Informação e análise para decisores • nº 30 • Outubro-Dezembro • 2010 Bastidores do espetáculo do crescimento Em cena, o convívio de velhos desafios e boas soluções no novo momento econômico do País Série “Brasil 2015” Contra a burocracia, em favor dos negócios e da sociedade Fome de cimento Construção civil acelera como nunca para transformar a infraestrutura do País Há vagas! Falta emprego? Não, pelo contrário; procuram-se profissionais qualificados O show precisa continuar S e um dia chegamos a viver incertezas sobre o futuro do Brasil e, até mesmo, tivemos dúvidas se encontraríamos soluções para o seu desenvolvimento, hoje, novas cortinas se abrem e revelam oportunidades nos quatro cantos do País. O palco do nosso ambiente de negócios se ilumina, sob os holofotes do crescimento brasileiro, atraindo atenções de empresas e investidores locais e do exterior. O ciclo de expansão que o País vivencia abre espaços de oportunidade tanto nos setores empresarial quanto profissional. “O palco do nosso ambiente de negócios se ilumina, sob os holofotes do crescimento brasileiro, atraindo atenções de empresas e investidores locais e do exterior.” É isso o que mostra esta edição de Mundo Corporativo, que dá sequência à série de reportagens especiais denominada “Brasil 2015 – as descobertas do crescimento”. Desta vez, tratamos de um dilema bem comum nos dias atuais e que precisa, de uma vez por todas, ser endereçado nos próximos anos: “Como crescer com tanta burocracia?”. Facilitar a realização de negócios e ofertar serviços de qualidade à sociedade brasileira precisam ser prioridade absoluta. Felizmente, como mostra a revista, já estamos trilhando o caminho da mudança, com esforços importantes de desburocratização, implementados em empresas do próprio setor público. Nesse mesmo contexto, a revista aborda outro desafio ao crescimento: a necessidade da qualificação da mão de obra, para responder às novas demandas do mercado. Por outro lado, quem já atrai aplausos é a construção civil, que apresenta forte aceleração, ajudando a moldar a nova infraestrutura brasileira. No Brasil dinâmico que vivemos, as lições de boas práticas podem vir de todos os lados. É o que conta nossa reportagem sobre as entidades do Terceiro Setor, que auxiliam as organizações em seus programas de responsabilidade social e dão o exemplo na boa gestão de projetos. Outros assuntos relacionados a este dinâmico momento da história econômica e de negócios do País também estão tratados nesta edição. A Deloitte, que sempre atuou em favor do desenvolvimento brasileiro, quer continuar participando ativamente desse processo de grandes transformações do País. Boa leitura! Juarez Lopes de Araújo Presidente da Deloitte Nesta edição 11 4 11 16 22 28 32 16 22 32 Especial – Série Brasil 2015 Um futuro com menos barreiras A segunda reportagem da série sobre alternativas e desafios em meio à perspectiva de expansão do País destaca o dilema “Como crescer com tanta burocracia?” Perspectivas Um país em obras Setores da construção civil e pesada e toda a cadeia da infraestrutura aceleram seu desenvolvimento para ajudar na transformação do Brasil Há vagas! Onde estão os talentos? No cenário atual, o maior problema não é a falta de trabalho, mas de profissionais aptos a ocupá-los – eis um dos grandes desafios para o crescimento do País Tendências A década do consumo verde Com um consumidor mais exigente por práticas sustentáveis, empresas investem mais em um nicho que tem tudo para deslanchar no Brasil: o “mercado verde” O peso dos intangíveis Marcas, carteira de clientes, programas de computador e tudo o que possa ser classificado como “ativo intangível” ganham evidência com as novas normas contábeis Gestão Um salto para o futuro Pequenas e médias empresas se preparam para o mundo das normas contábeis internacionais, atraídas pela perspectiva de crescimento e estabilização no mercado 37 Correntes do bem ONGs assumem programas de responsabilidade social de empresas e mostram que o Terceiro Setor já pode dar lição nos princípios da boa gestão de projetos 42 O mundo e a corporação Mundo Corporativo nº 30 Outubro-Dezembro 2010 • 3 Dilema do Brasil 2015: como crescer com tanta burocracia? Um futuro com Série Brasil 2015 As descobertas do crescimento Mundo Corporativo estreou, na edição anterior, uma série de reportagens que exploram alguns dos grandes dilemas pelos quais devem passar os decisores do meio corporativo ao longo deste e dos próximos anos, que coincidem com um período de alto potencial de crescimento para o Brasil. Depois de tratar, na edição 29, do dilema “crescer ou vender” – questão colocada a proprietários e gestores de empresas emergentes em um ambiente de consolidações –, a revista chama a atenção, desta vez, para um tema que se insere no chamado “Custo-Brasil”: a burocracia que atravanca o desenvolvimento dos negócios e da sociedade como um todo. Para aproveitar as oportunidades associadas ao crescimento econômico e ao potencial legado dos megaeventos esportivos de 2014 e 2016, o Brasil precisa acelerar o passo pela desburocratização. Os efeitos nocivos da burocracia já são bem conhecidos, mas as soluções ainda dependem de debates aprofundados – e também de bons exemplos. É justamente com bons exemplos, em particular de empresas do setor público que buscam a eficiência de sua gestão, que Mundo Corporativo expõe, nesta reportagem, que há razões para se acreditar na transformação. Afinal, no mundo todo, a desburocratização sempre foi um movimento que se inicia e se desenvolve, primeiramente, dentro da gestão pública. É o Estado, por meio da administração direta ou das estatais que lhe servem de apoio, o agente responsável pelo aprimoramento dos serviços públicos, pela otimização da aplicação dos impostos, pela simplificação dos processos exigidos das empresas e assim por diante. Com a gestão pública constantemente aprimorada – do ponto de vista da gestão de pessoas, tecnologias e processos –, a burocracia começa, enfim, a ceder. E, desse modo, o crescimento, de empresas e de todo o País, é efetivado. 4 • Mundo Corporativo nº 30 Outubro-Dezembro 2010 A 2ª reportagem da série sobre desafios e alternativas dos agentes de mercado em meio ao atual ciclo de crescimento do País expõe a urgência de acelerar a desburocratização do Brasil, em favor dos negócios e da sociedade. E destaca sinais de mudança, implementados em empresas do próprio setor público. Por Gleise de Castro R emuneração variável por mérito e baseada em avaliação por desempenho, capacitação, treinamento e plano de carreira único. Quem tiver bom desempenho pode ascender mais rapidamente e os cargos de confiança são preenchidos de acordo com um ranking de profissionais que acumulam mais pontos em seus respectivos postos. Nenhuma novidade nesses critérios, desde que a organização que os adote seja uma eficiente empresa privada. No entanto, trata-se de um modelo que se aplica a funcionários públicos da Companhia de Saneamento de Sergipe (Deso), que está revolucionando sua gestão de pessoas com um projeto previsto para ser aplicado em 2011. Casos de modernização no setor público, como o da Deso, podem ser observados em diferentes pontos do País e significam um passo importante quando se discute a necessidade de o Brasil acelerar o passo na entrega de serviços públicos de melhor qualidade. E, ao trilhar esse caminho, o Estado brasileiro e a gestão pública como um todo podem ajudar as empresas e toda a sociedade a enfrentar gargalos que hoje atravancam a competitividade do País perante outros grandes mercados emergentes do mundo. Em uma palavra, irão colaborar para a “desburocratização” do Brasil, em um movimento que envolve busca da eficiência pública, melhor menos barreiras aplicação dos impostos arrecadados, facilitação dos processos necessários à atividade empresarial e assim por diante. No caso da Deso, o objetivo é melhorar a prestação dos serviços de água e esgoto aos habitantes dos 75 municípios do Estado e diminuir as tarifas pagas por eles. “O gestor público tem de pensar na eficiência e usar a estrutura do bem público em benefício da população, com o mínimo possível de ingerência política. É preciso mudar o conceito de serviço público. Os funcionários têm de perder a imagem de que são diferentes”, diz o gaúcho Éverton Santos Teixeira, diretor administrativo e de Finanças da Deso. Seu projeto exemplar inserese em um trabalho mais extenso para melhorar a administração pública no País, englobado por um programa do Ministério do Planejamento. Para imprimir maior eficiência ao gasto público, o Programa Nacional de Apoio à Modernização da Gestão e do Planejamento dos Estados Brasileiros e do Distrito Federal (PNAGE) conta com US$ 155 milhões, dos quais US$ 93 milhões são financiados pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e US$ 62 milhões vêm de contrapartidas de Estados e da União. A desburocratização é um dos temas mais importantes de que o Brasil precisa tratar nos próximos anos para aproveitar as oportunidades do crescimento econômico. “O País está bem porque há crédito para todo mundo, mas, nas reformas necessárias, para termos mais eficiência, caminhamos muito pouco”, resume José Ricardo Roriz Coelho, diretor do Departamento de Competitividade e Tecnologia da Fiesp (Decomtec). “Temos hoje grandes entraves à competitividade de nossa produção, como carga tributária alta e os piores serviços.” A desburocratização já mereceu até um ministério, comandado pelo economista Hélio Beltrão na época do regime militar, entre 1979 e 1986, que nos legou o Juizado de Pequenas Causas e o Estatuto da Microempresa. Mundo Corporativo nº 30 Outubro-Dezembro 2010 • 5 Trata-se de uma necessidade premente do País, acelerada pelo intenso crescimento econômico nos último anos, associado às perspectivas positivas relacionadas aos megaeventos esportivos de 2014 e 2016, que não há mais como adiar e que estará na pauta da sociedade brasileira nos próximos anos. As duas conquistas demonstram que é possível chegar a soluções viáveis quando se debate o problema. “O movimento de modernização da gestão pública começou no governo Fernando Henrique e continuou no governo Lula. Há vários projetos de modernização da gestão de pessoas e de tecnologia, boa parte financiada pelo BID. O processo está demorando porque faltam projetos. Existe o dinheiro, mas falta pessoal técnico para elaborar os projetos”, diz Elias de Souza, gerente sênior da Deloitte dedicado ao setor público. Tal situação tende a mudar, com a aplicação de modelos modernos de gestão. “Nos próximos quatro anos, devemos assistir a uma reviravolta na gestão pública”, prevê Souza, ressaltando que essa perspectiva independe do quadro político nacional advindo das eleições de outubro. “Há vários projetos de modernização da gestão de pessoas e de tecnologia, boa parte, financiada pelo BID.” Elias de Souza, gerente sênior da Deloitte dedicado ao setor público 6 • Mundo Corporativo nº 30 Outubro-Dezembro 2010 Tal mudança na gestão pública é apenas um dos caminhos a serem trilhados para se chegar à desburocratização do Brasil, reduzindo também o peso excessivo de normas, procedimentos e exigências do Estado na vida das pessoas e das empresas. Estudo feito pelo Decomtec da Fiesp quantificou o custo do problema para o País, mostrando que o que se gasta anualmente com burocracia equivale a 2,84% da receita líquida da indústria de transformação, a 2,35% do consumo final das famílias, a 10,14% de investimento privado (pelo conceito “Formação Bruta de Capital Fixo”) e a nada menos do que 293,53% do montante aplicado por empresas privadas em pesquisa e desenvolvimento. E, com a quantia gasta com exigências burocráticas, os brasileiros poderiam comprar 155 milhões de fogões (2.088% sobre as vendas atuais), 213,6 milhões de micro-ondas (aumento de 7.862%), 87,7 milhões de televisores (mais 683%) e 780 mil automóveis (mais 33%) a cada ano. Rotinas burocráticas e possíveis soluções O estudo da Fiesp é pródigo em comparações e a que mais chama a atenção é a relacionada a outros países, extraída da pesquisa “Doing Business”, do Banco Mundial, que classifica os países de acordo com a facilidade para se fazer negócios. São usados para isso dez indicadores: abertura e fechamento de um negócio, obtenção de licença de construção, burocracia trabalhista, registro de propriedade, obtenção de crédito, proteção aos investidores, pagamento de tributos, comércio com o exterior e cumprimento de contratos. O Brasil ficou na 129ª posição em uma lista de 183 países, atrás de Colômbia (37º), Peru (56º) e Argentina (116º), com índice de 0,59, em uma conta que varia de zero (menos burocrático) a 1 (mais burocrático). A média dos países ficou em 0,49. Éverton Santos Teixeira, da Companhia de Saneamento de Sergipe: “É preciso mudar o conceito de serviço público.” Para combater o problema, o estudo dos empresários paulistas elenca um conjunto de propostas, começando pela simplificação dos procedimentos e regulamentos legais, fiscais, trabalhistas e tributários, a unificação dos sistemas de cadastro e do processamento de informações e a criação, em nível nacional, de centrais de atendimento integrado, como o chamado “Poupatempo”, de São Paulo. “Temos até cinco órgãos para um mesmo documento. Por que não centralizar tudo? Há dez regulamentos para a O tamanho da burocracia a ser enfrentada R$ 46,3 bilhões (ou 1,7% do PIB) Este é o custo anual da burocracia no Brasil, nas três esferas de governo R$ 20 bilhões Este é o gasto anual de empresas e cidadãos para lidar com a burocracia tributária Fonte: Departamento de Competitividade e Tecnologia da Fiesp (Decomtec) mesma coisa, cuja atualização não é igual e cujos textos dão margem a dúvidas. É preciso remover esses entraves redundantes e os controles cruzados e estimular mecanismos mais eficientes de controle e auditoria”, diz Roriz Coelho, da Fiesp. Outra pesquisa recente, encomendada pela Câmara Americana de Comércio (Amcham) ao Ibope, acrescenta outras propostas de empresas para diminuir a complexidade dos entraves burocráticos no Brasil, como o aumento da eficiência da gestão, a punição rápida aos infratores, para reduzir a chance de corrupção, e o cadastro positivo único de idoneidade fiscal. O trabalho também fornece mais informações sobre os impactos negativos da burocracia. Para 91% das empresas consultadas, ela retarda a concretização de negócios. A cada ano, as empresas gastam, em média, R$ 263 mil para dar conta de todos os procedimentos. Para manter as atividades formalizadas e regularizadas, precisam contratar profissionais com conhecimento específico. Esse pessoal representa, em média, 25% do quadro de funcionários, o que foi também constatado no trabalho da Fiesp, que cita exemplos como o da Gerdau. Em uma fábrica típica nos Estados Unidos, a empresa brasileira tem duas pessoas responsáveis pela área tributária. Em uma planta similar no Brasil, ela precisa empregar 200 pessoas. Na Dow, o departamento de administração tributária emprega 25 funcionários no Brasil, o dobro do que é necessário em suas fábricas da Argentina, do México, da Venezuela e do Chile juntas. Não é à toa que, para 62% das 211 empresas consultadas na pesquisa da Amcham/Ibope, sua lucratividade aumentaria se fosse possível eliminar as rotinas burocráticas para atender às exigências do poder público. “Um sócio importante das empresas hoje é o Fisco, que fica com uma boa parte do lucro só em impostos”, concorda Cristina Arantes Berry, sócia da área de Consultoria Tributária da Deloitte. Quando se fala em impostos, a criatividade no Brasil não poderia ser maior, seja na criação de tributos, seja na complexidade de suas bases de cálculo. São mais de 50, entre impostos, taxas e contribuições. “Nos Mundo Corporativo nº 30 Outubro-Dezembro 2010 • 7 Polícia com tecnologia de padrão mundial A Polícia Militar (PM) do Estado de São Paulo tem uma experiência importante, entre os casos bemsucedidos de modernização do setor público no País. Tanto que está prestes a fornecer tecnologia para uma das forças públicas mais avançadas do mundo, o Departamento de Polícia de Nova York (NYPD). As duas corporações firmaram um acordo de cooperação tecnológica e o NYPD se interessou por um conjunto de softwares desenvolvidos pela PM paulista, que permite localizar, em um mapa, informações sobre criminosos e as viaturas policiais mais próximas dos locais de onde se originam chamadas de emergência, para distribuição inteligente do policiamento. “Na Polícia Militar de São Paulo, a modernização tecnológica é constante. Em infraestrutura de TI, é tão boa quanto as melhores do mundo. O que há de moderno no mundo, ela tem”, diz o coronel João Antonio Ferreira, diretor de Telemática da PM do Estado de São Paulo. A polícia de Nova York ficou sabendo dos softwares da polícia paulista por meio de fornecedores comuns. Uma equipe da PM estava prevista para desembarcar em Nova York em outubro, para apresentar seu sistema e conhecer o de lá. “Vamos ver o que há de bom nos dois lados e, com isso, fecha-se o intercâmbio”, explica o coronel Ferreira. Coronel João Antonio Ferreira, da PM do Estado de SP: softwares que já inspiram a polícia de Nova York 8 • Mundo Corporativo nº 30 Outubro-Dezembro 2010 Os investimentos tecnológicos são uma prática antiga na polícia paulista. “Nossos oficiais desenvolvem tecnologia há muito tempo. Nosso serviço de comunicação é de 1932 e nosso Centro de Processamento de Dados é da década de 60. Temos um parque tecnológico de mais de R$ 1,1 bilhão, que inclui computadores, rádios e sistemas de câmeras para aumentar o alcance do policiamento”, diz o coronel. A rede de rádio, por exemplo, atende a 70% da população do Estado em um sistema de comunicação digital à prova de escuta clandestina. As ocorrências e os telefonemas são registrados em um sistema de informação em rede que permite deslocar a viatura mais próxima no menor tempo possível. A área de TI conta com uma equipe de 290 policiais, dos quais 17 com mestrado ou doutorado, e 130 profissionais especializados contratados pela PM, que desenvolve seus programas e aplicações de segurança. Os avanços estão disponíveis às PMs de outros Estados e já foram adotados pelas do Amazonas e do Piauí, que, segundo Teixeira, já estão adiantadas na montagem da infraestrutura e no treinamento de pessoal. Um convênio com a Prefeitura de São Paulo também vai permitir que o sistema seja compartilhado com a Guarda Civil Metropolitana, a exemplo do que ocorre com a Prefeitura de São José dos Campos (SP). Estados Unidos, existe a sales tax (tributo sobre vendas), que é acrescida ao preço final. Aqui os tributos são muitos e incidem, em alguns casos, sobre as mesmas bases, em uma complexidade muito grande e difícil de ser entendida por investidores estrangeiros”, diz Cristina. Ao quadro de problemas criados pela burocracia se somam funcionários públicos desmotivados, resultado de antigas heranças. Efeito disso é o desafio que vigora no modelo de gestão atual da Deso, de Sergipe. A começar pela existência de dois grupos de funcionários na empresa – um deles reúne quem entrou antes de 1988, quando os concursos não eram obrigatórios no País, e o outro, uma nova leva de pessoas que passaram em um concurso de 2003. São dois planos de carreira diferentes e jornadas distintas, de seis horas para uns e de oito horas para outros. “O novo plano visa colocar todos no mesmo patamar”, explica o diretor Administrativo e de Finanças, Éverton Teixeira. Além disso, haverá transparência nas indicações para cargos de confiança, já que vai ficar mais difícil escolher alguém de fora da lista dos mais pontuados, o que deve diminuir, quem sabe, a ingerência política. Quando a tecnologia faz a diferença Não por acaso, o executivo que comanda as mudanças na estatal de Sergipe veio do quadro de funcionários do Banco do Brasil (BB), onde trabalhou por 32 anos. Seu último posto foi o de superintendente no Estado. O banco criado por D. João VI há 202 anos, hoje uma empresa de controle misto administrada pelo Estado, destaca-se na governança corporativa e de tecnologia, quando comparado com estatais e com bancos privados. No ambiente competitivo do setor financeiro, em que os grandes bancos disputam clientes com lançamentos sucessivos de produtos e serviços, a diferenciação tecnológica é uma vantagem e o aprimoramento tecnológico, uma constante. Para fazer frente a esses desafios, o BB desenvolve um projeto para a reformulação de sua área de tecnologia. O objetivo é a melhor eficiência na resposta da tecnologia às necessidades estratégicas do banco. Sergio Biagini, gerente sênior da área de Consultoria Empresarial da Deloitte, dedicado a instituições financeiras, lembra que “o Banco do Brasil sempre teve um espírito inovador e de prestação de serviços ao cliente; foi um dos primeiros a lançar o mobile banking, além de inovar em produtos e serviços para o segmento corporativo”. A modernização do BB, segundo Biagini, é sustentada por três pilares: profissionalização, busca constante pela eficiência e informatização, tudo isso se refletindo em melhores resultados financeiros e liderança no mercado nacional. Com esses diferenciais, não se admira que a integração da Nossa Caixa, adquirida pelo BB em 2008, tenha sido concluída em apenas oito meses, seis a menos do que o previsto. “A integração foi muito mais rápida do que o mercado imaginava e bem-sucedida, pois tivemos pouquíssimos problemas. Nos terminais das agências, foi aplicada uma solução muito engenhosa. Uma pessoa que, na sexta à noite, era cliente da Nossa Caixa, no sábado, já pode fazer uma transação como cliente do Banco do Brasil”, relata Anderson Itaborahy, gerente executivo e responsável por alguns dos projetos estratégicos do banco. “Aqui os tributos são muitos e incidem, em alguns casos, sobre as mesmas bases.” Cristina Arantes Berry, sócia da área de Consultoria Tributária da Deloitte Itaborahy nota que o negócio bancário hoje é fortemente baseado em Tecnologia da Informação (TI), porque o dinheiro se virtualizou e as operações são feitas online. “Estamos constantemente buscando inovações, pois a exigência do cliente cresce muito. É por meio do uso intensivo de tecnologia que o Banco do Brasil consegue operar uma base de 54 milhões de clientes em um País tão extenso e diversificado como o nosso”, diz ele, para explicar por que o BB resolveu rever e aperfeiçoar seu modelo de governança tecnológica. O projeto é dividido em duas etapas, começando pelo diagnóstico dos pontos fortes e fracos dos modelos disponíveis no mercado. A partir daí, começa a fase de implantação, que deve ser concluída até julho de 2011. “Saímos com algumas dezenas de processos novos. Não que tudo tenha sido reinventado, mas é preciso evoluir constantemente, porque a tecnologia muda”, explica o gerente executivo do BB. Mundo Corporativo nº 30 Outubro-Dezembro 2010 • 9 Cingapura, a ilha da globalização País asiático desponta como o paraíso da desburocratização, com um sistema que privilegia a facilitação dos negócios, a atração dos investimentos e a prevenção à corrupção Menos entraves burocráticos também significam menor chance de corrupção, o que se traduz em um ambiente mais aberto para a realização de investimentos. Estes podem se tornar mais diversificados, em relação tanto à sua origem quanto ao leque de setores a que se destinam, e o resultado final é o estímulo ao desenvolvimento econômico. Cingapura, a pequena ilha e cidade-Estado asiática, é exemplo disso. Sua altamente desenvolvida economia, que combina abertura de mercado, estabilidade financeira e um dos mais altos índices de renda per capita do mundo, floresce em uma atmosfera transparente e livre de corrupção, atraindo investimentos de mais de 3 mil multinacionais. No ranking anual sobre percepção de corrupção da ONG Transparência Internacional, divulgado no fim de 2009, Cingapura ficou entre os países menos corruptos, com índice de 9,2, atrás apenas de Nova Zelândia (9,4) e Dinamarca (9,3). Já o Brasil ficou em 75º lugar entre os 182 países da lista. Em outra pesquisa divulgada neste ano pelo Wall Street Journal e pela Heritage Foundation, sobre liberdade econômica, o país asiático ficou em segundo lugar, depois de Hong Kong, em uma relação de 179 nações. Em uma prova de quanto a burocracia pode dificultar negócios e investimentos, o Brasil ficou em 113º lugar. Abrir, operar e fechar um negócio aqui, constata o estudo, são iniciativas limitadas pela forte regulação, enquanto a potencial corrupção é um dos empecilhos ao seu desenvolvimento. A força da economia de Cingapura pode ser constatada pela rapidez com que se reergueu do grande baque sofrido com a crise econômica mundial de 2008/2009. No primeiro semestre de 2010, o crescimento econômico chegou a 17,9% em relação ao mesmo período de 2009, e a previsão é de que encerre o ano entre 13% e 15% de aumento. Com a expansão do turismo e das exportações, sua economia já havia registrado no segundo trimestre uma taxa anualizada de 26%. Com isso, o país pode vir a encabeçar a lista das nações com crescimento mais rápido. No processo de recuperação da Ásia, vizinhos como Índia e Malásia precisaram elevar os juros, enquanto Cingapura precisou ajustar sua taxa cambial. Com uma população de 4,7 milhões de pessoas e renda per capita de US$ 50,3 mil, Cingapura tem uma economia fortemente sustentada pelo setor de serviços (72,4%), seguido 10 • Mundo Corporativo nº 30 Outubro-Dezembro 2010 pela indústria (27,6%). Dos tempos de colonização, acumula experiência como um dos grandes entrepostos de comércio do império britânico, além de herdar um sistema legal e um idioma (o inglês é uma das línguas oficiais) que favorecem os negócios. Investimentos em educação, formação profissional e tecnologia foram incentivados por isenções fiscais e constituem uma das chaves do sucesso da pequena ilha asiática, que hoje atua como intermediário financeiro, embarcando matérias-primas como borracha, madeira e condimentos, oriundas do Sudeste da Ásia em troca de produtos acabados do mundo todo. Em Cingapura, o comércio exterior também floresce livre de controles e medidas protecionistas. Quase 96% de suas importações entram no país sem pagar tarifas, enquanto as exportações também desfrutam dos mesmos privilégios, com exceção de restrições ditadas por acordos bilaterais. Seus principais parceiros comerciais são Estados Unidos, Malásia e Japão. Como o único recurso natural da ilha é seu porto de águas profundas, ela depende da reputação de ter um governo livre de corrupção, assim como de uma bem preparada e altamente educada força de trabalho. Exemplo asiático Agilidade e atualização tecnológica seriam muito bem-vindas a muitas outras áreas do setor público, como atesta o empresário Rodrigo Giraldelli, da trading Prado Giraldelli, de Maringá (PR). Especializado em mercados asiáticos, ele é testemunha de quanto as condições de comércio exterior no Brasil poderiam melhorar caso se espelhassem nas daqueles países. Nas compras que faz na China, por exemplo, são exigidos apenas três documentos: fatura, lista descritiva da mercadoria e instrução de embarque. Depois de pronto, o produto leva 30 dias no mar para chegar no Brasil. E aqui, só para ser liberado, leva até 20 dias. Bem antes disso começa uma rotina trabalhosa. O importador precisa se cadastrar no Siscomex (Sistema Integrado de Comércio Exterior) da Receita Federal, mediante o preenchimento de 21 pontos de documentação, 5 formulários e 16 documentos. Precisa também ir ao banco e mudar o status de sua conta, para poder enviar o dinheiro para o exterior, fazer um contrato e guardá-lo para a hora do desembarque. Quando a mercadoria chega, é preciso ainda enfrentar cinco sistemas, incluindo os da Marinha Mercante e da Receita Federal. Se isso demorar muito, o navio pode acabar indo embora antes de a mercadoria ser liberada, pois os portos estão saturados e as embarcações têm janelas de atracação. “Os entraves são muito grandes”, diz Giraldelli. “A gente pode ser romântico e imaginar que eles estão protegendo a indústria nacional, mas o importador paga todos os impostos, como a indústria. Essas exigências prejudicam, na verdade, o empreendedor.” Em uma viagem pela China, em 2007, o empresário notou que, ao lado dos trilhos onde corria o seu trem, havia um longo terreno aplainado para a construção de outra linha. Quando voltou ao mesmo lugar, 13 meses depois, na linha ao lado, já havia um novo trem em operação. Considerando o antigo apreço por papéis e carimbos dos chineses, Giraldelli não imaginava tal rapidez. “As coisas andam na China”, diz. A julgar pelos projetos de modernização que começam a se replicar pelo Brasil, o mesmo ainda pode (e precisa) vir a acontecer por aqui. Um país em obras Setores da construção civil e pesada e toda a cadeia da economia ligada ao desenvolvimento da infraestrutura aceleram como nunca, diante dos desafios proporcionados pelo crescimento do Brasil e pela necessidade de adequá-lo à realização dos grandes eventos esportivos. Por Luciano Correia A mistura entre alta dos índices de emprego formal, aumento da renda e maior acesso a crédito tem ampliado, nos últimos anos, o apetite de crescimento do segmento de construção civil no País. Um misto de demanda habitacional reprimida por décadas com o movimento de reposição natural de moradias – que ganhou força pelo fato de que parte da população ascendeu socialmente e agora se sente segura para adquirir uma nova casa – puxa o movimento, cujos reflexos são visíveis em toda a cadeia. Mundo Corporativo nº 30 Outubro-Dezembro 2010 • 11 A Andrade Gutierrez está entre as construtoras que participam das maiores obras em curso no País, como o trecho Sul do Rodoanel, em São Paulo As empresas, atentas à necessidade de acompanhar a demanda, vêm retomando projetos e planos, afirma José Domingos do Prado, sócio da Deloitte responsável pelo atendimento às empresas dos setores imobiliário e de construção. “Passada a capitalização da Petrobras, que, por suas dimensões, concentrou as atenções do mercado, haverá muita retomada” (para os segmentos da cadeia imobiliária e de construção). Segundo Prado, várias empresas do setor que já têm capital aberto preparam novas captações por meio do lançamento de ações ou mesmo de instrumentos de dívida, como debêntures. Há, no entanto, aquelas que estão em situação privilegiada para aproveitar o bom momento, como as que ainda têm recursos para acelerar o ritmo de atuação. É o caso da BrasilBrokers, maior grupo de intermediação e consultoria imobiliária do País. Constituída em 2007, no auge do mercado de capitais local, a companhia aproveita o fato de ter levantado mais de R$ 300 milhões em sua oferta inicial de ações para dar sequência a dois objetivos centrais: levar à frente sua estratégia de atuação nacional e ser uma das consolidadoras de um segmento ainda muito fragmentado em pequenas empresas regionais. “Estamos em 16 Estados, em todas as regiões do País, e o objetivo é aproveitar o bom momento para ganhar espaço nos principais mercados, casos de São Paulo, Brasília e Curitiba”, detalha o diretor de Operações da companhia, Alexandre Fonseca. Ao contrário da construção civil, que havia freado preventivamente investimentos no momento mais agudo da crise internacional e necessitou de programas de estímulo governamental do tipo “Minha Casa, Minha Vida” para não desaquecer, os setores ligados à construção pesada saíram praticamente ilesos do vendaval financeiro. E, impulsionados pela exploração da camada pré-sal, por grandes obras de infraestrutura, pela retomada de projetos de mineração e siderurgia e pela necessidade que o País tem de preparar-se para os grandes eventos esportivos, como a Copa do Mundo de 2014 e a Olimpíada de 2016, trabalham com perspectivas bastante otimistas para os próximos anos. “Se o andamento das grandes obras dependesse apenas da vontade das empresas, o ritmo estaria muito mais adiantado, mas os governos, principalmente os estaduais, ainda têm de desenhar e definir adequadamente a modelagem jurídica de muitos desses negócios.” José Domingos do Prado, sócio da Deloitte responsável pelo atendimento às empresas dos setores imobiliário e de construção civil, comentando os projetos relacionados aos grandes eventos esportivos 12 • Mundo Corporativo nº 30 Outubro-Dezembro 2010 Um exemplo disso são as grandes empreiteiras, que começam a demarcar território na disputa pelas principais obras. A Andrade Gutierrez está participando de quase todas – de projetos que envolvem a construção de ferrovias a arenas esportivas. Considerando apenas a reforma e construção de estádios de futebol, a empresa está envolvida em três grandes projetos. Dividirá a reforma do Maracanã, no Rio de Janeiro, com a Odebrecht, e participa da construção da Arena Amazônia e da reconstrução do estádio Mané Garrincha, em Brasília, aquele que deve ser a segunda arena mais cara do evento. Fora isso, a Andrade participa de vários projetos para aumentar a capacidade de fornecimento de energia elétrica. Um deles é a construção da usina de Angra 3, obra com 2 mil funcionários e fundamental para ampliar a oferta de pontos de iluminação no Estado do Rio de Janeiro ao longo da Olimpíada de 2016. Outro grande projeto nessa área e no qual a organização está engajada é o “Luz para Todos”. “Somos responsáveis por 10% desse projeto, que tem como meta levar 2 milhões de pontos de luz a áreas rurais”, afirma Clovis Primo, diretor da Andrade Gutierrez, que acredita que ainda há muito espaço para o surgimento de novos negócios, principalmente pela necessidade que as 12 cidades que irão sediar a Copa de 2014 terão em melhorar a sua infraestrutura, para além da criação e revitalização de praças esportivas. O crescimento econômico e as diversas frentes que o estimulam trouxeram para o dia a dia dos empresários um grau maior de previsibilidade. Com negócios iminentes, fica mais fácil planejar e buscar recursos para sua execução. Foi essa segurança que permitiu que a Mills, tradicional empresa de engenharia fundada em 1952, realizasse sua oferta de ações na bolsa paulista em maio deste ano. Com a operação, que levantou mais de R$ 420 milhões às vésperas de o mercado acionário ter fechado por novos problemas na economia europeia, a organização conseguirá levar à frente um ambicioso projeto de expansão. No total, será investido mais de R$ 1 bilhão. Além do montante obtido com a Mundo Corporativo nº 30 Outubro-Dezembro 2010 • 13 O boom da construção no Brasil A construção civil apresenta um número de ofertas de ações muito superior a qualquer outro setor, reflexo das demandas, oportunidades e perspectivas em um momento de franca expansão econômica do País 9,5 11 Movimentação de ofertas de ações por setor Janeiro de 2009 a setembro de 2010 7,1 8 36,4 6 4,1 4 Construção civil Atividades financeiras Transporte Valor das ofertas (R$ bilhões) 8,6 3 Alimentos 0,6 2 Informática, TI e internet 1,3 2 Comércio 2,3 2 Farmacêuticos e higiene 1,2 2 Energia elétrica 120,2 1 Petróleo e gás Outras atividades Número de ofertas Fonte: Research – Deloitte (a partir da consolidação de dados da BM&FBovespa e da Comissão de Valores Mobiliários – CVM) oferta de ações, a empresa também utilizará sua geração de caixa. Os planos incluem utilizar o dinheiro para dobrar o número de filiais – para 40 – e investir em compra de equipamentos ainda pouco comuns no Brasil, casos de plataformas aéreas utilizadas para levar cargas e pessoas a grandes altitudes, além de crescer organicamente. “Os investidores entenderam bem que, embora sejamos muito beneficiados pelo setor de engenharia e construção, não somos sujeitos aos mesmos riscos”, acredita o presidente da empresa, Ramon Vazquez. A Mills conta com quatro áreas, cada uma delas respondendo a um segmento específico do mercado: Construção (fornecendo formas e escoramentos para obras e construção pesada), Jahu (produzindo andaimes para obras residenciais e comerciais), Serviços Industriais (atuando com pintura e isolamento térmico) e Rental (voltada à venda e locação de plataformas aéreas e outras máquinas para construção pesada). Assim, ela é um caso clássico de empresa que consegue usufruir do bom “A grande maioria das obras urbanas e até mesmo as de estádios está atrasada. O Brasil precisa estar atento para não perder essa grande oportunidade, que veio acompanhada de uma responsabilidade proporcional.” Joseph Young, responsável pelo ranking das empresas da revista “O Empreiteiro” 14 • Mundo Corporativo nº 30 Outubro-Dezembro 2010 momento dos setores de construção e infraestrutura e da cadeia de exploração de óleo e gás do País. Para bem além dos Jogos Aproveitar a realização dos principais eventos esportivos em solo brasileiro para melhorar a infraestrutura doméstica e deixar um legado – reforçando o transporte público e fazendo despontar as vocações de cada cidade, a exemplo do que fez Barcelona, na Espanha, nos Jogos Olímpicos de 1992 –, não será uma tarefa trivial. “Exige tempo e planejamento adequado. A grande maioria das obras urbanas e até mesmo as de estádios está atrasada. O Brasil precisa estar atento para não perder essa grande oportunidade, que veio acompanhada de uma responsabilidade proporcional”, alerta Joseph Young, diretor da revista O Empreiteiro, que recentemente preparou um ranking que situa a posição das 500 principais empresas brasileiras do segmento. O levantamento destaca que as receitas das gigantes empreiteiras, que concentram a maior parte das obras de grande porte, serão bastante beneficiadas pela realização desses eventos no País. “Se o andamento das grandes obras dependesse apenas da vontade das empresas, o ritmo estaria muito mais adiantado, mas os governos, principalmente os estaduais, ainda têm de desenhar e definir adequadamente a modelagem jurídica de muitos desses negócios”, pondera Prado, da Deloitte. Parte desse tempo perdido deve ser recuperada com a passagem do processo eleitoral, que impede – por lei – que alguns investimentos e decisões sejam tomados antes e durante o pleito, aponta Leonardo Moreira, sócio do escritório de advocacia Azevedo Sette. A banca assessora, atualmente, diversos projetos relacionados à infraestrutura. “O movimento de prospecção é intenso em várias áreas. Há investidores estrangeiros interessados em participar de grandes projetos de ferrovias, tratamento de resíduos sólidos, saneamento, aeroportos e, até mesmo, de Parcerias Público-Privadas (PPPs) em hospitais. O movimento do início do próximo ano será muito forte, só encontrando paralelo à época das grandes privatizações”, compara o advogado. Ramon Vazquez, da Mills: depois de um bem-sucedido IPO em 2009, a empresa de engenharia se prepara para um projeto de expansão de R$ 1 bilhão Limites para o crescimento A discussão não é propriamente nova, mas volta à tona sempre que as nuvens da crise se afastam do Brasil e o País caminha rumo ao crescimento, distanciando-se hoje dos problemas que afligem os Estados Unidos e, principalmente, a Europa. A grande questão é até quando os problemas estruturais – ressaltados com falhas em infraestrutura, transporte e logística – vão impedir que o Brasil avance em direção às nações desenvolvidas. Alimentada pelos segmentos de construção civil e pesada, essa discussão volta a aparecer. E preocupa especialistas. “Grandes obras da indústria de óleo e gás e construção pesada que necessitam de equipamentos como guindastes e motoniveladoras já pressionam fornecedores de máquinas. Há dois anos, antes da crise, a oferta já não estava acompanhando a demanda, o que pode voltar a acontecer já no primeiro semestre de 2012”, acredita Luiz Fernando Santos Reis, presidente do Sindicato Nacional da Indústria da Construção Pesada (Sinicon). Reis, que também é um dos executivos da Carioca Engenharia, aponta que as empresas do segmento estão habituadas à sazonalidade do mercado. Por isso, costumam manter apenas um parque mínimo de materiais, indo às compras com intensidade quando a demanda por obras aumenta, o que já acontece. Contudo, não é apenas nos tradicionais gargalos da economia brasileira que o interesse por investimentos em construção civil, infraestrutura e construção pesada começa a ganhar maior visibilidade. Pelo lado do financiamento de projetos e empresas, por exemplo, há um interesse cada vez maior de investidores em aplicar no setor. Dos grandes fundos de pensão às pessoas físicas, os títulos de dívida atrelados a obras, construção ou projetos – tendo à frente os Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs) – são considerados atraentes e seguros. Para Robertson Emerenciano, sócio do escritório de advocacia Emerenciano, Baggio e Associados, outra ponta visível do interesse de investidores nos segmentos é a procura de estrangeiros por novas oportunidades no País. “Há empresas querendo entrar no segmento de construção civil por meio de aquisição de operações locais. Grandes escritórios internacionais de engenharia e arquitetura também buscam se posicionar no mercado local”, diz. Querem aproveitar o bom momento – e as ótimas perspectivas de crescimento da economia brasileira – para atuar na cadeia de fornecedores e prestadores de serviços. Mundo Corporativo nº 30 Outubro-Dezembro 2010 • 15 Há vagas! Onde estão os talentos? No novo ciclo econômico, o maior problema não é a oferta de postos de trabalho, mas a falta de profissionais capacitados para ocupá-los. A baixa qualificação de grande parcela da população é o novo grande desafio do desenvolvimento de um país que precisa, enfim, priorizar a educação. Por Eugênio Melloni C onhecidos como a “década perdida” pelo longo período de estagnação econômica, os anos 80 ficaram marcados também pelos altos índices de desemprego, consequência direta da economia desarrumada de um país que parecia mergulhado em uma crise eterna. A década que se avizinha, no entanto, promete ser a antítese daquela época: a expectativa é a de que o Brasil experimente um longo e sustentado ciclo de prosperidade econômica, embalado por uma diversidade de fatores, que vão da exploração das gigantescas reservas de petróleo da camada pré-sal até a realização dos dois maiores eventos esportivos mundiais: a Copa do Mundo de Futebol, em 2014, e a Olimpíada de 2016. 16 • Mundo Corporativo nº 30 Outubro-Dezembro 2010 O que parece ser a ocasião perfeita para um casamento entre a oferta e a demanda por trabalho, contudo, está esbarrando, de antemão, em um dilema que já afeta todos os setores da atividade econômica brasileira: como pavimentar o vão entre as demandas proporcionadas pelas perspectivas positivas, que exigem mão de obra de alto nível, e a grande parcela de profissionais com baixa qualificação? Quando se fala em queixa, as corporações são unânimes: boa parte dos trabalhadores brasileiros apresenta sérias deficiências, envolvendo, em muitos casos, a falta de habilidades básicas, que evidenciam os efeitos da deterioração das condições da educação no País. Por isso, as próprias corporações assumem para si, cada vez mais, a tarefa de formar a sua mão de obra por meio de programas de capacitação e treinamento. A falta de capacitação é um dos sérios desafios do Brasil, ao lado dos temas “infraestrutura”, “inovação” e “reconhecimento internacional”, diagnosticados pelo estudo “Brazil unbound: How investors see Brazil and Brazil sees the world” (“Como os investidores veem o Brasil e como o Brasil vê o mundo”). O estudo, realizado em parceria pela Economist Intelligence Unit (EIU), do grupo The Economist, e pelo banco HSBC, foi produzido a partir de sondagens realizadas com 536 executivos seniores em todo o mundo. Desse total, um terço apontou a falta de experiência profissional como uma de suas maiores dificuldades operacionais. Entre as empresas norte-americanas consultadas, 47% delas consideraram o problema o seu grande desafio. Mundo Corporativo nº 30 Outubro-Dezembro 2010 • 17 O estudo alinha uma série de dados e informações ainda mais preocupantes. Por exemplo: em 2008, 20% da população economicamente ativa não podia ler, escrever ou entender textos básicos – o que representou um ligeiro avanço em relação a um nível de 25% de analfabetismo funcional registrado cinco anos antes. Para essa pesquisa, foi ouvido o mexicano Alberto Rodriguez, especialista em educação do Banco Mundial, que já atuou no Brasil e que diz que, em 2008, somente a metade das crianças brasileiras completou o ensino secundário, o que consiste na segunda maior taxa de evasão escolar do mundo, inferior apenas à registrada em Moçambique. A qualidade do ensino para a maioria das crianças, que dependem da escola pública, é baixa, com falhas estruturais que abrangem a falta de infraestrutura e treinamento adequados para os profissionais da educação. Segundo o estudo, os professores também são parte do problema, lembrando que há relatos de que, em algumas escolas, os computadores que seriam utilizados como apoio para o aprendizado dos alunos permanecem encaixotados porque não há quem saiba utilizá-los. O levantamento ressalva, porém, que houve alguns progressos na educação no País, como o fato de todas as crianças com idade entre 7 e 14 anos estarem na escola. Houve ainda o incremento na média do número de anos de estudo formal, que passou, em 20 anos, de uma média de 5,2 para os atuais 7,1 anos em 2008. Porém, de acordo com o relatório, o Brasil ainda não atingiu o nível recomendado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), o qual foi alcançado pelos vizinhos Argentina, Chile e Peru. “Já se sabia, há 15 anos, que, quando o País voltasse a crescer, faltariam profissionais capacitados, por conta da falta de investimentos na educação.” Stella Trad, do Instituto Ecosocial 18 • Mundo Corporativo nº 30 Outubro-Dezembro 2010 Os reflexos dessas condições no desempenho dos alunos brasileiros pôde ser medido em testes da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), aplicados, em 2006, a jovens de 15 anos em 57 países. Os alunos brasileiros ficaram na 53ª posição em matemática, 52ª em ciências e 48ª em leitura. E há consequências maiores e mais graves. O trabalho lembra que, há 30 anos, Brasil e Coreia do Sul apresentavam níveis de Produto Interno Bruto (PIB) per capita similares, destacando que, hoje, os sul-coreanos exibem números três vezes maiores. Segundo o estudo da OCDE, a educação é uma das razões para essa discrepante evolução. Foco na qualidade “As políticas públicas no Brasil buscaram, ao longo das últimas décadas, combater o analfabetismo e promover a democratização do ensino, mas permanece ainda o desafio de prover qualidade ao ensino, que deixa muito a desejar”, avalia a professora Norma Sandra de Almeida Ferreira, coordenadora associada do Curso de Pedagogia da Faculdade de Educação da Unicamp. Ela lembra que os esforços dos governos se concentraram em, primeiramente, reduzir as taxas de analfabetismo, o qual, nos anos 50, chegou a afetar a metade da população brasileira. “O fato é que nós ainda procuramos, nos últimos anos, atender a demandas que foram resolvidas em outros países ainda no século 19”, diz a professora. “Com o desenvolvimento tecnológico, que implica, entre outros fatores, a adoção de uma nova linguagem, a educação precisa se abrir para isso e passar a receber investimentos na melhoria da sua qualidade.” Norma ressalva que ocorreram avanços na educação ao longo dos últimos anos, mas não foram realizadas, segundo ela, modificações estruturais de fundo, que proporcionassem maior qualidade ao estudo. Trabalhando na ponta do recrutamento da mão de obra, Stella Trad, do Instituto Ecosocial, considera que o atual “apagão” na oferta de mão de obra “é uma profecia que se materializa: já se sabia, há 15 anos, que, quando o País voltasse a crescer, faltariam profissionais capacitados, por conta da falta de investimentos na educação”. Stella destaca, Norma Sandra de Almeida, da Unicamp: “Ainda procuramos, nos últimos anos, atender a demandas que foram resolvidas em outros países ainda no século 19.” Mundo Corporativo nº 30 Outubro-Dezembro 2010 • 19 Pessoas no tamanho da oportunidade Além de contratar profissionais capacitados, as empresas estão preocupadas também em redimensionar os seus quadros para o novo momento econômico O crescimento econômico brasileiro está levando as empresas a enfrentarem outro desafio em relação ao seu capital humano, tão importante quanto contar com trabalhadores capacitados: redimensionar os seus quadros, de forma que consigam aproveitar as oportunidades proporcionadas pelo novo ciclo de prosperidade. “Nos últimos dois anos, que coincidiram com a crise econômica internacional, as empresas buscaram racionalizar ao máximo os seus custos, em uma estratégia de sobrevivência”, diz Henri Vahdat, diretor da linha de serviços de Consultoria em Gestão de Capital Humano da Deloitte. “Agora, elas estão procurando contar com as condições adequadas para viabilizar as suas estratégias de crescimento. Não se ganha o jogo apenas formulando a estratégia de crescimento, mas executando-a com excelência”, diz. Vahdat explica que o dimensionamento de pessoal, entre outros benefícios, contribui para organizar as relações internas da empresa e sua interação com o mundo externo, e estimula a inovação. Anderson Itaborahy, do Banco do Brasil: projeto de governança para redimensionar a área de TI da instituição “As novas estruturas adotadas permitem que as organizações maximizem o seu capital humano no processo de geração de valor”, conta. “Hoje são muitas as situações em que ficam visíveis deficiências no que se refere ao dimensionamento do quadro de funcionários para as atividades e demandas de diferentes áreas das empresas”, diz Leylah Macluf, gerente da mesma linha de serviços. Segundo ela, as aplicações de um correto dimensionamento das áreas são muitas e sempre necessárias. “Há empresas, por exemplo, que contam com um grande número de profissionais próximos da aposentadoria e que ainda não repassaram todo o conhecimento da área em que atuam para as novas gerações de colaboradores”, exemplifica. A abordagem a essa questão é tão diferenciada quanto as necessidades apresentadas em cada caso, de acordo com Paulo Camargo Silva, também gerente de Consultoria em Gestão de Capital Humano da Deloitte. Nessa abordagem, é preciso levar em conta o quanto a empresa pretende investir, o nível de qualidade esperado e a demanda da área. “É preciso sempre verificar a melhor maneira de organizar a área da empresa para que seja mais eficiente, aproveitando as competências profissionais existentes”, explica. Nesse trabalho, pode-se utilizar, por exemplo, um modelo matemático que permita calcular a produtividade da área em questão e, com base nisso, projetar os resultados a serem gerados por uma reestruturação. Entre as empresas que hoje estão realizando trabalhos de reestruturação do seu capital humano estão a Carbocloro e o Banco do Brasil. Na primeira delas, o próprio presidente da empresa definiu a missão de estruturar todas as áreas e revisar todos os processos, estruturas e indicadores, a fim de criar novas bases para o crescimento da empresa. Já no caso do Banco do Brasil, o trabalho envolve a readequação da área 20 • Mundo Corporativo nº 30 Outubro-Dezembro 2010 Leyla Nascimento, da ABRH-Nacional: “Vivemos esses problemas por conta da falta de um planejamento que atrele a formação da mão de obra aos planos de desenvolvimento do País.” de TI, com a mobilização e o engajamento de 5 mil funcionários da instituição, que vive um momento de expansão. O projeto, batizado de “Governança de TI”, teve início há dois anos e encontra-se em implantação, devendo terminar em meados do próximo ano, de acordo com o gerente-executivo do projeto, Anderson Itaborahy. “Para nós, dimensionar o trabalho é uma questão sensível, uma vez que uma empresa estatal enfrenta limitações legais para a contratação”, afirma. “Outra questão é que não selecionamos externamente e, sim, recrutamos internamente”, acrescentou Itaborahy, lembrando que todos os funcionários são contratados por concurso. “Todos entram na empresa como bancários. Para adaptá-los às necessidades da área de TI, por exemplo, investimos bastante em treinamento.” O gerente-executivo acrescentou que, nesse processo de reestruturação, recorreu-se às melhores práticas em algumas questões e à prototipação (teste com o dimensionamento da área para uma pequena parcela do trabalho e seu posterior ajuste de acordo com o desempenho encontrado). “O grande desafio de se realizar o dimensionamento da área de TI é que o trabalho está baseado fortemente no conhecimento, o que pode resultar em grandes variações de produtividade”, diz o executivo. Outra questão levada em consideração foi a definição de níveis de senioridade para os trabalhos. “Na área de TI, se não se pode contar com o nível de senioridade adequado, o trabalho pode ser comprometido”, acrescenta o gerente-executivo. Ele lembra, também, que a realocação de pessoal deverá ocorrer por “ondas”: a primeira está prevista para a virada do ano; a segunda deverá acontecer no primeiro semestre de 2011. “Tivemos nesse processo a preocupação básica de incluir instrumentos que nos assegurem um aperfeiçoamento constante, como deve sempre ocorrer na área de TI”, diz Itaborahy. contudo, que o problema não ocorre somente em níveis hierárquicos das empresas que dependem mais diretamente da educação fundamental e secundária. “Há problemas sérios na qualidade do ensino ministrado em algumas universidades. A universidade nem sempre oferece ao aluno as condições necessárias para que ele exerça a profissão escolhida”, acredita. Leyla Nascimento, presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH-Nacional), acrescenta que o “apagão” da mão de obra no País apresenta dois aspectos: a falta de qualificação dos profissionais e a quantidade insuficiente de pessoas formadas em áreas consideradas em alta no mercado de trabalho, como engenharia e saúde. “Vivemos esses problemas por conta da falta de um planejamento que atrele a formação da mão de obra aos planos de desenvolvimento do País”, diz Leyla. Ela acrescenta que ocorre, por conta dessa falta de planejamento, um excesso de profissionais em setores menos demandantes de mão de obra, enquanto há carência extrema de profissionais em outras áreas. A presidente da ABRH-Nacional considera positiva a reação de as corporações buscarem proporcionar aos seus funcionários a capacitação necessária. “Mas existe uma questão que é o tempo. Por mais que as empresas invistam em universidades corporativas, elas não vão conseguir formar as pessoas no tempo necessário”, diz. O “apagão” da mão de obra no Brasil parece evidenciar que não há mais como adiar, como antecipou o professor Armando Castelar Pinheiro, professor do Instituto de Economia da UFRJ (leia Mundo Corporativo nº 27), a implementação de políticas educacionais e econômicas voltadas para a competitividade do País e baseadas em uma lógica bem diferente da que prevaleceu na maior parte do século 20. Mundo Corporativo nº 30 Outubro-Dezembro 2010 • 21 A década do A preocupação com ecologia e sustentabilidade consolida-se cada vez mais nas escolhas do consumidor brasileiro, forçando empresas a investir em inovação, tecnologia, produção, preço atraente e ações institucionais para avançar no próspero mercado verde. Por Dagoberto Souto Maior Jr. R eduzir, reutilizar, reciclar, cuidar da água do planeta, das florestas e das geleiras, gastar menos energia e proteger a natureza. A causa ecológica, considerada radical há 40 anos, está norteando os negócios e seus princípios são repetidos como mantra por líderes empresariais de todo o País. As razões são muitas e, entre elas, estão as que indicam que o consumidor está mudando, que os mercados “verdes” têm números de crescimento muito positivos e que os recursos naturais que movimentam as indústrias correm risco de acabar. Ouvidos atentos ao mercado, as iniciativas empresariais na direção de uma produção sustentável e de produtos associados à causa verde se disseminam. Apenas para mostrar um indício, a EBX, do empresário Eike Batista, divulgou que vai investir pesado no mercado de carros elétricos, construindo uma fábrica de US$ 1 bilhão no Rio de Janeiro. A promessa é de que o primeiro veículo esteja rodando em 2014. Trata-se de um setor ainda quase inexplorado no Brasil, mas com grande potencial de desenvolvimento. Os anúncios de investimento na produção e comercialização de produtos sustentáveis nas mais diferentes áreas tomam por base números, dos mais diversos institutos, que apontam o crescimento do mercado “verde” nos mais variados segmentos. Para citar um deles, a Câmara de Comércio e Indústria de São Paulo divulgou um levantamento segundo o qual o mercado nacional de sustentabilidade corresponde a 0,8% do mundial, com expectativa de crescimento entre 5% e 7% ao ano até 2020. No mesmo período, o mercado mundial deve atingir uma taxa anual de crescimento de 6,5%. Segundo a pesquisa, os números otimistas tinham como base o fato de as empresas brasileiras terem investido 1% de seu faturamento em iniciativas sustentáveis. Um horizonte a ser descoberto O consumo desse tipo de produto também ainda está aquém do desejado. Segundo a ONG Instituto Akatu, apenas 33% dos consumidores brasileiros estão preocupados com apelos ecológicos. Enquanto isso, a comunidade europeia já lançou o Ecolabel, selo que garante e identifica os produtos que respeitam o meio ambiente. Para Reynaldo Saad, sócio da Deloitte responsável pelo atendimento a empresas dos setores de varejo e bens de consumo, neste primeiro momento, em que o mercado está se desenvolvendo e os preços dos produtos ditos “verdes” ainda são altos para a maioria dos consumidores, o mais provável é que ocorra uma segmentação do mercado, com os produtos sendo procurados por classes com maior poder aquisitivo. “Essas pessoas têm mais clara a percepção da importância da qualidade de vida. À medida que outros produtos forem sendo lançados, haverá capilaridade nas demais classes sociais”, afirma. 22 • Mundo Corporativo nº 30 Outubro-Dezembro 2010 consumo verde Que o diga a Mundo Verde, pioneira no Brasil a falar em consciência verde, produtos naturais e postura ecológica. Há 23 anos, a empresa decidiu que investiria em um futuro diferente para o planeta e agora mostra seus resultados: a maior franquia de produtos naturais na América Latina fechou 2009 com faturamento de R$ 120 milhões e prevê encerrar 2010 faturando R$ 180 milhões e com 40 novas unidades. No ano passado, a Mundo Verde deixou de ser um negócio familiar e concluiu a venda de 100% de suas cotas para um fundo de private equity. Agora, os empresários Sérgio Bocayuva, Donato Ramos, Marcos Leite e Eduardo Nogueira, experientes no varejo brasileiro, levantam a bandeira da Mundo Verde no Brasil e no exterior e acreditam que o consumo desse tipo de produto no País está amadurecendo e passando para um novo estágio. Eram caros e feios no início, passaram a ser “normais” e agora viraram ícones. Mundo Corporativo nº 30 Outubro-Dezembro 2010 • 23 “A mudança mais significativa do mercado de produtos verdes no Brasil é a transformação de um mercado que era de nicho para um mercado de massa, e esse processo ainda está em estágio inicial, devendo apresentar grande evolução nos próximos 10 a 15 anos”, prevê Donato Ramos, diretor de Marketing e RH da rede de franquias. A meta da empresa é chegar a 2015 com 450 lojas. O executivo chama a atenção para um detalhe importante na formação do negócio: a educação do consumidor. “A informação tem um destaque importante, pois temos de ensinar a usar os produtos e sua importância. Por isso, investimos muito em treinamento, com aulas online e na própria loja”, afirma. Para Donato, o fator preço não é tão preocupante quanto a desinformação. “Se os consumidores reconhecerem a importância do produto, verão no preço um valor agregado”, diz. Donato Ramos, da Mundo Verde: produtos “verdes” se transformando em um mercado de massa no Brasil Outra que vem priorizando o mercado ecológico no Brasil é a Philips, que atua em vários segmentos e é líder do setor de eletrônicos, tornando-se a primeira do segmento a desenvolver um sistema nacional 24 • Mundo Corporativo nº 30 Outubro-Dezembro 2010 para o recolhimento e a troca de seus equipamentos usados. O sistema começou em março e está em sua primeira fase, da montagem da estrutura logística para recolhimento e descarte do aparelho. A segunda fase envolverá uma campanha para conscientização e estímulo do consumidor. No mundo, a Philips já alcançou a marca de 50% de aparelhos reciclados. Segundo o diretor de Sustentabilidade da multinacional, Walter Duran, a meta global da empresa é que, em 2015, 50% dos seus produtos sejam “verdes”. Ele explica que o retorno das ações em favor da natureza não representa ganho em dinheiro para a empresa, pois, para cada tonelada de material reciclado, a Philips ainda tem de complementar com recursos próprios os custos da reciclagem. A conta da reciclagem não fecha, mas Duran garante que não há outro caminho. “É inevitável. Primeiro porque, se a sua empresa não fizer, outra empresa vai fazer. Depois, é a sua reputação que está em jogo e, em um mundo preocupado com ativos ambientais, má reputação significa perda de clientes”, explica. De acordo com o executivo, o mercado “verde” vai crescer no Brasil, pois a indústria não tem outro caminho a seguir. “O custo da energia tem de cair, e o consumo dos aparelhos vem diminuindo de 10% a 15% por ano. Há 15 anos, nenhum consumidor se preocupava com energia. Hoje todos olham esse detalhe na hora da compra”, diz. A importância da autenticidade Reynaldo Saad, da Deloitte, chama a atenção para um dos maiores riscos das ações sustentáveis. As empresas precisam cuidar para que ações em favor do “verde” não pareçam falsas aos consumidores, ou isso trará prejuízo para a marca. “É preciso fechar a cadeia produtiva e de vendas. A empresa deve checar se seu fornecedor de matéria-prima é sustentável, se é preocupado com o meio ambiente e se os mais variados elos de sua cadeia são verdadeiramente ‘verdes’, e deixar claro ao seu consumidor que seus cuidados com o meio ambiente ocorrem em todo o processo de produção e venda. Só assim ficará claro que suas intenções são verdadeiras”, afirma. Como exemplo de caso bem-sucedido nesse campo, ele cita o da maior rede de varejo do mundo, o Walmart, que, além dos esforços para incluir sacolas retornáveis em seus caixas, foi além: determinou que as novas lojas da rede devem seguir padrões ecoeficientes, usando materiais reciclados, reduzindo consumo de energia e utilizando meios para aproveitar a água da chuva. Foi uma entre outras iniciativas da varejista para solidificar sua cultura institucional “verde”. As posturas positivas de algumas empresas espelham-se nos números globais para o negócio sustentável, em grande parte, muito animadores em quase todos os segmentos. No segmento de construção civil sustentável, por exemplo, segundo a publicação norte-americana EL Insights, especializada em energia e meio ambiente no mundo dos negócios, o número de edifícios comerciais “verdes” deve aumentar 18% até 2015. O consumo de embalagens que utilizam material reciclado ou biodegradável tem previsão “É preciso fechar a cadeia produtiva e de vendas. A empresa deve checar se seu fornecedor de matéria-prima é sustentável, se é preocupado com o meio ambiente e se os mais variados elos de sua cadeia são verdadeiramente ‘verdes’.” Reynaldo Saad, sócio da Deloitte responsável pelo atendimento a empresas dos setores de varejo e bens de consumo de crescimento anual de 8,4% até 2013, quando alcançará a marca de US$ 43,9 bilhões. É o que mostra um estudo realizado pela Freedonia Group, especialista na pesquisa da indústria. Nos Estados Unidos, o novo consumidor “verde” ganhou até nome especial: scuppies, que pode ser traduzido livremente como Pessoas Socialmente Conscientes e em Ascensão Social (Socially Conscious Upwardly Mobile Persons). Os scuppies avaliam o impacto social, humano e ambiental dos produtos, mas não deixam de consumir e usufruir da tecnologia e do conforto dos tempos modernos. Eles reciclam o lixo, consomem alimentos orgânicos e compram itens produzidos com base no comércio justo. Inovação pela sustentabilidade O eloquente apelo dos produtos “verdes” encontra receptividade primeiramente entre os produtos reconhecidos como vilões da natureza. É o caso da Michelin, fabricante mundial de pneus que criou, entre inúmeras iniciativas voltadas para um mercado sustentável, um grupo que desenvolve tecnologias ecologicamente corretas. No mundo todo, mais de 6 mil pessoas trabalham nos setores de Pesquisa, Desenvolvimento e Industrialização da Michelin. Em 2008, a empresa alcançou a tecnologia capaz de desenvolver o mais moderno pneu quando o assunto é a economia de recursos naturais: o Michelin Energy Saver, para carros de passeio, que permite diminuir o consumo de combustível a partir da ação dos pneus. Mundo Corporativo nº 30 Outubro-Dezembro 2010 • 25 Walter Duran, da Philips: meta de que 50% dos produtos sejam “verdes” em 2015 “Atualmente, o nosso objetivo é desenvolver uma mobilidade sustentável. Para ser sustentável, a mobilidade deve utilizar tecnologias com o objetivo de atender ao desejo generalizado de transportes que tenham menor impacto no meio ambiente”, afirma Glauce Ferman, diretora de Relações Institucionais e Ações em Sustentabilidade da Michelin. No Brasil, 75% dos pneus vendidos são de baixa resistência à rodagem, ou seja, têm o compromisso de reduzir o consumo de combustível e, consequentemente, as emissões de CO2. Além de desenvolver um composto mais moderno, a Michelin reúne outras práticas sustentáveis que englobam sua cadeia produtiva, como a certificação ambiental das fábricas, a ampliação da vida útil dos produtos para reduzir o volume de pneus descartados e um programa para coleta e correta destinação dos itens descartados, o Reciclanip, desenvolvido em 2007. Mais de 240 milhões de pneus de passeio tiveram destino ambientalmente responsável, o equivalente a 1,2 milhão de toneladas de pneus que não poderiam mais ser utilizados. O programa é desenvolvido por meio de parcerias com as prefeituras, que cedem os terrenos para receber o material. São 441 postos de coleta em todo o País, de onde a Reciclanip recolhe e transporta os compostos até as empresas de trituração ou de reaproveitamento. “As empresas que conseguirem entregar um produto melhor, mais barato, mais confiável ou mais sustentável serão as líderes mundiais.” Henry Mason, chefe de Pesquisa da Trendwatching.com 26 • Mundo Corporativo nº 30 Outubro-Dezembro 2010 Oportunidades em outras frentes Se as empresas que realizam a produção e a comercialização estão preocupadas com o meio ambiente, é natural que os agentes financeiros – que administram os recursos que movimentam o mercado – também tenham as mesmas preocupações. Há alguns anos, teve início uma tendência mundial de os investidores procurarem empresas socialmente responsáveis, sustentáveis e rentáveis para aplicar seus recursos. Tais aplicações, denominadas Investimentos Socialmente Responsáveis (SRI), consideram que empresas sustentáveis geram valor para o acionista no longo prazo, pois estão mais preparadas para enfrentar riscos econômicos, sociais e ambientais. No Brasil, a BM&FBovespa criou até um índice de ações para servir como referencial para os investimentos socialmente responsáveis, o Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE). Segundo estudo da Deloitte e da Cleantech Group, os investimentos de capital de risco em empresas de tecnologias verdes cresceram 43%, para US$ 2,02 bilhões, no segundo trimestre de 2010, em relação ao mesmo período do ano passado. As iniciativas e o crescimento do mercado apontam para o surgimento de oportunidades que podem ser exploradas em alguns segmentos. Segundo o estudo da Câmara de Comércio e Indústria de São Paulo, algumas delas estarão presentes na adoção de uma nova legislação, como a recente Lei de Descarte de Resíduos Sólidos, que deverá resultar em processos de privatização ou de concessão de serviços públicos de água e saneamento. Glauce Ferman, da Michelin: aplicação de novas tecnologias para “desenvolver uma mobilidade sustentável” Caminho sem volta, mundo afora Como afirma Donato Ramos, da Mundo Verde, “o mercado de consumo verde no Brasil é uma criança ‘recém-nascida’”. Em cada país, o desenvolvimento desse mercado se dá em ritmos diferentes, mas, seja onde for, o fato é que já não é mais possível pensar o negócio sem se considerar a ótica das “marcas verdes”. A Trendwatching.com, empresa britânica especializada em tendências, verdadeiro termômetro mundial para ajudar a diagnosticar o comportamento do consumidor, divulgou recentemente um grande estudo sobre as principais tendências de consumo em diversos segmentos. O levantamento comprovou o que todos esperavam: os produtos ecologicamente corretos estão em alta em todo o mundo. Para o chefe do setor de Pesquisas da Trendwatching, Henry Mason, a busca por produtos e serviços sustentáveis não é apenas uma “fase” do mercado. Ele sustenta que consumidores do mundo todo estão conscientes de que o atual sistema de produção e de hiperconsumo não pode continuar. “Os sinais disso ficaram muito claros, da crise financeira norte-americana à poluição que atinge a China. Ter os cuidados ambientais entre suas ações é apenas uma das posturas que os consumidores exigem das marcas.” Segundo Mason, apesar de os mercados de produtos “verdes” estarem mais maduros nos Estados Unidos e na Europa, a consciência ecológica já está presente em todos os cantos do planeta. “Os consumidores estão procurando por marcas que se provem relevantes, generosas, mais humanas, abertas e responsáveis. Por isso, qualquer fabricante ou prestador de serviço precisa começar a repensar seu negócio, seu produto, sua personalidade e sua cultura”, analisa. Mason lembra que, para obter resultados sustentáveis sérios, é preciso criar “ecofacilitadores” para produtos e serviços. Isso significa apresentar produtos sustentáveis sem mesmo que os consumidores percebam e, se necessário, sem deixar espaço para que consumidores e empresas optem por qualquer outro tipo de produto que não seja ecologicamente correto. Muitas vezes, para o analista, isso pode significar ações mais fortes de governos, o desenvolvimento de designs mais arrojados, iniciativas mais corajosas das empresas ou, ainda, todos esses fatores combinados. Para se tornar líder mundial em ações sustentáveis, na opinião do executivo da Trendwatching, o Brasil deve apostar na qualidade. “As barreiras para assumir a liderança estão caindo rapidamente. As empresas que conseguirem entregar um produto melhor, mais barato, mais confiável ou mais sustentável serão as líderes mundiais, onde quer que estejam. Os governos podem ajudar, incentivando as indústrias, mas, em última análise, é a qualidade da ideia e o brilhantismo de sua execução que conduzirão ao sucesso”, conclui. Mundo Corporativo nº 30 Outubro-Dezembro 2010 • 27 O peso dos As novas normas contábeis colocam em evidência os chamados “ativos intangíveis”, como marcas, patentes, programas de computador e carteiras de clientes, entre inúmeros outros, que, embora não sejam concretos – como os bens móveis e imóveis de uma empresa –, também têm valor econômico. Por Luiz Silveira 28 • Mundo Corporativo nº 30 Outubro-Dezembro 2010 uanto vale uma agenda de telefones, repleta de contatos de fornecedores e clientes? A resposta é difícil, subjetiva e depende de vários fatores, mas pode fazer a diferença para o sucesso de um negócio. Agora, a correta identificação e avaliação dos chamados “ativos intangíveis” estão ganhando ainda mais importância com o processo de convergência do Brasil para o padrão contábil internacional, o chamado International Financial Reporting Standards (IFRS). As novas normas contábeis colocam em evidência esses ativos, como marcas, patentes, programas de computador e carteiras de clientes, entre inúmeros outros, que têm valor econômico, mas que não são concretos como os bens móveis e imóveis. “É essencial que as empresas se esforcem para entender as regras e criar controles para a formação de ativos intangíveis, valores que eram esquecidos pela contabilidade, mas que nunca foram irrelevantes para o mercado”, diz o sócio-líder da área de Corporate Finance da Deloitte, José Paulo Rocha. intangíveis O fato de a nova contabilidade exigir que os ativos intangíveis sejam discriminados com mais detalhe nos balanços deve ser visto, portanto, mais como uma oportunidade do que como uma obrigação acessória, na avaliação do sócio. Em muitos negócios, os ativos intangíveis têm um peso muito maior do que os tangíveis. Grandes marcas costumam valer muito mais do que todas as fábricas e bens da empresa que as detém, por exemplo. “A sofisticação dos negócios faz com que os intangíveis tenham hoje um peso relativo bastante importante nos balanços, e as empresas com dificuldade na gestão desses ativos estarão em uma situação cada vez menos confortável”, afirma Rocha. O valor de uma marca e de vários outros intangíveis pode ser calculado com base na projeção do caixa que ela gerará ao longo do tempo, mas há processos complexos envolvidos. Basta dizer que há intangíveis impossíveis de serem dissociados do resto da empresa para ter seu fluxo de caixa calculado, como é o caso do histórico positivo de uma organização com os seus fornecedores. “A maior parte das empresas não está capacitada para avaliar esses intangíveis e precisa da ajuda de especialistas para montar projeções de fluxo de caixa ou outros modelos de avaliacão desses ativos, por exemplo”, opina o sócio da área de Global IFRS and Offering Services (GIOS) da Deloitte, Bruce Mescher. Tanto que, para fins contábeis, só podem ser considerados ativos intangíveis aqueles identificáveis e separáveis do resto da empresa, explica a professora de Contabilidade Tânia Relvas, da Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (Fipecafi). “Um bom executivo, por exemplo, é um ativo intangível que influencia no valor da empresa, mas que não pode ser contabilizado como tal porque a empresa não pode isolá-lo do negócio e vendê-lo”, diz Tânia. A partir de 2010, as combinações de empresas feitas no Brasil terão de ser reportadas nos balanços de acordo com o IFRS, ampliando ainda mais os casos em que os gestores terão de lidar com esse tipo de ativo em seus balanços. “Considerando os volumes crescentes de transações de fusão e aquisição previstos aqui no Brasil e no mundo, essa mudança é significativa porque qualquer fusão ou aquisição gera um nível de intangíveis relevante”, diz Mescher, da Deloitte. Onde estão os intangíveis? Saber contabilizar os ativos intangíveis de uma aquisição, portanto, torna-se tão importante quanto calcular os seus valores de mercado na hora de fechar o preço de um negócio. No caso das combinações de empresas, os ativos intangíveis geram efeitos sobre a contabilização do ágio da operação, que é a diferença entre o valor pago por uma organização e o valor do seu patrimônio líquido. É nessa diferença que estão os ativos intangíveis. Tangenciando os intangíveis Os três passos para contabilizar os intangíveis em uma operação de combinação de negócios: •Identificar os ativos intangíveis que estão sendo agregados à empresa •Atribuir um valor de mercado a esses ativos •Definir a amortização para os intangíveis que tenham prazo de vida Como funciona a dedução fiscal do ágio de operações de fusões e aquisições: Categoria do ágio Dedutibilidade a) Mais-valia de ativos Amortizado no valor do próprio ativo b) Rentabilidade futura Amortizado em, no mínimo, cinco anos c) Outras razões econômicas* Não dedutível * Incluem os ativos intangíveis Fonte: Deloitte Mundo Corporativo nº 30 Outubro-Dezembro 2010 • 29 “A sofisticação dos negócios faz com que os intangíveis tenham hoje um peso relativo bastante importante nos balanços, e as empresas com dificuldade na gestão desses ativos estarão em uma situação cada vez menos confortável.” José Paulo Rocha, sócio-líder da área de Corporate Finance da Deloitte Apenas para dar uma ideia do peso do ágio nesse tipo de operação, a compra do controle da Vivo pela Telefonica gera, em tese, um ágio total de cerca de R$ 14 bilhões. Mais de 80% dos € 7,5 bilhões (R$ 16,8 bilhões com o euro a R$ 2,30) que a companhia espanhola pagou à Portugal Telecom (PT) por sua participação de 29,71% no capital da Vivo representam o ágio da operação. Isso porque o percentual de ações detidas pela PT equivale a apenas R$ 2,7 bilhões de patrimônio líquido da Vivo. Mesmo considerando que o valor justo dos ativos da Vivo representados pelas ações da PT seja bem maior do que o seu valor patrimonial, há outros fatores que se somam para chegar nos R$ 16,8 bilhões. São eles os ativos intangíveis, como as sinergias potenciais entre Vivo e Telefonica, Lei do Bem também incentiva contabilização de intangíveis Além da convergência contábil e da maior transparência para com os investidores, outro fator que serve como estímulo para que as empresas contabilizem da forma correta os ativos intangíveis é a Lei 11.196/2005, conhecida como “Lei do Bem”. Essa legislação oferece benefícios fiscais para as empresas que investem em pesquisa e desenvolvimento (P&D), como forma de incentivar a inovação tecnológica. Para auferir parte dos incentivos fiscais, os investimentos que se transformam em ativos intangíveis precisam ser contabilizados no balanço. “Trata-se de uma grande oportunidade para já formalizar os intangíveis e, ao mesmo tempo, otimizar os investimentos em P&D”, afirma Bruce Mescher, sócio da área de Global IFRS and Offering Services (GIOS) da Deloitte. Além da dedução direta dos investimentos em P&D no imposto de renda, a Lei do Bem prevê a amortização acelerada dos bens intangíveis, entre outros incentivos. 30 • Mundo Corporativo nº 30 Outubro-Dezembro 2010 Desde 2008, dentro do processo de convergência contábil, as empresas podem contabilizar em seus balanços os ativos intangíveis decorrentes da fase de desenvolvimento. “No padrão norte-americano, os custos de desenvolvimento sempre foram registrados como despesas, mas, no IFRS, a regra é diferente e acaba forçando as empresas a rever processos e criar controles para identificar quando termina a pesquisa e quando começa o desenvolvimento”, diz Mescher. os ativos intangíveis da própria Vivo e o valor do controle sobre a operadora de celular. Juntos, esses fatores valiam muito mais do que o capital representado pelas ações adquiridas. No novo padrão contábil, uma empresa que incorpora outra tem de detalhar melhor quais são os ativos intangíveis que está recebendo e o valor que está pagando por eles. “A identificação das razões do ágio fica mais clara e isso facilita a análise e a comparabilidade das operações”, avalia o presidente da Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais em São Paulo (Apimec-SP), Reginaldo Alexandre. “A contabilização do ágio era uma das grandes lacunas entre a contabilidade brasileira e as internacionais. Na Europa, já é assim desde 2005 e, nos Estados Unidos, há mais de dez anos”, afirma Mescher. Além de dar maior transparência aos valores envolvidos em uma fusão ou aquisição, a mudança na contabilização do ágio pode gerar efeitos sobre os resultados contábeis das empresas. “Os resultados contábeis e algumas medidas de análise acessórias são afetados pelas novas regras, mas o principal indicador de um negócio, que é o fluxo de caixa, não se altera”, diz Alexandre. Questão fiscal Outro fator que exige a atenção das empresas envolvidas em fusões e aquisições a partir de agora, com relação aos ativos intangíveis, é a forma de deduzir a amortização e depreciação desses ativos do imposto de renda. Embora a nova norma contábil já esteja em vigor para as fusões e aquisições, a legislação fiscal permanece inalterada, o que gerou um descasamento entre a forma como o ágio será declarado para fins societários e para fins fiscais. “Há uma incerteza de procedimento sobre como a Receita Federal interpretará os dados até que uma nova lei seja criada”, afirma a sócia da área de Consultoria Tributária da Deloitte, Cristina Arantes Berry. Tânia Relvas, da Fipecafi: ativos intangíveis são aqueles que podem ser identificados e separados do resto da empresa A explicação é que, no passado, as empresas declaravam a maior parte do ágio como “ágio por rentabilidade futura”, que é passível de dedução fiscal. Com a convergência contábil, as empresas têm agora de detalhar melhor os ativos incluídos no ágio. Se a companhia não conseguir isolar e calcular o valor dos ativos intangíveis, eles podem ser contabilizados em uma categoria de ágio que não é passível de dedução fiscal. É o caso do ágio por “outras razões econômicas”, que representa a diferença entre o valor pago por uma empresa e o valor justo de seus ativos líquidos. Trata-se do chamado “ágio puro”, no qual estão os ativos intangíveis que são impossíveis de serem especificados e individualizados, explica Tânia Relvas, da Fipecafi. O caminho para evitar que operações de fusão e aquisição gerem dedutibilidades fiscais menores é, portanto, tornar os ativos intangíveis o mais concretos possível. “Com a nova regra contábil, ficou mais importante fazer uma correta identificação, valoração e análise dos ativos intangíveis para evitar a perda de possíveis benefícios fiscais”, diz Cristina. Mais do que nunca, será preciso identificar e atribuir valor para os ativos intangíveis, afirma. “E com base nesta atribuição será possível analisar se os mesmos seriam elegíveis de dedução fiscal”, explica. O problema traz à tona a pergunta inicial, sobre como calcular quanto vale um ativo intangível. Mais do que isso, a nuance fiscal tende a privilegiar as empresas que saibam dizer por quanto tempo esse intangível vai gerar caixa, quanto ele rende por trimestre e quanto valor ele perde por trimestre. Na avaliação de Alexandre, da Apimec-SP, o tratamento do Fisco à dedução da amortização do ágio não deverá trazer impacto financeiro para as empresas, “porque, desde o início da convergência contábil, prevalece o conceito da neutralidade fiscal das alterações contábeis e não há nada que indique que esse princípio deixará de ser respeitado”, afirma. “As primeiras respostas sobre a interpretação do Fisco poderão vir no ano que vem, na análise dos balanços de 2010. Além disso, o governo tem cinco anos para revisar as demonstrações. O Fisco também está aprendendo a lidar com as novas regras”, diz Cristina. A solução definitiva, para ela, é uma nova legislação fiscal adequada às mudanças na norma contábil. Mundo Corporativo nº 30 Outubro-Dezembro 2010 • 31 Um salto para A partir deste ano, pequenas e médias empresas também precisam mergulhar no complexo mundo das normas contábeis internacionais. Embora a adequação ao chamado “IFRS” não seja uma tarefa fácil, ela pode ajudar as organizações emergentes a crescer e se estabelecer melhor no mercado. Por Jander Ramon 32 • Mundo Corporativo nº 30 Outubro-Dezembro 2010 o futuro D a mesma forma como já aconteceu com as companhias abertas e as organizações de grande porte em geral, as pequenas e médias empresas (PMEs) brasileiras estão desafiadas a ingressar na nova era da contabilidade. A partir deste ano, elas devem gerar suas informações contábeis, apurar resultados societários e tributários e elaborar demonstrações financeiras adotando o padrão internacional de contabilidade, conhecido como IFRS (sigla em inglês para International Financial Reporting Standards). Especificamente no caso das PMEs, o Conselho Federal de Contabilidade (CFC) homologou, em dezembro de 2009, um conjunto de regras simplificadas, chamado “CPC-PME”. “A regra completa (full) do IFRS abrange 37 normas e 27 interpretações, ou cerca de 2.600 páginas. Elas foram convertidas em outras 55 normas e interpretações do CPC. Já o CPC-PME engloba vários tópicos em uma única norma, com 230 páginas. Mundo Corporativo nº 30 Outubro-Dezembro 2010 • 33 Sem dúvida, a remoção de opções complexas e de tópicos não relevantes da versão completa, levando em consideração a relação entre custo e benefício, representa uma simplificação significativa para o atendimento às empresas de menor porte”, avalia Luciano Cunha, sócio da área de Global IFRS and Offerings Services da Deloitte. A simplificação não significa, entretanto, que a mudança do padrão contábil seja tarefa fácil para as organizações. Como a estrutura conceitual do CPC-PME é nova, mesmo sua versão internacional, apesar de já estar em discussão desde 2001 pelo International Accounting Standards Board (IASB) – a entidade que atualiza as normas internacionais de contabilidade –, só foi emitida em julho de 2009. Portanto, o maior desafio será entender como aplicar o CPC-PME no Brasil sem parâmetros e experiências anteriores de outros países, bem como tornar os usuários dessas demonstrações financeiras familiarizados com a nova estrutura. E o mais importante: as PMEs precisam ter pressa, pois devem fechar o balanço consolidado de 2010 já tendo por base as novas regras. “Não apresentar a contabilidade dentro das normas em vigor significa que a empresa não está alinhada com as novas exigências”, alerta Cunha. “A pequena ou média empresa poderá também enfrentar dificuldades numa operação de fusão e aquisição ou para obter crédito, pois investidores, parceiros ou financiadores não aceitarão a contabilidade em desacordo com a normatização vigente”, completa. Por outro lado – muito mais relevante –, ao seguirem o padrão internacional de contabilidade, as PMEs passam a ter o benefício de terem uma melhor compreensão de seus resultados por agentes financiadores brasileiros e estrangeiros, obtendo crédito e condições menos onerosas e abrindo espaço para o crescimento. Abrem, ainda, caminho para planos mais audaciosos de acesso ao mercado de capitais, realizando, eventualmente, o lançamento de ações em bolsa de valores. 34 • Mundo Corporativo nº 30 Outubro-Dezembro 2010 E quais são os critérios para caracterizar uma PME sujeita às regras do CPC-PME? Tânia Relvas, professora do Departamento de Contabilidade da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da Universidade de São Paulo (USP) e da Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (Fipecafi), responde a partir do critério da exclusão. Ela diz que o pronunciamento CPC-PME indica que empresas que sofrem regulação pelo governo (concessionárias de serviços públicos, instituições financeiras, seguradoras e companhias abertas), demais organizações enquadradas na Lei nº 11.638/07 (Lei das Sociedades por Ações) e empresas de grande porte, cuja receita bruta anual seja a partir de R$ 300 milhões e/ou que possuam ativos de R$ 240 milhões, não podem ser enquadradas no conceito de PME. Todas as demais, sim. “Como essas empresas de pequeno e médio porte contam com uma estrutura menor, elas têm um grau de dificuldade grande para a aplicação da norma. Não se trata mais do mesmo serviço de contabilidade porque, antes, se referia apenas à escrituração. Agora, é uma contabilidade mais complexa, que exige maior controle e que aproxima as práticas das PMEs às das grandes empresas”, analisa a especialista. Edgard Leite, da Fort Knox: “Com a adoção de uma contabilidade universal, conseguimos ter referências, benchmarks e como comparar nosso desempenho em relação aos concorrentes com maior precisão.” Carlos Eduardo Zanotta, gerente da área de Auditoria do escritório de Porto Alegre da Deloitte, pondera que a mudança regulatória atinge até mesmo as empresas optantes pelo modelo Simples. Segundo ele, o desafio de modernizar as práticas contábeis é maior para as empresas qualificadas como “emergentes”, aquelas que, em curto ou médio prazo, poderão tornar-se de grande porte. “Ao se adequar às normas, as empresas, sobretudo as emergentes, terão condições de buscar um sócio ou agente financeiro para suportar seu crescimento”, pontua. Mudanças internas A implementação do IFRS implica mudanças significativas nos processos internos das empresas, atingindo praticamente todas as áreas, que passam a fornecer informações para a contabilidade, suportando o resultado final. Para efeitos fiscais, a mudança deve ter efeito nulo, embora existam algumas diferenças entre apresentar os resultados com base no CPC-PME e no chamado “IFRS total”. “As empresas devem produzir a contabilidade com base no novo padrão e compará-la à regulamentação anterior, da antiga Lei nº 6.404/76 (norma vigente em 31/12/ 2007), considerando os efeitos sobre ativo, passivo e resultado. Depois, para recolhimento do Imposto de Renda, devem entregar a FCont e reportar na DIPJ os resultados ajustados decorrentes da ação do Regime Tributário Transitório (RTT)”, ensina a sócia da área de Consultoria Tributária da Deloitte, Cristina Arantes Berry. “Na prática, deve-se neutralizar os efeitos fiscais provocados pela adoção do CPC-PME para fins contábeis”, acrescenta. A especialista da Deloitte explica que cada organização deve analisar isoladamente, conforme as características da empresa e do mercado no qual atua, quais são os efeitos gerados pela aplicação da nova norma contábil. Alguns dos impactos mais significativos são notados, geralmente, na mensuração de alguns ativos fixos que passam a ser avaliados com base nos seus valores justos, por exemplo, ativos biológicos e instrumentos financeiros. Adicionalmente, os componentes importantes que apresentem “A empresa deve buscar treinamento para os profissionais e melhorar a gestão dos processos internos.” Luciano Cunha, sócio da área de Global IFRS and Offerings Services (GIOS) da Deloitte, comentando sobre as providências necessárias na adequação ao padrão contábil global padrões significativamente diferentes de benefícios econômicos são depreciados de forma separada. Outro exemplo, explica Cunha, da Deloitte, está no caso de aquisições de outras empresas. Por exemplo, o CPC-PME, após ditar os requerimentos para a alocação do preço de compra aos valores justos dos ativos adquiridos e passivos assumidos, admite a amortização do ágio pago pela outra empresa, enquanto a norma integral do IFRS não permite essa possibilidade. A novidade tende, portanto, a gerar custos – ou seriam investimentos? “A empresa deve buscar investir em treinamento para os profissionais, na identificação dos impactos contábeis e colaterais decorrentes da adoção da nova regra, e na melhora da gestão dos processos internos divorciando os aspectos contábeis dos meramente fiscais tão difundidos neste segmento”, indica Cunha. Bons exemplos PMEs que apresentam um ciclo robusto de crescimento têm, como traço comum, a aplicação de boas práticas de governança e gestão, entre as quais, contar com uma contabilidade atualizada e passar por auditoria externa. É o caso da Fort Knox, empresa de serviços de segurança privada que desponta como uma das PMEs que mais crescem no Brasil, segundo o último levantamento anual produzido pela Deloitte em parceria com a revista EXAME PME. “Tratar as informações contábeis de forma transparente e fiel, com parecer de auditoria externa, agrega valor ao nosso negócio. Hoje, percorremos um pedaço do caminho que buscamos, de crescimento contínuo, mas ainda precisamos evoluir”, relata Edgard Leite, diretor superintendente Mundo Corporativo nº 30 Outubro-Dezembro 2010 • 35 da Fort Knox. “Já investimos alguns milhões em sistemas de informação para aprimorar nossos processos e controles e mitigar riscos, mas ainda temos o desafio de melhorar esse procedimento, a fim de ter uma aferição mais precisa no resultado por contrato, cliente e site de serviços”, informa. José Anderson Santana, da TÜV Rheinland: “Não existe migração contábil pela metade e foi preciso um realinhamento de todos os trabalhos.” Leite afirma que a nova dinâmica global de negócios tem interferido diretamente na forma como a empresa é administrada, chegando também à sua gestão da contabilidade. Embora se refira ao setor de segurança privada no Brasil para explicar a lógica de atuação empresarial, o mesmo princípio vale para outras PMEs nacionais. “No setor de atuação da Fort Knox, a lei exige capital 100% nacional, mas o mercado passa por mudanças rápidas e é possível que seja aberto aos estrangeiros. O segmento também é muito pulverizado e passará por consolidação. Nossa empresa estará na ponta compradora e, para sermos consolidadores, temos de contar com uma contabilidade precisa para acessarmos crédito e crescermos”, afirma. “Além disso, com a adoção de uma contabilidade universal, conseguimos ter referências, benchmarks e como comparar nosso desempenho em relação aos concorrentes com maior precisão.” Contar com a aplicação do padrão internacional de contabilidade também favoreceu a operação da TÜV Rheinland no Brasil, braço nacional do grupo alemão na área de certificação. A operação brasileira faturou cerca de R$ 170 milhões, em 2009, e, desde 2006, a filial adquiriu outras quatro empresas no Brasil. “Internacionalmente, utilizamos o IFRS total para enviar os relatórios para a matriz da Alemanha e, no mercado doméstico, adaptamos a contabilidade ao CPC-PME, a fim de atualizar nossa estrutura interna e absorver e superar os impactos do novo padrão contábil”, explica Alexandre Prospero, superintendente financeiro e administrativo da TÜV Rheinland Brasil. Segundo José Anderson Santana, controller da empresa, a aplicação do IFRS – tanto a versão completa como o CPC-PME – exigiu ajustes significativos da estrutura operacional, como no caso de avaliação dos ativos. “Não havia uma cultura de avaliação, de estimar a vida útil de um bem e de verificar a sua recuperabilidade; precisamos desenvolver toda uma série de critérios”, conta. A empresa teve de investir em treinamentos dos profissionais e, ao mesmo tempo, explorar o conhecimento gerado a partir da experiência de sofrer auditoria nos processos e resultados. “Não existe migração contábil pela metade e foi preciso um realinhamento de todos os trabalhos”, informa Santana. Como no caso da TÜV Rheinland, Cunha e Zanotta, da Deloitte, recomendam às empresas avaliarem, com base em seu perfil e nas perspectivas de crescimento, qual a melhor regra contábil que deve ser aplicada na empresa. “A versão completa deve ser uma opção a ser considerada, principalmente pelas empresas que estão em um movimento de expansão e, em pouco tempo, podem ser enquadradas como de ‘grande porte’. Nesse caso, toda a contabilidade feita com base no CPC-PME terá de ser refeita, ajustada”, alerta Cunha. “O mesmo vale para quem pretende abrir capital. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) não aceita o padrão CPC-PME para quem vai entrar na bolsa”, enfatiza Zanotta. Em todos os casos, é importante que as organizações que ainda não se enquadraram tenham pressa. O último trimestre do ano já chegou e a contabilidade precisa, necessariamente, estar ajustada. 36 • Mundo Corporativo nº 30 Outubro-Dezembro 2010 Correntes do bem As ONGs vão assumindo os programas de responsabilidade social das empresas e provando a elas que dominam os princípios da boa gestão dos projetos. Mais do que isso, deixam lições de boas estratégias e excelentes resultados na construção de uma sociedade melhor. Por Celia Demarchi B oas quando o assunto é gestão, as grandes organizações, porém, podem se perder na administração de projetos que não fazem parte de seu core business (negócio principal). É o caso dos programas de responsabilidade social corporativa, que as empresas brasileiras começam a transferir para quem, de fato, têm expertise nessa área: as Organizações Não Governamentais (ONGs). No entanto, isso só tem sido possível porque essas entidades conseguem, cada vez mais, comprovar que aprenderam a fazer de forma eficiente o que as empresas sempre fizeram: gestão. Porém, se é verdade que as ONGs “bebem” nas fontes das empresas, também é fato que elas têm algo a lhes ensinar: “As organizações privadas podem aprender com o Terceiro Setor a atrair e reter talentos e a ser muito transparentes”, diz Nick van Dam, diretor global de Aprendizado, Inovações e Soluções de e-Learning da Deloitte e também fundador e presidente da E-Learning for Kids, entidade que estimula a educação pelo meio virtual e está presente hoje em 190 países. Mundo Corporativo nº 30 Outubro-Dezembro 2010 • 37 A grande maioria das ONGs, porém, ainda tem bastante a aprender com as empresas, de acordo com van Dam. Deveriam, por exemplo, ter profissionais voltados a construir e manter relacionamento com as organizações, com o objetivo de levantar recursos: “Particularmente no Brasil, conta-se ainda com as relações pessoais para isso”. Valdir Cimino, da Associação Viva e Deixe Viver: “O voluntário brasileiro ainda se comporta de modo assistencialista, não percebe que precisa assumir um compromisso.” Exemplos de sucesso Entre as entidades bem-sucedidas às quais as empresas buscam se associar para investir em responsabilidade social está o Instituto Ayrton Senna. “Começamos com licenciamento, mas as empresas começaram a nos procurar. Desde então, cresceu muito o número das que optam por patrocinar projetos e, assim, não precisar bater a cabeça com algo fora de seu core business”, diz Viviane Senna, presidente da instituição. Fundada em 1994, a entidade trabalha para melhorar o desempenho escolar de crianças e jovens de escolas públicas por meio de programas pedagógicos com “DNA” de gestão, como define Viviane. Com 80 funcionários e um orçamento que varia entre R$ 17 milhões e R$ 21 milhões por ano, o instituto beneficiou, de 1999 a 2009, cerca de 10 milhões de crianças e jovens de 1,6 mil cidades de todos os Estados brasileiros e do Distrito Federal, com resultados surpreendentes (leia o quadro na pág. 41). Neste ano, 2 milhões de funcionários estão sendo atendidos. Os programas atacam essa dura realidade: no Brasil, a cada dez crianças que entram na primeira série, apenas cinco chegam à oitava e três concluem o curso médio. “É problema de gestão mesmo. Uma empresa que fizesse isso viveria menos de três meses”, diz Viviane. O Instituto desenvolveu uma série de soluções cujo cerne é a gestão de processos: ensinam o gestor público a ler os números e a diagnosticar e montar planos de intervenção para cada tipo de problema. Uma meta óbvia é alfabetizar 100% das crianças, mas, para cumpri-la, é preciso fazer o aluno frequentar as aulas e ler diariamente determinados tipos de texto, além de certa quantidade de livros por ano. É nesse ponto que a gestão se torna crucial. “As empresas privadas podem aprender com o Terceiro Setor a atrair e reter talentos e a ser muito transparentes.” Nick van Dam, diretor global de Aprendizado, Inovações e Soluções de e-Learning da Deloitte 38 • Mundo Corporativo nº 30 Outubro-Dezembro 2010 A metodologia do Instituto Ayrton Senna possibilita monitorar cada aluno, por meio de software, alimentado com informações inseridas pelos professores, diretores de escola e secretários. Pode-se escolher, de São Paulo, uma cidade qualquer do Brasil, uma escola, uma classe, um aluno e descobrir, no mesmo momento, quantas faltas ele teve no mês, quantos livros leu e suas notas. Assim como o Instituto Ayrton Senna, a Associação Viva e Deixe Viver conquistou, ao longo de seus 13 anos, o patrocínio de várias empresas para um trabalho cuja meta seu presidente, Valdir Cimino, define como “humanização da saúde”. Trata-se de contar histórias a crianças e jovens internados em hospitais por meio de voluntários devidamente capacitados. Na entidade, a gestão começa na seleção dos voluntários, que é também um treinamento. As vagas são concorridas. No Estado de São Paulo, onde está a maior parte dos 83 hospitais em que a entidade atua, distribuídos em nove Estados brasileiros, a entidade tem de limitar a 600 a relação candidato/vaga a cada ano. O processo seletivo, premiado pela Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH), leva três meses. Ao final, são admitidos apenas 150 Viviane Senna, do Instituto Ayrton Senna: “Cresceu muito o número das (empresas) que optam por patrocinar projetos e, assim, não precisar bater a cabeça com algo fora de seu core business.” Mundo Corporativo nº 30 Outubro-Dezembro 2010 • 39 Ana Lúcia Suzuki Araújo, da Basf: “Elas (entidades sociais) ficam com a parte de relacionamento com stakeholders (públicos de interesse) e de monitorar os resultados, pois esse não é o core business da empresa.” candidatos, dos quais 25% devolvem o avental da associação após seis meses de atividade. “O voluntário brasileiro ainda se comporta de modo assistencialista, não percebe que precisa assumir um compromisso”, diz Cimino. Durante o processo de seleção, o candidato assiste a palestras e participa de vivências, bem como de dinâmicas dentro dos hospitais. Só depois é que começará a ser testado e treinado para, especificamente, contar histórias. Após passar por essas etapas, o candidato ganha uma vaga de contador de histórias: irá trabalhar duas horas por semana voluntariamente em um hospital. Uma vez admitidos e em ação, os contadores de história são monitorados: “Preenchem relatórios de suas atividades para que se possa entender como trabalham e ainda saber se são assíduos”, explica Cimino. Os resultados do trabalho podem ser medidos de forma objetiva. Uma pesquisa realizada em 2006 pela psicóloga Cláudia Mussa com 24 pacientes de 5 a 16 anos com câncer, internados na Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, por exemplo, demonstrou que, após uma sessão de história, diminuíram em 80% as reclamações entre os pacientes e em 75% as queixas específicas de dores. Também a E-Learning for Kids, fundada em 2004, ampara-se no modelo que associa vários patrocinadores. E tem sido muito bem-sucedida, em especial, nos últimos 12 meses, segundo Nick van Dam, da Deloitte. Com várias dezenas de parceiros em todo o mundo, a ONG dissemina conteúdos educacionais acessíveis pela internet, 40 • Mundo Corporativo nº 30 Outubro-Dezembro 2010 CD ROM e/ou programas instalados em computadores. São cursos lúdicos e relacionados ao currículo escolar, que visam facilitar o aprendizado de crianças de 5 a 12 anos nos pontos mais remotos do planeta. Neste ano, a entidade prevê alcançar 2,5 milhões delas. Para desenvolver cursos, traduzi-los do inglês para outras línguas, inclusive o português, e distribuí-los, a e-Learning for Kids conta com 120 voluntários de diversos países. Eles atuam no meio virtual e se comunicam por meio do programa Skype e das redes de relacionamento da web. Todo o gerenciamento é feito por sistemas online de compartilhamento de documentos entre computadores. “Temos padrões de qualidade para design e desenvolvimento de cursos, além de pessoas incumbidas de garantir a qualidade”, diz van Dam. Terceirização social Já na multinacional de origem alemã Basf, a tendência é cada vez mais os projetos serem gerenciados pelas entidades sociais parceiras, segundo Ana Lúcia Suzuki Araújo, gerente de Responsabilidade Social Corporativa da empresa para a América do Sul. “Elas ficam com a parte de relacionamento com stakeholders (públicos de interesse) e de monitoramento dos resultados, pois esse não é o core business da empresa”, revela. A Basf realiza, por exemplo, o programa ReAção, que tem como objetivo ensinar Ciências por meio de aulas práticas, com experimentos, a fim de desenvolver a capacidade de raciocínio dos alunos e melhorar seu desempenho escolar. Parceira da Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) Rever Juntos, que o gerencia, o programa é desenvolvido nas escolas públicas de Guaratinguetá, Estado de São Paulo, onde fica uma das fábricas da Basf. A empresa investiu cerca de R$ 400 mil no ReAção, desde 2006. Com apenas três coordenadores, a entidade capacita, a cada ano, em torno de 500 professores, beneficiando aproximadamente 10 mil alunos de 23 escolas de educação infantil ao ensino fundamental da cidade. Sinais de gestão eficiente Alguns dos resultados alcançados por dois dos programas do Instituto Ayrton Senna Acelera Brasil (Presente em 955 municípios de 25 Estados e no DF) •Em cinco anos, 52% dos alunos na Paraíba saltaram de série •Em Pernambuco, a taxa de abandono (3,2%) é bem menor que a média do Brasil (10,3%) e do Estado (14,8%) •No Tocantins, 99,5% dos alunos foram promovidos em 2008 Se liga (Presente em 890 municípios de 25 Estados e no DF) •No Piauí, o índice de alfabetização ficou em 92,8%, em 2008 •Em Sergipe, a taxa de abandono dos alunos de 1ª série que não participam do programa é mais que o dobro do índice de abandono dos que participam •No Tocantins, o percentual de alunos não alfabetizados caiu de 6,8% para 1%; quase 100% dos alunos aprenderam a ler e a escrever e as taxas de abandono zeraram No começo, foi preciso orientar os professores um a um, mas, desde 2008, cada escola e cada turno contam com um professor multiplicador: “Ensinamos a metodologia. Levanta-se a hipótese e se faz o experimento”, diz Margarida Guimarães, coordenadora pedagógica do programa. O processo é monitorado por meio de registros de alunos e professores e reuniões semanais da coordenadora com os multiplicadores. De acordo com uma pesquisa feita pela Rever Juntos, em 2009, mais de 90% do professores engajados no programa afirmam que não voltariam à prática anterior. Entre 2006 e 2009, a reprovação caiu em 15% e a evasão despencou 66,7% nas escolas atendidas. Em estatísticas e tantos casos bem-sucedidos, o terceiro setor vai deixando suas lições para as empresas brasileiras e o próprio governo, comprovando que é sempre possível conciliar boas práticas de gestão e resultados satisfatórios com a construção de uma sociedade melhor. Mundo Corporativo nº 30 Outubro-Dezembro 2010 • 41 O mundo e a corporação A colheita em tempos de escassez “Se você semear as causas certas, colherá os efeitos desejados.” Bryan Tracy, escritor e especialista em liderança empresarial Enquanto o Brasil sofre com a escassez de mão de obra qualificada e, com isso, corre o risco de atravancar o seu desenvolvimento em meio a demandas e oportunidades geradas por uma economia estabilizada e em expansão, outros países mostram que também têm dificuldades em recrutar bons talentos para sua força de trabalho. A pesquisa “Gestão de talentos em uma economia turbulenta”, conduzida durante um ano de intensa investigação pela Deloitte, em parceria com a Forbes Insights, entrevistou mais de 350 funcionários e recolheu 1.600 respostas de executivos e gestores de Recursos Humanos que representam empresas das Américas, da Ásia, da Europa, do Oriente Médio e da África. O estudo ressalta que a elevada taxa de desemprego de hoje, nos países mais ricos, não garante que o talento estará disponível quando se precisar dele. Apontou também que empresas que utilizaram a recessão como estratégia de retenção colocaram sua conta em risco, que uma remuneração atrativa é importante e que a empresa deve gerar oportunidades para que seus funcionários se diferenciem no mercado. Ela identificou marcos fundamentais que os executivos devem considerar em seus esforços de traçar estratégias para recrutar e reter bons profissionais, sobretudo neste novo ciclo da economia mundial pós-crise. Entre as conclusões, a pesquisa destaca que há um “paradoxo da abundância em meio à escassez”, em referência ao grande número de profissionais disponíveis no mercado, enquanto apenas uma pequena parcela deles é capaz de se adequar às oportunidades oferecidas. MundoCorporativo Conselho editorial: Juarez Lopes de Araújo Heloisa Helena Montes Coordenação editorial: Renato de Souza, Mtb 26.563 Produção editorial: Gabriel Fortes Produção gráfica: Leonardo Salles Pesquisa e tratamento de imagens: Elisa Paulillo e Otavio Sarsano Arte: Mare Magnum Colaboração: ABRH-Nacional, Andrade Fotos: Gutierrez, Associação Viva Fellipe Bryan Sampaio (Pág. 20) e Deixe Viver, Basf, Fiesp, Lindivaldo Ribeiro da Silva (Pág. 7) Fipecafi, PM-SP, Instituto Walter Craveiro (Pág. 34) Ayrton Senna, Michelin, Mills, Mundo Verde, Philips, Reportagens: Unicamp e Tüv Rheinland Celia Demarchi Dagoberto Souto Maior Jr. Coordenação de pesquisa Eugênio Melloni econômica: Giovanni Cordeiro Gleise de Castro Jander Ramon Revisão: Miriam M. Soares Luciano Correia Sonia Hagemann Luiz Silveira 42 • Mundo Corporativo nº 30 Outubro-Dezembro 2010 Gráfica: Log & Print Tiragem: 131.000 exemplares Contato para leitores: [email protected] (fone 11-5186-6686) O conteúdo dos artigos assinados pelos articulistas colaboradores e das entrevistas concedidas à Mundo Corporativo não reflete necessariamente as opiniões da Deloitte. www.deloitte.com.br – Acesse, no site da Deloitte, mais informações sobre os assuntos tratados nesta edição e em edições anteriores. Estão reservados à Deloitte todos os direitos autorais desta publicação. A reprodução de informações nela contidas está sujeita à autorização prévia, mediante consulta formal e citação de fonte. Filiada à Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje) O mercado está forte. Aproveite a grande colheita. Mundo Corporativo nº 30 Outubro-Dezembro 2010 • 43 “Deloitte” refere-se à sociedade limitada estabelecida no Reino Unido “Deloitte Touche Tohmatsu Limited” e sua rede de firmas-membro, cada qual constituindo uma pessoa jurídica independente. Acesse www.deloitte.com/about para uma descrição detalhada da estrutura jurídica da Deloitte Touche Tohmatsu Limited e de suas firmas-membro. © 2010 Deloitte Touche Tohmatsu. Todos os direitos reservados.