Histórias de Vida III Apresentação Os fatos marcantes de uma rica história são reproduzidos através das vozes daquelas pessoas que, de uma forma ou outra, ajudaram a construir esta obra notável que é o Poder Judiciário do Rio Grande do Sul. Nada mais esclarecedor que observar o passado através de quem vivenciou os acontecimentos e que, por isso, melhor retrata a imagem de nossas conquistas realizadas ao longo do tempo. Isto mesmo considerando a História é sempre vista pela perspectiva de quem conta, daí a razão de inclusão de outros fatores na eleição dos fatos que o narrador traz ao conhecimento de quem o lê ou escuta. No Judiciário estes fatores tem influência minimizada. Afeito ao trato de assuntos controvertidos, o Juiz habitua-se a olhar os fatos e depurá-los das questões psicológicas, sociais e ideológicas, e tantas outras que interferem, formando um conjunto de fenômenos ou processos mentais, conscientes ou inconscientes, que determinam o agir de uma pessoa. Este afastamento do epicentro dos acontecimentos e a observação profissional, ajudam o magistrado a reservar na memória apenas aquilo que interessa: as referências sintéticas, as circunstâncias esclarecedoras e aquilo que é digno de figurar na história. O Juiz diferencia-se do observador comum na emancipação das diferenças de toda ordem, minorias, das igualdades e desigualdades circundantes. Cabe-lhe aceitar esta diversidade e interpretá-la. Na sociedade em que habita – por pouco, ou muito tempo – o Juiz observa a realidade e tem de conviver precisamente com entrecruzamentos de imagens e informações que lhe chegam através do processo ou da sua convivência na comunidade. Estas combinações devem ser feitas na sua memória. Deve, ainda, compreender a movimentação irrefreável de acontecer, de fatos que saturam o mundo transformando a sociedade numa história extremamente ágil, mutável, em transformação. De tudo isso, é testemunha. Para ele, valores humanos estarão sempre acima de quaisquer outros valores como universais permanentes, porém, a análise dos diferenciais para julgamento justo do indivíduo, sim, valerá dentro do seu contexto, da sua pequena aldeia com a sensibilidade e a perspicácia de observar a generalidade que consta das abismais distâncias culturais, econômicas e psicológicas entre um continente e outro, entre um país e outro, entre um grupo e outro, entre um indivíduo e outro. Reconheça-se: coexistem – contraditoriamente – em nossa sociedade os valores de massificação com seus valores previamente demarcados e os valores da individualidade embasados na heterogeneidade e senso crítico diferenciado. Assim, o julgador, o Juiz, terá de multifacetar-se para avaliar, analisar e compreender que a sociedade resulta como impossível de realizar-se de uma única maneira: dependendo de somente um governo ou tipo de poder, para um único princípio de verdade, de algumas poucas regras ou leis monolíticas, inflexíveis e irrefutáveis. Este é o caminho que percorre e por isso tem trânsito neste emaranhado que representa o te4cido social, hoje cada vez mais complexo. Resulta, então, sua importância na apreciação dos acontecimentos e a pureza do seu depoimento para a narração do Poder Judiciário do Estado. Dos Juízes esta performance espalha-se para os demais servidores do Judiciário. E também aos que lidam com o Direito e estão intimamente ligados aos fatos da instituição, como os advogados: ou, ainda, àqueles que, de uma forma ou de outra, atuaram em consonância com a administração da Justiça, seja como auxiliares do Juiz na difícil tarefa de julgar, seja como prestadores de serviços administrativos, como os que ajudaram a construir a grande cidade de fóruns existentes na Capital e interior do Estado. Enfim, o Judiciário acolhe e molda, à sua imagem de distanciamento dos fatos, inúmeras pessoas das mais diferentes atividades humanas, criando uma densidade de observadores capacitados. Muitos colegas tiveram e terão a oportunidade de expor esta compreensão e registrá-la para a posteridade neste Memorial. Mas um deles destacou-se porque deixou sua pacata vida de aposentado, dedicas às causas associativas, para entregar-se inteiramente ao projeto Memorial, em notável contribuição para a sua consolidação. Pedro Henrique Particheli Rodrigues, que honrou os quadros deste Tribunal como Desembargador, laborou com afinco na busca de melhores condições para concretização de seus objetivos. Por isso, no primeiro desta Histórias de Vida posterior a sua morte, a homenagem e o agradecimento a quem tanto dedicou-se à uma causa que ficará marcada nas gerações futuras. Desembargador Carlos Alberto Bencke Outubro de 2003.