que, caso não aconteça a extradição, os três criminosos cumpram a pena em seus países. “Temos que dar uma demonstração de que o Poder Judiciário se incomoda com isso, que o Estado brasileiro não tolera esse tipo de comportamento”, conclui a desembargadora. n Dados da CPI da Pedofilia: Cerca de mil novos sites de pornografia infantil são criados todos os meses no Brasil. Destes, 52% tratam de crimes contra crianças de 9 a 13 anos. Entre 2006 e 2007 houve um aumento de 100,4% do número de páginas de pornografia infanto-juvenil na internet Apenas no site de relacionamentos Orkut, o crescimento foi de 107,82%. Dados da ONG SaferNet: Estima-se que os crimes envolvendo pedofilia na internet movimentem U$ 5 bilhões. Desse total, U$ 300 milhões correspondem à venda de fotos e vídeos com cenas de sexo e abusos sexuais. A maior rede de exploração de pornografia infantil dos EUA, desmantelada em 2003, controlava 2000 sites na internet, tinha representantes espalhados por 60 países e faturava U$ 1,4 milhão por mês. 17 Direito Criminal Ainda que seja uma tradição cultural do povo brasileiro, o “jogo do bicho” é uma atividade ilegal. Em Recife (PE), mesmo depois da Justiça Federal ter determinado o fechamento das bancas, os “cambistas” insistem em continuar atuando. Juliano Domingues - Recife (PE) e o bicho pegou... N ão é de hoje que “fazer uma fezinha no bicho” faz parte da rotina de muitos brasileiros, apesar da prática ser proibida por lei. “Nada se faz em termos de apostas, bingos, loterias se não for pelo exercício monopolizado da União. O que resulta na ilegalidade de toda e qualquer manifestação negocial ou de comércio com esse propósito, sem autorização da União”, explica o juiz federal Roberto Wanderley Nogueira, da Seção Judiciária de Pernambuco. Em setembro de 2007, o magistrado determinou o fechamento de casas de jogos em todo o território nacional, entre elas as bancas de jogo do bicho. A operação, batizada de Game Over, fechou 95 estabelecimentos. “Na ocasião, foram apreendidas mais de 2,2 mil máquinas, como também R$ 700 mil em dinheiro”, relata o chefe de Comunicação Social da Superintendência da Polícia Federal em Pernambuco, Giovani Santoro. Entre os pontos interditados, está a sede da Associação dos Vendedores Autônomos de Loterias (Aval), onde eram realizados os sorteios. Direito Criminal guns se disfarçam entre clientes do comércio do centro da cidade; outros, mais ousados, permanecem nos locais de costume, como numa praça do Bairro do Recife. É o caso de José Roberto, nome fictício de um cambista que pede para não se identificar. Ele, que se dedica à atividade há 23 anos, não alterou a rotina, embora o faturamento tenha caído 50%. “Chego aqui na praça logo cedo e fico até o fim da tarde. Eu tenho medo da polícia, mas o que vou fazer? A gente tem que trabalhar,”, justifica. Os cambistas continuam na rua porque ainda há sorteio – não em Pernambuco, mas na Paraíba. Entre os donos de banca, convencionou-se que os números do estado vizinho têm validade em Pernambuco. E o sorteado não precisa se dirigir a João Pessoa ou a Campina Grande para receber a premiação. “Joga aqui e recebe aqui mesmo, sem nenhum problema. Não há risco de não pagar”, assegura uma cambista que passa jogo na avenida Dantas Barreto, também no centro da cidade. Em bairros nobres do Recife, como Graças e Espinheiro, também é possível encontrar bancas em funcionamento. “Nós ainda estamos averiguando quantos estabelecimentos são esses. Se for necessário, nós até disponibilizaremos efetivo não só daqui de Pernambuco, mas também de outros estados. Estaremos não só fechando esses estabelecimentos, como também autuando essas pessoas que insistem nessa prática aqui, no Estado de Pernambuco”, alerta Santoro. Mas o cumprimento da sentença não depende apenas da repressão da Polícia. Afinal de contas, não é fácil mudar o que se tornou um hábito antigo. “Eu acho que a solução para o caso está em Brasília, no Congresso Nacional, que deve rever as pautas referentes a jogos no Brasil”, sugere Zuca Show, da Aval. Por enquanto, vale o que manda a lei. Ilustração: Autor desconhecido De acordo com a Aval, a determinação da Justiça deixou cerca de 50 mil famílias desempregadas. “Temos uma ingerência sobre o jogo do bicho em todo o estado há trinta anos, com a anuência das autoridades pernambucanas. De repente, chega uma notícia dessa, vetando tudo. Sem aviso prévio, sem nada”, reclama Zuca Show, representante da entidade. No entanto, o juiz Roberto Wanderley alerta que a atividade de bicheiro ou cambista do jogo do bicho não pode ser comparada a uma profissão regulamentada. “O cambista não exerce um emprego. Ele exerce uma atividade ilegal sobre a qual ele não pode se habilitar a qualquer direito. Está sempre submetido ao império escravizante do seu pseudo-patrão”, argumenta o magistrado. Mesmo após o fechamento dos estabelecimentos, ainda é possível encontrar passadores de jogo do bicho nas ruas do Recife. Al- Como surgiu o jogo Foto: MIS/RJ No início dos anos 1890, João Batista Viana Drummond, o Barão de Drummond, criava o jogo do bicho, no bairro de Vila Isabel, no Rio de Janeiro. Proprietário de um zoológico na cidade, Drummond precisava aumentar o seu faturamento. Com a solução arquitetada, o Barão ofereceu um jantar à imprensa e a personalidades da sociedade carioca e anunciou a novidade. A partir daquele dia, o zoológico teria uma atração a mais: uma loteria. Todos os dias, uma placa com a figura de um entre 25 animais seria sorteada. O que surgiu como uma estratégia de marketing do Barão para atrair mais visitantes, transformou-se em algo muito maior. À revelia do Barão, os primeiros banqueiros passaram a associar os animais a séries numéricas, transformando o jogo em uma prática cada vez mais popular. Os métodos de sorteio e premiação permaneceram praticamente os mesmos ao longo de mais de 100 anos da atividade, período em que a loteria se popularizou e passou a movimentar muito dinheiro, sem qualquer controle por parte do governo. Foi quando surgiram indícios da relação promíscua entre o jogo do bicho e atividades ilegais. Logo vieram as restrições à prática. Mas a loteria resistiu à proibição por decreto-lei das décadas de 1940 (Decretolei nº 3.688/41) e de 1960 (Decreto-lei nº 204/67); desenvolveu-se, criou relações estreitas com o samba e fincou raízes na cultura popular, apesar da ilegalidade. Hoje, o desafio é combater a prática criminosa, que movimenta milhões de reais. n Barão de Drummond. Dono do zoológico e inventor do jogo do bicho Praça XV de novembro. As bancas do jogo do bicho funcionavam junto com o comércio 19 Foto: Mauro Putini Direito Criminal Cadeia de Cáceres Campanha previne o Narcotráfico Autoridades com atuação na faixa de fronteira de Mato Grosso unem-se contra o tráfico internacional de cocaína Gilbson Alencar - Brasília (DF) 20 Foto: Mauro Putini Direito Criminal Fronteira do Brasil com a Bolívia 1º marco: Brasil 2º marco: Bolívia O combate ao tráfico de drogas na fronteira entre o Brasil e a Bolívia está entre os grandes desafios, tanto para a Justiça, quanto para a Polícia Federal. Os números provam a gravidade da situação. Apenas no município de Cáceres (MT), 400 processos judiciais estão em andamento. A maioria das pessoas presas são as chamadas “mulas”, gente que recebe dinheiro para fazer o transporte da droga entre os países. Desde o ano passado, uma campanha que inclui ações preventivas e de repressão tenta combater o narcotráfico na região. Em Cáceres, são comuns os casos de pessoas que engolem o produto para atravessar a fronteira. Por viagem, tem gente que chega a transportar até dois quilos de cocaína. Os dados da Justiça Federal mostram que os acusados têm perfis semelhantes: mulheres pobres e com baixa escolaridade. Ainda de acordo com a Justiça Federal, 45% dos presos em Cáceres cumprem pena por tráfico de entorpecentes. Na região, 80% das prisões de mulheres ocorrem por narcotráfico. Desde o início da campanha, em março de 2007, mais de 100 pessoas foram condenadas pela prática. Vários fatores dificultam o combate ao crime. Um deles é a extensão da área a ser fiscalizada. São cerca de 750 quilômetros por onde a droga chega ao país. O delegado da Polícia Federal Marcio Virgilio de Faria explica que não há registros de casos de tráfico para o território boliviano. “O fluxo é da Bolívia para o Brasil”, afirma. Sobre os obstáculos enfrentados na repressão ao crime, o delegado aponta outros problemas, como a rotatividade de pessoal e as limitações físicas das instalações da delegacia. Na tentativa de enfrentar o problema, a PF buscou o apoio das polícias Rodoviária Federal, Militar e Civil, além do Grupo Especial de Fronteira (Gefron) e do Exército. A meta é realizar operações conjuntas para combater não só o tráfico, mas também outros crimes cometidos pelas organizações. As investigações mostraram que o aliciamento dos moradores é feito por quadrilhas envolvidas com o narcotráfico internacional. Ao entrar para o esquema, a pessoa recebe treinamento em técnicas criminosas, sobre armas e ainda tem a garantia de proteção em caso de prisão. Se for presa em flagrante, a “mula” é colocada à disposição da Justiça. Processada, pode pegar até quatro anos de cadeia, dependendo da quantidade de droga transportada, de ter antecedentes e de outras variáveis. Se for estrangeiro, o acusado pode ser extraditado. “Independentemente do processo penal em relação aos traficantes estrangeiros, a Polícia Federal instaura também o inquérito de expulsão, uma medida administrativa”, esclareceu o delegado. O juiz federal Raphael Cazelli de Almeida Carvalho, que atua na única vara de Cáceres, explica que, paralelo ao narcotráfico, costuma ser praticado o crime de evasão de divisas. É o que acontece, por exemplo, quando alguém deixa o país com mais de R$ 10 mil para comprar drogas no exterior. Campanha A iniciativa da campanha partiu da constatação de que boa parte da droga que circula no Brasil é produzida em países como Colômbia e Bolívia. O projeto, colocado em prática ainda em 2007, foi articulado pelo juiz federal Paulo Cézar Alves Sodré com o apoio do Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Na época, o juiz argumentou que qualquer tentativa de acabar com o tráfico passava, necessariamente, pelo combate às ações internacionais. O projeto atua em duas vertentes: uma de natureza educativa e outra de caráter repressivo. De acordo com a Subseção Judiciária de Cáceres, em um primeiro momento, as atividades tiveram o apoio apenas da Universidade do Estado do Mato Grosso. Neste ano, a iniciativa ganhou o reforço do Ministério Público Federal e Estadual e também da Justiça Estadual. Uma das metas, segundo o juiz Raphael Cazelli, é formar educadores que possam interferir no meio social, como escolas, associações, igrejas, sociedade civil organizada, conscientizando as pessoas para as conseqüências do tráfico. Ainda segundo o magistrado, o foco deve ser as pessoas de baixa renda, normalmente mais suscetíveis à ação dos aliciadores. n 21 Direito Criminal Livros ou cárcere? Polêmica decisão da Justiça Federal do Rio Grande do Norte, que condenou jovens infratores à leitura de clássicos como Vidas Secas, de Graciliano Ramos, e Sagarana, de Guimarães Rosa, acende a discussão sobre a eficácia da aplicação de medidas sócio-educativas em substituição à tradicional prisão Juliano Domingues – Natal (RN) O que poderia ser apenas mais uma concessão de liberdade provisória se transformou em exemplo de pena alternativa. O fato aconteceu no Rio Grande do Norte e, mais uma vez, evidenciou as deficiências do sistema prisional e as limitações do país quando o assunto é a recuperação de quem cometeu um crime. Ao analisar o caso de três jovens acusados de praticar infrações pela internet, o juiz federal permitiu que eles deixassem a cadeia desde que cumprissem uma série de medidas sócio-educativas. Uma delas chamou a atenção: os três deveriam ler e analisar clássicos da literatura brasileira. 22 Direito Criminal Para ele, o magistrado levantou um debate sobre medidas ressocializadoras. “Acho que no Brasil o sistema carcerário está falido. Não regenera, não ressocializa. E o mais importante nisso tudo foi a forma que o juiz viu de dar um pouco mais de cultura ao cidadão e tentar mostrar a vida de outra forma”, resumiu. Recurso Apesar de elogiada, a decisão do juiz foi contestada pelo Ministério Público Federal (MPF), autor da ação contra os jovens. Um dos argumentos apresentados pela procuradora da República Cibele da Fonseca foi que não cabe ao Judiciário obrigar ninguém a ler e, muito menos, indicar que obras devem ser lidas. Para o MPF, não existe base legal para a imposição da pena alternativa aos acusados, além de ser difícil fiscalizar o cumprimento das medidas determinadas pelo magistrado. A procuradora citou o fato de um dos rapazes ser dono de uma lan house, como um obstáculo a mais para que ele ficasse longe da internet, como mandava a sentença. Cibele da Fonseca também ressaltou os antecedentes dos réus. “Todos já tinham se envolvido com a prática de crimes. Dois em especial, com a prática do mesmo tipo de crime”, explica a procuradora, para quem, em liberdade, os três teriam todas as condições para voltar a praticar os crimes pelos quais respondem a processo. O pedido do Ministério Público foi acatado pelo juiz federal Élio Siqueira, convocado para atuar como desembargador no Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5). Para o magistrado, a liberdade dos três acusados representa, sim, um risco à sociedade. Apesar da suspensão da primeira sentença, ele fez questão de ressaltar a iniciativa do juiz que optou pela pena alternativa. “Essa idéia do juiz do Rio Grande do Norte é bastante válida. Agora, eu entendo que não isoladamente. Conjuntamente com outras exigências para os acusados, ela realmente contribui, na medida em que permite que eles tenham uma maior cultura e que procurem ter uma visão mais ampla da nossa realidade e até procurar se convencer de que o caminho do crime não é o melhor a ser seguido”, concluiu Élio Siqueira. A decisão de primeira instância levantou não apenas discussões jurídicas. Provocou também debates virtuais entre educadores e até inspirou escritores. O imortal da Academia Brasileira de Letras, Moacyr Scliar, escreveu um conto, publicado na Folha de São Paulo (28/04/08). O título é sugestivo: O hacker e a literatura. O texto narra a recuperação de um criminoso, após ser condenado a ler. Por enquanto, a conquista existe apenas na ficção. Mas, para o juiz Mário Jambo, trata-se de um ideal possível. “A intenção é dar algo a mais numa decisão judicial. Não cabe mais ao Judiciário simplesmente julgar, condenar e colocar na cadeia. Tem que ter alguma coisa a mais, que possibilite uma reflexão e uma mudança dessas condutas”, ensina o magistrado. n Foto: Mauro Putini Paulo Henrique da Cunha Vieira, Raul Bezerra de Arruda Júnior e Ruan Tales da Silva de Oliveira cumpriam prisão preventiva. De acordo com a Polícia Federal, eles se infiltravam em computadores e, com isso, tinham acesso a dados bancários, inclusive de clientes da Caixa Econômica Federal. De posse das informações, o grupo desviava o dinheiro das contas. Os três foram presos em 2007, numa operação realizada nos estados do Rio Grande do Norte, Ceará, Rio de Janeiro, São Paulo e Paraíba. Os advogados dos acusados pediram a revogação da prisão e na época, o juiz substituto da 2ª Vara Federal, Mário Azevedo Jambo, concedeu a liberdade provisória, mas impôs 12 condições. Entre elas, não freqüentar lan houses, não acessar salas de bate-papo virtuais, como MSN, nem manter contato via rede de relacionamento Orkut. A última condição estabelecida foi a que mais chamou atenção. De acordo com a decisão do juiz, os três deveriam ler duas obras da literatura brasileira. “Colocar na cadeia por colocar, não leva a nada, só à reincidência. É o que a experiência tem mostrado para mim”, justificou Mário Jambo. Além da leitura, os acusados deveriam apresentar um relatório de dez páginas, escrito à mão, com as impressões sobre os principais temas do livro. A primeira obra a ser lida seria Vidas Secas, de Graciliano Ramos. “Todos eles alegaram em audiência que o motivo das suas condutas foi alguma dificuldade financeira. Então, nada como ler Vidas Secas para perceber o que é uma dificuldade financeira”. A segunda obra é o último conto do livro Sagarana, de Guimarães Rosa. “A hora e a vez de Augusto Matraga mostra a redenção”, explicou o juiz federal. O advogado de um dos acusados, Jefferson Witame, elogiou a postura do juiz diante do caso. Juiz Mário Jambo: cadeia por si só não adianta 23 Direito Criminal Cartão Vermelho Vislumbrando a grande oportunidade que teria seu filho, a mãe do jogador Emerson falsificou sua certidão de nascimento. Motivo: ele precisava ter três anos a menos para ser aceito na escola de futebol do São Paulo. O crime rendeu-lhe uma condenação judicial. André Camodego - Rio de Janeiro (RJ) A vontade de se tornar um jogador famoso e a exigência dos clubes que fazem questão de escolher profissionais cada vez mais jovens têm sido as justificativas para a prática de um crime relativamente comum no Brasil: a falsidade ideológica. Atletas falsificam documentos para parecerem mais novos e, muitas vezes acabam no banco dos réus. Um caso recente foi a condenação de Emerson, ex-atacante do São Paulo, que hoje atua no Catar. De acordo com o processo judicial, o jogador alterou a certidão de nascimento e, além de mudar o nome, afirmou ter nascido três anos mais tarde. O processo foi analisado no Tribunal Regional Federal da 2ª Região. Os desembargadores mantiveram a primeira condenação imposta ao atleta, que terá de pagar R$ 70 mil de multa, além de cumprir pena alternativa. Ele deverá prestar serviços comunitários durante um ano e meio. Emerson, ou Márcio Passos de Albuquerque, seu nome verdadeiro, segundo as investigações, foi preso em 2006 no Aeroporto Internacional Tom Jobim, no Rio de Janeiro, porque estava com passaporte falso. Ele embarcaria em um vôo da Air France para o Catar, onde joga pelo clube Al-Sadd. Denunciado pelo Ministério Público Federal, o atleta passou a responder ao processo. De acordo com as investigações, ele tem duas certidões de nascimento. A irregular teria sido providenciada pela mãe em 1996 . A intenção era garantir que ele participasse da escola de futebol do tricolor paulista que, na época, só admitia inscrições de meninos com no máximo 14 anos. No novo documento, em vez de afirmar que o filho nasceu em 1978, a mãe teria informado que a data de nascimento era 06 de dezembro de 1981. Outra mudança foi no nome do atleta, registrado como Márcio Emerson Passos. Ainda de acordo com o processo, para conseguir a segunda certidão, a mãe do atleta apresentou um requerimento à Justiça Estadual de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, onde morava. Ela teria afirmado que o menino era filho de pai ignorado e que não teria registro de nascimento até aquela data. A partir da certidão falsa, o jogador tirou outros documentos, como carteira de identidade, CPF, título de eleitor, certificado de reservista e até certidão de casamento. Durante o processo, a defesa do atacante, que já jogou em clubes do Japão e da Europa, afirmou que, na época do crime, ele era menor de idade e não tinha instrução nem discernimento para questionar um documento emitido com autorização judicial. Mas no entendimento do relator do processo no tribunal, o desembargador federal Messod Azulay Neto, as informações atestam que o acusado tinha, sim, conhecimento da falsidade e que, portanto, deveria ser punido. Como Emerson é réu primário e colaborou durante todo o processo, tendo, inclusive, cumprido a determinação de voltar ao Brasil, o magistrado determinou uma pena mais leve. “Não vislumbro ganância desmedida, pois sua mãe, ao praticar o delito, visava dar uma oportunidade ao filho, a qual não poderia antever o sucesso na profissão de jogador de futebol nem as altas cifras de seu salário atual”, citou o desembargador na sentença. n ul Méra Ilustração: Ra 24 Imprensa O ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que negou liberdade ao casal Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá, acusados de matar a menina Isabela, atendeu à Imprensa imediatamente após oficializar sua decisão. “As coisas que caem no esquecimento se tornam incapazes de alterar a nossa vida”, disse Napoleão Nunes Maia, sobre a importância de prestar esclarecimentos aos jornalistas. Mas a postura adotada pelo ministro ainda é exceção. Apesar das decisões judiciais estarem entre as principais fontes para a Imprensa, os profissionais de comunicação enfrentam dificuldades para ter acesso e entender as informações que saem dos tribunais. Por outro lado, é comum os magistrados se queixarem de erros e distorções nas reportagens publicadas e exibidas diariamente. Entre a TOGA e o MICROFONE Não é novidade para ninguém que juízes e jornalistas se situam em pólos opostos de uma relação em geral conturbada. E cada vez mais as instituições do Poder Judiciário investem no diálogo, como forma de buscar o entendimento mútuo. Foto: Jorge Campos Ana Cristina Sampaio Alves e Camila Cotta - Brasília (DF) Imprensa Foto: Jorge Campos vão além da crítica. O hábito pode confundir e induzir a erros. O editor-chefe do telejornal SBT Brasil, Carlos Nascimento, lembra que quando era repórter precisava da colaboração de advogados ou promotores de justiça para entender as decisões que se transformariam em matérias. Mário Carvalho, repórter do jornal Folha de São Paulo, complementa: “o fato dele (o magistrado) julgar segundo critérios técnicos não deveria ser escusa para que sentenças sejam incompreensíveis”, diz. Distância Para o presidente do STJ e do Conselho da Justiça Federal (CJF), ministro Cesar Asfor Rocha, desencontros e até mesmo conflitos pontuais na relação entre o Judiciário e a mídia são compreensíveis, pois há diferenças profundas de formas de atuação e de linguagem: “Se, dos veículos de comunicação, espera-se rapidez e linguagem acessível a todos, do Judiciário exige-se conduta formal e criteriosa em relação às leis”, pondera Essas diferenças são apontadas pelos profissionais responsáveis pela comunicação na Justiça Federal como os principais entraves do relacionamento repórter/magistrado. Nos últimos dois anos, esses profissionais têm investido em iniciativas para reduzir essa distância. Só no primeiro semestre de 2008, pelo menos dois even- tos reuniram juízes e jornalistas, tanto os que atuam em assessorias de órgãos do Judiciário como em redações comerciais. O primeiro no Conselho da Justiça Federal, em Brasília, o segundo no Tribunal Regional Federal da 3a Região, em São Paulo. O desafio, nos dois casos, era encontrar a melhor forma para que o relacionamento entre Imprensa e Judiciário permita que a população tenha acesso, da melhor forma possível, às decisões tomadas nos tribunais. Ao longo do tempo, o jeito e as palavras usadas pelos magistrados, seja na hora de expedir uma intimação ou de julgar um processo, ganhou até um nome próprio: o juridiquês. Essa linguagem, excessivamente técnica, tem sido alvo constante de críticas. Entre os jornalistas, as conseqüências Outra reclamação constante dos profissionais de comunicação é a recusa de muitos juízes em dar entrevistas. Alguns simplesmente nunca falam com o jornalista, postura condenada por comunicadores e também por magistrados. O ministro Gilson Dipp, coordenador-geral da Justiça Federal, está entre os que defendem a abertura. Ele faz questão de dizer que nunca teve problemas em decorrência de informações divulgadas após uma entrevista. “Sendo um Poder, esse Poder tem de prestar contas à sociedade”, afirma Gilson Dipp. Para o ministro, nem mesmo o fato de um processo tramitar sob segredo de justiça justifica a decisão do magistrado de não falar com o repórter. “Ele (juiz) pode explicar ao repórter porque não pode falar neste caso”, resume. A presidente do Tribunal Regional Federal da 3a Região, desembargadora federal Marli Ferreira, também está entre os que defendem uma postura aberta do magistrado. No encontro Mídia e Judiciário – NO FOGO CRUZADO “São muitos os desafios das assessorias de comunicação do Judiciário. Por parte dos magistrados, alguns vêem importância em divulgar as decisões, outros não. Em relação à grande imprensa, falta pesquisa dos demais jornalistas sobre o assunto a ser coberto e pouco interesse em estudar questões básicas do Poder Judiciário.” Francielle Marie, assessora de comunicação do TRF1 “Ainda há, por parte tanto dos juízes quanto dos jornalistas, uma resistência em entender a postura profissional de cada um. Cabe às assessorias facilitar esse entendimento, através do trabalho de conscientização dos magistrados da importância da divulgação de suas ações para a sociedade e de que o caminho para essa divulgação é através dos jornalistas”. Ana Sofia Brito Gonçalves, assessora de comunicação do TRF2 Ministro Cesar Asfor Rocha: desencontros são compreensíveis Com a palavra, os assessores de comunicação 26 Imprensa Foto: Cícero Bezerra sa, Luciano Martins Costa, vai mais longe, quando o assunto é a importância social do jornalismo: “O jornalista é um cidadão que se dedica a uma forma de praticar a justiça por meio da comunicação”. Tempo (CJF) ministro Humberto Gomes de Barros. Ele faz questão de lembrar que o juiz não pode se esquecer que é dele a responsabilidade de decidir um processo e que essa decisão deve ser tomada independentemente do clamor público. “É preciso que o juiz seja fiscalizado, como o funcionalismo de qualquer entidade do estado, mas não pode ser pressionado de tal forma que se diga que o juiz tem que abandonar a lei para julgar de acordo com a vontade popular”, afirma. Para o ministro Cesar Rocha, o descompasso de tempo é menos importante do que o papel comum que o Judiciário e a Imprensa têm a desempenhar: “Os veículos de comunicação trabalham com a informação em tempo real ou perto disso. Nós, magistrados, examinamos processos cujos trâmites podem levar meses ou anos. As diferenças, entretanto, devem ser tratadas a partir da perspectiva de que há um objetivo comum a ser alcançado, que é o de assegurar o direito fundamental de acesso a informações públicas, e um papel conjunto a desempenhar, que é o da defesa intransigente da democracia”, conclui. realizado no mês de março no TRF3 – ela lembrou a importância do juiz falar com o jornalista. “Quando eu não me comunico com a Imprensa, ela pode concluir o que quiser”, afirmou. A obrigação do Poder Judiciário de prestar contas à população também é citada por jornalistas. Para Heródoto Barbeiro, jornalista da rádio CBN e também da TV Cultura, é preciso que os limites de cada atividade sejam respeitados e que todos os magistrados percebam a importância social do jornalismo. “Não podemos viver no século XXI com a cabeça no século XIX, quando o juiz era colocado num pedestal e ninguém podia chegar perto dele. A sociedade quer o Judiciário mais próximo dela”, argumenta. O colunista e editor do site Observatório da Impren- Outro ponto de discórdia entre o jornalista e o juiz é a diferença de tempo em cada atividade. Enquanto o magistrado precisa se debruçar sobre o processo, os indícios e as provas antes de tomar uma decisão, o repórter deve agir o mais rápido possível para colocar no ar a informação em tempo real. O descompasso, normalmente gera conflitos. O repórter quer dar a notícia hoje, enquanto o juiz só pode decidir amanhã, ou pode levar dias para tomar uma decisão. Para alguns magistrados, a imprensa acaba exercendo uma “pressão” sobre o juiz, que pode, muitas vezes, comprometer o seu trabalho e até prejudicar pessoas. Heródoto Barbeiro não tem dúvidas de que, apesar da pressa e do compromisso em divulgar primeiro uma informação, o repórter precisa respeitar o tempo do juiz, responsável em última instância pelo que deve ser dito. “O tempo é o da fonte. Se ela estiver se sentindo segura, deve dar a entrevista. Se não, diga que sente muito, mas que só vai falar no outro dia”, resume. Essa “pressão” da imprensa, seja em função do tempo ou do clamor da opinião pública, também é criticada pelo ex-presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Conselho da Justiça Federal Apesar das reclamações, os representantes dos dois lados concordam que nos últimos tempos muito se avançou no Brasil, quando o assunto é o relacionamento entre Imprensa e Judiciário. Também é consenso entre os profissionais ouvidos pela Revista Via Legal que esse avanço se deve, sobretudo, ao processo de estruturação das assessorias de imprensa. A pre- “Há falta de compreensão, por parte da imprensa, sobre o trabalho do Judiciário e as questões legais que muitas vezes impedem o magistrado de se manifestar. Um outro problema é nas incorreções dos jornais que acontecem, na maioria das vezes, pela falta de experiência nas redações, muitas delas compostas em grande número por profissionais recém-formados”. Sylvio Sirangelo, assessor de comunicação do TRF4 “Além de intermediar o diálogo entre os dois lados, o assessor de imprensa no Judiciário precisa ter a compreensão exata dos interesses e do tempo de cada um. O jornalista quer tudo rápido porque a notícia tem pressa, enquanto o juiz precisa aprofundar o conhecimento, ouvir e ponderar para evitar decisões injustas”. Cristina Ramos, assessora de imprensa do TRF5 “É preciso que os presidentes de tribunais e diretores dos foros se conscientizem da importância de se comunicar com a sociedade. Para isso, é necessário investimento na estruturação das assessorias de comunicação, para que elas tenham condições de dar efetiva publicidade às decisões dos juízes e aos atos institucionais de interesse público”. Roberta Bastos, assessora de comunicação do CJF Chaer: papel das assessorias é fundamental Importância das Assessorias 27 Imprensa sença desses profissionais nos tribunais é cada dia maior e representa, na maioria das vezes, uma segurança tanto para jornalistas quando para magistrados. A importância da criação e da profissionalização das assessorias de imprensa foi um dos destaques dos dois eventos realizados em 2008. “As assessorias podem ser muito úteis, mas se os juízes quiserem. Se o comando do tribunal usar sua assessoria para evitar a imprensa, ao invés de se entender melhor com ela, não adianta nada”, alerta o diretor do site Consultor Jurídico, Márcio Chaer. O jornalista participou em Brasília do 3º Encontro Nacional dos Assessores de Comunicação Social da Justiça Federal, realizado no mês de março. Na opinião de Chaer, o papel das assessorias é fundamental, na medida em que facilita a divulgação das decisões judiciais. “O Estado de Direito e o índice de democracia de um país estão associados ao grau de conhecimento que os cidadãos têm de seus deveres e direitos. Logo, a divulgação da atividade judiciária é fundamental”, disse. A posição de Chaer é semelhante à do jornalista Francisco Viana, um dos palestrantes do evento realizado em São Paulo. “Se o trabalho da Justiça não tiver visibilidade, é como se ele não existisse. Por isso, o trabalho da assessoria de imprensa hoje é muito mais do que abrir portas. Ela deve orientar seus assessorados e investir no bom relacionamento com a mídia”, resumiu. Entre os assessores, a constatação é de que são muitas as barreiras, no entanto, nenhuma é intransponível. Eles apontam falhas dos dois lados, como o excesso de formalismo do juiz e a falta dele por parte do repórter. O fato de muitos magistrados ainda não entenderem a importância de se divulgar o resultado de um julgamento também é apontado como entrave ao trabalho dos assessores. “Ainda há, tanto por parte tanto dos juízes quanto dos jornalistas, uma resistência em entender a postura profissional de cada um”, lembra a assessora do Tribunal Regional Federal da 2a Região, Ana Sofia Brito Gonçalves. As discussões expõem os percalços de um relacionamento difícil, mas fundamental para o país. A relação ideal entre juiz e repórter, profissionais cujas atuações têm reflexos imediatos no dia-a-dia da população, passa por uma via de mão dupla. “Tentar promover encontros regulares entre juízes e jornalistas é um bom começo”, avalia Márcio Chaer. Carlos Nascimento destaca que o Judiciário está presente em mais da metade das notícias de um telejornal e por isso a aproximação é tão importante. “A Justiça será tanto mais prestigiada quanto conhecida for e será mais respeitada quanto mais o povo se sentir ao lado dela”, conclui. Já o professor Carlos Alberto Di Franco, articulista do jornal O Estado de São Paulo, citou um aspecto que aproxima juízes e jornalistas. “O Jornalismo e o Direito têm muito em comum porque ambos estão preocupados com a realização da justiça”, disse. O ministro Humberto Gomes de Barros também foi taxativo ao defender a necessidade de que tanto jornalistas quanto juízes tenham liberdade para atuar. “A imprensa censurada é péssimo para a sociedade e o juiz censurado é tão péssimo quanto”, encerrou. n Foto: Cícero Bezerra III Encontro Nacional dos Assessores de Comunicação da Justiça Federal. Na mesa de abertura, ao fundo, ministros Gilson Dipp e Barros Monteiro e juiz federal Walter Nunes 28 Direito Internacional Justiça sem fronteiras No mundo globalizado, a cooperação jurídica internacional ganha importância cada vez maior. O instrumento tem avançado no Brasil, mas, segundo o coordenador-geral da Justiça Federal, ministro Gilson Dipp, o Judiciário precisa consolidar uma cultura favorável à cooperação. Foto: ASCOM/JFRN Roberta Bastos - Brasília (DF) O dinheiro que financia o tráfico nas favelas cariocas pode ter vindo do exterior, da mesma forma que é possível um seqüestro praticado lá fora ter sido planejado no Brasil. Estas situações são apenas exemplos de como a globalização também chegou ao mundo do crime. O combate a essa “transnacionalização” das práticas criminosas é um desafio que, para especialistas no assunto, passa necessariamente pela cooperação internacional. Apesar de reconhecer que já houve alguma evolução nos mecanismos da cooperação em âmbito nacional, o coordenadorgeral da Justiça Federal e diretor do Centro de Estudos Judiciários (CEJ) do Conselho da Justiça Federal (CJF), ministro Gilson Dipp, classifica como urgente o aprimoramento desses mecanismos. Para ele, as mudanças são fundamentais para tornar ainda mais efetivo o combate às atividades praticadas por essas organizações. “Não há no Brasil a cultura jurídica da cooperação internacional”, avalia. O ministro Dipp também chama a atenção para a participação dos magistrados nesse processo. “Juízes e tribunais podem ser pontes ou barreiras para a cooperação internacional”, assegura. A qualificação dos juízes brasileiros no que se refere à cooperação jurídica internacional, para ele, é uma necessidade. Como diretor do CEJ/CJF, o ministro incentivou a promoção, no início de maio, de um seminário sobre o tema. O evento aconteceu na Seção Judiciária do Rio Grande do Norte, em Natal. O ministro também está propondo a inserção da matéria no Plano Nacional de Aperfeiçoamento e Pesquisa para Juízes Federais (PNA), nos cursos para promoção e vitaliciamento dos juízes e no próprio conteúdo dos futuros concursos públicos para juiz federal. “Para mim, o tema é um dos mais importantes dentro da competência da Justiça Federal”, ressalta. Para o ministro, a troca de informações entre os organismos envolvidos na cooperação – no Poder Judiciário, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e a Justiça Federal, e no Poder Executivo, os Ministérios da Justiça e das Relações Exteriores –, é fundamental na consolidação de uma cultura interna favorável à agilização dos mecanismos. Por lei, os pedidos de cooperação feitos por juízes brasileiros devem ser encaminhados ao Ministério da Justiça, que repassa a demanda às autoridades estrangeiras. É também no Ministério que chegam os pedidos externos. Quando necessário, os documentos são entregues ao STJ, que desde a Emenda Constitucional no 45/2005 (Reforma do Judiciário), passou a ser a esfera competente para apreciar cartas rogatórias e homologar sentenças estrangeiras, competência que antes era do Supremo Tribunal Federal. Cabe ainda, ao órgão do Executivo, enviar e receber as respostas das solicitações. Se o STJ conceder o exequatur, remeterá a ordem a um juiz Gilson Dipp: juízes podem ser pontes ou barreiras para a cooperação brasileiro para que ele atenda à solicitação dos órgãos judiciais de outros países. Já o Ministério das Relações Exteriores negocia e acompanha o cumprimento dos acordos de cooperação jurídica firmados pelo Brasil. Na avaliação do secretário nacional de Justiça, Romeu Tuma Júnior, a cooperação jurídica no Brasil vem evoluindo “a passos largos”. “É visível o aprimoramento gradual do marco normativo brasileiro”, observa, apontando diversos tratados multilaterais e bilaterais ratificados nos últimos anos. O ministro Gilson Dipp concorda: “O Brasil, apesar de todos os percalços, está no caminho adequado. Estamos à frente de boa parte dos países do mundo”, resume o ministro. Romeu Tuma Jr. acrescenta que, ao lado dessa evolução normativa, se percebe um fortalecimento das instituições internas que atuam na cooperação. Segundo ele, este fortalecimento pode ser percebido pela maior participação dos órgãos envolvidos, como o Conselho da Justiça Federal e a Secretaria Especial de Direitos Humanos e também pela criação de áreas institucionais especializadas, como o Departamento Internacional da Advocacia-Geral da União e a Assessoria de Cooperação Jurídica Internacional da Procuradoria-Geral da República. Para o secretário, outro passo fundamental foi a estruturação da Autoridade Central no Ministério da Justiça, com a criação do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI), ligada à Secretaria Nacional de Justiça. 29 Direito Internacional A resolução possibilita ainda que o STJ avalie aquelas cartas cujo conteúdo possa ser aten2008 A 5 0 0 2 dido pelo auxílio direto – sem OS D A T I M necessidade de exequatur. S TRA PEDIDO Desde que passou a ter essas competências, o STJ já recebeu aproximadamente 3,5 mil cartas rogatórias e pouco mais de 3 mil pedidos de homologação de sentença estrangeira. O ministro Dipp lembra que esses avanços são recentes. “Há menos de cinco anos, o Judiciário brasileiro tinha uma interpretação no sentido de que as cartas rogatórias não podiam ser utilizadas para quebrar sigilos legais, como dados bancários, a menos que houvesse previsão em tratado ou decisão transitada em julgado”. Como exemplo, ele citou o pedido de cooperação feito em 2003 pela Suíça que, Regras mais modernas na época, investigava um caso de tráfico de Tanto o secretário quanto o minis- mulheres brasileiras, enviadas àquele país tro apontam a Emenda Constitucional no para prostituição. O pedido era para que 45/2004 como um marco para a evolução operações dos suspeitos fossem investigada cooperação internacional por ter, por das no Brasil e, se fosse o caso, determinado exemplo, reafirmado que os tratados e con- o bloqueio das contas dessas pessoas. “Eram venções internacionais celebrados pelo país meros pedidos para que se pudesse instruir sobre direitos humanos têm força de emen- os processos contra os autores desses delida constitucional. “Por conseqüência, os de- tos, mas foram negados pelo Judiciário bramais tratados tiveram consolidada sua força sileiro, sob a alegação de que informações de lei ordinária”, explica o ministro. sigilosas e bloqueio de bens não podem ter O ministro também comemora o fato de efeitos executórios”, observa Gilson Dipp. a emenda ter transferido para o STJ a com- De acordo com ele, as autoridades judiciápetência de decidir sobre as cartas rogatórias rias brasileiras também alegaram que o pee as homologações de sentenças estrangei- dido feria a ordem pública brasileira. “Este é ras. Segundo ele, a Resolução n. 9, que re- um exemplo de como o Judiciário serviu de gulamenta a matéria no tribunal, foi um dos barreira para uma investigação”, critica. maiores avanços que o STJ proporcionou ao Gilson Dipp lembra que, há poucos Judiciário brasileiro em termos de coopera- anos, era frustrante julgar um processo que ção. Outra melhoria garantida pela norma dependia de cooperação internacional, porfoi a possibilidade de antecipação de tutela que, com freqüência, as respostas aos penas homologações de sentenças estrangei- didos se perdiam “no tempo da burocracia ras. Segundo Gilson Dipp, essa novidade ou na desconfiança interjurisdicional”. Para resultou em benefícios, principalmente, em o ministro, as relações entre os judiciários de países diversos deve ser norteada pelo processos envolvendo a guarda de filhos. Fonte: S 30 “princípio da confiança”. Na sua avaliação, já se percebe uma mudança cultural no Judiciário, decorrente sobretudo de uma maior participação do STJ no cenário internacional. Romeu Tuma Jr. acrescenta que falta uma lei que regulamente a cooperação internacional. “Não há no Brasil um quadro normativo que torne claro qual o procedimento a ser adotado nos pedidos a serem enviados ao exterior ou naqueles recebidos de outros países”, aponta. Caso Banestado Um dos maiores esquemas de lavagem de dinheiro do país foi descoberto e continua sendo apurado graças à cooperação internacional. O caso Banestado envolveu a Polícia Federal, a Interpol, o Ministério Público Federal e a Justiça Federal. Os processos estão sendo julgados pelo juiz federal Sérgio Fernando Moro, titular da 2ª Vara Federal Criminal de Curitiba (PR), especializada no processamento de crimes contra o Sistema Financeiro Nacional e de lavagem de dinheiro. O episódio foi um dos primeiros casos de lavagem de dinheiro no exterior a resultar em condenações transitadas em julgado – embora ainda não tenha chegado ao fim. “Em um piscar de olhos ou no apertar de uma tecla, um criminoso pode, por exemplo, remeter o produto do crime de um país para outro. Nesse cenário, é imprescindível a cooperação jurídica internacional, seja para colher provas em outro país, seja para obter a extradição de um foragido, ou para repatriar ativos criminosos”, garante Moro. Foto: ASCOM/MJ tiça/MJ al de Jus Nacion ecretaria Romeu Tuma Jr.: é visível o aprimoramento do marco normativo brasileiro Direito Internacional Ele conta que no caso Banestado, especificamente, a cooperação tem sido decisiva. Um exemplo apontado pelo juiz foi o Merchants Bank, um desdobramento do caso Banestado. Segundo Moro, ao investigarem a prática de lavagem de dinheiro proveniente do tráfico de drogas, autoridades norte-americanas identificaram 38 contas de movimentação suspeita no Merchants Bank de Nova York. “O sigilo dessas contas foi levantado e o dinheiro, em um total de cerca de U$ 21 milhões, foi bloqueado”, comemora. Ainda segundo o juiz, a maioria das contas seria controlada por supostos doleiros brasileiros. As provas dos crimes foram repassadas às autoridades brasileiras, o que permitiu a instalação de 27 ações penais no Brasil. A cooperação, de acordo com ele, envolveu a vinda, para o Brasil, de um agente de investigação dos Estados Unidos para depor nas ações penais. Parte do dinheiro bloqueado foi confiscada pelas próprias autoridades norte-americanas e outra parte foi objeto de bloqueio em cumprimento de pedido brasileiro enviado por cooperação jurídica internacional. “Há a expectativa de que, se houver condenação e confisco no Brasil, parte do numerário seja repatriada, uma vez que Brasil e EUA concordaram em partilhar o dinheiro confiscado”, explica Moro. Outro caso citado pelo juiz apurou a denúncia de lavagem no Brasil de um dinhei- ro do tráfico internacional de drogas entre México e Estados Unidos. “A cooperação jurídica internacional foi fundamental para a colheita de prova quanto aos crimes antecedentes”, lembra o juiz. Os pedidos de prova foram enviados a esses países e uma equipe da Polícia Federal chegou a viajar aos EUA para analisar possíveis provas e ouvir testemunhas. Moro ressalta que foram essenciais neste caso a documentação enviada pelos EUA e México, a colheita de depoimento de uma testemunha nos EUA e a oitiva no Brasil de um agente da Drug Enforcement Administration dos EUA, que havia investigado o acusado no passado. EUA: agilidade e rigor Foto: Edgard Catão/TRF3 Andrea Moraes - São Paulo (SP) Thomas Russell, juiz federal atuante no estado do Kentucky, sul dos Estados Unidos, esteve no Brasil em junho deste ano, quando proferiu palestra no Tribunal Regional Federal da 3ª Região, em São Paulo. Ele falou sobre os caminhos legais para a recuperação de ativos financeiros oriundos da prática de crime nos Estados Unidos e explicou como os países podem se ajudar na punição dos que cometem esses delitos. Sobre os tratados de cooperação jurídica mútua, Russell observou que o Congresso norte-americano aprovou leis que enfatizam a colaboração na recuperação de ativos em países estrangeiros. O confisco de bens em território norte-americano, por sua vez, pode ter o mesmo tratamento legal ao da nação que requisita o confisco. Embora leve mais tempo, existem também procedimentos para investigação e rastreamento de valores que saíram do exterior e foram parar em bancos americanos. “Muitas pessoas fazem depósitos do mundo inteiro e o rastreamento é uma missão árdua. Os Estados Unidos têm leis nesse sentido e espera-se que outros países adotem procedimentos semelhantes em suas respectivas legislações”, assinalou. Diversos tratados de compartilhamento de informações foram ratificados pelo governo americano e o Brasil faz parte daqueles de maior relevância, como a Convenção Interamericana de Cartas Rogatórias e a Convenção da ONU contra a Corrupção. Russell explica que nos EUA existe o que aqui se chama de rito sumário, o que permite que alguns processos não levem mais de dois meses para terminar. Ressalta, no entanto, que existem exceções. Há uma lei que estabelece a pena mínima para os réus que forem levados a juízo pela primeira vez. Os casos que se encerram rapidamente são aqueles em que os réus se declaram culpados em troca de penas menores. Se estiverem sendo processados também por outros delitos, a tendência é que os acusados queiram cooperar para ficarem menos tempo na cadeia. É a delação premiada, não muito usada no Brasil. As propriedades passíveis de confisco nos Estados Unidos, de uma maneira geral, são aquelas obtidas como resultado da prática das atividades ilícitas. Russell assinalou que existem, basicamente, três formas de confisco permitidas no país: administrativo, feito por meio de um processo em que há acordo entre as partes, quando o caso não chega a juízo; civil, que é uma ação movida somente contra o patrimônio do réu; e criminal, uma ação contra a pessoa do réu. Nos casos em que os bens não existirem mais, o magistrado pode impor uma indenização que deve ser paga ao poder público. Se o réu for dono de um único bem, este também poderá ser confiscado. n Russel: rastreamento de valores é missão árdua 31 Mudança de Gestão Efetividade como meta Na Presidência do Conselho da Justiça Federal, sua atenção estará voltada, principalmente, ao aprimoramento dos juizados especiais federais e à consolidação do processo eletrônico. Essas foram as diretrizes apontadas pelo presidente eleito do CJF e do STJ, ministro Cesar Asfor Rocha, que será empossado em 3 de setembro. Roberta Bastos e Miriam Moura - Brasília (DF) Via Legal - Antes de assumir a Presidência do Conselho da Justiça Federal, o Sr. já havia sido membro do seu Colegiado, com uma breve passagem pela Coordenação-Geral da Justiça Federal entre dezembro de 2002 e junho de 2003. Que impressão o Sr. tem hoje da Justiça Federal, após essa experiência? Cesar Rocha – Tenho a honra de ter participado, na Coordenação-Geral da Justiça Federal, da instalação dos juizados especiais e também da implantação do processo eletrônico, em substituição ao processo-papel. Os JEFs representam um marco divisor na trajetória Foto: Jorge Campos A 32 da Justiça Federal no Brasil, pois possibilitam que milhares de cidadãos tenham acesso ao Judiciário, o que significa um dos maiores avanços para a consolidação da cidadania. Em causas cujo valor seja de até sessenta salários mínimos e nas quais não é preciso sequer constituir advogado, a própria pessoa pode ingressar na Justiça e ter seu problema solucionado rapidamente, no máximo em três meses. Hoje, seis anos depois de sua instalação, os JEFs julgam, por ano, mais de 1,2 milhão de processos. dvogado de carreira, Cesar Rocha integra o Superior Tribunal de Justiça (STJ) desde 22 de maio de 1992, indicado pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Décimo-terceiro presidente do STJ, o ministro também presidirá o Conselho da Justiça Federal (CJF). Dinamismo e empreendedorismo fazem parte do perfil do ministro, cujo maior objetivo é alcançar a efetividade do Poder Judiciário, marca de sua trajetória na carreira jurídica. Eleito presidente em 5 de agosto, o ministro Cesar Rocha será empossado em 3 de setembro, juntamente com o ministro Ari Pargendler, eleito vice-presidente. A cerimônia de posse para o biênio 2008-2010 acontece em sessão solene do Pleno do Tribunal. Até a posse, Cesar Rocha acumula o exercício da Presidência do STJ e do CJF com o cargo de corregedor nacional de Justiça, que exerce desde junho de 2007. Seu sucessor no CNJ será o atual coordenador-geral da Justiça Federal, ministro Gilson Dipp. Em entrevista exclusiva à Revista Via Legal, o ministro Cesar Rocha adiantou suas principais metas à frente da Presidência do CJF, como o incentivo ao aprimoramento dos juizados especiais federais e o apoio à implementação do processo eletrônico em todos os órgãos da Justiça Federal, além da concretização de um sistema processual único na instituição. Mudança de Gestão Via Legal - E quanto ao CJF? Na sua opinião, qual deve ser o papel político a ser desempenhado pelo Conselho no âmbito da Justiça Federal e perante os órgãos do Judiciário? Cesar Rocha – Cabe ao Conselho da Justiça Federal o papel de formular a gestão da Justiça Federal, de promover a padronização de procedimentos administrativos e jurisdicionais entre as instituições da Justiça Federal e também a sua administração orçamentária. Ainda mais: graças às atividades de informação, ensino e pesquisa realizadas pelo Centro de Estudos Judiciários, o Conselho tornou-se um importante difusor de conhecimentos e um centro de excelência do Judiciário, em especial, ao realizar seminários, cursos e congressos que promovem reflexões e propõem soluções que contribuem para o aperfeiçoamento da Justiça Federal. O CJF é, portanto, um órgão estratégico fundamental para a qualidade da prestação jurisdicional e para a unidade da Justiça Federal em âmbito nacional. Via Legal - Que medidas administrativas o Sr. pretende priorizar na sua gestão na Presidência do CJF? Em que áreas de atuação a aplicação de recursos deve ser prioritária? Cesar Rocha – Toda a atenção deve estar voltada para prestigiar os juizados especiais federais. Atualmente, a grande maioria dos juizados já trabalha com o processo eletrônico, mas é preciso reforçar sua estrutura, para que efetivamente os cidadãos de menor poder aquisitivo tenham acesso à justiça. Outra prioridade é o processo eletrônico. Houve avanços significativos em toda a Justiça Federal, mas ainda há um longo caminho a percorrer para torná-lo um instrumento imprescindível da celeridade processual, pois nosso objetivo maior é oferecer à sociedade uma Justiça rápida e eficaz. Via Legal - Dentre as ações que já vêm sendo implementadas pelo CJF, quais o Sr. destacaria como as mais importantes para o aprimoramento da Justiça Federal? Cesar Rocha – O desenvolvimento de um sistema processual único - um trabalho conjunto que vem sendo coordenado pelo CJF, com a participação do Conselho Nacional de Justiça e dos cinco tribunais regionais federais, e que representa um marco na informatização não apenas da Justiça Federal, mas de todo o Poder Judiciário. No dia em que todos os sistemas processuais estiverem padronizados, o ganho em termos de gestão será imenso, na medida em que possibilitará não apenas a consulta unificada ao andamento processual, mas também, dentre outros benefícios, a emissão de certidões negativas com validade em todo o território nacional, o controle centralizado da litispendência e a geração de dados estatísticos mais detalhados. De grande importância para viabilizar esse trabalho foi o desenvolvimento de tabelas processuais padronizadas, uma iniciativa do CJF que foi recepcionada pelo CNJ para adoção em todo o Judiciário. No âmbito do Centro de Estudos Judiciários, destaco ainda a implementação do Plano Nacional de Aperfeiçoamento e Pesquisas para Juízes Federais (PNA) e do Programa Nacional de Capacitação dos Servidores da Justiça Federal (PNC). A partir “O CJF é um órgão estratégico fundamental para a qualidade da prestação jurisdicional e para a unidade da Justiça Federal em âmbito nacional” de um diagnóstico criterioso das principais necessidades educacionais dos magistrados e das carências gerenciais dos servidores e dirigentes, o Centro de Estudos, com o apoio dos TRFs, está oferecendo uma série de ações de capacitação em âmbito nacional, com o objetivo de buscar a excelência da força de trabalho da Justiça Federal. Esses são apenas alguns exemplos de ações coordenadas pelo CJF e implementadas com a participação de todos os TRFs e respectivas seccionais, o que demonstra que a integração institucional é imprescindível e indispensável para o sucesso de qualquer empreendimento administrativo no âmbito da Justiça Federal. Via Legal - Existem outras ações que poderiam ser implementadas pelo CJF para aprimorar a prestação jurisdicional na Justiça Federal? Cesar Rocha – Vamos retomar, no Congresso Nacional, o esforço para a criação de novas varas federais. A medida é importante porque representa a interiorização da Justiça Federal, mais um instrumento para o fortalecimento da cidadania. Ainda há estados, como o Acre, Amapá, Roraima e Tocantins, que não possuem varas federais em cidades do interior, o que faz com que as pessoas tenham que se deslocar até a capital para ajuizar uma ação. Mesmo nas causas previdenciárias, que podem ser ajuizadas numa vara da Justiça estadual, por causa da competência delegada, o cidadão ainda perde o direito de se beneficiar do rito dos juizados especiais. Via Legal - Como o Sr. vê o Projeto de Lei nº 284/2007, em fase final de tramitação no Congresso Nacional? Que mudanças o senhor espera que sejam imprimidas ao CJF, com a aprovação do PL? Cesar Rocha – Essencialmente, o projeto regulamenta os poderes correicionais conferidos ao Conselho da Justiça Federal pela Emenda Constitucional nº 45/2004. Dentre as novas competências do Conselho, está a possibilidade de representar ao Ministério Público no caso de crime contra a administração pública, de improbidade administrativa ou de abuso de autoridade cometido por magistrado ou servidor da Justiça Federal. Ele poderá inclusive representar ao Ministério Público para abertura de ação civil que decrete a perda do cargo ou a cassação da aposentadoria. A aprovação do projeto resultará também em profundas modificações na atual Coordenação-Geral da Justiça Federal, gabinete do CJF cujo titular é o ministro do STJ mais antigo no seu Colegiado, e que passará a se denominar Corregedoria-Geral da Justiça Federal. Será um órgão de fiscalização disciplinar, com as competências principais de controlar a execução das deliberações do Colegiado e de realizar inspeção e correição nos serviços judiciários dos TRFs, esta última talvez a mudança de maior impacto. O corregedor-geral poderá, por exemplo, promover sindicâncias, inspeções e correições para apurar reclamações e denúncias relativas aos magistrados e aos serviços administrativos. Esses poderes se traduzirão em maior autoridade, credibilidade e efetividade administrativa para o Conselho. Acredito que o ganho com a aprovação desse projeto será de toda a sociedade, já que a moralização administrativa e a transparência institucional serão ampliadas. n 33 Mudança de Gestão Missão cumprida Em apenas três meses no exercício da Presidência do STJ e do CJF, o ministro Humberto Gomes de Barros conseguiu concretizar suas principais metas, como a instalação da vara federal de União dos Palmares (AL) e a regulamentação da chamada “lei dos recursos repetitivos” Fotos: Cícero Bezerra Ana Cristina Sampaio Alves - Brasília (DF) “Vinte e nove de janeiro de 1958. Oito horas da manhã. O Douglas DC-4 ‘SKYMASTER’, veterano da Segunda Guerra, aciona seus quatro imponentes motores e se prepara para deixar o Aeroporto dos Palmares. Na cabeça da pista, vibrando e roncando, o velho avião começa a correr e, finalmente, alça vôo”. Assim teve início a trajetória do ministro Humberto Gomes de Barros, descrita por ele mesmo. Ainda estudante, ele deixava seu estado natal, Alagoas, e se transferia para a “notável” Faculdade Nacional de Direito, no Rio de Janeiro. O jovem estudante, que chegou desconfiado à metrópole e aos poucos adotou a cidade maravilhosa como “segunda querência”, tornou-se presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Conselho da Justiça Federal (CJF), em mandato curto (07/04 a 22/07), porém marcante. Seu legado no cargo é fruto da experiência de 17 anos no STJ. No âmbito do tribunal, Gomes de Barros assinou a Resolução nº 8, de 7/8/2008, regulamentando os procedimentos de tramitação e julgamento dos recursos especiais repetitivos, previstos na Lei nº 11.672, o que livra o STJ de analisar milhares de processos sobre o mesmo tema. Ele também instalou o protocolo avançado no estacionamento externo do tribunal, implementou o acesso ao cadastro de clientes do Sistema Financeiro Nacional (CCS) gerido pelo Banco Central e, entre outras medidas, criou o Núcleo de Procedimentos Especiais da Presidência (Nupre), que filtra agravos irregulares e recursos especiais sobre questões com jurisprudência já pacificada na Corte. Em apenas três meses, mais de 16 mil processos, detectados pelo Nupre, deixaram de ser distribuídos aos demais ministros porque foram decididos monocraticamente pelo então presidente. Na Presidência do CJF, preocupou-se com a afirmação da identidade da Justiça Federal e a racionalização dos gastos com projetos arquitetônicos em âmbito nacional. A 34 Resolução nº 16/2008, aprovada em sua gestão, estabelece critérios para a inclusão de projetos de construção, aquisição, reforma e modernização dos imóveis da Justiça Federal na proposta orçamentária anual. A partir de agora, a construção e a manutenção dos prédios da Justiça Federal em todo o país devem seguir padrões comuns, o que irá representar economia aos cofres públicos. “Não faz sentido fazermos prédios absolutamente diferentes uns dos outros, que requisitam cálculos estruturais diferentes, portas e janelas específicas. Se nós temos um padrão, tudo se torna mais barato”, opina Gomes de Barros. Aos cidadãos do município de União dos Palmares (AL), o ministro garantiu uma conquista: não precisarão mais viajar a Maceió para ajuizar uma ação na Justiça Federal. No dia 14 de julho, ele inaugurou no município a segunda vara federal instalada fora da capital alagoana. O ministro também buscou levantar o debate sobre aspectos pontuais das reformas do Código de Processo Civil, como a súmula vinculante, a repercussão geral e a solução antecipada de processos repetitivos. Isso ficou claro com a realização do “Ciclo de Debates: Efetividade da Reforma Infraconstitucional da Legislação Processual Civil”, evento idealizado por ele e promovido pelo Centro de Estudos Judiciários (CEJ) do CJF em junho deste ano. Seu interesse por assuntos tão polêmicos e atuais demonstra que, mesmo na reta final de sua atuação no tribunal, o ministro ainda se preocupava com os rumos do Judiciário. Mudança de Gestão Foto: Cícero Bezerra Mesmo fora do STJ, Gomes de Barros continuará defendendo uma bandeira que carrega desde seu ingresso no tribunal, em 1991: o fim do tratamento diferenciado entre o cidadão e o Estado. Ele explica que, pela legislação em vigor, dentro de um mesmo processo, os prazos para cidadãos e empresas são rígidos, mas para a União, seja ela autora ou ré, são contados em dobro. “Não há mais razão para que as entidades estatais continuem se beneficiando com prazos em dobro, intimação pessoal, dupla jurisdição e precatórios”, ressalta. n Inauguração da vara federal de União dos Palmares Depoimentos “Gostaria de destacar a satisfação de termos contado com a Presidência do ministro Humberto Gomes de Barros, pela sua lucidez, coragem de enfrentar problemas e concepção do real papel que o Poder Judiciário tem a desempenhar. Os astros conspiraram para que pudéssemos vivenciar, na sua administração, fatos de extrema relevância para os jurisdicionados, como a sanção da chamada ‘lei dos recursos repetitivos’, uma utopia perseguida por ele há muito tempo”. Ministro Cesar Asfor Rocha, presidente do Superior Tribunal de Justiça e do Conselho da Justiça Federal “Apesar de sua rápida passagem pela Presidência do Conselho da Justiça Federal, o caro ministro Humberto Gomes de Barros deixou sua marca indelével pela diligência em solucionar os problemas e dificuldades da Justiça Federal, sem olvidar a forma cavalheiresca, gentil e segura como dirigiu e administrou o órgão máximo da Justiça Federal”. Desembargador federal Jirair Aram Meguerian, presidente do TRF da 1ª Região. Foto: Cícero Bezerra “Para mim, o ministro Humberto Gomes de Barros é um modelo, um espelho, um exemplo de talento, de cultura, de seriedade. Um juiz que honrou a magistratura e dignificou a Justiça. Que ele sirva de rastro luminoso para todos nós”. Desembargador federal Joaquim Antônio Castro Aguiar, presidente do TRF da 2ª Região. “Pessoa de trato amável, diligente no cumprimento de seus deveres, mostrou-se um dirigente sereno e sensível às necessidades dos tribunais federais. Diz-se que há pessoas que passam por nossas vidas e a gente delas nunca mais se lembra. Outras passam e em alguns episódios nós as recordamos. Existem outras que passam por nossas vidas e deixam marcas tão profundas que a gente nunca mais as esquece. Esse é o nosso ministro Humberto Gomes de Barros”. Desembargadora federal Marli Ferreira, presidente do TRF da 3ª Região. “Em sua breve passagem pela Presidência do CJF, onde vim a conhecê-lo, o ministro Humberto Gomes de Barros marcou sua presença com duradouras realizações, dentre as quais destaco a inauguração da vara federal em União dos Palmares, nesta 5ª Região, além de agradar a todos com a sua singular modéstia, peculiar simpatia e invulgar inteligência”. Desembargador federal José Baptista de Almeida Filho, presidente do TRF da 5ª Região. Assinatura da Resolução nº 8 do STJ 35 Previdenciário Mudança de cultura Boa parte do volume de ações que congestiona a Justiça Federal deve-se às demandas ajuizadas contra o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Se até pouco tempo atrás era vista como campeã de litigiosidade, a autarquia tem dado sinais de que a melhor postura é a da conciliação. Dione Tiago - Brasília (DF) O s números são mesmo de assustar. A cada mês, cerca de 130 mil brasileiros recorrem à Justiça Federal contra o INSS. São pessoas que buscam o cumprimento de direitos previstos em lei, mas dificilmente reconhecidos pela Previdência Social. O resultado de tanta demanda é um sistema Foto: Luiz Carlos Borges Xavier/TRF1 saturado e uma parcela cada dia maior da população sendo obrigada a aguardar bem mais do que pode pela decisão. Mas uma parceria entre o Instituto e Justiça Federal promete mudar este quadro e reduzir o tempo de espera que o próprio INSS admite não ser “razoável”. As audiências de conciliação começaram no fim do ano passado e já mudaram a realidade de milhares de brasileiros. Nesta etapa, estão sendo analisados processos em grau de recurso nos tribunais regionais federais. A estimativa é que, somados os números das cinco regiões, o total de ações passíveis de conciliação supere 150 mil. O presidente nacional do INSS, Marco Antônio de Oliveira, explica que Da direita para a esquerda: desembargadora Neuza Alvez, do TRF1, neste momento a conciliação está limitada advogada Gilda Irene, a segurada Maria Dinalva, com sua carta de a casos referentes a benefícios previstos na homologação, ministro Barros Monteiro (presidente do STJ e do CJF Lei Orgânica de Assistência Social (Loas) e à época) e ministro da Previdência Social, Luiz Marinho das aposentadorias rurais, que representam hoje a maior demanda de recursos em andamento. Mas a tendência, segundo ele, é ampliar o procedimento. “A intenção é de estender essa conciliação ao auxílio-doença em caso de acidente e o nosso objetivo último é incluir a conciliação para o regime geral urbano”, assegura. As primeiras conciliações de processos previdenciários aconteceram ainda em 2007, quando o INSS participou da Semana Nacional de Conciliação. Na época, foram selecionadas 120 mil ações que estavam na primeira instância. Em quase 40% dos casos houve acordo, percentual que foi decisivo para que o INSS decidisse investir nas parcerias com os cinco tribunais regionais federais. Em 2008, o trabalho começou em maio, pelo Tribunal Regional Federal da 1a Região, com sede em Brasília e jurisdição sobre 14 estados brasileiros. Um levantamento mostrou que 45 mil dos 71 mil processos em tramitação no TRF eram relacionados a causas previdenciárias. Os pedidos chegaram ao tribunal a partir de recursos, na maioria das vezes apresentados pela Previdência, derrotada na primeira decisão judicial. Já a decisão de procurar a justiça parte quase sempre do cidadão, que tem o pedido negado na esfera administrativa. Segundo a Procuradoria Federal Especializada do INSS, na maior parte dos casos, a pessoa não tem documentos para provar que tem direito ao benefício. As primeiras conciliações de processos previdenciários aconteceram em 2007. Foram selecionadas 120 mil ações da primeira instância. Em quase 40% dos casos houve acordo. 36 Previdenciário Vida nova Gabinete da Conciliação A agricultora Maria Dinalva, de 64 anos, que vive no município goiano de Niquelândia, a 300 quilômetros de Brasília, foi uma das primeiras beneficiadas pela conciliação. Depois de passar a vida inteira na roça, ela teve o pedido de aposentadoria especial negado pelo Instituto. A alegação foi a mesma ouvida diariamente por centenas de brasileiros. Faltavam documentos para comprovar o direito ao benefício. Ela conta que nem mesmo a rotina pesada foi suficiente para convencer os funcionários. “Pegava na enxada também. A gente ia pra roça ajudar os coitados dos homens”, afirma. O jeito foi recorrer à Justiça Federal contra a decisão do INSS. O processo de dona Maria foi selecionado para a conciliação. Acordo fechado, ela deixou o tribunal com a certeza de que em menos de dois meses receberia os valores atrasados e passaria a ser uma aposentada. No mesmo dia, Helena Pereira dos Santos e Geralda Maria de Lima também receberam a notícia de que estavam aposentadas. Os autores das ações selecionadas são avisados através dos Correios ou pelos advogados. A convocação é resultado de uma triagem feita por servidores dos tribunais e do próprio INSS. São separados recursos com pedidos semelhantes a outros que já tenham sido acatados pela justiça, ou seja: processos em que a Previdência sabe que não será vitoriosa. O presidente do INSS lembra que já na correspondência a pessoa fica sabendo a proposta do Instituto e, caso concorde, são tomadas as providências para que a ordem seja executada e o pagamento, liberado. “Ela assina um termo de acordo, remete para a justiça, que determina a execução daquela decisão”, resume Marco Antônio de Oliveira. Ester Laruccia e Mônica Paula - São Paulo (SP) Além da conciliação, o INSS prepara mudanças administrativas que também têm como objetivo reduzir a espera do cidadão e a quantidade de questionamentos judiciais. Uma das vantagens dessas mudanças é financeira. O próprio presidente do INSS reconhece que, muitas vezes, os custos do processo judicial são maiores que o valor da causa. O instituto também admite que o percentual de pedidos negados na esfera administrativa é alto. Só em 2007, nas agências de todo o país foram rejeitadas 3,2 milhões de solicitações. Boa parte virou processo judicial e está em andamento. Até o mês de maio, por exemplo, quem trabalhou como menor aprendiz quase sempre tinha de recorrer à justiça para que o período fosse incluído na contagem de tempo para efeito de aposentadoria. “Agora, os próprios funcionários do INSS estão autorizados e respaldados para aceitar esta contagem”, explica Marco Antônio. Outra mudança é a realização de perícias nos próprios tribunais. No Rio de Janeiro, a medida já está virando regra. “Quanto antes for emitida a prestação jurisdicional, melhor. Não há tempo para que eles fiquem aguardando os trâmites processuais”, resume a juíza federal Fátima Novelino, que atua na capital carioca. Mas o principal propósito tanto das mudanças administrativas quanto da parceria com o Judiciário é agilizar o atendimento ao cidadão. A meta é mudar um quadro ainda comum no país. “Às vezes, ingressamos com uma ação e no curso do processo a pessoa acaba falecendo”, explica a advogada Gilda Rubin. Uma realidade confirmada pelo presidente do INSS. “São pessoas que estão esperando há anos e, muitas vezes, quando o benefício é concedido, já morreram”, afirma Marco Antônio, assegurando que a intenção é mesmo fazer justiça e facilitar a vida dos segurados. O coordenador do projeto de conciliação no TRF da 1a Região, juiz Reynaldo Soares da Fonseca, faz questão de lembrar a importância da cultura da conciliação como solução não apenas para as causas previdenciárias. Ele explica que, no Brasil, ainda é forte a cultura do litígio, mas que essa avaliação está mudando. O Judiciário não pode resolver todos os conflitos sociais. Ele tem que encontrar técnicas para a solução desses conflitos, e a conciliação é uma delas. Foto: Edgard Catão/TRF3 Vantagens Desde os 12 anos, Calisméria de Oliveira Costa trabalha na roça. Moradora em Tatuí (SP), tem 65 anos, é mãe de dez filhos e trabalhou duro plantando milho, feijão, arroz e cana. Na hora de pedir aposentadoria, se juntou aos mais de três milhões de brasileiros que entraram com pedido junto ao INSS e tiveram seus benefícios negados. Após uma vida inteira de sacrifício, a agricultora Calisméria teve que recorrer à Justiça para conseguir a tão sonhada aposentadoria. A concessão do benefício aconteceu através do Projeto de Conciliação Previdenciária, implantado no Tribunal Regional Federal da 3ª Região (SP e MS). Graças à iniciativa do tribunal, 45 mil processos em grau de recurso estão sendo tirados das prateleiras. Os documentos são analisados por procuradores do INSS e servidores do tribunal. O passo seguinte é a apresentação de propostas de acordos, nos casos em que a conciliação é possível. O procedimento deve se repetir nos TRFs da 2a, 5a, e 4a regiões. O TRF3 é o único que possui um gabinete de conciliação, no edifício sede, na Avenida Paulista, em São Paulo. O gabinete concentra todas as informações sobre o andamento das conciliações tanto no TRF3 como na Justiça Federal de 1º grau. O trabalho é coordenado pelo desembargador federal Antônio Cedenho e inclui ainda processos referentes ao Sistema Financeiro da Habitação (SFH), que têm sido solucionados pela Caixa Econômica Federal (CEF). Os números da conciliação provam a eficiência do projeto. Um exemplo foram as audiências realizadas pelo Juizado Especial Federal de São Paulo em parceria com o INSS, entre os dias 7 e 11 de julho. De um total de 1,4 mil audiências, foram fechados 587 acordos de benefícios assistenciais (LOAS), aposentadoria por invalidez e auxílio-doença. As pessoas que não aceitam a proposta do Instituto continuam aguardando o trâmite normal dos processos. n Agradecida, D. Calisméria abraça a presidente do TRF3, Mari Ferreira 37 Previdenciário Perícias facilitadas Justiça Federal no Ceará instala três consultórios médicos em uma de suas sedes para a realização de exames periciais de processos relativos a benefícios previdenciários. A iniciativa facilita a vida de quem depende desse serviço para conseguir seu benefício. A os 43 anos, Francisca Castro da Silva não consegue trabalhar. Vítima de paralisia infantil, ela foi obrigada a deixar o mercado depois de um acidente. A saída para a dona de casa era a aposentadoria por invalidez, benefício concedido após a realização de perícia médica que, no caso dela, poderia levar até um ano e meio para ser concluída. O drama dessa brasileira foi solucionado graças a uma iniciativa pioneira, colocada em prática pela Justiça Federal no Ceará. Consultórios médicos foram instalados no próprio prédio da Justiça Federal. Com isso, a consulta de Francisca pôde ser feita no prazo de dois meses. “Já tinha feito perícia em outro lugar, e a experiência não foi boa. Aqui não tenho nada do que reclamar. Estou tranqüila”, disse, confiante. A implantação de três consultórios beneficia, principalmente, a população carente do estado, que responde por boa parte da demanda previdenciária. “Esse contato é essencial para darmos nosso salto de qualidade institucional”, explica o diretor do Foro, juiz federal Augustino Lima Chaves. O serviço funciona há quase um ano. Neste período foram realizadas cerca de 1.100 perícias. Em média, a espera pelo encontro com o médico varia de um a dois meses, tempo quase nove vezes menor que o registrado no modelo tradicional, em que o trabalhador é atendido na rede pública de saúde. O ganho de tempo se reflete em sentenças mais rápidas. “Atualmente, não temos processos aguardando marcação de perícia. Todos os processos na 13ª vara já estão com consulta marcada”, comemora o juiz federal e coordenador dos juizados especiais no Ceará, Helvesley Alves. 38 Luiz Gonzaga, Lorena Sá e Gabriela Alves - Fortaleza (CE) O resultado é que pessoas doentes, inválidas e sem condições financeiras têm acesso mais rápido aos benefícios previdenciários. “Aqui, a atenção é direcionada para elas. São reunidas pessoas com o mesmo perfil”, afirma a médica Analiana Arrais, uma das peritas. A equipe conta com profissionais de várias especialidades como Traumatologia, Ortopedia, Psiquiatria, Oftalmologia e Infectologia. O laudo fica pronto em até 15 dias, sendo em seguida analisado pelo juiz. Caso o parecer seja favorável, o pedido segue para o setor de cálculo, última etapa antes da sentença. Em aproximadamente um mês o processo está finalizado e o INSS começa a pagar a aposentadoria. Já os valores atrasados são liberados por intermédio das chamadas requisições de pequeno valor (RPVs), o que acontece em, no máximo, dois meses. Para a juíza federal Karla de Almeida Miranda Maia, uma das principais vantagens da iniciativa é a praticidade para quem procura os tribunais. “Os consultórios em diversos endereços geravam deslocamentos, perda de Foto: SECOM/JFCE Segurados do INSS aguardam perícia nos consultórios médicos da JFCE tempo e atrapalhavam os acompanhamentos das consultas por parte do perito do INSS”, explica. Vantagem confirmada pela assistente técnica do INSS, Judite Maria Costa Vasconcelos. “Com os consultórios no prédio da Justiça, temos um local concentrado para a realização de perícias e, assim, conseguimos realizar nosso trabalho com mais agilidade, o que acelera o laudo para o processo também”. A servidora do INSS também conta que chega a acompanhar dez perícias por dia, o que antes era praticamente impossível. Além de oferecer os exames nos três consultórios, a Seção Judiciária do Ceará também realiza perícias domiciliares. Neste caso, a tarefa é feita por assistentes sociais. Um avanço que só foi possível por um convênio firmado com a Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Segundo o diretor de secretaria da 21ª vara, Antônio Carlos Machado, o atendimento em casa ocorre quando o benefício é solicitado com base na Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS). De acordo com esta lei, tem direito ao benefício de um salário mínimo quem tem mais de 70 anos e o deficiente, cuja renda familiar per capita seja inferior a ¼ do salário mínimo. “A perícia domiciliar tem o objetivo de verificar as condições reais de moradia do autor, para constatar o grau de pobreza da família, o local da habitação e a verdadeira situação dos familiares”, esclarece Antônio Machado. Previdenciário Foto: SE COM/JF Francisc a drama s Ângela: oluciona do CE COM/JF Foto: SE los, asconce Judite V do INSS: a te técnic dia assisten cias por dez perí CE Perícias resultam em acordos no RJ André Camodego - Rio de Janeiro (RJ) No Rio de Janeiro, as perícias resultantes de processos previdenciários em tramitação nos juizados especiais federais também estão sendo realizadas nas dependências dos juizados, graças a parceria firmada entre a Coordenadoria dos JEFs e a Procuradoria Regional do Instituto Nacional da Seguridade Social (INSS) da 2ª Região. O procedimento de perícias prévias começou a funcionar em 2 de junho deste ano, quando foi disponibilizada uma sala dentro do próprio prédio dos juizados, onde atuam dois peritos do INSS. A expectativa da Coordenadoria é a de que a inovação agilize a conclusão das ações que tratam, por exemplo, da concessão ou revisão de benefícios, como o auxílio-doença, o benefício assistencial e a aposentadoria por invalidez, para os quais a perícia é indispensável. Estima-se que, pelos procedimentos atuais, o tempo de tramitação das ações previdenciárias nos JEFs do RJ levem de 14 a 18 meses até a baixa definitiva. Com o novo serviço, esse tempo de tramitação pode baixar para até três meses, ou seja, um corte de 75% no tempo de tramitação. O objetivo é que a perícia prévia possibilite o acordo entre o segurado e o INSS, eliminando etapas nos procedimentos processuais. Outro objetivo da parceria é garantir economia para os cofres públicos. Atualmente, o valor de tabela pago pelo poder público para peritos nomeados judicialmente é de R$ 176,10. O setor de perícias prévias deverá realizar cerca de 20 perícias por dia. Considerando que aproximadamente 35% das perícias prévias resultam em acordo, casos em que não será necessário determinar a realização de perícia judicial, a economia, em um ano, irá significar quase R$ 222 mil de redução nos gastos com esse tipo de procedimento. Vale lembrar que no mutirão de conciliação realizado no âmbito dos JEFs da cidade do Rio de Janeiro em 2006, o índice de acordos com o INSS chegou a 42%. Foi justamente essa experiência que demonstrou que, muitas vezes, a autarquia nega o benefício administrativamente no balcão de atendimento, mas o perito do próprio órgão acaba entendendo pelo direito do segurado, ao rever o caso durante o mutirão. O setor de perícias prévias está funcionando, em caráter experimental, atendendo a três dos quatros JEFs previdenciários da cidade do Rio de Janeiro. Aprovado, o serviço poderá se tornar permanente e ser ampliado para os demais juizados da 2ª Região. Na prática, ao receber a ação judicial, o juizado marcará uma data para a perícia e intimará o segurado para comparecer com todos os exames médicos referentes à enfermidade que, em tese, tiverem gerado o direito ao benefício. O perito deverá entregar o laudo até o primeiro dia útil seguinte ao da perícia. Com o laudo, será então aberto prazo para o INSS oferecer contestação ou propor um acordo. Terminado esse prazo, o autor da ação terá cinco dias para se manifestar sobre a eventual proposta de acordo, ou sobre realização de perícia judicial, na hipótese de o laudo ser desfavorável ao segurado. Em seguida, caberá ao juiz homologar o acordo, ou proferir sentença, se o INSS e o segurado não fecharem uma proposta. n 39 Índios Clareira aberta na reserva Roosevelt pelo garimpo Foto: FUNAI H omens que esperam fazer fortuna com a extração de diamantes e índios dispostos a matar e a morrer para defender a propriedade. Este é o cenário atual na reserva Roosevelt, localizada nos estados de Rondônia e Mato Grosso. Considerada uma das maiores reservas de diamantes do mundo, a área de 2,6 milhões de hectares abriga a comunidade Cinta-Larga. A etnia tem cerca de 1,3 mil membros e a maioria responde a ações judiciais. São processos como o que apura o assassinato de 29 garimpeiros, ocorrido em abril de 2004. O número de processos envolvendo os indígenas é visto com preocupação pelo Grupo Tarefa, criado pela Fundação Nacional do Índio (Funai) no fim de 2002 com a missão de estabelecer um plano emergencial para atender à comunidade. O coordenador do grupo, João Batista Maglia, confirma as estatísticas e lembra que o problema atinge todas as áreas. “Existem muito mais de 1,5 mil processos, entre inquéritos policiais em andamento e processos judiciais cíveis, criminais e trabalhistas”, afirma. Todos os processos são analisados pela Justiça Federal, esfera competente para julgar as ações que envolvem indígenas. No caso Foto: FUNAI das mortes dos garimpeiros, a investigação policial pediu o indiciamento de pelo menos dez índios que aguardam julgamento. Antes que os acusados sejam levados ao banco dos réus, o Ministério Público Federal (MPF) defende a realização de um estudo antropológico que poderia apontar se os índios tinham consciência do que estavam fazendo. O procurador da República Reginaldo Pereira, que no fim do ano passado chegou a ser feito refém pela tribo, defende a comunidade. “Os Cinta-Larga estão marcados pela violência desse contato direto e pernicioso com os garimpeiros e com a atividade ilícita e são reféns do crime organizado”, afirma. Pereira foi seqüestrado junto com o representante do Alto Comissariado da Organização das Nações Unidas (ONU), David Martín Castro. Na época do seqüestro, os índios condicionavam a libertação dos reféns ao arquivamento do processo sobre o massacre dos garimpeiros. O caso é analisado pelo juiz federal Herculano Martins, que aguarda manifestação do Ministério Público Federal para definir o caso. Para o juiz, as informações do processo são suficientes para o julgamento. Diamantes e morte A violência tem sido a marca da comunidade indígena Cinta-Larga, localizada em uma das maiores reservas de diamantes do mundo, entre Rondônia e Mato Grosso. Mais de 1,5 mil ações judiciais já foram movidas contra seus membros Juliana Corrêa - Brasília (DF) 40 Índios Foto: FUNAI Vista aérea da reserva Consciência A irmã de um dos garimpeiros mortos, que prefere não ser identificada, afirma não ter dúvidas de que os índios têm consciência de seus atos e devem ser punidos com a mesma rigidez que o homem branco. “Esses índios são iguais a qualquer um de nós. Eles têm identidade, sabem ler, têm advogados, a maioria usa roupa de grife. Então, se eles têm tanta inteligência para saber o que é bom e o que é ruim, são capazes de responder pelos seus atos”, dispara. No município de Espigão do Oeste (RO), cidade mais próxima da reserva indígena Roosevelt, existem denúncias de índios que cobram uma taxa pelos diamantes retirados. Mesmo assim, segundo a Polícia Federal (PF), a maioria está endividada. Ainda de acordo com a PF, são cada dia mais comuns as reclamações de comerciantes que não conseguem receber dos índios. “Essas pessoas que fornecem os créditos no comércio são verdadeiros agiotas que se aproveitam dos indígenas”, denuncia o delegado Mauro Sposito, que coordena um grupo operacional criado pelo governo após as mortes dos garimpeiros. A chamada operação Roosevelt tem a função de combater a mineração ilegal em terras indígenas. Ao todo, oito bases da Polícia Federal patrulham o entorno da reserva. Soluções Quase tão antiga quanto a disputa entre índios e garimpeiros é a discussão do assunto na esfera política. Uma das esperanças é a votação do Estatuto do Índio, que aguarda decisão do Congresso Nacional há pelo menos uma década. Para o senador Valdir Raupp (PMDB-RO), o ideal seria permitir que os próprios índios explorassem a reserva. Ele defende a criação de cooperativas como forma de organizar a atividade. “A exploração mineral pode existir, desde que seja feita em benefício dos próprios índios, que são os legítimos donos das terras”, sustenta. Já a deputada federal Bel Mesquita (PMDB-PA) lembra a necessidade urgente de uma legislação que assegure os direitos das comunidades indígenas e, ao mesmo tempo, preserve o meio ambiente. “Como o subsolo pertence à União, sem regulamentação que defenda os interesses de quem está sobre a terra, o desafio é garantir os direitos dos indígenas sem perder as riquezas brasileiras”, explica. As organizações e comunidades indígenas, em sua maioria, contestam a liberação das terras para a mineração. O principal argumento é que esta liberação atende apenas aos interesses das empresas e coloca em risco o futuro das gerações nativas, que precisam do equilíbrio ecológico para sua sobrevivência. Um relatório da Polícia Civil de Espigão do Oeste, datado de março de 2008 e que está em poder da regional da Ordem dos Advogados do Brasil em Rondônia (OAB-RO), comprova essa preocupação. O estudo denuncia a ação predatória de empresas estrangeiras na região. Empresas canadenses estariam extraindo material bruto, que seria mandado para o exterior para servir de base a pesquisas econômicas. Os materiais preferidos seriam manganês e cassiterita. Segundo o procurador Reginaldo Pereira, a situação pode se tornar insustentável se não forem adotadas medidas práticas para resolver o conflito. Ele sustenta que, caso o Estado não tome providências urgentes, novas tragédias podem acontecer na reserva. n 41 Responsabilidade Social Solidariedade que abre horizontes A renovação de móveis e equipamentos de informática na sede do TRF da 5ª Região, no Recife, deu início a uma parceria que não envolve a prestação de serviços jurídicos. Com a doação do material à Escola do Pilar, os servidores da Justiça Federal conheceram de perto e resolveram minimizar a dura realidade de uma comunidade que tem o pior IDH da cidade. Escola do Pilar Cristina Ramos - Recife (PE) Foto: Getulio Bessoni 42 cas passou por minuciosa restauração, atraindo a atenção de historiadores do mundo inteiro. Próximo à região portuária que deu origem à cidade, a comunidade parece esquecida pela história. Tem os mais graves problemas sanitários do Recife, com 45% das moradias sem esgoto sanitário. A parceria com o tribunal começou com a doação de móveis e equipamentos eletrônicos obsoletos. O material chegou à escola e se transformou em oportunidades para crianças e jovens que conviviam com os piores índices de desenvolvimento humano da cidade. A situação precária motivou a continuidade do trabalho. O passo seguinte foi repassar à comunidade o resultado do processo da reciclagem de toneladas de papel e outros materiais, como cartuchos de impressora. As medidas permitiram a realização de obras como a substituição de portas, troca de piso, recuperação da instalação hidráulica, substituição de bacias sanitárias e pintura do colégio. A viabilização de cada projeto foi possível a partir da parceria com a ONG Moradia e Cidadania, que trabalha com materiais recicláveis. Uma campanha de doação de livros realizada pelos servidores do tribunal permitiu que a unidade de ensino ganhasse uma biblioteca. Um convênio com o Exército deu às crianças e jovens do Pilar a oportunidade do primeiro contato com o computador, através de um programa de inclusão digital, proposto pelo TRF. Sucessivas campanhas solidárias têm sido realizadas, aproveitando datas comemorativas como o Natal, o mês das crianças e o São João, que neste ano foi realizado em sua segunda edição. Além da arrecadação de mais de 10 mil doações como alimentos não-perecíveis, roupas e produtos de higiene, a campanha incluiu um concurso de redação, com a distribuição de prêmios aos estudantes que apresentaram os melhores textos. “O tribunal está realizando uma justiça concreta. E essa justiça, talvez, seja mais importante do que a que se faz através de papel”, destaca o presidente do TRF5, desembargador federal José Baptista de Almeida Filho. n Comunidade do Pilar: pior IDH do Recife Foto: Getulio Bessoni U m lugar onde menos de 1% dos moradores concluiu o ensino médio, quase 30% dos jovens são analfabetos e a maioria vive com menos de um salário mínimo. Esta é a realidade da Comunidade do Pilar, que fica na ilha do Recife Antigo e que há pelo menos cinco anos conta com a ajuda do Tribunal Regional Federal da 5ª Região para construir um futuro diferente. O projeto, que começou com a doação de livros e computadores para a única escola, hoje inclui outras atividades como a realização de cursos e palestras. A Comunidade do Pilar está entre as mais carentes do Recife. São cerca de 1,5 mil pessoas vivendo em condições subumanas. As 210 crianças estudam na Escola Municipal Nossa Senhora do Pilar e, na maioria das vezes, alimentamse apenas da merenda escolar. Uma realidade que contrasta com o crescimento da região, considerado o berço da capital pernambucana. A ilha do Recife Antigo abriga hoje um grande pólo de negócios, especialmente empresas de informática e instituições financeiras. Nos últimos anos, a modernização necessária à criação do Porto Digital e a revitalização do casario da zona portuária fizeram ressurgir a beleza do Bairro do Recife. Praças e ruas foram recuperadas e a primeira sinagoga das Améri- Responsabilidade Social Dinheiro do crime para quem precisa Montante arrecadado com leilão de bens do traficante Abadía é entregue a instituições de caridade Luciana Munaretti e Regina Fonseca - São Paulo (SP) V itória Félix, de 6 anos, é portadora de síndrome de down. Ela faz parte do grupo Criando Asas, mantido pela Casa Cristo Redentor, que funciona no bairro de Itaquera, zona leste de São Paulo. A entidade atende a mais de 500 crianças. Uma das professoras da entidade, Kely Martins, explica que, além de desenvolver um trabalho de inclusão, o desafio do grupo é estimular a criança a vencer as limitações impostas pela deficiência. “Estimulamos cores, formas, brincamos de roda cantada e cada semana fazemos uma coisa diferente”, explica. A entidade é uma das beneficiadas por uma iniciativa que tem permitido um destino diferente para o dinheiro do tráfico. A medida é resultado de uma inovação, colocada em prática pela Justiça Federal em São Paulo, na aplicação da delação premiada. Previsto em lei, o instrumento jurídico permite que uma pessoa acusada de fazer parte de uma organização criminosa tenha a pena reduzida após repassar informações que possam ajudar a desvendar e a acabar com o esquema. No caso de São Paulo, um dos responsáveis pela prática é o juiz federal Fausto Martin De Sanctis, da 6ª Vara Criminal. O magistrado ampliou a contrapartida a ser dada pelos acusados interessados na delação premiada. Além das informações, eles repassam dinheiro, que é transferido para entidades como a Casa Cristo Redentor. Pelo acerto firmado com os advogados de acusados de crime contra o sistema financeiro, estão sendo repassados R$ 5 milhões às instituições selecionadas. Os valores a serem pagos foram determinados com base no prejuízo que cada réu causou aos cofres públicos. O pagamento não é considerado uma punição, mas uma forma de compensar o dano causado à sociedade com as operações bancárias fraudulentas. Foto: João Fábio Kairuz Para receber a ajuda, as entidades passaram por um rigoroso processo de seleção. “Nós fizemos um cadastro próprio, foi exigida documentação idônea, inscrição no Ministério da Previdência Social e até na Prefeitura de São Paulo. Priorizou-se entidades localizadas em periferias porque se supôs que as contribuições são mais difíceis de serem obtidas”, ressalta o juiz. As instituições são obrigadas a prestar contas do destino dado às verbas. A iniciativa do juiz federal foi comemorada. O dinheiro do crime vai ajudar a quem mais precisa. “Eu achei que foi bárbaro, foi muito bom. É uma boa iniciativa, porque não só aqui como outros lugares também precisam”, comemora Leila Félix, mãe de uma das crianças atendidas na Casa Cristo Redentor. Um grande Juiz De Sanctis:prioridade a entidades da periferia shopping balo durante o au P ão S e d e s Ramires ckey Club esteve no Jo te Juan Carlo ão an ic id lt af u tr m o a d ir e bém faz ns Uma verdad vendidos be raficante tam unir at m g e ra m fo e lo u e q p nte em umulada hora de p zar benefice da fortuna ac pela Justiça Federal na te ar p uma e d ão il ositado em prática p e m d e rá Abadia. O le as d se a ca d transitado com a ven ovações colo eiro obtido cesso tenha parte das in h ro in p d o o e , u so q é rá diviat este ca O restante se . cará aplicada fi ça infratores. N r n lo te n va se o a d d te do l. Parte mais recurso ulação caren a p o ib p ca conta judicia a d ão n m e e ente, cuid ou seja, qu m único dia em julgado, comprovadam ados foi intenso: em u , e u q s e ad arelhos d ilo enti elos bens le as, móveis, ap p p do entre as u co ro li b o ú m p co o sse d níveis, ral. n país. O intere os 85% dos itens dispo a casa em ge ar ad p at s m o li re sí ar n te m fora icos e u eletrodomést eletrônicos, Foto: João 43 z Fábio Kairu Responsabilidade Social Justiça que liberta Convênio entre o Tribunal Regional Federal da 4ª Região e fundação gaúcha dá nova oportunidade para menores infratores Diego Beck - Porto Alegre (RS) Foto: Diego Beck No tribunal, Rodrigo conheceu uma nova realidade, uma estrutura tradicional e carregada de rituais, completamente diferente da vida das ruas. No início do estágio, a timidez e a desconfiança eram as características mais marcantes. Mas aos poucos ele foi percebendo que, apesar dos olhos vigilantes, havia respeito e o mais importante: vontade de ajudar. “Não tinha trabalhado antes, foi uma oportunidade de mudança mesmo”, avalia Rodrigo. O trabalho e a dedicação renderam ao jovem a confiança dos servidores do tribunal. Assim que concluiu o estágio e cumpriu a medida sócio-educativa, ele voltou a estudar e, logo depois, conseguiu trabalho como estagiário em um escritório de advocacia. Na época, soube da abertura de vagas para estágio de ensino médio no TRF4. A chance de reencontrar os colegas e de voltar à casa onde teve a oportunidade de mudar de vida foram determinantes para que ele se inscrevesse na seleção. Agora, Rodrigo está em uma nova fase. É de novo estagiário do tribunal. A diferença é que, desta vez, não faltam auto-estima e confiança. Oportunidade Rodrigo Dufau: auto-estima e confiança “O cara pensa que nunca vai acontecer com o cara. Tá ali, no crime, vida louca. Um dia cai a ficha do cara, cai a casa, o cara é preso”. A fala de Rodrigo Dufau revela um pouco da história do rapaz que, aos 16 anos, conheceu um dos lados mais visíveis da Justiça brasileira – aquele que pune e que manda prender. Mas, graças a uma iniciativa simples, Rodrigo teve a oportunidade de recomeçar. A parceria que beneficiou a ele e a outros jovens do Rio Grande do Sul tem obtido resultados surpreendentes na recuperação de menores infratores. Em 2004, ao ser condenado por assalto a mão armada, Rodrigo trocou uma vida de crimes por um período de sete meses na Fundação de Atendimento Sócio-Educativo (Fase) do Rio Grande do Sul. Na instituição, as regras e a disciplina o levaram a perceber a necessidade de mudar de vida. A oportunidade veio com um convênio firmado entre a fundação e o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4). Ele foi um dos estagiários do Programa de Educação pelo Trabalho (PET). A atividade permitiu a descoberta de outra face do Judiciário: a que ensina e acolhe. 44 O convênio para a implantação do PET no TRF4 foi assinado em 2004. Desde então, duas turmas, cada uma com seis estagiários, já passaram pelo tribunal. Na terceira edição, realizada em 2008, são cinco adolescentes. Ao chegar ao tribunal, os escolhidos ouviram as palavras de um jovem que já superou o drama que hoje faz parte da rotina deles. A voz firme e a desenvoltura provam que Rodrigo é um novo rapaz, que em vez do crime escolheu o trabalho. Ele falou sobre sua trajetória profissional e recomendou aos cinco novos estagiários que aproveitem a oportunidade. “A liberdade é tudo para quem a tem, tem que saber aproveitar”, concluiu Rodrigo na solenidade de posse do grupo. Um dos adolescentes não esconde que sua maior expectativa é de mudar de vida. “Um futuro melhor, onde a gente possa conseguir serviço. A vida de crime larguei de mão”, resume o rapaz que, desde o início do estágio, trabalha no gabinete de um desembargador. O vice-presidente da corte, desembargador federal João Surreaux Chagas, fez questão de lembrar a importância da iniciativa. “Significa a responsabilidade que o TRF está assumindo em relação a adolescentes que cometeram ato infracional, no sentido de recuperação desses menores”, afirmou. Já a assessora de educação da Fase, Ana Rotili, comemorou a atitude do tribunal e alertou para a necessidade dos órgãos públicos assumirem a responsabilidade pela ressocialização. n Cultura Memória resgatada Trabalhos acadêmicos estão consagrando a recuperação do acervo histórico da Seção Judiciária do Rio de Janeiro, um dos mais antigos da Justiça Federal. Dados sobre 36 mil processos ajuizados de 1890 a 1973 já estão na base de dados do Arquivo Central. Maria do Socorro Branco - Rio de Janeiro (RJ) mas também é grande o volume de processos que ainda devem ser recuperados. A estimativa é que seja mais que o dobro do total que já recebeu tratamento. A meta é renovar o contrato, garantindo assim a continuação do trabalho. A diretora da Subsecretaria de Informação e Documentação da Seção Judiciária do Rio, Gabriela Gomes de Ávila, confirma a importância da iniciativa.“O nosso arquivo contém dados que não existem em nenhum outro lugar, por isso desperta tanto interesse dos pesquisadores,” afirma. O trabalho começa pela triagem e higienização dos documentos. Em seguida, é feito um diagnóstico do estado do material. O passo seguinte, é complementar o processo de identificação dos documentos. Feito isso, os dados são digitados, permitindo a geração de arquivos eletrônicos que passam a ser acessíveis à comunidade jurídica e aos pesquisadores no endereço http://www.ndc.uff. br/TRF/index.html. Também é possível consultar diretamente os documentos impressos: basta agendar uma pesquisa presencial junto à coordenadora geral do projeto. Gladys Ribeiro: trabalho ampliado Foto: Seimp/JFRJ T ransformar o que parecia apenas papéis velhos em fonte de pesquisa. Este é o desafio de um projeto desenvolvido há quatro anos na Justiça Federal do Rio de Janeiro. Milhares de processos, que chegaram aos tribunais entre 1890 e 1973, e que estavam guardados sem nenhum cuidado, já foram recuperados, organizados e identificados em banco de dados. O resultado de todo o trabalho serve de base para produções acadêmicas como dissertações de mestrado, projetos de pesquisa, artigos, além de outras publicações. A recuperação do acervo é feita por uma equipe multidisciplinar formada por professores, técnicos e estagiários da Universidade Federal Fluminense. A participação desses profissionais foi viabilizada por um convênio firmado em 2003 entre o Tribunal Regional Federal da 2ª Região, a Seção Judiciária e a Universidade. A coordenadora do grupo de história, Gladys Ribeiro, explica que, inicialmente, a proposta era recuperar apenas o acervo considerado histórico do período entre 1890 e 1937, mas o trabalho foi ampliado, para incluir documentos de “guarda permanente”, produzidos ou recebidos pela Justiça Federal até 1973. Já estão disponíveis na base de dados fichas técnicas ou planilhas referentes a 36 mil processos. Até o fim de 2008, serão 43 mil ações disponíveis para acesso por meio eletrônico. O número é expressivo, 45 Cultura Curiosidades A consulta aos documentos recuperados e guardados no acervo carioca permite um contato próximo a fatos que marcaram uma época do país. Gladys Ribeiro explica que é possível, por exemplo, conhecer detalhes da movimentação nos portos, da expansão da malha ferroviária no país, da inserção dos imigrantes na sociedade, das revoltas populares e até do surgimento da Justiça do Trabalho. Outra constatação possível a partir da análise dos documentos é que o instrumento do habeas corpus foi muito utilizado durante a Primeira República, época em não existia mandado de segurança. Um dos coordenadores do trabalho, professor José Ribas Vieira, ressalta o que ele chama de “judicialização da vida social” naqueles primeiros anos da Justiça Federal. Os resultados do trabalho desenvolvido na primeira etapa do projeto estão registrados no livro Autos da memória: a história brasileira no Arquivo da Justiça Federal. Arquivo da JFRJ: caixas-box protegidas da poeira por cortinas de plástico 46 Em junho, o presidente do TRF da 2ª Região, desembargador federal Joaquim Antônio Castro Aguiar, emitiu portaria constituindo grupo de trabalho e estabelecendo prazo de 60 dias para elaboração e apresentação do projeto de recuperação predial. A construção de um anexo e a modernização das instalações entraram oficialmente na pauta da 2ª Região. A meta é a instalação de um centro de pesquisa e documentação no espaço. Com essas medidas, a Justiça Federal da 2ª Região vai proteger o acervo, oferecer condições adequadas aos pesquisadores e, ainda, contribuir para a revitalização do bairro de S. Cristóvão, repleto de edifícios históricos. De acordo com o historiador Gunter Axt, especialista em História do Direito e da Justiça pela Universidade de São Paulo, o investimento na organização de arquivos é uma das grandes novidades dos últimos tempos no campo da Justiça. Ele observa que teses de história fundamentadas nesses arquivos ampliam o debate sobre a Justiça e o Judiciário, dentro e fora das universidades. n Foto: Seimp/JFRJ Centro de documentação Cultura Prata da casa Dança, literatura, música. Estes são apenas exemplos de manifestações artísticas que fazem parte da rotina do Tribunal Regional Federal da 3ª Região. Servidores do Tribunal dedicam talento e horas extras em benefício de seus colegas. Ester Laruccia, Mônica Paula e Selma Alcântara - São Paulo (SP) A rte, dança, literatura e música. Qual destas lhe agrada mais? Os servidores do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (SP) são privilegiados porque podem desfrutar de todas elas, graças a companheiros que colocaram seu talento nato a serviço das pessoas com quem dividem seu dia-a-dia. Conheça suas histórias. Cultura em todo lugar De fala mansa, voz pausada e tranqüila, não é surpresa para ninguém que Wladimir Rodrigues tenha feito da arte seu ofício no Tribunal. Lotado na Escola de Magistrados, o artista plástico de formação elabora todo o material de divulgação de cursos, palestras e seminários e faz a editoração eletrônica do boletim EMag@zine. Um pouco mais de seu dom foi colocado à disposição do projeto Arte & Cultura, feito em parceria com a Emag. Entre abril e junho deste ano, dedicou suas noites de terça-feira aos Encontros Semanais de História da Arte, bate-papos ilustrados com fotos e vídeos sobre arquitetura, escultura, pintura e visitas a espaços culturais. Os passeios monitorados são uma extensão das aulas. A estréia foi no Museu de Arte Brasileira da Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP) na exposição “Marrocos”. Em meio às 500 obras reunidas, manuscritos, astrolábios e peças dos séculos IX e X contam a história da caligrafia e das ciências astronômicas e astrológicas desenvolvidas em cidades como Marrakech. Os famosos tapetes aparecem como parte integrante do mobiliário de palácios e tendas. Dias depois, o animado grupo de servidores que freqüenta as palestras foi à Pinacoteca ver a exposição “Florescer das Cores”, sobre as artes tradicionais japonesas no período Edo (1603-1867). A mostra apresentou diferentes quimonos, adornos femininos, cerâmicas, artefatos em laca e indumentárias de samurais, incluindo espadas e armaduras. Maria José Leite, servidora do Pró-Social, que coordena o programa com Wladimir, disse que o sucesso da iniciativa levará a novas visitas monitoradas aos museus paulistanos até o fim do ano. Ela está contente em constatar “que as pessoas interessadas nessas atividades estão formando um bom grupo de amigos”. A iniciativa, segundo ela, favorece um bom ambiente de trabalho. Paixão nos pés Edson Nakasone trabalha de segunda a domingo, incluindo os feriados. Algum estresse? “De maneira alguma”. O segredo? “Aliar trabalho e lazer”, revela Nakasone. Durante a semana, ele é servidor do Conselho de Administração e Justiça do TRF3. Sentado o dia inteiro diante do computador, analisa processos e fala ao telefone. Fora desse horário, é proibido ficar na cadeira! A dança é um gosto que virou seu segundo trabalho. Desliza pelo salão no melhor estilo “Fred Astaire nipônico”, conduzindo a parceira de ocasião com movimentos coordenados e suaves. “Ela aconteceu por acaso na minha vida. Chegou, ficou e foi ganhando cada vez mais espaço”, diz sobre a dança, que o deixa “feliz e iluminado”. 47 Cultura Foto: João Fábio Kairuz/TRF3 Edgard Catão autografa seu primeiro livro Valter: mestre de cerimônias e regente de coral Música e palavras Foto: Elizabeth Nogueira/OAB-MS Foto: Clarice Michielan/TRF3 Wladimir e Cláudia: aulas de arte e francês para colegas Percebeu que ‘levava jeito’ quando os convites começaram a aparecer: primeiro, para ser partner dance oficial; depois, uma academia o convidou para dar aulas. Daí, foi um pulo para as alunas convocarem o personal dancer (dançarino de aluguel). “A profissão é nova. A pessoa paga para que o dançarino a acompanhe a alguma festa ou salão, pagando também seu ingresso”. No tribunal, Edson dá aulas para os servidores toda sextafeira à noite. Um de seus alunos é Marcelo Novaretti, diretor da Subsecretaria da 8ª Turma, que conta: “Após uma separação, tive uma inflamação no intestino que durou três anos. Como dizem que para tudo existe remédio, encontrei a cura na dança de salão”. “Quel est ton rêve?” Cláudia Cortez Dias é servidora antiga do TRF3 e sempre acalentou um sonho. Qual? “Mon rêve est enseigner français pour les fonctionnaires du tribunal”, responde perfeitamente na língua de Victor Hugo, Edith Piaf e tantos outros. Tradutora e intérprete de francês, queria muito dividir o conhecimento de uma vida inteira com seus colegas. A aspiração virou realidade este ano, quando a Escola de Magistratura (Emag) permitiu que Cláudia abrisse duas classes de nível básico, com 20 alunos cada. Com sua paciência e ‘jeitinho’, a professora constata o resultado de tanto esforço: três meses depois, quem não sabia absolutamente nada já arrisca um pequeno diálogo no idioma antes desconhecido. O enigma da criação Agente de segurança na origem, mas fotógrafo e editor de arte autodidata, Edgard Catão não escondia a felicidade na noite em que lançou o primeiro livro, Reino de Vidro – A Criação, volume I (Ssua Editora). Escrito nas horas vagas depois de quatro anos de pesquisa, a obra de ficção conta a história de uma descoberta arqueológica no tempo da Segunda Guerra Mundial. O cientista Chaim encontra três pergaminhos em uma caverna escondida na Palestina. Os documentos revelam um futuro sombrio para a humanidade. Segundo o novo escritor, a idéia foi provocar uma discussão sobre o que é a fé e como ela deve ser professada. Para alegria de seus colegas e agora leitores, o autor anuncia o segundo volume da obra, A evolução, em que planeja falar da criação do ponto de vista científico. Quem observa o compenetrado mestre de cerimônias, nem faz idéia do seu “outro lado”. Valter Satomi é o regente do Coral do TRF3, integrado por 40 servidores da Justiça Federal lotados na capital paulista, que usam meia hora do sagrado horário de almoço todas as terças e quintas para soltar a voz. “O tempo é curto, mas conseguimos fazer os exercícios de respiração, aquecimento vocal e ensaio”, conta. O dom para a música nasceu junto com ele. O pai tocava gaita e a mãe, violino. Ambos o incentivaram a participar de bandas e fanfarras, onde tocou vários instrumentos. O canto surgiu em 1983, quando fez parte do coral da Faculdade Santa Cecília, em Santos (SP). Tantas coisas aconteceram até o convite para entoar óperas como Carmina Burana, de Carl Orff, e a brasileiríssima O Guarany, de Carlos Gomes. Berlim ouviu Valter cantar no ano 2000, quando a Orquestra Sinfônica local recepcionou o Coral do Movimento Riopretense. A experiência como regente começou há 15 anos, quando comandou a batuta de corais de empresas como Amil, Unibanco e Microsiga. A descendência nipônica se evidenciou no orgulho ao ser um dos coordenadores do Grande Coral de 2.800 voluntários que cantou durante as Comemorações Oficiais do Centenário da Imigração Japonesa em junho, tendo como palco o Sambódromo, “templo oficial” do carnaval paulistano. n 48 Cultura A Justiça acolhe os Um século de trabalho descendentes dos japoneses que há 100 anos chegaram ao Brasil e disciplina Regina Fonseca - São Paulo (SP) F azer um passeio pelo bairro da Liberdade, no centro da capital paulista, é quase como embarcar em uma rápida viagem ao Japão. Diretor da Divisão Médica do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, o médico Alberto Ogata, neto de japoneses, explica o significado do “daruma”, um pequeno boneco que aparece em muitas vitrines da região. “O pessoal dá de presente no fim do ano. A pessoa faz um pedido e, atingido o desejo, ela pinta o olhinho do boneco. Faz parte da tradição de muitas famílias”. A aproximação entre brasileiros e japoneses teve início há cem anos. Em junho de 1908, chegaram ao país os primeiros imigrantes que estavam a bordo do navio Kasato Maru. Após desembarcarem no Porto de Santos, no litoral paulista, os imigrantes ficavam à espera de trabalho em uma hospedaria na Mooca, então um bairro operário da zona leste de São Paulo. De lá, eles seguiam para as lavouras de café no interior para o árduo trabalho na roça. Com o tempo, as famílias percorreram o trajeto das plantações de café para cidades de todo país e, dessa forma, a influência desse povo cresceu no Brasil. Hoje, são mais de dois milhões de japoneses e descendentes que exercem as mais variadas profissões. O ministro Massami Uyeda, por exemplo, é o primeiro filho de japoneses a ocupar uma cadeira no Superior Tribunal de Justiça. “Embora com a fisionomia própria japonesa, o meu coração é brasileiro mesmo”, declara o ministro, laureado este ano com distinções como o título de Cidadão Paulistano, concedido pela Câmara Municipal. A cidade de São Paulo concentra o maior número de japoneses fora do Japão. Só na Justiça Federal, são 300 pessoas, entre magistrados e servidores. Aos 72 anos, Kazuo Watanabe se orgulha de ter sido o primeiro filho de japoneses a se tornar juiz na maior cidade do Brasil. Como magistrado, ele colocou em prática uma experiência de sucesso no Japão: o modelo dos juizados de pequenas causas. “Esse modelo japonês, de alguma forma, foi acolhido porque nós temos a figura de conciliador dentro dos juizados especiais”, comemora Watanabe. O Juizado Especial Federal foi decisivo na vida de Jisuke Nakasawa. Aos 76 anos, lembra quando, ainda criança, ele e a família chegaram do Japão. “Eu tinha cinco para seis anos. Viemos de navio”. Depois do trabalho na lavoura de café, passou a atuar na construção civil. Ao pedir a aposentadoria no INSS, foi surpreendido com uma resposta negativa. “Falaram que estrangeiro não pode”. O JEF de Ribeirão Preto (SP) foi onde finalmente conseguiu sua aposentadoria, “uma ajuda e tanto no orçamento da família”. RF3 gard Catão/T Foto: Ed Esforço compensado Na nova terra, os japoneses não abandonaram costumes milenares como a disciplina e o equilíbrio – tradições que são aplicadas no trabalho do desembargador federal Carlos Muta, do TRF3, neto de japoneses. “Saber que a gente veio de um meio muito humilde, de pessoas que num determinado momento da vida não tinham o que comer e que tiveram que conquistar dia a dia o seu espaço”. Também “sansei”, a desembargadora federal Consuelo Yoshida, do mesmo tribunal, lembra com carinho dos antepassados. O avô materno, Kazuto Yatsuda, foi soldado da infantaria imperial na guerra contra a China. Ela conta que a principal lição que aprendeu com a experiência dos imigrantes foi o estímulo aos estudos. “Eles trabalhavam duro na lavoura e deixaram um legado muito importante, que é o esforço e principalmente a educação”, resume. n Chegada Alberto Ogata, médico do TRF3: passeio pela Liberdade , de Kas ato Maru 49 Cultura A face artística da Justiça Federal Tereza Cardoso e Adriana Dutra - Rio de Janeiro (RJ) Foto: ASCOM/TRF2 cada localidade tinha cadeiras com características próprias. Cadeiras curiosas, confeccionadas em ferro ou aço inox sobre suportes inusitados, que desafiam o equilíbrio, são alguns dos trabalhos que estarão em exposição. Exposição Escaneando a Alma: As pinturas-relevo do artista plástico carioca Eraldo Motta estarão expostas de 2 a 29 de setembro. Sob o tema Escaneando a Alma, Eraldo concebe formas arrojadas através de materiais pouco convencionais e o uso de muita cor sobre superfícies enrugadas, enferrujadas, raspadas ou retorcidas que surpreendem o observador. Captar a atenção do observador através do imprevisível é atributo das obras do artista, que se sente desafiado pelo inesperado. “ Cultura não é frescura. É o que firma educação e cidadania”. A afirmação é recente e foi feita pela atriz Fernanda Montenegro, espelhando o milionário (e patrono das artes) John Davison Rockefeller. Pensando assim, atualmente, muitas instituições mantêm espaços culturais em todo o país: Banco do Brasil, Petrobrás e Correios são só algumas delas. No Rio de Janeiro, um espaço se destaca como o primeiro, no mundo, a adotar como tema central a justiça: o Centro Cultural Justiça Federal, ou CCJF, localizado no Centro Histórico da cidade, em frente à Cinelândia. O prédio onde funciona o CCJF foi sede do Supremo Tribunal Federal e, por isso, palco de pronunciamentos de juristas que fizeram parte da história recente do país. Mas há mais do que isso no edifício: na fachada e no interior estão verdadeiras obras de arte originais e restauradas, todas disponíveis para visita pública. Atualmente, o CCJF conta com amplas salas para exposições, teatro, biblioteca, loja e cafeteria. Além destes espaços, outros como a sala de sessões, o grande hall da escada principal e o hall nobre de entrada estão restaurados e preservados. O Centro funciona de terça a domingo e já se consolidou no roteiro artístico e cultural da cidade, recebendo peças te- 50 atrais, exposições, shows e concertos de música erudita. Além disso, tem-se consagrado como um espaço de promoção e reflexão da cidadania. No local, são realizados projetos de integração com a comunidade, voltados principalmente para estudantes, idosos e portadores de necessidades especiais. É o caso de alguns projetos desenvolvidos de forma regular, como as visitas orientadas a alunos das redes pública e privada de ensino fundamental, médio e superior e oficinas de origami e de papelão, esta última desenvolvida pelos artistas plásticos Sergio Cezar e Robson de Souza, que ensinam a criar miniaturas com papelão e sucata, cultivando a prática da reciclagem. O CCJF guarda surpresas para quem visitar o prédio no segundo semestre deste ano: Exposição Cadeiras, este magnífico objeto de descanso: A interpretação da cadeira em suas diversas formas e variedades é o mote da exposição Cadeiras, este magnífico objeto de descanso, da artista plástica Ascencion Palacios Chanques, em cartaz de 02 a 28 de setembro. O “olhar sobre as cadeiras” foi desenvolvido quando a artista percorria o interior da Espanha, onde pôde verificar que Mostra Objetos: De 21 de outubro a 23 de novembro, será realizada a mostra “Objetos”, uma visão surrealista sobre o universo feminino, do fotógrafo Roosevelt Nina. Objetos e figuras femininas interagem no quadro fotográfico, em preto e branco, transportando o observador a um mundo à parte, cuja materialização estará apenas sugerida nos objetos reais, os mesmos das fotos, porém presentes em seu estado natural. Roosevelt, natural do Maranhão, vem desenvolvendo seu trabalho há tempos, inscrevendo seu nome entre os principais da fotografia brasileira. n Av. Rio Branco, 241, Centro Rio de Janeiro/RJ CEP: 20040-009 Tel: 3261-2550 www.ccjf.trf2.gov.br Institucional Atendimento para todos Treinamentos ensinam servidores do TRF3 a conviver melhor com pessoas portadoras de deficiências Regina Fonseca - São Paulo (SP) M ais de dois milhões de brasileiros têm algum problema para ouvir ou falar. É o equivalente à população de um estado como o Mato Grosso do Sul. Apesar do número ser expressivo, a linguagem para se comunicar com surdos ainda é pouco difundida. Oficializada em 2005, a Língua Brasileira de Sinais (Libras) está restrita ao universo de amigos e parentes dos deficientes auditivos. Uma realidade que pode mudar com medidas como a implantada em São Paulo, onde servidores da Justiça Federal recebem treinamentos para atender a quem tem essa limitação. A medida obedece ao Decreto no 5.626/2005, segundo o qual 5% dos servidores públicos devem ser capacitados para atender aos surdos. Quem vive diariamente a dificuldade de não ser compreendido pelos interlocutores é Taissa Salles, advogada de 27 anos que é servidora da Justiça Federal da 3ª Região. A jovem leva uma vida normal, como a maioria das jovens da sua idade. A única diferença, que a acompanha desde os quatro meses de vida, é uma grave surdez. A rubéola da mãe, que ocasionou o déficit auditivo, nem foi percebida durante a gravidez. Assim como no caso de Taissa, 80% das deficiências auditivas têm origem em doenças durante a gestação. Com o diagnóstico feito pelos médicos, a família buscou todo tipo de tratamento, principalmente com fonoaudiólogos. Um esforço que valeu a pena. Hoje, Taissa é advogada e casada com Richard, também surdo. Ela explica que não foi fácil graduarse em Direito. Precisou recorrer à própria Justiça para ter um intérprete em sala de aula. E não qualquer um, mas alguém que transitasse bem entre as particularidades do mundo jurídico e a língua de sinais. Entretanto, apesar da superação, muitas tarefas simples ainda esbarram na falta de preparo das pessoas. Quase ninguém entende a linguagem dos surdos, ou têm paciência para ler os lábios. No trabalho, a situação já é bem melhor. No início, os próprios colegas esbarraram nas dificuldades de comunicação. “Nós tivemos que aprender coisas que ninguém nos ensinou, como falar devagar e olhando para ela, com paciência. Havia pessoas que chegavam e achavam que, gritando, ela iria ouvir”, conta Ângelo Vaz Rosa, chefe de Taissa na Divisão de Jurisprudência do TRF3, em São Paulo. Ângelo foi um dos participantes do curso organizado pelo Tribunal, que ensinou a Língua Brasileira de Sinais (Libras) aos servidores que prestam atendimento ao público, com o objetivo de facilitar a comunicação desses servidores com os deficientes auditivos. Ao servidor, com carinho Por ter 90% de suas causas ligadas à Previdência, os juizados especiais federais recebem a população mais carente, que todos os dias busca conseguir uma fonte segura de recursos que lhe garanta a sobrevivência. Com um olhar atento a esta característica, a coordenadoria dos JEFs e o Departamento de Assistência Médica (Dame) do TRF3 promoveram a palestra “Orientação aos servidores para o atendimento às pessoas com problemas de saúde”, que explicou como atender com gentileza, acolhimento, atenção e naturalidade pessoas com deficiências físicas (cegas, surdas, mudas e cadeirantes), mentais e com transtornos psíquicos. Em relação aos portadores de doenças infectocontagiosas, foi dada uma orientação especial. Todas as dicas foram reunidas no Guia de Orientação: Atendimento a Pessoas com Problemas de Saúde, pequeno manual distribuído a todos os servidores. Há três anos na “linha de frente” do Juizado Especial Federal de São Paulo, Regiane Orlandelli Uehara conta que é rotina o atendimento a pessoas nestas condições. Ela conta um episódio peculiar: “O autor era surdo e o acompanhante, mudo. E um era o intérprete do outro. Eu consegui me comunicar com o mudo, que me ouviu e transmitiu o que eu disse para o outro usando a Libras”. Mesmo com sua experiência, aprovou totalmente o treinamento: “As dicas foram importantes porque cada atendimento é único e devemos saber como lidar com cada situação. Por outro lado, demonstra que estão cuidando com carinho dos servidores que estão neste setor, que é a ‘porta de entrada’ do Juizado”. n tão/TRF3 Foto: Edgard Ca Ângelo Rosa: chefe aprende Libras para se comunicar melhor com Taissa Salles, à direita 51 Foto: Jorge Campos Institucional Notas Hamilton Carvalhido é o novo coordenador-geral do CJF O ministro do Superior Tribunal de Justiça, Hamilton Carvalhido, será o novo coordenador-geral da Justiça Federal. Ele assume o posto que era ocupado pelo ministro Gilson Dipp desde junho de 2007. Eleito pelo Pleno do STJ em 5 de agosto, o ministro Dipp será empossado como corregedor nacional de Justiça, passando a atuar no Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Hamilton Carvalhido já era um dos membros efetivos do Conselho da Justiça Federal e, na nova função, vai dirigir o Centro de Estudos Judiciários, além de presidir a Turma Nacional de Uniformização da Jurisprudência dos Juizados Especiais Federais. Poderes correicionais à vista Prêmio de gestão É possível que o novo coordenador-geral da Justiça Federal, ao longo de seu mandato, passe a ser corregedor-geral. O Projeto de Lei n° 284/2007, que modifica a composição e competência do Conselho da Justiça Federal e disciplina seus poderes correicionais, foi aprovado em 20 de agosto último pelo Plenário da Câmara dos Deputados. O substitutivo aprovado, cujo relator foi o deputado federal Flávio Dino (PC do B/MA), regulamenta a Emenda Constitucional n° 45/2004, que atribuiu poderes correicionais ao Conselho, passando as suas decisões a terem caráter vinculante. Desta forma, o coordenador-geral da Justiça Federal passará a ter atribuições de corregedor-geral. Além de ser exercido sobre os tribunais regionais federais, o poder correicional do CJF incidirá também sobre a supervisão administrativa e orçamentária da Justiça Federal. O Colegiado do CJF e a Corregedoria-Geral passam a ter a possibilidade de avocar processos administrativos disciplinares em curso. O Colegiado também poderá representar ao Ministério Público no caso de crimes contra a Administração Pública, de improbidade administrativa ou de abuso de autoridade, podendo ainda propor ação civil para a decretação da perda do cargo ou da cassação da aposentadoria, preenchendo lacuna da Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman). A Escola da Magistratura (Emagis) do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) lançou em maio o Prêmio Emagis de Gestão, voltado a magistrados da Justiça Federal da Região Sul de 1º e 2º Graus. A proposta é identificar e divulgar iniciativas inovadoras implementadas com foco na gestão e no planejamento estratégico aplicados na administração da Justiça, destacando os resultados obtidos no aprimoramento da prestação jurisdicional e estabelecendo a imagem de uma Justiça mais moderna e eficiente junto à sociedade. Foi divulgada em 14/8 a relação dos trabalhos finalistas do Prêmio. A portaria nº 6, com a lista dos trabalhos, está disponível no portal do TRF4 (www.trf4.jus.br/premioemagis). Os trabalhos finalistas serão apresentados durante a Mostra de Qualidade no Judiciário e a entrega dos prêmios será feita no início de setembro. Facilidade para os advogados Convênio assinado entre o TRF3 e a regional da Ordem dos Advogados do Brasil em São Paulo permite a consulta ao Diário Eletrônico do Tribunal. Para isso, foram viabilizados o recorte e a seleção das intimações publicadas no Diário Oficial, serviço que a entidade já oferece aos 260 mil associados. O convênio possibilita o acesso à base de dados do periódico. Descentralização em julgamentos O TRF da 3a Região coloca em prática mais uma iniciativa para garantir facilidades a quem precisa do órgão. A cada dois meses, os integrantes da 2a Turma Recursal estão se deslocando até a cidade de Campo Grande onde analisam os processos que começaram em Mato Grosso do Sul. São analisadas tanto ações criminais como cíveis que estão em grau de recurso. JusQualitas Uma medida colocada em prática numa seção judiciária pode facilitar a vida de quem trabalha em um tribunal. Por entender assim, o Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal criou o JusQualitas, um banco de dados onde podem ser cadastrados projetos e iniciativas de sucesso. A intenção é socializar as informações para que possam ser colocadas em prática, ou mesmo servir de exemplo para outras propostas. Para magistrados e dirigentes que desejam cadastrar seus projetos no banco, ou pesquisar os projetos cadastrados, as informações podem ser acessadas pelo endereço: (www.jf.jus.br/jusqualitas). Técnicas de conciliação Foi lançado em 22 de agosto, na sede do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em Porto Alegre, projeto-piloto que vai oferecer cursos de aperfeiçoamento para juízes federais nas áreas de conciliação e de direitos humanos. A iniciativa é resultado do acordo de cooperação assinando entre o tribunal e o Ministério da Justiça. Num primeiro momento, serão realizados cursos para 75 magistrados da 4ª Região. Os primeiros cursos já estão formatados e devem ter início em outubro, em Porto Alegre e Florianópolis. Em Curitiba, a previsão é de que o treinamento aconteça em novembro. 53 Institucional Notas Projetos sociais em Criciúma Foto:Imprensa JFSC Professora Jheine e juiz Marcelo, durante o projeto Escola de Leitura A Justiça Federal em Criciúma (SC) começou a desenvolver projetos sociais que vão além da simples destinação de recursos originários do pagamento de penas em dinheiro aplicadas em processos criminais. Os projetos atualmente em curso são a “Escola de Leitura”, que atende a crianças do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), e o “Cuidando de Si”, dirigido a idosos dos asilos do município. A supervisão é da 1ª Vara Federal de Criciúma, unidade responsável pela execução penal. A “Escola de Leitura” permite que as crianças tenham contato com o universo das histórias infantis. Ao todo, estão sendo atendidas 303 crianças. Já o projeto “Cuidando de Si” garante atividades de lazer e saúde nos seis asilos de Criciúma. O objetivo é promover a auto-estima, a cidadania e a dignidade dos idosos, que são visitados três vezes por semana, durante cerca de oito meses. Inaugurada Sala de Memória na JF/PI Preservar a memória da instituição e garantir interação com a sociedade. Com estes objetivos foi inaugurada no Piauí a Sala de Memória da Seção Judiciária. Numa homenagem a quem atuou na primeira fase da Justiça Federal no país, o espaço ganhou o nome de Lucrécio Dantas Avellino. O juiz federal, que morreu em 1928, exerceu a magistratura por apenas quatro anos. A sala guarda documentos, fotografias e objetos audiovisuais que pertenceram a acervos pessoais. A intenção é que o material possa ser acessado por todos que querem conhecer de perto a história da Justiça Federal no estado. Livros Combate à Lavagem de Dinheiro – Teoria e Prática Curso Modular de Direito Constitucional Fausto Martin De Sanctis Editora Millenium Paulo Afonso Brum Vaz e Jairo Gilberto Schäfer (org.) Editora Conceito Editorial Fruto de dois anos de trabalho, a obra aborda o que há de mais novo na área de prevenção e repressão a este tipo de crime, além de relatar a experiência das varas federais especializadas. Titular da 6ª Vara Criminal da Justiça Federal de São Paulo, o juiz afirma que a idéia do livro é provocar um debate nacional acerca de medidas para uma ação mais efetiva contra os criminosos. A obra apresenta textos de 24 magistrados que participaram do Curso de Currículo Permanente - Módulo de Direito Constitucional, promovido pela Escola da Magistratura (Emagis) do TRF4 em 2006. O livro tem prefácio do ministro Gilmar Mendes, atual presidente do Supremo Tribunal Federal e que foi um dos professores do curso. 54 Selo comemora 40 anos da JF/GO Como forma de lembrar os 40 anos da Justiça Federal, até junho de 2009, um selo fará parte das correspondências simples da Seção Judiciária de Goiás.Também foi criado um carimbo a ser estampado em todas as correspondências que saem da instituição. Os criadores das peças foram Carlos Eduardo Rodrigues Alves, da Seção de Comunicação Social e Beltrão José de Sousa Filho, artista plástico e diretor do Núcleo de Controle de Infrações. De um lado, o selo mostra o primeiro prédio da Justiça e do outro, as instalações atuais. Palestra em Minas O papel do Superior Tribunal de Justiça no contexto da Justiça Federal brasileira - esse foi o tema da palestra do ministro João Otávio de Noronha na sede da Justiça Federal em Minas Gerais. O ministro lembrou a importância do tribunal, que completa 20 anos, e apontou o excesso de recursos como um obstáculo para que o chamado “Tribunal da Cidadania” possa desenvolver sua principal função, “de interpretar, em última instância, o direito infraconstitucional e dar a palavra final em assuntos com decisões divergentes entre vários tribunais”. Institucional Livros Direito Constitucional – Organização do Estado e dos Poderes – Tomo II Luis Carlos Hiroki Muta Editora Campus Elsevier Em linguagem direta, o autor procurou simplificar a abordagem mais aprofundada que fez de vários temas regulamentados pela atual Constituição. Além da exposição teórica, o desembargador do TRF3 incluiu o exame de aplicações práticas e indicação de casos concretos para facilitar a compreensão dos institutos, normas e princípios. Direito e Internet II – Aspectos Jurídicos Relevantes Newton De Lucca e Adalberto Simão Filho (org.) Editora Quartier Latin Especialistas que se debruçaram sobre os mais diferentes ramos do Direito para abordar as questões de maior relevância do mundo virtual sintetiza o conteúdo da obra, que tem como coordenadores o desembargador do TRF3 e o especialista em Direito Comercial pela PUC-SP. Estão presentes no livro assuntos como fraudes na internet e direito autoral, entre outros. Princípios processuais na Constituição Maria Elisabeth de Castro Lopes e Olavo de Oliveira Neto (org.) Editora Campus Elsevier Escrito por renomados autores jurídicos, o livro trata de cada um dos princípios processuais inseridos na Carta Magna de modo profundo e em harmonia com os demais princípios, com a exata noção de perfil e estrutura. O desembargador Nelton dos Santos (TRF3) tratou do “Princípio da Publicidade”, enquanto o juiz federal Alexandre Sormani escreveu sobre “Princípio do Duplo Grau de Jurisdição”. Agenda Setembro 4ª Semana de Estudos Jurídicos Data: 2 a 4 Local: Juizado Especial Federal Cível de Avaré (SP) Rua Bahia, 1.580 – Centro - Avaré Programa de Estudos Avançados Temas: “Teoria da Diluição x Teoria da Distância” e “Aquisição de Distintividade pelo Uso de Marca” Dia 3 de setembro, das 9 às 13h Local: Auditório do TRF2, na Rua do Acre, 80, 3º andar – Centro – RJ Fórum “Propriedade Intelectual - Marcas” Temas: “Novas Tendências da Cooperação Interjurisdicional” Dia 5 de setembro, das 14 às 18h Local: Auditório do TRf2, na Rua do Acre, 80, 3º andar – Centro - RJ II Ciclo de Palestras das Justiças Federal e Estadual Data: 25 a 27 Local: Campo Grande (MS) Outubro Ciclo de Palestras “Jurisdição no âmbito da Justiça Federal” Data: 6 a 10 Local: Campinas (SP) Ciclo de Palestras de Presidente Prudente Data: 22 a 24 Local: Presidente Prudente (SP) TRF5 promove Concurso de Monografia Tema: “O Impacto Sócio-jurídico da Criação do Tribunal Regional Federal da 5ª Região no Nordeste pela Constituição Federal de 1988” Inscrições: até 15 de outubro, no Núcleo de Desenvolvimento de Recursos Humanos, no Anexo I do TRF5 (Av. Cais do Apolo, s/n – Bairro do Recife) Categorias: Profissional (para servidores ativos e inativos e profissionais de fora do serviço público) e Graduando (para estudantes de nível superior de qualquer área) Premiação: serão premiados os três primeiros colocados de cada categoria: na Profissional, os prêmios são de R$ 10 mil, R$ 5 mil e R$ 2 mil; na Graduando, de R$ 5 mil, R$ 2 mil e R$ 1 mil. Informações: (81) 3425.9818/9821. 55 Giro pelas decisões Operação Rodin Verbas Indenizatórias A Justiça Federal em Porto Alegre analisa os processos referentes ao esquema criminoso descoberto no Departamento de Trânsito (Detran) do Rio Grande do Sul. Desmontado pela chamada Operação Rodin da Polícia Federal, o esquema envolvia a contratação de serviços a preços superfaturados e sem licitação. Duas fundações vinculadas à Universidade Federal de Santa Maria, a Fatec (Fundação de Apoio à Ciência e Tecnologia) e a Fundae (Fundação para o Desenvolvimento e Aperfeiçoamento da Educação e da Cultura) foram usadas para a prática que, segundo as investigações, funcionou durante mais de quatro anos: de julho de 2003 a novembro de 2007. Ao todo, teriam sido desviados R$ 44 milhões dos cofres públicos. O julgamento dos processos caberá à juíza federal Simone Barbisan Fortes, da 3a Vara Federal de Santa Maria (RS). Quitação de dívida A 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) confirmou em agosto sentença que condena a Caixa Seguradora a quitar o saldo devedor de uma mutuária, por meio da cobertura securitária existente para os casos de invalidez permanente. Também foi determinado o pagamento de R$ 10 mil a título de indenização por danos morais, decorrentes da demora na análise do pedido de cobertura securitária e posterior negativa. S.M.S., que assinou o contrato com a Caixa Econômica Federal (CEF) em fevereiro de 2003, sofreu um infarto em junho do mesmo ano. A mutuária se aposentou em maio de 2005 por invalidez permanente. Na mesma época, solicitou a cobertura do seguro para quitação da dívida imobiliária. Atos privativos de advogado O juiz substituto da 3ª Vara Federal de Sergipe, Rafael Soares Souza, determinou que a Associação de Proteção dos Consumidores do Estado de Sergipe Adecon fique proibida de praticar quaisquer atos privativos de advogado, inclusive assessoramento jurídico, tais como ajuizamento de ações, colheita de assinaturas em procurações, além da publicidade acerca de seus serviços judiciais. A sentença responde a uma ação movida pelo Conselho Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB/SE, o qual alega que a Adecon, longe de ser uma associação de defesa do consumidor, é uma organização que angaria clientes e divulga seus serviços, desobedecendo às diretrizes da Lei 8.906/94 e do Código de Ética e Disciplina da OAB. Cancelamento de CPF Uma contribuinte do interior paulista obteve na 4ª Vara da Justiça Federal de São José do Rio Preto (SP), o direito de ter o seu número de CPF (Cadastro de Pessoa Física) cancelado e a expedição de um novo cadastro com numeração diversa. A decisão foi dada em sentença proferida pelo juiz federal Dasser Lettiére Júnior. A autora comprovou nos autos que teve prejuízos em razão do uso indevido, por terceiro, de seu documento, que culminou na inclusão do seu nome em cadastro de inadimplentes. Verbas recebidas em razão de adesão a programa de incentivo à aposentadoria possuem natureza indenizatória, não se sujeitando à incidência do Imposto de Renda. A decisão é da TNU, que deu provimento a pedido de uniformização interposto contra decisão da Turma Recursal dos JEFs do Paraná em sessão realizada no dia 28 de julho último. O relator da matéria na TNU foi o juiz federal Leonardo Safi de Melo. Nova súmula A Turma Regional de Uniformização (TRU) dos Juizados Especiais Federais ( JEFs) da 4ª Região, durante reunião realizada em abril na sede da Justiça Federal de Londrina (PR), aprovou a súmula número 9: “Admite-se como início de prova material documentos em nome de integrantes do grupo envolvido no regime de economia familiar rural”. A TRU é presidida pelo desembargador federal Néfi Cordeiro, coordenador regional dos JEFs. Auxílio-doença É admitida a concessão de auxílio-doença àquele que, tendo sido acometido por doença incapacitante quando ostentava a condição de segurado da Previdência, fez a solicitação administrativa somente após ter perdido essa condição. Assim entendeu a Turma Nacional de Uniformização da Jurisprudência dos Juizados Especiais Federais (TNU), que deu parcial provimento a pedido de uniformização interposto contra decisão da Turma Recursal dos JEFs do Espírito Santo, em sessão realizada em 28 de julho último. Operação Fênix Em 25 de agosto foi prolatada pela 2ª Vara Federal Criminal de Curitiba (PR) sentença na ação penal da “Operação Fênix”, deflagrada pela Polícia Federal em novembro de 2007. Na sentença, foi provado que Luiz Fernando da Costa, conhecido como “Fernandinho Beira-Mar”, teria, mesmo preso, continuado a comandar a prática de crimes de tráfico de drogas, de armas e de lavagem de dinheiro. Inicialmente, por celular e, depois de sua transferência para as penitenciárias federais de Catanduvas e de Campo Grande, através de mensagens entregues aos seus visitantes. Também ficou provado que seis remessas de drogas e armas seriam de responsabilidade do grupo criminoso. O grupo operaria com duas bases no Paraguai, trazendo as drogas e armas por avião até o Paraná e depois transportando-as para o Rio de Janeiro. Beira-Mar foi condenado por crimes de tráfico de drogas, de armas e de lavagem de dinheiro, a pena de vinte e nove anos e oito meses de reclusão e multa. Outros treze réus que também atuaram nos crimes foram condenados. 56