2. Uma Comissão de Homenagem a Guilherme de Azevedo
Segundo o jornal O Século em 1885, Rafael Bordalo Pinheiro mostrou a sua
vontade de trazer de Paris para Portugal, os restos mortais do seu amigo e poeta
Guilherme de Azevedo, promovendo uma homenagem com o objectivo de angariar
fundos. Em Santarém, Joaquim Romão Duarte redactor de O Distrito de Santarém
apelou à população de Santarém para se constituir uma comissão e à Câmara
Municipal para liderar tal homenagem, com o objectivo de trazer os restos mortais do
conterrâneo para Santarém.
Afastado de Portugal para realizar o pavilhão de Portugal na Exposição
Universal de Paris, em 1889, Rafael Bordalo Pinheiro não conseguiu concretizar o seu
desejo, no entanto uma comissão de jornalistas em Lisboa, entre os quais estaria
certamente Magalhães Lima, continuava essa luta; também em Santarém, no início de
1892, se constituiu uma comissão com a intenção de reunir esforços e fundos para
materializar esse desígnio.
A 28 de Janeiro, desse ano, Bernardino Júlio dos Santos escreve à Câmara
Municipal para solicitar o seu apoio e liderança. Nesse mesmo dia, aprovou-se por
unanimidade a proposta de atribuição do nome de Guilherme de Azevedo à Travessa
do Sequeira onde se situava a casa onde nasceu.
Dois dias depois era publicado por “Fulvio”, no Correio da Estremadura, um
artigo afirmando que Santarém merecia ter os ossos de Guilherme de Azevedo,
apelando a “um pouco de dedicação e de dinheiro”, para se fazer justiça, terminando:
“honrar os mortos (…) é em que se cifra toda a sabedoria das nações”. José Eugénio
dos Santos, um poeta amador, cronista, comerciante e sócio de Manuel António das
Neves, escreve no mesmo jornal sobre a importância de Guilherme de Azevedo; à laia
de conclusão, aí se afirmava que Augusto Crespo era o colaborador efectivo que
representava o Correio da Estremadura nessa Comissão de Jornalistas1, à qual tinha
oferecido 6$000 réis para o mesmo fim.
1
Desta Comissão de Jornalistas fazia parte Pinheiro Chagas o responsável pelo Jornal de Domingo.
Em 2 de Abril, o Conde do Alto de Mearim, homem aparentado com Passos
Manuel, oferecia à comissão 200$000 réis, responsabilizando-se pela despesa que não
fosse coberta pelo resultado que a comissão escalabitana apurasse.
A 4 de Junho, a comissão de Santarém, reunia uma importante parte dos
amigos de Guilherme de Azevedo para realização de um Sarau que tinha por objectivo
a angariação de fundos. Neste Sarau participaram, em nome da comissão
organizadora, Júlio de Sousa, José de Almeida e Carlos Anachoreta; a orquestra estava
composta por músicos da Academia Bellini (1878), de Santarém, coadjuvada por sócios
da Academia de Amadores de Música de Lisboa, dirigidos pelo amigo de Guilherme de
Azevedo e compositor José Ferreira Braga2, recitaram poesia, Luís Trigueiros3 e Tavares
Serrano, um dos republicanos da primeira direcção do Clube Democrático Guilherme
de Azevedo; A. de Castro fez o elogio do extinto; os apontamentos musicais foram
desempenhados por variadíssimos executantes: Júlio Araújo, Augusto Montez, José do
Carmo [Lino de Sousa], Virgínia e Sebastiana Guimarães e Morais Palmeiro. De realçar
que a orquestra tocou a overture da mágica Flor Maravilhosa, com poema de
Guilherme de Azevedo, composta por Ferreira Braga, certamente para a peça de
teatro Língua de Dragão. Relevante foi também as presenças de importantes
representantes da imprensa da capital como Magalhães Lima (O Século), Luís
Trigueiros (A Tarde), Júlio Mascarenhas (Jornal de Comércio), Acácio Antunes e
Trindade Coelho, alguns nomes manifestamente republicanos.
Ora, tal empresa, manteve-se em aparente hibernação até que no dia 3 de Abril
de 1897, ao assinalar o 15º aniversário da morte de Guilherme de Azevedo, João
Arruda “aponta o dedo” à Comissão por não ter apresentado trabalho e contas.
Parece-nos que, em Lisboa, o Jornal do Comércio e o Correio da Manhã se referiram à
“esquecida e devida homenagem” a Guilherme de Azevedo, aos quais O Jornal de
Santarém respondeu a 11 de Abril, lamentando o atraso de cinco anos. A este artigo,
22
José Ferreira Braga foi fundador e redactor, com Guilherme de Azevedo, do jornal O Alfageme (1871),
publicista, compositor, maestro e, também, reconhecido numismata.
3
Luís Trigueiros era redactor de O Século, desde a sua fundação, em 1888 era colaborador do Jornal de
Santarém e, com Bernardino do Santos foi responsável pela homenagem desse jornal a Guilherme de
Azevedo, em 1889, nesta data, com Ferreira Braga dirigiu a revista escalabitana A Crónica.
respondeu, também, Manuel António das Neves, defendendo a hipótese de que com o
dinheiro apurado se deveria criar um prémio de nome “Guilherme de Azevedo”, a
entregar à criança que se distinguisse nos seus estudos.
Tal contenda prolonga-se durante todo o ano: chega-se à conclusão que o
dinheiro apurado não é suficiente para trasladar os ossos do escritor e construir o
desejado mausoléu (CE, 20-11-1897), criticando-se a falta da iniciativa da Comissão
para aplicar o dinheiro para construir por exemplo um busto. E, só a 11 de Dezembro
se destapa o véu: a propósito da notícia propalada pelo Diário de Notícias onde se
anunciava que os restos mortais do poeta não podiam ser restituídos ao seu país ou à
sua terra natal, tal como o conservador do cemitério de Saint-Ouen explicara: a cova
só estava paga para cinco anos e ninguém se lembrara de renovar esse pagamento, de
forma que ninguém se podia responsabilizar pela entrega dos seus ossos (CE, 11-121897).
Tal empresa estava antecipadamente votada ao fracasso. Mal sabiam os
escalabitanos que tais esforços seriam em vão, mal sabiam que tarde se elevaram os
seus desejos. Os ossos do poeta e cronista há muito tinham sido atirados à vala
comum por não terem sido reclamados dentro dos cinco anos estabelecidos.
Mas, apesar de considerarem terminados os seus trabalhos (CE, 25-12-1897), a
comissão escalabitana (assinando Alexandre Marques Sampaio, José Ferreira Braga,
Bernardino dos Santos, José Francisco Canha, Júlio César Henriques de Carvalho e
António Mendes Cabral), agora determinada a fazer erguer um busto como
homenagem ao ilustre conterrâneo, escreveu a Rafael Bordalo Pinheiro a solicitar a
sua cooperação como artista e amigo do escritor na concepção desse busto (espólio de
Rafael Bordalo Pinheiro, MRBP.ESP).
Consideramos que esta outra iniciativa da comissão não se chegou a
concretizar, pois não conhecemos nenhum busto de Guilherme de Azevedo, em
Santarém, com essa data, apesar de encontrarmos concluído o seu estudo por Rafael
Bordalo Pinheiro (MRBP), considerado por nós o seu mais sincero, dedicado e
fervoroso amigo.
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